Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0145/20.0BALSB
Data do Acordão:09/22/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
IVA
LEASING
CÁLCULO PRO RATA
Sumário:Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações (inputs promíscuos) através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Nº Convencional:JSTA00071253
Nº do Documento:SAP202109220145/20
Data de Entrada:12/09/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO A..............., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CIVA ART23 N2 N3 AL.B) E N4
Aditamento:JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA: acórdãos de 04/03/2020, proc. 052/19.0BALSB, de 06/05/2020, proc. 01745/10.2BELRS, de 30/09/2020, proc. 095/19.3BALSB, de 04/11/2020, proc.s 038/20.1BALSB e 0100/19.3BALSB, e de 20/01/2021, proc. 0101/19.1BALSB.
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi n.ºs 2 a 4 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no Processo n.º 852/2019-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrido o Banco A……………….., S.A., sinalizado nos autos, relativo à determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas, no que respeita aos contratos de locação financeira e à correspectiva exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas se considerando para efeitos de dedução o montante de juros e outros encargos facturados, e invocando contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, com o lavrado no processo n.º 0485/17 em 15-11-2017, proferido pelo STA.

Inconformada, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira, as seguintes conclusões:

A. O presente recurso confina-se ao segmento decisório em que se discute e decide da legalidade aferição da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas, isso no que respeita aos contratos de locação financeira e à correspectiva exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas se considerando para efeitos de dedução o montante de juros e outros encargos facturados.

B. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

C. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

D. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão Recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

E. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

F. Em ambos os Acórdãos, Autora e Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.

G. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

H. No acórdão recorrido, a Requerente, ora Recorrida, deduziu, nas declarações periódicas relativas aos três períodos do exercício de 2011 aqui em causa, o IVA com base no cálculo do pro rata provisório – onde excluiu as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados -, tendo apurado um pro rata definitivo para o ano de 2010 de 24%, donde resultou o valor a deduzir de € 40.146,61 para o mês de Abril de 2011, € 65.698,60 para o mês de Maio e € 51.637,14 para o mês de Junho.

I. O pro rata correcto é de 68% caso se considere, quer no numerador quer no denominador, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados donde resultará o valor a deduzir de €113.748,73 para o mês de Abril de 2011, € 186.146,03 para o mês de Maio e € 146.305,22 para o mês de Junho.

J. No acórdão fundamento, a Autora apurou um montante a deduzir distinto do apurado por recurso ao pro rata provisório, tendo sido calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa 30.018.

K. No acórdão recorrido, a Requerente, directamente por via arbitral, assaca às autoliquidações em dissídio vícios de violação de lei, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA.

L. No acórdão fundamento, a Autora imputa aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que, nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

M. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

N. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

O. Tanto no acórdão Recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, sendo irrelevante a alegação genérica, ínsita na maioria dos Acórdãos que vêm sendo lavrados no Centro de Arbitragem Administrativa, de que ao TJUE somente cabe a interpretação dos Tratados, isto porque, perante idêntica situação de facto estava em causa saber no processo decidido pelo STA se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

P. Foi decidido por aquele Tribunal arbitral que:
«No presente Processo está precisamente em causa aferir se na determinação do pro rata devem ou não ser consideradas, quer no numerador quer no denominador, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
Vejamos.
De acordo com o entendimento da AT não deverá ser incluído no numerador e no denominador da fracção a componente de amortização de capital nas rendas dos contratos de locação financeira mobiliária (e, bem assim o valor de alienação/indemnização/abate de bens locados), mas apenas a componente de juros.
Assim, no Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, veio a AT estabelecer, designadamente, o seguinte: “Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD”.
No tocante à amortização financeira, tem defendido a AT que “a componente financeira correspondente à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado”, não sendo uma contrapartida de uma transmissão de bens ou prestação de serviços, “não tem a natureza de proveito e não pode, por isso, integrar o volume de negócios” (cfr. Relatório de Inspecção relativo ao ano de 2008, junto como documento n.º 9).
No mesmo sentido, no respeitante à alienação/indemnização de bens abatidos por destruição, a AT defende que “o valor da indemnização não constitui proveito do locador” nem “integra[m] o volume de negócios” (Cfr. Relatório de Inspecção relativo ao ano de 2008, junto como documento n.º 9).
Isto é, de acordo com o entendimento veiculado pela AT, nenhuma das situações supra referidas se consubstancia como um verdadeiro proveito, não podendo, por isso, integrar o volume de negócios e, consequentemente, fazer parte do cálculo do pro rata. (…)
Com efeito, o entendimento da AT de tributar toda a renda, como determina o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, do CIVA, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização não tem apoio directo nos textos legais. Não se encontra prevista na legislação nacional a possibilidade de a AT poder alterar / modelar a componente do pro rata, não tendo o legislador nacional feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção. As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, no nosso ordenamento jurídico, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real (n.º 3, alínea b) do artigo 23.º do CIVA), ou, quando resultam do facto de o sujeito passivo ter optado por este método, da imposição de o abandonar (parte final do n.º 2 do mesmo artigo). É certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afectação real, a Administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas tais condições não podem consistir em alterações ao pro rata de dedução nos termos ora pretendidos pela AT.
De facto, as regras acolhidas na Directiva do IVA, não obstante a margem concedida aos Estados membros no âmbito do exercício do direito à dedução de bens e serviços de utilização mista, não atribuem à AT poderes para alterar o modo de cálculo da percentagem de dedução do IVA autorizada para os bens de utilização mista, ou seja, relativamente aos custos comuns que não puderam ser atribuídos por critérios objectivos aos dois grupos de operações, tributadas e isentas, do sujeito passivo.
(…)
Adite-se ainda que a jurisprudência do TJUE no denominado Caso Banco Mais, não poderá colher no sentido invocado pela AT.»

Q. E continua-se, no Acórdão arbitral:
«Com efeito, neste Caso o TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os Estados membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método. Ora, analisado o Acórdão do TJUE proferido no Caso Banco Mais, conclui-se que parte de uma premissa que não está correcta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.
De facto, não se nos afigura que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) represente uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Directiva.
(…)
Termos em que se conclui que o disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, não confere a possibilidade à AT de, no âmbito da aplicação do método do pro rata a um sujeito passivo que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, apenas considerar os juros na fracção do pro rata de dedução, pelo que a imposição de utilização do “coeficiente de imputação específico” indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade ao qual a AT se encontra subordinada em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT), devidamente explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, procedendo, assim, o pedido de pronúncia arbitral.»

R. Tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, isto porque, perante idêntica situação de facto estava em causa saber no processo decidido pelo STA se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

S. No Acórdão Fundamento n.º 0485/17 foi entendido que o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA constituía a transposição para o ordenamento jurídico interno do artigo 17.º, n.º 5 do 3.º parágrafo da Sexta Directiva.

