Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0864/11
Data do Acordão:06/06/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:COMUNICAÇÕES ELECTRONICAS
DUPLA TRIBUTAÇÃO
OCUPAÇÃO DA VIA PÚBLICA
TAXA MUNICIPAL
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
Sumário:I - A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza;
II - Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação da Via Pública sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de televisão por cabo.
III - A dupla tributação é, em geral, admitida, em matéria de impostos, quando o mesmo facto tributário se insere em mais que uma norma de incidência objectiva, mas não o é em matéria de taxas devidas pela ocupação de bens de domínio público, pois sendo aquelas a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício.
IV - A situação fáctica dos autos em que um município aprovou taxas de ocupação do domínio público, que não podem subsistir legalmente, por não serem permitidas outras taxas para além das previstas na Lei das Comunicações Electrónicas, integra, desde logo, o fundamento de oposição da al. a) do nº 1 do artº 204 do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00067662
Nº do Documento:SA2201206060864
Data de Entrada:09/29/2011
Recorrente:A..., S.A. E OUTRO
Recorrido 1:CM DO SEIXAL
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - TAXAS
Legislação Nacional:CPC96 ART660 N2 ART715 N1
L 5/2004 DE 2004/02/10 ART106
CPPTRIB99 ART204 N1 A I
CCIV66 ART12
LGT98 ART12
CPA91 ART130 N2
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 2002/20/CE DE 2002/03/07
DIR CONS CEE 2002/21/CE DE 2002/03/07
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC41789 DE 2000/03/23; AC STA PROC450/11 DE 2011/06/29; AC STA 693/11 DE 2012/05/02; AC STA PROC964/08 DE 2009/07/08
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A……, SA. com os demais sinais nos autos, intentou oposição Judicial à execução que corre contra si no Município do Seixal relativo à liquidação das taxas de ocupação do domínio público referentes à utilização do solo, subsolo e espaço aéreo por cabos em 2004.
Por sentença de 24 de Maio de 2011, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, julgou improcedente a oposição judicial. Reagiu a recorrente, interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões aperfeiçoadas, mediante convite do relator:

A. Considera a Recorrente existir uma nulidade processual por omissão de acto susceptível de influir no exame ou decisão da causa, consubstanciada na violação do disposto no artigo 525.° do CPC, uma vez que não houve pronúncia sobre a junção dos dois Pareceres Jurídicos requerida pelo ora Recorrente em 14.01.2008.
B. A sentença é também nula por omissão de pronúncia, já que não resolve todas as questões para as quais é chamada a pronunciar-se.
C. Com efeito, a Recorrente, para além de alegar na p.i. que a entrada em vigor da TMDP prevista na Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro (“REGICOM”) revogava tacitamente a Taxa subjacente à presente oposição, alegou também que esta Taxa era incompatível com a Directiva Autorização e com a Directiva Quadro, tendo o Tribunal a quo conhecido do primeiro vício, mas não conheceu o segundo (sendo que a resposta a um, não preclude o outro).
D. A sentença recorrida considerou que o facto de não estar em vigor o Regulamento que previa a Taxa não constitui fundamento à oposição, considerando que a Taxa existia na lei, sendo esta meramente ineficaz por não ter sido alvo de publicação.
E. A Recorrente considera que a sentença recorrida cometeu um erro na aplicação do direito, uma vez que, não estando o Regulamento que previa esta Taxa em vigor no momento em que se iniciou o facto tributário (art. 91° da Lei n° 169/99, de 18 de Setembro, n.° 2 do art. 12.° da LGT e n.° 3 do artigo 103.° da CRP), tal consubstancia fundamento à oposição, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT.
F. A sentença recorrida cometeu ainda um erro de direito ao considerar que as taxas por “ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal” cobradas às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas, tal como a Taxa sub judice, não foram tacitamente revogadas com a entrada em vigor da TMDP.
G. A Taxa impugnada viola também o princípio da transparência que deve presidir às taxas que incidem sobre os direitos de passagem das empresas de comunicação, consagrado no artigo 13° da Directiva Autorização e no artigo 11.º da Directiva Quadro, conforme decidido pelo TJCE em casos análogos.
H. A Taxa em causa nos autos viola também os princípios da justificação objectiva e da proporcionalidade das taxas devidas pelos chamados direitos de passagem, consagrados no mesmo art. 13° da Directiva Autorização.
I. A Recorrente considera injustificado que a utilização do subsolo por parte de um particular seja sujeito a uma contraprestação vinte e duas vezes e meia superior (!) no município do Seixal do que no município de Lisboa.
J. A violação da proporcionalidade da Taxa é também acentuada pelo facto do município do Seixal não ter sequer competência legal para proceder à manutenção, inspecção e reparação dos cabos da Recorrente que dão lugar à aplicação da Taxa, por força da legislação em vigor no sector das telecomunicações, acrescendo que, no presente caso, o município do Seixal nem sequer emite licenças de ocupação do espaço público, uma vez que a Recorrente está dispensada de licenciamento municipal, na sua qualidade de concessionária do serviço público de telecomunicações.
K. A Taxa viola também frontalmente a garantia de audição e participação das partes interessadas, imposta pelo artigo 14.° da Directiva Autorização.
L. A imposição da Taxa é também inválida por implicar uma dupla tributação económica violadora do Direito Comunitário, simplesmente por coexistir com a TMDP cobrada por outros municípios em Portugal.
M. A Taxa viola igualmente o princípio da proporcionalidade das taxas previsto na Constituição e os direitos e liberdades fundamentais dos operadores de comunicações electrónicas.
N. Perante as incompatibilidades da Taxa com o Direito Comunitário, a Recorrente requer que sejam submetidas, a título prejudicial, três questões concretas ao TJCE.
Nestes termos, requer-se a substituição das conclusões apresentadas com as alegações de recurso pelas conclusões supra.