T. O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

U. O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição - patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros - vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009:
«(…) Sustenta a recorrente que, ao invés do que resulta da sentença recorrida e conforme decorre do próprio acórdão do TJUE proferido no “Caso Banco Mais”, o art. 23°, n° 2 do CIVA não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do art. 17°, n° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva. Além de que, no caso, seria essencial considerar que nos termos do disposto na al. h) do n° 2 do art. 16° do CIVA é toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista e, de todo o modo, também não resulta daquele acórdão do TJUE que a AT, em circunstâncias como as dos autos e em conformidade com o Ofício-Circulado n° 30108, se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à recorrente de um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata, de acordo com o previsto no n° 4 do art. 23° do CIVA. Não procede, porém, esta argumentação. Foi na sequência de um pedido de decisão prejudicial formulado pelo STA (no processo n° 1017/12) no âmbito da interpretação da referida Sexta Directiva (77/388/CEE), que o TJUE veio a pronunciar-se. A questão formulada ao TJUE foi a seguinte: «Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?».
E o TJUE, por acórdão proferido em 10/7/2014 (proc. C-183/13), emitiu pronúncia nos termos seguintes:
O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».
Isto, na consideração de que (cfr. os considerandos 30 a 35 do acórdão), atendendo à redacção de tal norma, ao contexto em que se insere, aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, e à finalidade desse mesmo preceito, resulta que qualquer Estado-Membro que exerça a faculdade ali prevista deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução. Concluindo o TJUE que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos. É que, na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel.
(…)
Concluímos, pois, que a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento na interpretação do disposto nos nºs. 2 e 3 do CIVA, em concordância, aliás, com a interpretação do art. 17°, n° 5, 3° parágrafo, al. c), da Sexta Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 7/5/1977, efectuada no apontado acórdão do TJUE. Neste sentido tem decidido, aliás, o STA, em situações semelhantes, como pode ver-se dos acs. de 20/10/2014, no proc. nº 1075/13, de 4/3/2015, nos procs. nº 1017/12 e nº 81/13, de 17/6/2015, no proc. 1874/13 e de 27/1/2016, no proc. 331/14.»

V. Enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, que os Estados-Membros, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral concluído que se deve concluir que: «não se nos afigura que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) represente uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Directiva.
No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Arbitral nas suas decisões proferidas nos Processos Arbitrais números 309/2017-T, 311/2017-T 312/2017-T, 335/2018-T, 339/2018-T, 498/2018-T, e 581/2018-T14, a cujas conclusões aderimos.
Termos em que se conclui que o disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, não confere a possibilidade à AT de, no âmbito da aplicação do método do pro rata a um sujeito passivo que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, apenas considerar os juros na fracção do pro rata de dedução, pelo que a imposição de utilização do “coeficiente de imputação específico” indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade ao qual a AT se encontra subordinada em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT), devidamente explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, procedendo, assim, o pedido de pronúncia arbitral.»

W. Recorde-se, ainda sobre esta problemática, que o Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, já repetida, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

X. E tendo-se ainda concluído no Acórdão Fundamento que essa restrição, ideia também patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.Y. Também neste sentido o Acórdão do STA n.º 01075/13, de 29-10-2014: «Portanto, a interpretação que deve ser feita do artigo 23º do CIVA, no entender do TJUE, deve englobar necessariamente todos os seus números e não apenas os n.ºs. 1 e 4 como parece fazer crer a recorrida.
E portanto, o TJUE ao determinar que, o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, pronunciou-se expressamente sobre a concreta situação dos autos.
Não há qualquer dúvida que também no caso dos autos a AT impôs à recorrida um critério e método diferente de cálculo, precisamente por questionar e não concordar com os resultados produzidos pelo método de cálculo utilizado pela recorrida. E isso resulta claramente do segmento do relatório da AT reproduzido na matéria de facto, encontrando-se aí claramente indicadas as razões que determinam o critério adoptado pela AT, quer o próprio critério em si mesmo considerado, cfr. fls. 47 a 49 do relatório junto ao PA apenso.
Ora, não se conseguindo vislumbrar, face aos argumentos trazidos pela recorrida aos autos, quando se pronunciou sobre o acórdão do TJUE, que esta solução jurídica definida pelo TJUE não seja coincidente com a situação de facto e de direito retratada no presente processo, não vemos como não lhe aplicar tal doutrina e, por consequência, teremos que concluir que sentença recorrida errou ao julgar procedente esta ilegalidade que vinha assacada ao acto de liquidação impugnado.»

Z. Ou ainda mais recentemente o Acórdão do STA 052/19.0BALSB, que serviu de base ao 07/19, 95/19 e 38/20:
«Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.
E é precisamente por este motivo que não colhe a argumentação da Recorrida quando vem arguir que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é, necessariamente, “toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista”. E não colhe porque, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.»

AA. A tese defendida pela AT entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: «O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade» – v.g. Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 111.

BB. Atendendo ao disposto no artigo 19.° da Sexta Directiva e ao art.º 23.°, n.º 1 do CIVA, o objectivo normativo é o de encontrar um modo de afastar a dedução dos custos de IVA respeitantes a atividades isentas, limitando assim o alcance da dedução adequando-a ao modo de funcionamento do sistema do IVA.

CC. A jurisprudência comunitária, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de actividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a mera detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui actividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução.

DD. No caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e, sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a percepção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução.

EE. Seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será totalmente dedutível.

FF. Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.

GG. No cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afetação real aqueles custos são diretamente imputados e o respetivo IVA é integralmente dedutível.

HH. A não ser assim, permitir-se-á um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduzirá a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

II. Face a todas as considerações que antecedem, e tal como decidido no processo C-183/13 – TJUE e reforçado pelo Acórdão fundamento, «há que responder à questão submetida que o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»

JJ. O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014, cujo sumário se deixa transcrito: «Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros.»

KK. Por fim, chamar à atenção para o facto de, na presente situação, não ser possível ordenar a ampliação da matéria de facto, porquanto, como refere a ora Recorrida nos artigos 61.º a 63.º da petição inicial, nem sequer apresentou reclamação graciosa por se tratar de questão meramente de direito: a apresentação de reclamação graciosa é dispensada sempre que o seu fundamento consista exclusivamente em matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT (cfr. artigo 62.º da p.i.)

LL. Deste modo, é impossível, porquanto a discussão no presente plano é meramente jurídica, apurar se a utilização dos bens e serviços de natureza mista eram (ou não) sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos.

MM. Caso no entanto assim não se entenda, e venha este Tribunal a revogar a decisão arbitral e ordenar assim a ampliação da matéria de facto em sede de primeira instância para a produção daquela prova, desde já se requer que, à cautela, defina e densifique a natureza conceptual das expressões sobre cuja eventual prova importa que recaia, a saber, designadamente: «financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira» e «disponibilização dos veículos».

NN. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

OO. Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

PP. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser revogado e substituído por outro, convergente com o Acórdão Fundamento.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:
- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E
- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça.

O recorrido Banco A……………….., S.A. apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos:

A. A Recorrida considera que não se verificam os pressupostos para a admissão do presente recurso jurisdicional de uniformização de jurisprudência nos termos do artigo 152.º do CPTA (ex vi artigo 25.º, n.º 3 do RJAT) porquanto, no acórdão fundamento, foi dado como não provado que “A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”. E, por ter sido dado como não provado este facto, o STA convoca a jurisprudência do TJUE (Caso Banco-Mais processo C-183/13), nos seguintes termos: “Além de que foi também em obediência a essa decisão de ampliação da matéria de facto, (com vista à aplicação da doutrina do acórdão do TJUE) que o tribunal a quo julgou não ter ficado provado que os custos (suportados em 2010) relativamente aos quais não se conseguira apurar, especificamente, a que tipo de operações estavam associados (se a operações financeiras isentas de IVA ou a operações tributadas de locação mobiliária, tendo por objecto veículos automóveis, traduzidas na celebração de contratos de leasing e ALD) respeitassem à disponibilização dos veículos objecto dos contratos”.
B. No acórdão arbitral recorrido não foi dado como não provado semelhante facto, o que pode constatar da leitura da matéria de facto dada como provada e não provada no mesmo, constatação essa que é, por conseguinte, suficiente para se julgar inadmissível o recurso interposto pela AT por não existir identidade quanto à situação fáctica e jurídica.
C. Por sua vez, como foi recentemente decidido pelo STA, no processo n.º 01/20.2BALSB, de 30.09.2020, em que o acórdão fundamento é precisamente o mesmo que subjaz a este recurso (ie., o proferido processo n.º 0485/17): Cumpre ainda ter presente que enquanto na situação do acórdão fundamento a AT demonstrou que a aplicação do pro rata na situação concreta conduziria a distorções significativas na tributação, na situação da decisão arbitral recorrida não fez essa demonstração, que constitui condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA.
D. Ora, também neste acórdão recorrido a AT não fez prova de que a aplicação do pro rata conduzia a distorções significativas de tributação. E no acórdão fundamento tê-lo-á feito.
E. Repise-se, pois, que no acórdão arbitral recorrido a AT não fez aquela demonstração, que constitui condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA, como decidiu este STA no processo n.º 01/20.2BALSB. Assim, face ao disposto no Acórdão n.º 01/20.2BALSB, considera a Recorrida que também não existe identidade fáctica e jurídica das questões suscitadas entre os dois julgados, devendo não ser admitido o recurso interposto pela AT.
F. A Recorrida considera desde sempre que, à luz do direito constituído, a AT não pode mitigar o seu pro rata (através da substração das rendas, das alienações e indemnizações) nos moldes ditados pelo Ofício-Circulado n.º 30108 (que não é lei como é sabido), uma vez que NADA na letra da lei o permite. Com efeito, analisando o artigo 23.º do Código do IVA (ou qualquer outra disposição deste Código), não se concede outra opinião, tendo sido detalhadamente explicado na petição arbitral (que se reproduz para todos os efeitos legais) os motivos da discordância com a posição da AT. Foi precisamente esse o entendimento do tribunal arbitral no acórdão recorrido.
G. Assim, embora sabendo da tarefa herculeana que lhe assiste, a Recorrida não se conforma com a jurisprudência do STA que sobre esta matéria tem sido sancionada, e, quanto mais não seja por mero dever de ofício, vem novamente suscitar nestas contra-alegações essas mesmas questões que espera serem elucidadas pelo julgador, sob pena de a função jurisdicional não contribuir para, em definitivo, resolver este litígio.
H. Quanto à interpretação do Caso “Banco-Mais”, conclui-se que o TJUE tão só consentiu no afastamento do método do pro rata quando aferido em função do volume de negócios, mas cometeu ao tribunal nacional avaliar a função económica dos contratos de locação, na actividade do locatário, a fim de averiguar se os clientes dos sujeitos passivos que recorrem a tais contratos o fazem sobretudo determinados pela função de financiamento e gestão dos contratos.
I. Nada mais se retira do Caso “Banco-Mais”, muito menos que a AT possa, por Ofício, legislar, com carácter geral, abstracto e eficácia externa, pois, quanto às concretas disposições do direito nacional caberá sempre a pronúncia pelos órgãos jurisdicionais nacionais.
J. Apelando à conclusão contida no parágrafo 35 do Acórdão do TJUE no Caso “Banco- Mais”, refere-se que «o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar». Nesta última parte, o TJUE cometeu, pois, a função ao órgão jurisdicional de avaliar então a função económica da locação financeira.
K. Importa, a este propósito, chamar à colação o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, segundo o qual: «2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é: h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário».
L. Como é sabido, as operações financeiras (vulgo concessão de crédito e outras formas de financiamento) são operações isentas de IVA nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA. No entanto, as operações de locação financeira não estão abrangidas por esta última isenção destinada às operações de financiamento, nem por qualquer outra isenção, sendo, pois, sujeitas e não isentas de IVA.
M. Face ao exposto, conclui-se que se o legislador quisesse ter qualificado as operações de locação financeira como correspondendo a uma actividade de financiamento/concessão de crédito, tê-las-ia isentado de IVA (artigo 9.º, n.º 27 do Código do IVA). MAS o que sucedeu foi precisamente o contrário.
N. E ao ter especificamente previsto a sua tributação em IVA, para que dúvidas não surgissem quanto à sua não subsunção à isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, veio expressamente afirmar que é pela concessão do gozo do veículo, e não pela concessão de financiamento, que é motivada a actividade de locação financeira/ALD e que, por conseguinte, se justifica a tributação (e não isenção) em IVA das rendas daqueles contratos.
O. Deve, pois, ser analisado o fundamento da não inclusão destas operações pela isenção que incide sobre as operações financeiras (concessão de crédito), através do qual se conclui que a própria sujeição a IVA comprova que para o legislador nacional o que releva é a disponibilização da viatura e não a de financiamento:
a) O legislador nacional optou por tratar estas operações como sujeitas e não isentas de IVA na totalidade (alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA);
b) A Directiva do IVA não obriga a que estas operações sejam sujeitas e não isentas de imposto;
c) Existem, além do mais, ordenamentos jurídicos em que o legislador não optou pela tributação integral em IVA da locação financeira, como se explicou (Caso Volkswagen);
d) Se o legislador tivesse entendido que esta actividade se reconduz apenas ao financiamento, não teria previsto o que previu na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, e bastar-se-ia pela inclusão destas operações na isenção que impende sobre as operações de crédito (n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA);
e) Como não o fez, foi o próprio legislador que estabeleceu que a locação financeira é sujeita a IVA porque traduz uma actividade de disponibilização de uma viatura.
P. Motivo pelo qual, além de o acórdão recorrido ter feito uma correcta interpretação do Direito, acrescerá que então, ao ter sido previsto no direito interno a tributação em IVA das rendas do leasing, foi porque o próprio legislador nacional deu prevalência à função de disponibilização da viatura (e não do financiamento) assim se interpretado correctamente a jurisprudência do TJUE (Caso Banco-Mais) que cometeu essa avaliação para ao órgão nacional.
Q. O que vem dito ganha ainda mais força quando se analisa Acórdão do TJUE proferido em 18.10.2018, no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, doravante «Caso Volkswagen», o qual veio repensar expressamente a jurisprudência proferida no Caso Banco Mais. De acordo com a jurisprudência mais recente do TJUE, repensando explicitamente a jurisprudência do Caso Banco Mais, foi esclarecido que «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» (acórdão de 18-10-2018, processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd).
R. Na verdade, volvidos vários anos sobre o Caso “Banco-Mais”, mostrou-se o TJUE no Caso “Volkswagen” preocupado em mitigar (para não referir mesmo, corrigir) os efeitos da interpretação daquele primeiro aresto. E afirma que “importa garantir o direito à dedução do IVA, sem o subordinar a um critério relativo, designadamente, ao resultado da atividade económica do sujeito passivo”.
S. Diga-se que a situação escrutinada naquele aresto não diverge da situação da Recorrida. No Caso Volkswagen, o contribuinte era uma instituição financeira que se dedica a adquirir os veículos da marca VWFS para, sob a forma de vários produtos financeiros, entre os quais, a locação financeira, os disponibilizar aos clientes, sendo um sujeito passivo misto. Para efeitos de dedução do IVA dos custos gerais, pretendia a VWFS estipular um critério pro rata junto da administração fiscal, apurando-se o volume de negócios de cada um dos sectores, entre os quais, o da locação financeira que terá de ter em conta o volume desta actividade (incluindo a aquisição dos veículos).