A recorrida formulou contra-alegações que integram as conclusões seguintes:

1- A douta sentença do Tribunal recorrido não merece as críticas que a recorrente lhe desfere.
2- A versão definitiva do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal foi aprovada, na sequência da sessão de Câmara de 25 de Junho de 2003, publicitada em Edital e publicada no apêndice n.º 130 ao Diário da República n.º 197, II Série, de 27 de Agosto de 2003.
3- Detectada a omissão na publicitação - que consubstancia um erro manifesto na expressão da vontade do órgão administrativo, na medida em que omitiu parte do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal, foi o mesmo rectificado oficiosamente de harmonia, com o disposto no at.º 148º do CPA.
4- Mas, mesmo que se entendesse que a publicidade dada ao Aditamento ao Regulamento Municipal foi insuficiente, certo é que a eventual ineficácia do mesmo, não constitui fundamento para a Oposição, uma vez que não cabe no elenco taxativo do art.º 204 do CPPT, conforme decidiu e bem o Tribunal a quo. A ineficácia em sentido estrito, (claramente, aquela que decorre de uma publicitação deficiente do Regulamento), não equivale à inexistência.
5- Por isso, a taxa existe no ordenamento jurídico desde a data da publicitação do Regulamento. O tributo existia na ordem jurídica à data dos factos a que respeita a obrigação tributária, i.e., 1 de Janeiro de 2004.
6- Resulta da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro - que procedeu à transposição das Directivas comunitárias enunciadas - que as taxas municipais de direitos de passagem (TMDP) incidem sobre a facturação e, como tal, são suportadas pelos clientes e não pelas operadoras (Cft. Artº 106º da citada Lei), pelo que as empresas são meras intermediárias na cobrança da taxa aos seus clientes e na sua entrega aos municípios.
7- Cumpre referir que esta taxa constitui, ao invés, um verdadeiro imposto sobre o consumo, tanto mais, que tal como surge consagrada no art.º 106º da Lei n.º 5/2004, a TMDP é aplicável aos clientes de todas as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local público, sem relação com o facto de terem ou não tais empresas instalado infra-estruturas no domínio público municipal e sem distinguir se os clientes em causa, acedem a um ou mais serviços fornecidos pela mesma rede.
8- A TMDP constitui, assim, por total ausência de sinalagma, um verdadeiro imposto, de resto ilegal, por inconstitucional, na medida em que não acautela os princípios constitucionais respectivos (art.º104 da CRP), conclusão que sai reforçada pelo facto da “taxa” ter por base de incidência a factura do cliente e não a ocupação do solo com a infra-estrutura.
9- A Câmara Municipal do Seixal não aprovou e, por isso não aplica, no seu território, Qualquer taxa de “direitos de passagem”. O art.º 106º da Lei n.º 5/2004, na sua versão original, em vigor à data da liquidação em apreço nos presentes autos, confere a faculdade aos municípios de criarem ou não a TMDP. Só pode falar-se em violação do princípio da proibição da dupla tributação se os Municípios criarem a TMDP e aplicarem os respectivos Regulamentos Municipais de Taxas, o que manifestamente o Município recorrido não fez.
10- Mas, uma vez que a Lei nº 5/2004, não colide com a Lei das Finanças Locais nem estabelece qualquer antagonismo ou incompatibilidade com o Regulamento Municipal, este não foi derrogado por aquela e não pode, por isso falar-se em revogação tácita.
11- O uso gratuito do domínio público representa uma violação constitucional do princípio da onerosidade dessa ocupação e como tal não é admissível que se sustente uma verdadeira isenção dessa ocupação para os operadores de telecomunicações através da criação de um novo tributo que só onera os consumidores (Cft. art.º 106º da Lei n.º 5/2004 de 10 de Fevereiro).
12- Por conseguinte, o que a recorrente continua a reclamar é a isenção de que, em violação dos princípios da concorrência e da igualdade, beneficiou ao longo de décadas, ao arrepio de todos os princípios dominantes no Ordenamento jurídico da União Europeia, nomeadamente no Tratado de Roma.
13- A violação do princípio da proporcionalidade stricto sensu, afere-se, pela relação custo/benefício, vista em concreto, entre a prestação exigida pela administração e o serviço prestado.
14- Teria que haver uma manifesta desproporção, in casu, entre esse custo, consubstanciado nas taxas liquidadas à recorrente, e o beneficio da ocupação do domínio público, para que o principio da proporcionalidade fosse violado, O principio da proporcionalidade proíbe pois o sacrifício excessivo dos particulares. A recorrente colhe expressivas vantagens económicas dessa utilização já que presta diversos serviços, a dezenas de milhares de clientes, auferindo os lucros correspectivos.
15- No caso dos autos, é manifesto que a recorrente não alegou na oposição, embora pretenda fazê-lo agora nas alegações de recurso, quaisquer factos que possam permitir o exercício do contraditório neste domínio. De resto, em momento algum a recorrente alega ou demonstra que o valor da taxa ultrapasse os largos benefícios que aufere com a utilização que faz do domínio público autárquico.
16- O Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal não enferma de vício de falta ou insuficiência de fundamentação, prevendo taxas pela ocupação do solo, subsolo e espaço aéreo municipais, no estrito respeito pelos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público.
17- Por outro lado, no âmbito do processo de transposição das Directivas 2002/19/CE, 2002/20/CE (Directiva Autorização), 2002/21/CE (Directiva Quadro e 2002/22/CE), o legislador nacional, regulou a matéria através da Lei n.º 5/2004 de 10 de Fevereiro (REGICOM), no quadro dos limites da livre conformação das Directivas comunitárias em causa, atendendo às especificidades, designadamente, da nossa realidade municipal.
18- Não há notícia de que as Directivas em causa tenham sido incorrectamente transpostas pela legislação nacional, pelo que não vemos que tenha sentido, o reenvio prejudicial de questões que podem ser resolvidas no plano do direito nacional.
19- Os mesmos princípios avultam da Lei das Finanças Locais e da própria Constituição, mormente do princípio constitucional da equivalência jurídica que presidiu ao estabelecimento do valor das taxas que foram liquidadas à recorrente. Por isso, é no plano do Direito interno e não através do reenvio prejudicial, que as dúvidas suscitadas pela recorrente terão de ser resolvidas.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado improcedente e mantida a decisão do Tribunal a quo por não merecer qualquer censura.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:
Telecomunicações: Taxa de ocupação de espaço público/Taxa de Direitos de Passagem.