T. Neste contexto, o TJUE decidiu não ser de afastar o valor dos veículos em locação financeira (o que, vertendo para a situação sub judice, se reconduz à amortização financeira), para calcular o IVA dedutível dos custos comuns, e concluiu que o seu afastamento não permitiria apurar, de forma mais precisa, sob pena de ofensa do princípio da neutralidade do IVA, o imposto dedutível.
U. Face ao exposto, e tendo em conta esta decisão mais recente do TJUE, permite-nos concluir que «o método preconizado pela Administração Tributária, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, também sob esta perspectiva é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 [a que corresponde que alínea c) do n.º 5 do artigo 17.º da 6.ª Diretiva]» (cfr. acórdão arbitral proferido no processo 854/2019-T), o que se invoca para todos os efeitos legais.
V. Assim, a jurisprudência do Caso Volkswagen permite, afastar, precisamente a jurisprudência do Caso “Banco-Mais”, e estando os tribunais nacionais vinculados à mesma, deverá ser, na aplicação do direito, tida em consideração, sendo que, caso se suscitem dúvidas na aplicação do direito comunitário, dever-se-á então submeter novo reenvio prejudicial da questão para o TJUE.
W. A Recorrida invocou que, caso se entendesse que a transposição das normas relevantes da Directiva do IVA foi feita devidamente para o direito interno, então a falta da sua previsão [a modelação do pro rata através do aludido Ofício] em diploma legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), da CRP]- cfr. alegações escritas apresentadas pela Recorrida em 14.09.2020.
X. Tendo o tribunal a quo julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral com base no entendimento de que “o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) represente uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva,” deu como “(…) prejudicada a análise das questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente” (cfr. acórdão arbitral recorrido).
Y. Isto é, a Recorrida, ao arrimo de variadíssimas decisões arbitrais que sobre a matéria já se debruçaram, invocou que qualquer possibilidade de o Estado Português mitigar o cálculo do pro rata – conforme se reconhece hoje que a Directiva de IVA concede aos Estados Membros – teria, sempre, em todo o caso, de se realizar ao abrigo dos princípios constitucionais previstos na nossa lei suprema, a Constituição da República Portuguesa (cfr. alegações escritas apresentadas pela Recorrida em 14.09.2020), questão esta que não foi então apreciada pelo Tribunal a quo.
Z. Assim, para precaver um entendimento de que as alegações de recurso da Recorrente deverão ser procedentes, deverá este Tribunal conhecer a questão de inconstitucionalidade que não foi conhecida pelo Tribunal a quo.
AA. Entendendo-se, como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Rel. Bravo Serra), de 06.02.2008, no processo 07S2620, que “Se, perante o teor do n.º 1 do art.º 684º-A do CPC (Actual artigo 636.º do CPC.), o seu âmbito aponta indubitavelmente no sentido de se aplicar às situações em que, havendo vários fundamentos (ou várias causas de pedir) e, vingando um deles, o tribunal a quo deu por procedente a pretensão tão só relativamente a um desses fundamentos, obrigando o tribunal ad quem a conhecer de um fundamento da acção (ou da defesa), caso venha a julgar procedente o recurso interposto por quem ficou vencido, a razão de ser de tal preceito não pode deixar de conduzir também à sua aplicação aos casos em que o tribunal, tendo por procedente a pretensão com base num dos fundamentos, se escusou de analisar e decidir os demais”, requer-se, à cautela, e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 636.º CPC (ex vi artigo 1.º do CPTA e 281.º do CPPT), a ampliação do recurso para conhecimento das questões de inconstitucionalidade invocadas e não conhecidas (por prejudicadas) pelo Tribunal a quo.
BB. Caso se entenda que este Tribunal não pode conhecer as questões de inconstitucionalidade invocadas (cujo conhecimento foi dado como prejudicado,) deverá então ordenar a baixa do processo ao Tribunal Arbitral para delas tomar conhecimento, o que se requer.
CC. Com efeito, além do vício assacado aos actos tributários impugnados que foi julgado procedente pelo Tribunal a quo, a aqui Recorrida invocou ainda que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) é MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAL
DD. A Recorrida acompanha a conclusão do acórdão arbitral proferido no processo 854/2019-T “A quarta questão era a de a de saber se a forma como foi usada em Portugal a prerrogativa conferida pelo Direito da União é compatível com o Direito interno de nível superior (o problema da adequação da fonte), tendo-se concluído que não: só por via legislativa se poderia alterar o que por via legislativa foi fixado”.
EE. Ora, entendendo o acórdão fundamento que a lei conferiu essa possibilidade à AT (ie., que transpôs devidamente a Directiva IVA e que a AT pode pelo Ofício-Circulado 30108, ao abrigo da possibilidade que legislativamente lhe foi conferida, regular/definir/modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA), então:
FF. Invoca-se, assim, expressamente e para todos os efeitos legais, que o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao permitir à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna (Ofício-Circulado 30108) definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, e eficácia externa, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) são MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAIS por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP].
GG. Acresce que, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, a AT não a pode aplicar, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n. 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).
HH. Ou seja: SÓ POR VIA LEGISLATIVA SE PODERÁ ALTERAR O QUE POR VIA LEGISLATIVA FOI FIXADO, o que não foi o caso, de todo.
II. Assim sendo, não pode a Recorrida deixar de novamente realçar que um Ofício-Circulado, ie,, o Ofício-Circulado n.º 30108, não é lei, e é por Ofício-Circulado que está a ser regulado o direito à dedução em IVA.
JJ. Como não se desconhece, o princípio da legalidade tributária, previsto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), impõe que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.
KK. A definição (através de restrição in casu) do âmbito do direito à dedução do IVA carece de aprovação através de Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei Autorizado do Governo (artigo 165.º, n.º 1, i) da CRP), não podendo ser delimitado por Ofício-Circulado (que não é lei e nem sequer emana de um órgão de soberania com poderes legislativos).
LL. Além do mais, a CRP não consente que a lei possa conferir essa possibilidade à AT, para “legislar”, como não consente que se atribua a um acto (que não é lei nem decreto-lei autorizado) o poder de, com eficácia externa, regular uma determinada matéria, estando pois violando o n.º 5 do artigo 112.º da CRP.
MM. Os n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, ao conferirem à AT, por Ofício-Circulado, modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, com carácter geral, abstracto, e eficácia externa, violam frontalmente o n.º 5 do artigo 112.º da CRP e o princípio da tipicidade da lei. E jamais pode uma lei ou decreto-lei consentir que a um Ofício lhe seja conferida aquela eficácia externa e a aplicação geral e abstracta, em especial, em matéria de impostos (que é de reserva de lei).
NN. Também os princípios da separação dos ponderes (artigos 2.º e 111.º da CRP) não se compatibilizam com a permissão conferida pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA à AT para legislar ou modificar, por Ofício-Circulado, em matéria de dedução do IVA, mitigando o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, uma vez que tal poder apenas é conferido ao poder legislativo (Assembleia da República do Governo devidamente autorizado nos termos do artigo165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).
OO. Por último, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”, preceito este igualmente violado pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao conferirem à AT a possibilidade de mitigar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, porquanto, como se viu, jamais por Ofício pode ser regulada com carácter geral, abstracto e eficácia externa o direito à dedução do IVA.
PP. Face ao exposto, por inconstitucionalidade formal e material dos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, nos termos acabados de explicar, também seria procedente o pedido de pronúncia arbitral ao ser conhecido este fundamento, como se requer que seja.

SUBSIDIARIAMENTE:
QQ. A AT, nas respectivas alegações de recurso, veio ainda “chamar à atenção para o facto de, na presente situação, não ser possível ordenar a ampliação da matéria de facto, porquanto como refere a ora Recorrida nos artigos 61.º a 63.º da petição inicial, nem sequer apresentou reclamação graciosa por se tratar de uma questão meramente de direito: a apresentação de reclamação graciosa é dispensada sempre que o seu fundamento consista exclusivamente em matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com as orientações genéricas emitidas AT” e “Deste modo, é impossível, porquanto a discussão no presente plano é meramente jurídica, apurar se a utilização dos bens e serviços de natureza mista eram (ou não) sobretudo determinado pelo financiamento e gestão dos contratos” (artigos 45.º e 46.º das alegações da AT).
RR. A Recorrida considera que, em caso de procedência das alegações de recurso da AT, sempre terá de se decidir, nomeadamente como foi decidido no acórdão fundamento proferido por este STA no processo 07/19.4BALSB ou no processo 52/19.0BALSB, que seja ordenada a ampliação da matéria de facto junto do tribunal a quo para se apurar se a “utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos”.
SS. E a Recorrida considera que o artigo 131.º do CPPT (ou seja, o facto de a impugnação dos actos tributários de autoliquidação não ter sido precedida de reclamação graciosa) não é um obstáculo à produção daquela prova e à ampliação da matéria de facto.
TT. Para a AT, o critério constante do Ofício aplica-se a todos os sujeitos passivos (que pratiquem actividades de locação financeira/ALD) que não consigam efectuar uma afectação real dos custos comuns, e a AT não admite, em caso algum, o afastamento do critério do Ofício (a sua aplicação não tem, pois, em conta, o caso concreto nem a AT o aceita).
UU. Neste contexto, estamos igualmente perante uma questão de direito que confronta a (i)legalidade do critério previsto no Ofício (que não tem em conta o caso concreto e a AT dita a sua aplicação a todos os sujeitos passivos) e o entendimento de que o critério previsto no Ofício é de afastar quando os custos comuns são afectos à actividade de disponibilização da viatura e não só à de concessão de crédito.
VV. Importa atender-se à ratio do artigo 131.º, n.º 1 do CPPT quando exige que a impugnação de actos de autoliquidação seja precedida de reclamação graciosa e, por sua vez, quando dispensa aquela reclamação necessária nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal: este preceito aplica-se “quando é presumivelmente inútil suscitar a intervenção da AT através de reclamação graciosa, que teria de ser indeferida”.
WW. Por outro lado, chamamos à colação o Acórdão do STA, de 26/02/2014, proferido no processo n.º 0481/13. Neste aresto, apreciou o STA a seguinte questão: pode um contribuinte impugnar directamente um acto de autoliquidação (sem reclamação prévia) quando o fundamento da impugnação seja a inconstitucionalidade de uma norma e sem existir uma determinada orientação genérica emitida pela AT que haja sido seguida pelo contribuinte e decidiu o seguinte:
II. Por sua vez, estabelece o nº 3 do mesmo artigo que é dispensada tal reclamação quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do nº 1 do artigo 102º.
III - Significa isto que tal reclamação é dispensada quando ocorrer qualquer dos requisitos enunciados neste nº 3, não sendo os mesmos cumulativos.
XX. Decorre, pois, da doutrina e jurisprudência citada que a reclamação necessária é dispensada sempre que a mesma seja um acto inútil, quer porque a AT não poderá adoptar outra posição que não aquela que está na orientação genérica (pois está obrigada, por lei, a seguir as orientações – artigo 68.º-A da LGT) ou na lei (quando se invoque a inconstitucionalidade da lei, a AT não pode declará-la pois está adstrita ao princípio da legalidade). Também decorre que o requisito de a matéria ser exclusivamente de direito não é cumulativo com o requisito de a autoliquidação ter sido realizada com base na orientação genérica, como expressamente afirmou o STA no aresto citado.
YY. Na situação vertente, não há dúvidas que a reclamação graciosa seria um acto inútil pois a AT está vinculada a seguir o Ofício Circulado n.º 30108, o qual, de forma alguma, permite afastar, quanto aos custos comuns, o critério específico de cálculo do pro rata (exclusão das amortizações).
ZZ. Face ao exposto, subsidiariamente se requer que, em caso de improcedência dos argumentos expostos anteriormente, seja ordenada a ampliação da matéria de facto junto do tribunal a quo para se apurar se a “utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos”.
NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, E SE ADMITIDO, DEVE O RECURSO INTERPOSTO PELA AT SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA O ACÓRDÃO ARBITRAL RECORRIDO.
DEVE AINDA SER APRECIADA E RECONHECIDA A INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DOS ARTIGOS 23.º, N.º 2 E 3 DO CÓDIGO DO IVA, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES (ARTIGOS 2.º E 111.º DA CRP), DO ARTIGO 112.º, N.º 5, DA CRP, DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA (103.º, N.º 2 DA CRP). DA RESERVA DE LEI DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA [165.º, N.º 1, ALÍNEA I) DA CRP], E DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA ACTUAÇÃO DA AT (ARTIGOS 266.º, N.º 2, DA CRP), O QUE CONDUZ À PROCEDÊNCIA DO PEDIDO ARBITRAL. PARA O EFEITO, DEVE CONHECER-SE DESSE FUNDAMENTO NESTE RECURSO, SEJA DIRECTAMENTE OU EM AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO REQUERIDA NAS ALEGAÇÕES. CASO SE ENTENDA QUE NÃO PODE SER CONHECIDA ESSE FUNDAMENTO, DEVE SER ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL A QUO PARA CONHECIMENTO DA QUESTÃO CUJO CONHECIMENTO DEU COMO PREJUDICADA.
SUBSIDIARIAMENTE, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVERÁ SER ORDENADA A AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JUNTO DO TRIBUNAL A QUO PARA SE APURAR SE A “UTILIZAÇÃO DE BENS OU SERVIÇOS DE UTILIZAÇÃO MISTA POR PARTE DA RECORRIDA FOI SOBRETUDO DETERMINADA PELO FINANCIAMENTO E PELA GESTÃO DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA CELEBRADOS COM OS SEUS CLIENTES OU, AO INVÉS, PELA DISPONIBILIZAÇÃO DOS VEÍCULOS”.
MAIS SE REQUER A DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA NOS TERMOS DO N.º 7 DO ARTIGO 6.º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