Afigura-se não se poder manter o decidido, face à jurisprudência dominante do S.T.A., respeitante à taxa de ocupação de espaço público, que se mostra já produzida no domínio de telecomunicações.
Com efeito, de acordo com a mesma, “a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza”- cfr., entre outros, os citados acs. do S.T.A. de 1-6-2011, no proc. 450/11 e de 29-6-2011 no proc. 450/11, acessíveis em www.dgsi.pt.
E tal é de entender assim, em respeito a normas comunitárias contidas nas referidas Directivas Quadro e de Autorização, respectivamente n.°s 2002/20/CE e 2001/20/CE, nomeadamente, de transparência e de não discriminação sem demora, sendo certo o Tribunal de Justiça também já veio a decidir que, quanto às taxas das referidas comunicações, tinham ser objecto de publicação adequada e suficientemente pormenorizada e de haver proporcionalidade com o volume de trabalho necessário.
Entende a recorrente ser de submeter, ainda assim, tal matéria à apreciação do referido T.J., de acordo com as questões que indica a fls. 726. (quereria dizer 626)
Contudo, parecem não subsistir dúvidas que, no âmbito da actividade de telecomunicações, e quanto à taxa que, a propósito, podia ser aplicada no ano de 2004, pelo Município do Seixal, era a Taxa Municipal de Direitos de Passagem a única que podia ser exigida a partir de 11/2/2004, data em que a referida Lei entrou em vigor.
Nestes termos, parece que, na procedência desta questão que foi suscitada pelo recorrente, o recurso tem de proceder, com a consequência de se julgar também procedente a oposição deduzida com fundamento na ilegalidade da Taxa de Ocupação de Espaço Público que foi a liquidada relativamente a todo o ano de 2004.

2- FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
1. A A…… é concessionária do serviço público de telecomunicações;
2. Em 03/05/2004, foi publicado no Diário da Republica II Série o Aviso nº 2995/2004 do qual consta que a Câmara Municipal do Seixal em reunião ordinária de 01/10/2003 e a Assembleia Municipal na sua reunião extraordinária de 28/10/2003 aprovaram o aditamento ao anexo que contém a tabela de taxas de Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal (cfr. doc. junto a fls. 38 dos autos);
3. Em 04/05/2004, foi publicado o Edital n° 082/2004 do qual consta que foi aprovado a rectificação da tabela das taxas previstas no Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal (cfr. doc. junto a fls. 39 dos autos);
4. Por oficio de 18/10/2004, da Câmara Municipal do Seixal foi a oponente notificada para pagar a quantia de € 1.160.312,50 da taxa de utilização do solo, subsolo e espaço aéreo por cabos de acordo com as medições efectuadas pelos serviços municipais e referentes ao ano de 2004 (cfr. doc. junto a fls. 32 dos autos);
5. Ao ofício identificado no ponto anterior consta uma lista com a indicação da instalação a que a mesma se reporta (cfr. doc. junto a fls. 33 a 37 dos autos);
6. Em 10/10/2006, a impugnante apresentou uma garantia bancária da cobrança das taxas comunicadas (cfr. doc. junto a fls. 31 e segs. do processo instrutor junto aos autos);
7. A presente oposição deu entrada no Município do Seixal em 12/10/2006 (cfr carimbo aposto na folha de rosto da p.i);
8. Em 2/05/2008, pelo Aviso n° 223/2008 da Câmara Municipal do Seixal foi fixada uma nova taxa pela ocupação com tubo, condutas, cabos condutores e similares no montante de € 0,86 (oitenta e seis cêntimos) por metro linear ou fracção por ano (cfr. doc. junto a fls. 630 dos autos).
A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

3 – DO DIREITO
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, julgou a oposição improcedente na consideração do seguinte:
(…) C) DO DIREITO
Começa a oponente por alegar que o Regulamento em causa apenas foi objecto de publicação em 04/05/2004, pelo que não podem ser cobradas taxas ao abrigo dum regulamento inexistente.
Nesta matéria, num caso idêntico ao dos presentes autos, pronunciou-se o STA, num Acórdão de 08/07/2009, no recurso n° 964/08, in www.dgsi/jsta.pt, com o qual se concorda pelo que se passa a transcrever:
“(...)Por outro lado, os regulamentos municipais que tenham por objecto a fixação de regras relativas à construção, fiscalização e taxas de operações de loteamento e de obras de urbanização, com excepção dos previstos no Decreto-Lei n.° 69/90, de 2 de Março, são obrigatoriamente submetidos a inquérito público, pelo prazo de 30 dias, antes da sua aprovação pelos órgãos municipais competentes, e são publicados no Diário da República (artigo 68.°-B do DL n.° 448/91, de 29 de Novembro).
A falta de publicação destes regulamentos nos termos sobreditos implica a sua ineficácia jurídica (v. artigo 122°, n.° 2 da CRP (92), em vigor à data da aprovação e publicação da deliberação da AMF de 9/5/94, actual artigo 119.º, n.° 2 da CRP/04).
O princípio da publicidade dos actos com conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local é uma exigência lógica do princípio do estado de direito democrático (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP anotada, págs. 547/548).
Sem a publicação das normas regulamentares nos termos e com o conteúdo assinalado, não é possível determinar ou exigir dos particulares as taxas urbanísticas em causa.
Do exposto, resulta, assim, claramente que as normas do RTLMF são manifestamente inconstitucionais e inaplicáveis neste caso. Consequentemente, o acto impugnado, ao fundar a liquidação nesse Regulamento, enferma de erro sobre os pressupostos de direito, que constitui vício de violação de lei e justifica a sua anulação (arts. 99.° do CPPT e 135.º do CPA).”
A questão que cumpre agora apreciar e que foi também ela suscitada pelo Município do Seixal é a de saber se em sede de oposição à execução se poderá apreciar a questão da ineficácia do Regulamento, ou se, como fundamentadamente defende o Município, tal questão apenas poderia ser apreciada em sede de impugnação judicial.
De facto, em sede de oposição à execução fiscal apenas se pode apreciar a inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação, ou seja, sua ilegalidade abstracta e não a sua ilegalidade concreta.
Conforme se retira do probatório supra o Regulamento foi alterado passando a conter a norma que permite cobrar as taxas em referência, ainda no decurso do ano de 2003, pelo que a norma existia. Esta apenas não foi sujeita a publicação, sendo que esta falta não origina a sua inexistência mas a sua ineficácia, situação que apenas pode ser conhecida em sede de impugnação judicial e não de oposição à execução.
Assim sendo absolver-se-ia o Município da instância nesta parte por não ser este o meio processualmente adequado.
Por outro lado, não é possível ao Tribunal convolar a presente petição inicial em impugnação judicial porquanto a oponente foi notificada do acto de liquidação por oficio de 18/10/2004, pelo que, à data da interposição da presente oposição, há muito que se encontrava decorrido o prazo de 90 dias para impugnar o acto.
No entanto, ao abrigo do disposto no art. 204° n° 1 al. h) vem a oponente alegar que atenta a publicação da Lei n° 5/2004, de 10 de Fevereiro, as taxas que agora se impugnam foram tacitamente revogadas passando apenas a ser devida uma Taxa Municipal de Direitos de Passagem, nos termos do disposto no art. 106°do citado diploma.
Vejamos.
Em conformidade com a Directiva n° 2002/20/CE o legislador nacional consagrou na Lei das Comunicações Electrónicas, a Lei n° 5/2004, de 10 de Fevereiro, a possibilidade de os municípios portugueses procederem à aprovação duma taxa municipal de direitos de passagem, vulgarmente conhecida por TMDP, cujo cálculo será efectuado tendo por base o valor facturado aos clientes residentes em cada município. Ou seja, este diploma permite que cada município aprove esta taxa que será cobrada aos clientes finais dos serviços prestados pelas operadoras de comunicações electrónicas.
A questão que a impugnante suscita é a de saber se, apesar do Município do Seixal não ter aprovado a TMDP, as taxas de ocupação do solo, subsolo e espaço aéreo previstas no seu regulamento municipal foram ou não tacitamente revogadas. A consequência daqui decorrente seria a de que não tendo os municípios optado por cobrar essas taxas que apenas iam onerar os serviços prestados pelas operadores aos consumidores finais também não poderiam cobrar directamente às operadoras quaisquer outras taxas pela ocupação do domínio publico porquanto essas haviam sido tacitamente revogadas por aquele diploma.
Com todo o respeito por opinião contrária, não me parece que assista razão à impugnante.
Senão vejamos.
O art. 106° da citada Lei n°5/2004, de 10 de Fevereiro, estabelece que:
Taxas pelos direitos de passagem
1 — As taxas pelos direitos de passagem devem reflectir a necessidade de garantir a utilização óptima dos recursos e ser objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam, devendo, ainda, ter em conta os objectivos de regulação fixados no artigo 5°.
2 — Os direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de direitos de passagem (TMDP), a qual obedece aos seguintes princípios:
a) A TMDP é determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município;
b) O percentual referido na alínea anterior é aprovado anualmente por cada município até ao fim do mês de Dezembro do ano anterior a que se destina a sua vigência e não pode ultrapassar os 0,25%;
3 — Nos municípios em que seja cobrada a TMDP, as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo incluem nas facturas dos clientes finais de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo, e de forma expressa, o valor da taxa a pagar.
4 — O Estado e as Regiões Autónomas não cobram às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público taxas ou quaisquer outros encargos pela implantação, passagem ou atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos físicos necessários à sua actividade, à superfície ou no subsolo, dos domínios público e privado do Estado e das Regiões Autónomas.”
Estamos aqui perante a possibilidade dos municípios portugueses optarem pela cobrança duma taxa, cujo estabelecimento não é obrigatório. Mais, trata-se duma taxa que seria suportada pelos consumidores finais de cada município tendo em conta a facturação e não duma taxa imposta às operadoras, como aliás já se evidenciou atrás. Não estamos perante uma obrigação criada por lei dos municípios adoptarem uma tal taxa. Acresce ainda que, uma interpretação conjugada do preceito, se retira que apenas se a mesma for criada é que aos municípios fica vedada a possibilidade de cobrarem qualquer outra taxa. Ou seja, para os municípios que a adoptem ficaria, aí sim, vedada a possibilidade de cobrarem qualquer outra taxa por ocupação do solo, subsolo ou espaço aéreo.
Assim sendo, julgaremos improcedente o argumento de que com a publicação desta Taxa Municipal de direitos de passagem tenha ocorrido uma revogação tácita das taxas municipais de ocupação do solo, subsolo e espaço aéreo.
Passemos agora à análise da alegada inconstitucionalidade da taxa cobrada pelo Município do Seixal à luz dos princípios da Igualdade e da Proporcionalidade.
Esta matéria tem sido objecto de uma jurisprudência uniforme quer do STA quer do próprio Tribunal Constitucional.
Mais recentemente o Pleno da Secção Tributária do STA proferiu um acórdão no qual se encontra condensada toda esta problemática, Acórdão de 23-09-2009 no recurso n° 0377/09, in www.dgsi/jsta.pt, e que por se concordar, sem reservas, com a mesma se passa a transcrever:
“(...) 2.2 No acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 7-5-2008, rec. n.° 1034/07 (seguindo de perto, aliás, o acórdão da mesma Secção, de 16-1-2008, rec. n.° 603/07), além do mais, escreveu-se como segue.
(...) De resto, a utilização de bens do domínio público, designadamente aqueles que como tal são definidos na Constituição (art°. 84.°), entre os quais se incluem as estradas, não pode ser permitida em situações de interesse exclusivo de particulares, pois isso reconduzir-se-ia à subversão da atribuição constitucional da natureza de bens do domínio público. Por isso, relativamente aos bens classificados pela Constituição como integrando o domínio público, as autorizações de uso privativo do domínio público através de licenças ou concessões, não podem, sem violar a Constituição, deixar de ser efectuadas em situações em que, concomitantemente com o interesse do particular, há também um interesse público, mesmo que não seja o prevalente. Por isso, a satisfação de um interesse público pela actividade de uma empresa privada, não é obstáculo à aplicação da taxação prevista para autorizações de uso privativo de bens do domínio público, sendo mesmo esse tipo de situações em que há cumulativamente interesse público e privado o campo de aplicação natural das taxas pela utilização de bens do domínio público. Por outro lado, não há elementos que permitam afirmar que haja uma desproporção entre a quantia liquidada e o benefício que a utilização individualizada do subsolo constitui para a Impugnante, pelo que não se pode excluir aquela relação sinalagmática por hipotética falta de correspectividade. Assim, em sintonia com a jurisprudência do Tribunal Constitucional (acórdãos n.°s 365/2003 e 366/2003, ambos de 14-7-2003, e n.° 396/2006, de 28-6-2006) e deste Supremo Tribunal Administrativo (acórdãos de 17-11-2004, proferidos nos recursos n.°s 650/04 e 654/04, de 13-4-2005, recurso n.° 1339/04, e de 27-4-2005, recurso n.° 1338/04) é de concluir que os tributos liquidados no acto impugnado, ao abrigo do disposto no art°. 30°, ponto 7 do Regulamento e Tabela de Taxas, Licenças e Preços da Câmara Municipal de Almada para os anos financeiros de 1996 a 1998, têm a natureza de taxas, tendo cobertura legal no referido art°. 11.º, alínea c), da Lei das Finanças Locais de 1987 (Esta cobertura mantém-se à face da posterior lei das finanças locais, no ad°. 19°, alínea c), da Lei n.