A recorrida veio ainda juntar o seguinte requerimento:

BANCO A………………., S.A., Recorrida nos autos à margem referenciados, dada a pertinência para a decisão do presente recurso, vem, muito respeitosamente, requerer a V. Exa. a junção aos autos do Acórdão do Pleno deste Venerando Tribunal, proferido no processo n.º 90/19.2BALSB, de 4 de Novembro de 2020, expondo, sinteticamente, o seguinte:

1. Nas contra-alegações que a Recorrida apresentou nestes autos, invocou expressamente que o recurso interposto pela AT não devia ser admitido por não existir identidade dos factos e da questão jurídica entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (Acórdão do STA, processo 0485/17, de 15.11.2017) – cfr. artigos 12.º a 26.º e conclusões A a E das contra-alegações da Recorrida.

2. Entretanto, a Recorrida tomou conhecido do Acórdão proferido por este STA, no processo n.º 090/19.2BALSB, em 4 de Novembro de 2020 (cuja junção aos autos se requer), no qual estava em causa um recurso interposto pela AT da decisão arbitral proferida no processo n.º 428/2019-T e cujo acórdão fundamento invocado era o mesmo Acórdão do STA, processo n.º 0485/17, de 15.11.2017.

3. Ora, por Acórdão de 4 de Novembro de 2020 decidiu o Pleno da Secção de Contencioso do STA não admitir o recurso da AT porque não há identidade quanto aos factos, mas também porque não há identidade quanto ao fundamento de direito aplicado”:

Como defende a Recorrida, no Acórdão Fundamento foi primordial para o desfecho no sentido da improcedência da causa, o facto que foi julgado não provado [“considera-se não provado o seguinte facto: A) os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos em 3) e 5) (…)], não constando na decisão arbitral recorrida, na matéria de facto assente, qualquer referência à questão da prova de que os bens e serviços de utilização mista terão ou não sido principalmente determinados pelos contratos de locação financeira.
(…)
Ora, na decisão arbitral não consta, na sua base factual, qualquer menção àquele facto considerado essencial no Acórdão Fundamento, nem como provado nem como não provado, respeitante aos inputs mistos e à sua relação com os financiamento e gestão de contratos de locação financeira.
Pelo que tem razão a Recorrida quando afirma que não tendo sido apreciada na decisão arbitral questão de facto semelhante à questão de facto central e essencial dirimida no acórdão fundamento – e reproduzida nos respetivos factos não provados – é manifestamente divergente a factualidade relevante de ambas as decisões oponentes.
(…)
O Acórdão Fundamento centrou a solução na questão da prova do facto considerado essencial, se os inputs mistos foram sobretudo ditados pelo financiamento gestão de contratos de locação financeira, enquadrando-a juridicamente nos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do CIVA, e da sua concordância com a interpretação do artigo 17.°, n.° 5, 3.º parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 7/5/1977, efetuada no apontado acórdão do TJUE, e nas regras sobre a repartição do ónus da prova, os artigos 342.º, n.º 1 do Código Civil e n.º 1 do artigo 74.º da LGT
Ora a prova daquele facto não foi sequer abordada pelo acórdão arbitral recorrido, que entendeu que o litígio passava antes por responder a uma outra questão, distinta da apreciada no Acórdão Fundamento, a da falta de conformidade do artigo 23.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código do IVA com o princípio constitucional de reserva de lei formal, previsto nos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, 165.º, n.º 1, alínea i), 203.º e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Português. Matéria que, por sua vez, não foi tratada no Acórdão Fundamento.
4. Considera a Recorrida que o entendimento que conduziu à não admissão do recurso no processo n.º 090/19.2BALSB é totalmente transponível para os presentes autos porquanto: “na decisão arbitral não consta, na sua base factual, qualquer menção àquele facto considerado essencial no Acórdão Fundamento, nem como provado nem como não provado, respeitante aos inputs mistos e à sua relação com os financiamento e gestão de contratos de locação financeira”.

TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXA. A JUNÇÃO AOS AUTOS DO ACÓRDÃO EM ANEXO E SE CONCLUIU, TAL COMO NAS CONTRA-ALEGAÇÕES, PELA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO INTERPOSTO PELA AT.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, no seguinte parecer:

1. Objecto
Pronúncia do Tribunal Arbitral proferida no processo nº 852/2019-T em 04-11-2020 que julgou procedente o pedido arbitral formulado e em consequência procedeu à anulação parcial das autoliquidações de Imposto consubstanciadas nas declarações periódicas de IVA respeitantes aos períodos de 2011/04, 2011/05, 2011/06 por alegada oposição com o douto Acórdão do STA proferido no processo 0485/2017 em 15-11-2017 que negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 11/01/2017 que julgara improcedente a impugnação da autoliquidação de IVA (do período Janeiro/Novembro de 2010) na parte em que tinha sido revogada pelo Acórdão do STA, de 03/06/2015 (proc. nº 970/13-30).
2. Fundamentação.
Da Admissibilidade /Prosseguimento do Recurso.
São Requisitos do prosseguimento do presente recurso de uniformização de jurisprudência:
- Contradição entre o Acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral;
- Trânsito em julgado do Acórdão Fundamento;
- Existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
- Ser a orientação perfilhada no Acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA (Cfr douto Acórdão do STA-SCA de 2012.07.05-P. 01168/11).
Por sua vez, quanto à caracterização da questão fundamental de direito:
- Deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto;
- A oposição deve emergir de decisões expressas e não implícitas;
- Não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
- As normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
- Em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (cfr. douto Ac. do STA de 2012.06.06-P.01103/099).
Em concordância com a entidade Recorrente entendemos que se verificam os pressupostos legais para a admissão/prosseguimento do presente recurso.
Com efeito, em ambas as situações se verifica que:
- a Impugnante e requerente têm a natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a esse imposto e outras não sujeitas;
- ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo RGICSF e exercem, ente outras, as actividades de locação financeira e ALD;
- ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal por força do “pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, observando as instruções da AT resultantes do Oficio-Circulado nº 30.108 de 30.01.2009;
- ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao “pro rata” provisório;
- ambas se pronunciaram expressamente sobre a mesma questão fundamental de direito : a de saber se a Administração Tributária pode obrigar uma instituição bancária que realiza operações sujeitas – incluindo as relativas à locação financeira mobiliária (“leasing” e “ALD”) – e operações isentas – como as que derivam da concessão de crédito – a aplicar um método de dedução como aquele que é preconizado no ofício circulado nº30.108 de 30.01.2009, à luz do disposto do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, no entanto, as decisões são opostas.
Com efeito, no Acórdão Fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13, decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artº.17, nº.5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/05/1977, "não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista " apenas “ a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos", mais incumbindo "ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso" e, em consequência, considerou legal o acto tributário objecto do processo, o qual foi estruturado ao abrigo das instruções veiculadas pelo citado Ofício-Circulado nº.30.108, de 30/01/2009, em face da prova produzida, tendo também concluído não ocorrer “ … violação do disposto neste apontado art. 23º do CIVA, nem dos invocados arts. 74° a 76° da LGT, nem ilegalidade decorrente de violação dos invocados princípios (neutralidade fiscal do IVA, igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, segurança jurídica, protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos), nem se vislumbrando inconstitucionalidade por violação do princípio da separação de poderes (arts. 2° e 111°), do princípio da legalidade (art. 112º, n° 5), do princípio de reserva de lei [arts. 103° e 165°, n° 1, al. i)] e do princípio do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20° e 268°, n° 4), todos da CRP. …”
Enquanto que no Acórdão recorrido se considerou que:
“ … o entendimento da AT de tributar toda a renda, como determina o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, do CIVA, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização não tem apoio directo nos textos legais. Não se encontra prevista na legislação nacional a possibilidade de a AT poder alterar / modelar a componente do pro rata, não tendo o legislador nacional feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção. As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, no nosso ordenamento jurídico, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real (n.º 3, alínea b) do artigo 23.º do CIVA), ou, quando resultam do facto de o sujeito passivo ter optado por este método, da imposição de o abandonar (parte final do n.º 2 do mesmo artigo). É certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afectação real, a Administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas tais condições não podem consistir em alterações ao pro rata de dedução nos termos ora pretendidos pela AT…”
“… não se nos afigura que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) represente uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Directiva….”.
Tendo o douto Acórdão recorrido concluído que:
“ … o disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, não confere a possibilidade à AT de, no âmbito da aplicação do método do pro rata a um sujeito passivo que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, apenas considerar os juros na fracção do pro rata de dedução, pelo que a imposição de utilização do “coeficiente de imputação específico” indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade ao qual a AT se encontra subordinada em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT), devidamente explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, procedendo, assim, o pedido de pronúncia arbitral.”
Acresce que a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida não está de acordo com a jurisprudência mais recente do S.T.A (cfr., designadamente, doutos Acórdãos do Pleno proferidos em 04-11-2020 nos processos 0100/19.3BALSB e 038/20.1BALSB bem como em 20-01-2021, 0101/19.1BALSB).
Em consequência, salvo melhor juízo, sobre a mesma questão fundamental de direito existe contradição entre o Acórdão fundamento e a Decisão Arbitral Recorrida.
Pelo exposto, emito parecer no sentido da admissibilidade do recurso por se encontrarem preenchidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previstos no artº.25, nº.2, do R.J.A.T., e no artº.152, do C.P.T.A.
3. Do Mérito do Recurso
A questão fundamental controvertida traduz-se em saber se a AT pode corrigir o “pro rata”, desconsiderando o montante relativo ao valor das rendas facturadas no âmbito dos contratos de locação financeira e ALD e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos ser de seguir a posição vertida no douto Acórdão fundamento. Com efeito, no Acórdão do TJUE de 10.07.2014, proferido no processo C-183/13, na sequência de pedido de reenvio suscitado no âmbito do recurso 1017/12 que correu termos no STA e em que estava em causa situação similar, o TJUE pronunciou-se nos seguintes termos:
“O artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/07/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1077, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinado pelo financiamento e pela gestão desses contactos, o que incumbe ao órgão jurisdicional verificar.”
Também o STA tem vindo a entender de forma reiterada que o TJUE no acórdão supra referido, sustenta a posição de que a norma do artigo 23º/2/3 do CIVA reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17º/5/3º.parágrafo c) da Sexta Directiva (acórdãos de 17/06/2015-P. 01874/13, 27/01/2016-P.0331/14, de 15/11/2017-P 0485/17, de 9/10/2019-P.040114.7BEPRT e de 27-11-2019-P.0977/07.5BELRS).
E, como se concluiu no recente douto Acórdão do Pleno proferido em 20-01-2021, no proc. 0101/19.1BALSB:
I - Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA (conjugado com a alínea b) do seu n.º 3), a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a efetuar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação;
II - Na aplicação do método de afetação real nos termos do n.º anterior, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que seja um banco que exerce atividades de “Leasing” e de “ALD” a incluir no numerador e no denominador que serve para o cálculo da percentagem da dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa atividade, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respetivos.”
Como se escreveu no douto Acórdão do STA de 27/11/2019-P.0977/07.5BELRS:
“… Independentemente de se concordar ou não com a interpretação efectuada pelo TJUE, o primado do direito da União Europeia impõe a aceitação da mesma.
Com efeito, como se sublinhou no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 17.06.2015, proferido no recurso 956/13, o TJUE é uma instituição da União Europeia (art. 13.º, n.º 1, do TFUE) vinculativa (atento o princípio do precedente vinculativo), na medida em que as decisões do TJUE devem ser acatadas por todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros: não só o tribunal que reenvia fica vinculado à interpretação decidida pelo TJUE, como também, do mesmo modo e em questão idêntica, ficam vinculados todos os demais.
Ora a questão de saber, quando a utilização desses bens e serviços (de utilização mista) seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, tal como enunciada e definida pelo TJUE, incumbe em primeira linha ao tribunal recorrido.”
No entanto, no caso em apreço, não resulta do probatório e dos autos se a utilização dos bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira."
Tal entendimento é também reiterado no recente douto Acórdão do Pleno proferido em 20-01-2021, no Proc. 0101/19.1BALSB, a que acima se fez referência, no qual se explicitou: “ … Nos pontos anteriores concluímos que a Fazenda Pública tinha razão: que o acórdão arbitral colidia com o acórdão fundamento e que neste tinha sido consagrado o melhor entendimento.
Todavia, da correta aplicação daquela jurisprudência ao caso não deriva (ou não deriva ainda) que o ato de liquidação em causa não enferme de erro ou que não mereça ser revisto.
Deriva apenas que a decisão arbitral não pode sustentar-se com os fundamentos que dela constam. E também que nos autos do processo arbitral não foram colhidos elementos suficientes que permitam ao Supremo Tribunal Administrativo formular um juízo definitivo sobre a legalidade da decisão administrativa, na parte recorrida.
Assim, e porque dos autos também não resulta que o Tribunal Arbitral tivesse indagado, no quadro dos poderes inquisitórios de que se encontra investido [atento o disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária] se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização de veículos (factualidade que se tem por alegada, ainda que de forma conclusiva, no artigo 52.º do requerimento inicial), e tendo em conta que os juízos sobre factos que importam à decisão e de que o tribunal recorrido deve conhecer não podem ser formulados ou reapreciados pelo tribunal de revista, resta ao tribunal de recurso anular a decisão recorrida…”.
No caso em análise, também se verifica não resultar do probatório da decisão arbitral recorrida se a utilização dos bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contractos de locação financeira pelo que “tendo em conta que os juízos sobre factos que importam à decisão e de que o tribunal recorrido deve conhecer não podem ser formulados ou reapreciados pelo tribunal de revista “deverá ser anulado o douto Acórdão Recorrido.
Em face do exposto, emito parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, anulando-se o douto Acórdão recorrido.

*

Os autos vêm à conferência do Pleno satisfeitos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão arbitral recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. No dia 26 de Maio de 2011, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Abril de 2011 tendo procedido ao pagamento da totalidade do valor resultante daquela liquidação (€162.723,03) em 9 de Junho de 2011.

2. No dia 7 de Junho de 2011, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Maio de 2011, tendo procedido ao pagamento da totalidade do valor resultante daquela liquidação (€348.062,70) em 8 de Julho de 2011.

3. No dia 06 de Julho de 2011, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Junho de 2011, tendo procedido ao pagamento da totalidade do valor resultante daquela liquidação (€818.556,59) em 10 de Agosto de 2011.

4. Para efeitos de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal, desenvolvendo operações sujeitas – nas quais se incluem as relativas à Locação Financeira mobiliária [Leasing e Aluguer de Longa Duração Financeiro (doravante ALD Financeiro)] – e operações isentas – designadamente a concessão de financiamentos de crédito para a aquisição de imóveis e automóveis e crédito ao consumo (vulgos contratos de crédito).

5. O ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, do Senhor Director Geral dos Impostos, tem o seguinte teor:

“Para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, e tendo em vista divulgar a correcta interpretação a dar ao artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a actividade de Leasing ou de ALD, comunica-se que, por meu despacho de 2009.01.30, proferido na informação nº 106, de 19 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, foi determinado o seguinte:

1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou prorata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do prorata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).

3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.

No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um prorata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.”.

6. A posição vertida no ofício circulado n.º 30108, de 30/01/2009, havia sido adoptada pelos Serviços de Inspecção da Requerida em sede de inspecção junto da Requerente relativamente factos tributários de IVA anteriores aos que estão em causa no presente processo.

7. A Requerente deduziu, nas declarações periódicas relativas aos três períodos do exercício de 2011 aqui em causa, o IVA com base no cálculo do pro rata provisório, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2010.

8. Nessas mesmas declarações a Requerente, na determinação do cálculo do pro rata excluiu as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.

9. Em consequência desta exclusão o pro rata definitivo da requerente para o ano de 2010 foi de 24%, donde resultou o valor a deduzir de € 40.146,61 para o mês de Abril de 2011, € 65.698,60 para o mês de Maio e € 51.637,14 para o mês de junho.

10. O pro rata correto é de 68% caso se considere, quer no numerador quer no denominador, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados donde resultará o valor a deduzir de € 113.748,73 para o mês de Abril de 2011, € 186.146,03 para o mês de Maio e € 146.305,22 para o mês de Junho.


No acórdão fundamento proferido no processo nº 0485/17 foi dada como provada a seguinte matéria factual:

1) Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA — gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).
2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação B……………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).
3) A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).
4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).
5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).
6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.
7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.
8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).
9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).
10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).
11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).
12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).
13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.
14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:
a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;
b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).
15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).
16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).
17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).
18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:
a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;
b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).

2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:
A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).
Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.»

*

2.2.- Motivação de Direito

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento se encontram em manifesta e evidente contradição, na medida em que defenderam soluções opostas quanto à problemática do decidido pelo TJUE, no processo C-183/13, no qual estava em causa saber se podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro-rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, isto é, importa aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

Vejamos.


2.2.1- Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos, ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: “Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.”

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Atentemos.

Cumpre ter presente que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem recorrido de idênticas decisões do CAAD com fundamento em oposição de acórdãos e invocando como fundamento o mesmo acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (o Acórdão proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17).

Ainda que no passado tenha sido pontualmente negado o conhecimento do mérito do recurso da Autoridade Tributária e Aduaneira por ausência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito (vide, nesse sentido, o Acórdão referido pela Recorrida a fls. 667 a 670 dos autos, o qual foi proferido por este Supremo Tribunal Administrativo a 4 de Novembro de 2020 no Processo n.º 090/19.2BALSB), mais recentemente o Pleno uniformizou jurisprudência quanto à questão controvertida (neste sentido vejam-se, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 04 de Novembro de 2020 nos processos nºs 0100/19.3BALSB e 038/20.1BALSB, de 20 de Janeiro de 2021 no processo n.º 101/19.1BALSB, de 24 de Fevereiro de 2021 no processo n.º 84/19.8BALSB, de 24 de Março de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB, e os proferidos pelo Pleno em 21-04-202, nos processos n.ºs 32/20.2BALSB e 63/20.2BALSB e 0113/20.2BALSB.

Assim, tomando em considerando o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil e a finalidade dos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência – que visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos tribunais respostas diferentes –, limitamo-nos a remeter, com as necessárias adaptações e nos termos dos artigos 663.º, n.º 5 e 679.º do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, para a fundamentação do supra referido Acórdão proferido a 24 de Março de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB (disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/c4ba25ab6080f680802586a4005e821f), que uniformizou jurisprudência no sentido de que nos “termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação” –, para concluirmos, como aí, pela procedência do recurso e pela anulação da decisão arbitral recorrida.
*

Nas Conclusões W) a PP), das respectivas conclusões, a Recorrida invoca a inconstitucionalidade formal e material do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, alegando, em substância que nenhuma lei pode conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos, devendo ser apreciada e reconhecida a inconstitucionalidade formal e material daquele dispositivo, por violação dos princípios de separação de poderes (artigos 2.º e 111.º da Constituição) do seu artigo 112.º, n.º 5, do princípio da legalidade tributária (seu artigo 103.º, n.º 2), da reserva de lei da Assembleia da República (seu artigo 165.º, n.º 1, alínea i)) e do princípio da legalidade da actuação da administração tributária (seu artigo 266.º, n.º 2). Caso se entenda que este Tribunal não pode conhecer as questões de inconstitucionalidade invocadas (cujo conhecimento foi dado como prejudicado,) deverá então ordenar a baixa do processo ao Tribunal Arbitral para delas tomar conhecimento, o que requer.
Sob a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido” o artigo 636.º do CPC prevê que “No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação” (nº1).
Todavia, é por demais evidente que a Decisão Arbitral recorrida não decidiu com base na inconstitucionalidade do artigo 23.º do Código do IVA, mas com base na errada interpretação deste dispositivo legal e de certas disposições da Directiva IVA.
Daí que a questão que se levanta perante a pretensão ampliativa da recorrida, seja a de saber se a ela pode requerer a ampliação do âmbito do recurso por forma a abranger a apreciação da questão de constitucionalidade ou, até mesmo, se o Supremo Tribunal Administrativo tem o dever de apreciar oficiosamente a inconstitucionalidade daqueles preceitos.
Entende-se denegar uma tal pretensão primariamente porque os recursos para uniformização de jurisprudência servem apenas para a resolução dos conflitos de jurisprudência, ditando o entendimento que deve prevalecer relativamente à questão concretamente apreciada e onde foi revelada a contradição.
Vale isto por dizer que este tribunal Supremo só teria que se pronunciar sobre as suscitadas questões de constitucionalidade se fossem objecto da contradição de julgados motivadora do recurso de uniformização de jurisprudência.
Tal conclusão não é infirmada pela circunstância de no n.º 6 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos se determinar que a decisão que verifica a existência de contradição anule o acórdão recorrido e o substitua na decisão da questão controvertida pois daquele normativo não decorre que o tribunal de recurso deva decidir as restantes questões que se discutam no processo e que o tribunal recorrido, por alguma razão, não tenha apreciado. A questão controvertida terá, sempre, de estar abrangida no objecto de processo que se reconduz à questão que deu origem à contradição de julgados.
Assim, independentemente do merecimento do contra alegado no assinalado vector, tal matéria não pode ser aqui apreciada.

*

Nas alíneas “QQ.” a “ZZ.” das respectivas conclusões, a Recorrida invoca, a título subsidiário, a necessidade de ordenar a ampliação da matéria de facto junto do tribunal recorrido e pede que tal seja ordenado por este tribunal.
Esta questão foi apreciada no acórdão desta Secção de 21 de Abril deste ano, tirada no processo n.º 101/19.1BALSB.
Na essência, concluiu-se ali que tal pretensão não tem cabimento nos recursos de decisões arbitrais.
Fundamentalmente, porque o artigo 683.º, n.º 1, do Código de Processo Civil se adapta mal aos casos em que o tribunal recorrido não é um tribunal permanente e não pertence à mesma ordem jurisdicional.
E porque as consequências das decisões estaduais que que se reconduzam à anulação das decisões arbitrais pelos tribunais estaduais estão genericamente previstas no artigo 46.º, n.º 9, da Lei da Arbitragem Voluntária, diploma que se aplica à arbitragem administrativa, atento o artigo 181.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Razão porque o Supremo Tribunal Administrativo entendeu rever posição face a decisões anteriores e assumir que, em situações como a dos autos, só lhe compete anular a decisão arbitral recorrida. Cabendo às partes e, se for caso disso, ao tribunal arbitral, extrair as consequências da anulação.
É esse entendimento que aqui se reafirma. Razão porque esta pretensão da Recorrida também não pode ser acolhida.
*
3.- Decisão:

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida.

Custas pela Recorrida, que contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em virtude de o presente Acórdão ser meramente remissivo, o que configura a menor complexidade da causa para este efeito [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 281.º do CPPT, e art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais].

Comunique-se ao CAAD.

Assinado digitalmente pelo Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

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Lisboa, 22 de Setembro de 2021. - José Gomes Correia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.