° 42/98, de 6 de Agosto). Neste sentido, pode ver-se, ainda os Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17/11/04, in rec. n°650/04; de 27/4/05, in rec. n° 1.338/04 e de 13/4/05, in rec. n° 1.339/04. Por outro lado, alega a recorrente que beneficiaria da isenção a que se reporta o art° 33°, n° 1 da Lei das Finanças Locais, uma vez que, ocupando o subsolo ao abrigo da concessão, exerce poderes que são do Estado. Mas não tem razão. Com efeito, “a isenção de que goza o Estado é subjectiva, não se vendo modo de ela poder ser transmitida a outrem, seja pela via administrativa, seja por contrato... Acresce que a concessão não transfere para o concessionário senão os poderes necessários ao desempenho do serviço público por que fica responsável — e é por isto mesmo que lhe é permitido instalar equipamentos no domínio público. Mas não mais do que isso. A concessão não altera a natureza jurídica do concessionário que, no caso, é uma sociedade comercial, e não passou, por obra da concessão, a ser uma pessoa colectiva de direito público (acórdão da Secção do Contencioso Tributário do STA de 8/11/06, in rec. n.° 648/06). E no acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 13-4-2005, proferido no recurso n.° 1339/04, disserta-se do modo que segue, em termos com os quais inteiramente concordamos. A distinção constitucional entre os conceitos de imposto e de taxa tem por base o carácter unilateral ou bilateral e sinalagmático dos tributos, sendo qualificáveis como impostos os que têm aquela primeira característica e como taxas, os que têm as últimas. Como se refere no n.° 2 do art. 4.° da L.G.T. e já anteriormente se entendia, as taxas podem ter por fundamento a utilização de um bem do domínio público. (Neste sentido, podem ver-se: — SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, volume II, 4ª edição, página 64; — ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, volume I, páginas 42-43; — DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA LEITE DE CAMPOS, em Direito Tributário, 1996, página 27; — BRAZ TEIXEIRA, Princípios de Direito Fiscal, 1979, página 43-44; — PAMPLONA CORTE-REAL, Curso de Direito Fiscal, volume I, página 165.). Essa relação sinalagmática entre o benefício recebido e a quantia paga não implica uma equivalência económica rigorosa entre ambos, mas não pode ocorrer uma desproporção que, pela sua dimensão, demonstre com clareza que não existe entre aquele benefício e aquela quantia a correspectividade ínsita numa relação sinalagmática. Nomeadamente, o que está em causa, em primeiro lugar, para determinar se o tributo tem natureza de taxa é se essa ocupação do subsolo consubstancia uma utilização individualizada desse bem, no interesse próprio da Impugnante. A colocação de tubagens no subsolo consubstancia uma utilização individualizada deste, uma vez que, mantendo a Impugnante essa utilização, não será possível utilizar o mesmo espaço para outras finalidades, ficando, assim, limitada a possibilidade de utilização desse subsolo para outras actividades de interesse público. O facto de a Impugnante ser concessionária de um serviço público não afasta a qualificação do tributo como taxa, pois a par da satisfação do interesse público, a sua actividade proporciona-lhe a satisfação dos seus interesses como empresa comercial privada.
De referir ainda que tem sido pacífica, uniforme e reiterada a jurisprudência da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que é de qualificar como taxa, por ter natureza sinalagmática, o tributo liquidado por um município como contrapartida pela utilização do subsolo com tubos e condutas, uma vez que o seu montante se destina a pagar a utilização individualizada do subsolo onde as mesmas foram colocadas — cf. no mesmo sentido os mais recentes acórdãos do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 17-12-2008, proferido no recurso n.° 267/08; e de 6-5-2009, proferidos nos recursos n.° 43/08, e n.° 963/08.
E, então, a terminar, havemos de convir, em súmula, que o tributo pago aos municípios por “empresas de rede” pela utilização do subsolo municipal, com a colocação neste de tubos e de condutas, tem a natureza de taxa, e não de imposto, atento o seu carácter bilateral ou sinalagmático.(...)“
Assim sendo, e passando agora para o caso concreto dos autos estamos claramente perante uma taxa e não perante um imposto, pelo motivos sobejamente explanados no Acórdão do Pleno da Secção Tributária supra citado.
Cumpre agora verificar se, tratando-se duma taxa esta viola os princípios da Igualdade e da Proporcionalidade como alega a impugnante.
De facto, alega a impugnante que a taxa foi desproporcionalmente aumentada e que nos restantes municípios as taxas têm valores muito mais reduzidos.
Vejamos.
Também o Tribunal Constitucional tem sido chamado, por diversas vezes, a pronunciar-se sobre estas questões, designadamente no Acórdão n° 365/2003, que passamos a transcrever:
“Constituem o objecto deste recurso, assim, as normas constantes dos nºs 4 e 7 do artigo 36°, cuja aplicação foi recusada pela sentença recorrida porque, ao implicarem “um aumento desmesurado e totalmente desproporcionado”, “várias vezes superior a 1.000%”, das taxas nelas previstas, “sem qualquer alteração das condições de ocupação do subsolo, afigurara-se-nos que sob o ‘rótulo’ de taxas (alteração), aquela entidade [Câmara Municipal de Matosinhos] mais não fez do que lançar um imposto sobre a impugnante, ou, pelo menos, uma ‘contribuição especial’(...)
Em suma, o Tribunal entende que os critérios constantes das normas em apreciação permitem avaliar a vantagem individualizada que o particular retira do uso privativo do subsolo do domínio público de que beneficia, vantagem essa que há que compensar mediante o pagamento do tributo correspondente. Inaceitável seria que o valor a pagar fosse meramente simbólico, por implicar a reserva sem contrapartida aos beneficiários de vantagens proporcionadas por bens públicos.
Como escreveu Marcello Caetano, (Manual de Direito administrativo, II, 3ª reímp. da 10ª edição., Coimbra, 1986, págs. 943-944), “O uso privativo, ao contrário do uso comum, não é em regra gratuito: os particulares são obrigados ao pagamento de taxas, calculadas em função da área a ocupar e do valor das utilidades proporcionadas”; em nota a esta afirmação, acrescentou que se admitem isenções ou reduções “a favor das pessoas colectivas de direito público ou de particulares para fins de beneficência” (nota 1 da pág. 944).
Há, pois, que concluir que não há razões para considerar que tais critérios se revelem inadequados à concretização do sinalagma característico das taxas, o que permite afastar a acusação de inconstitucionalidade orgânica das normas que os definem.
11. A sentença recorrida aponta ainda às mesmas normas o vício da inconstitucionalidade material, seja por violação o princípio da igualdade, seja por infracção do princípio da proporcionalidade.
(...)O Tribunal Constitucional já se pronunciou inúmeras vezes sobre as exigências do princípio constitucional da igualdade, salientando repetidamente que significa, em síntese, a proibição do arbítrio. Assim, no Acórdão n.° 319/2000 (Diário da República, II série, de 18 de Outubro de 2000), para cujas considerações agora se remete, salientou-se, mais uma vez, que o princípio da igualdade “não anula a liberdade de conformação do legislador” e que, como se escreveu no Acórdão n.° 563/96 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33°, pág. 47 e segs.), implica «que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr., entre tantos outros, e além do já citado acórdão n° 186/90, os acórdãos n°s. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente», mas «não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, “razoável, racional e objectivamente fundadas” sob pena de, assim não sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes”, no ponderar do citado acórdão nº 335/94. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J. C. Vieira de Andrade — Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).
Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio negativo de controlo” ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. Cit., pág. 127 e, por exemplo, os Acórdãos n°s. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Julho de 1988, e os já citados n°s. 330/93 e 335/94 - sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencia! (“tertium comparationis”).
A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o arbítrio (cfr., a este propósito, Gomes Canotilho, inRevista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; acórdão n°330/93).»
(. . )
12. Finalmente, há que considerar o princípio da proporcionalidade, que a sentença recorrida igualmente considera infringido.
Trata-se de um princípio que também já foi objecto de inúmeras considerações pelo Tribunal Constitucional. Assim, e recorrendo ao Acórdão n.° 187/2001 (Diário da República, II série, de 26 de Junho de 2001), cabe recordar que «o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”. Como se escreveu no (...) Acórdão n.° 634/93, invocando a doutrina:
“o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três sub princípios:
princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos). “»
Ora cumpre reconhecer que, como se afirma na referida sentença, foi consideravelmente aumentado o valor da taxa a pagar pelo particular, sem que tal aumento tenha sido acompanhado de uma qualquer alteração na utilização do subsolo; e que é exacto que ao longo dos anos o valor inicialmente fixado foi sendo actualizado, como frisa a recorrida, nos termos previstos nas diversas versões do Regulamento. Estes aumentos resultantes de meras actualizações daquele valor nada relevam, porém, no presente contexto, e não se podem sequer comparar com o que agora nos ocupa.
(...) Não é do facto de não ter existido nenhuma alteração na prestação da Câmara que, necessariamente, se pode concluir pela violação da proporcionalidade; seria necessário, para o efeito, que tivesse sido feita a demonstração de que há uma desproporção intolerável entre a quantia a pagar e, por exemplo, o montante que o particular teria de desembolsar se recorresse a outro meio alternativo de circulação, ou se tivesse de pagar a utilização de subsolo sob propriedade privada.
Não podendo, pois, o Tribunal Constitucional concluir pelo manifesto desajustamento entre o montante a pagar a título de taxa pela utilização do subsolo do domínio público municipal e o valor que o particular retira dessa utilização, não pode igualmente concluir pela inconstitucionalidade das normas em apreciação por violação do princípio da proporcionalidade.”
Assim e na esteira do Acórdão do Tribunal Constitucional supra citado, entende este Tribunal que no caso concreto também não se encontra violado qualquer dos princípios invocados pela oponente.
Nestes termos e sem necessidade de mais considerações, julgará este Tribunal improcedente a presente oposição.
IV - DECISÃO
Em face de tudo o anteriormente exposto, julga-se improcedente a presente oposição judicial”.

DECIDINDO NESTE STA
Como resulta da transcrição da, bem fundamentada, decisão recorrida foi essencial para a decisão de improcedência da oposição o entendimento de que:
A falta de publicação do regulamento que previa a taxa objecto do litigio, apenas conduzia à sua ineficácia e não à sua inexistência jurídica e, assim sendo, aquele vicio só podia ser invocado em sede de impugnação judicial e não lançando mão do instrumento da oposição, não podendo a mesma ser convolada no meio processual adequado, por extemporaneidade.
Entendeu também o tribunal a quo, ser improcedente o argumento de que, com a publicação do regulamento que aprova a Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP) tenha ocorrido uma revogação tácita das taxas municipais de ocupação do solo, subsolo e espaço aéreo até aí existentes.
Considerou ainda o tribunal a quo, que não havia a inconstitucionalidade invocada relativa à violação do principio da proporcionalidade.
Entendeu, finalmente, o mesmo tribunal, que a concessionária não estaria isenta da taxa em causa.
Relativamente à natureza jurídica do tributo em causa o referido tribunal, considerou que estamos perante uma taxa e não um imposto.

Por seu lado a recorrente aponta vários vícios à sentença recorrida, entre os quais duas omissões de pronúncia que no seu entender têm como consequência a nulidade da mesma, uma relativa à não pronúncia sobre a junção de dois pareceres jurídicos, bem como a não pronúncia sobre a incompatibilidade da taxa sob litigio, com as Directivas autorização e Quadro (respectivamente, a Directiva nº 2002/20/CE e 2002/21/CE)
Considera que a sentença laborou em erro de direito, quando entendeu que, pelo facto de, o regulamento que previa a taxa não estar em vigor, não constituía fundamento à oposição, pois no seu entender esse facto consubstancia fundamento à oposição nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 204º do CPPT.
Entende também que a sentença errou ao entender que não houve revogação tácita da taxa em questão, com a entrada em vigor das TMDP.
A recorrente refere, ainda, que houve a violação do artº 13º da Directiva Autorização, por violar os princípios da transparência, justificação objectiva e proporcionalidade.
A recorrente entende, também, que foi violado o artº 14º da Directiva Autorização, por violação do princípio da garantia de audição e participação das partes interessadas.
Para a recorrente a taxa é inválida por implicar uma dupla tributação.
Considera, por fim, que foi violado o princípio da proporcionalidade, bem como os direitos liberdades fundamentais previstos na Constituição.

A recorrida nas suas contra-alegações refuta as ilegalidades invocadas pela recorrente e defende a manutenção da decisão do tribunal a quo.

O EMMP junto deste STA, no parecer supra transcrito, emitiu parecer no sentido da revogação da sentença, por haver jurisprudência no STA que contradiz o decidido, bem como a taxa em questão não estar de acordo com as normas das Directivas Autorização e Quadro que, prevêem a transparência, não discriminação, publicação adequada e proporcionalidade.
Vejamos.

Quanto à questão da nulidade processual invocada pela recorrente por não ter havido pronúncia sobre a junção dos dois pareceres jurídicos requerida pela recorrente em 14/01/08, ela não se verifica. Ao contrário do que esta afirma, a omissão do tribunal consistente em não se pronunciar expressamente, sobre a junção dos dois pareceres, não se mostra susceptível de influir no exame ou decisão da causa. Em 22/01/08, a Mª juíza do tribunal a quo despachou no sentido de ser notificado o representante da Fazenda Pública do teor dos pareceres e, com a data de 04/02/08, foi também notificado o Município do Seixal do conteúdo dos mesmos pareceres. Seguiram-se vários despachos até que foi proferida a primeira sentença, em 26/10/09, sem que tenha sido proferido algum despacho contrário à admissão dos pareceres os quais nunca foram mandados desentranhar dos autos. Assim sendo houve efectiva admissão dos referidos pareceres, e a não pronúncia expressa relativa à admissão do requerimento de junção dos pareceres, não é susceptível de influir no exame ou decisão da causa pois que a sentença embora não se refira especificamente e expressamente sobre os pareceres, pronunciou-se sobre as questões colocadas pelas partes, incluindo diversas questões levantadas pela ora recorrente, nos pareceres a que alude. Não se verifica, portanto, a nulidade invocada pela recorrente.

Invoca ainda a recorrente a omissão de pronúncia da sentença por não pronúncia sobre a incompatibilidade da taxa sob litigio, com as Directivas autorização e Quadro. Conforme é jurisprudência corrente, só ocorre a referida nulidade quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre qualquer questão levada às conclusões da alegação de recurso, cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
A nulidade por omissão de pronúncia traduz-se no “incumprimento por parte do juiz do dever prescrito no nº2 do artigo 660º do CPC e que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, com excepção daquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras” (cf. Ac. do STA, de 23/03/2000, Recurso 041789).
E efectivamente a sentença só se pronunciou (no sentido negativo) sobre a eventual revogação tácita das taxas municipais de ocupação do solo, subsolo e espaço aéreo pelo artº 106º da Lei 5/2004, mas nada disse sobre a eventual incompatibilidade com as directivas comunitárias (Directiva Autorização e Directiva Quadro), nomeadamente se há ou não há incompatibilidade e/ou se este fundamento não é de atender em sede de oposição.
A sentença recorrida, ao sustentar que não houve revogação tácita de taxa em questão, com a entrada em vigor das Taxa Municipal de Direitos de Passagem, não respondeu à questão. Não equacionou se as taxas previstas no Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal atentam ou não contra o artº 13º da Directiva Autorização na medida em que esta disposição proíbe o uso de taxas de ocupação discriminatórias e alheias aos objectivos de política fixada para o sector das comunicações electrónicas fixadas pelo artº 8º da Directiva-Quadro. Assim sendo, ocorre desde logo por este motivo nulidade da sentença por omissão de pronúncia o que se declara, ficando prejudicado o conhecimento de outras questões que pudessem conduzir ao mesmo resultado.
Importa no entanto conhecer em substituição por atenção ao disposto no artº 715º nº1 do CPC e na consideração de que os autos contêm todos os elementos para tal apreciação.

DA QUESTÃO DE FUNDO:
A Lei nº 5/2004 de 10 de Fevereiro, veio estabelecer o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e, no seu artº 106º, prevê a possibilidade dos Municípios cobrarem uma taxa pelos direitos de passagem (TMDP). Estes não ficam obrigados a cobrá-la, mas se o entenderem dever fazer é nos termos daquela lei e não de outra que o podem fazer. No parecer do Sr. Professor Casalta Nabais junto aos autos salienta-se que “Se a TDMP é uma taxa que teve em vista a transposição para o direito nacional do artº 13º da Directiva Autorização, é evidente que a criação de uma outra taxa que venha tributar o mesmo facto, ou seja, os direitos de passagem reconhecidos às empresas prestadoras de serviços de comunicações electrónicas, agora sob o nome de taxa de ocupação do domínio público, implicará uma violação do direito comunitário, designadamente desse preceito da Directiva Autorização, bem como uma violação do artº 8º da Directiva Quadro”. Concordamos. E, é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo que após a entrada em vigor da Lei nº 5/2004, o único tributo admissível para taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal é a TMDP prevista na Lei nº 5/2004. Neste sentido e por todos o acórdão do STA de 29 de Junho de 2011, proferido no processo nº 450/11, onde se pode ler: “ (…)Esta questão foi já apreciada por esta Secção de Contencioso Tributário do STA em acórdãos de 6/10/2010, 30/11/2010 e 12/1/2011, proferidos nos processos n.ºs 363/10, 513/10 e 751/10, respectivamente, no sentido de que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da taxa municipal de direitos de passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza,(…)”.
Nesta linha de entendimento temos de considerar, ao contrário do decidido na 1ª instância, que a Lei nº 5/2004, revogou tacitamente todas as outras normas que dispunham sobre a mesma matéria, pois não podiam coexistir com a TMDP, ou em substituição desta.
Ainda recentemente, o ora Relator interveio como adjunto no Ac. de 02/05/2012 tirado no recurso nº 0693/11 onde se expendeu:

“Desde já se dirá que não merece censura a decisão recorrida ao concluir que a liquidação sindicada padece de ilegalidade por sobreposição de normas de incidência.
Com efeito dispõe o art. 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro) o seguinte:
«1 - As taxas pelos direitos de passagem devem reflectir a necessidade de garantir a utilização óptima dos recursos e ser objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam, devendo, ainda, ter em conta os objectivos de regulação fixados no artigo 5.º.
2 - Os direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de direitos de passagem (TMDP), a qual obedece aos seguintes princípios:
a) A TMDP é determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município;
b) O percentual referido na alínea anterior é aprovado anualmente por cada município até ao fim do mês de Dezembro do ano anterior a que se destina a sua vigência e não pode ultrapassar os 0,25%;
3 - Nos municípios em que seja cobrada a TMDP, as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo incluem nas facturas dos clientes finais de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo, e de forma expressa, o valor da taxa a pagar.
4 - O Estado e as Regiões Autónomas não cobram às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público taxas ou quaisquer outros encargos pela implantação, passagem ou atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos físicos necessários à sua actividade, à superfície ou no subsolo, dos domínios público e privado do Estado e das Regiões Autónomas.

Como se constata do nº 2 do normativo atrás referido, e também do estatuído no artº 24º da Lei 5/2004, a Taxa Municipal de Direitos de Passagem tem como contrapartida o direito de acesso e utilização do domínio público para a implementação, a passagem e o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.
Por outro lado o facto gerador da Taxa de Ocupação da Via Pública liquidada é precisamente a ocupação da via pública com a instalação de a instalação de postos de transferência /cabines eléctricas e tubos e condutas para distribuição de TV por cabo (Vide, com referência ao facto gerador da taxa devida pela ocupação da via pública, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.11.2009, recurso 670/09.), equipamentos esses que se incluem no conceito de «equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público» adoptado no referido nº 2 do artº 106º da Lei 5/2004.
Verifica-se assim a sobreposição de normas de incidência em causa poderá integrar uma situação de dupla tributação.
É certo que a dupla tributação não integra em si mesmo um vício do acto tributário.
Trata-se de situações em que legislativamente se pretendeu que o mesmo facto tributário fosse objecto de incidência de mais do que um tributo (cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag.396).
Como sublinha o prof. JOSÉ CASALTA NOVAIS, DIREITO FISCAL, 2ª edição, pág. 230/231 a dupla tributação “configura uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias”.
Porém, no caso subjudice estão em causa taxas.
Ora, em matéria de taxas devidas pela ocupação de bens de domínio público é de excluir a admissibilidade de dupla tributação, pois sendo aquelas a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício - cf. Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.11.2010, recurso 513/10, in www.dgsi.pt.
Tendo em conta esta realidade e a possibilidade de sobreposição de normas de incidência que visam a tributação do mesmo facto e com idêntica finalidade, parece claro poder concluir-se, até com recurso ao elemento sistemático, que o legislador expressou intenção de obviar a que o acesso e utilização do domínio público para a implementação de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público fosse objecto de incidência de mais do que um tributo.
Isto mesmo foi sublinhado no DL 123/2009 de 21 de Maio, que define o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas, e em cujo artº 12º do refere expressamente que «pela utilização e aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, que se traduza na construção ou instalação, por parte de empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de infra-estruturas aptas ao alojamento de comunicações electrónicas, é devida a taxa municipal de direitos de passagem, nos termos do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, não sendo permitida a cobrança de quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações por aquela utilização e aproveitamento».
Sendo que tal intuito do legislador é também patente nos arts. 13º, nº 4 e 34º do mesmo diploma legal e ainda o respectivo preâmbulo, onde expressamente se refere que «no que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto».
Pese embora o referido diploma só tenha entrado em vigor em Maio de 2009, será pertinente invocá-lo na apreciação do caso subjudice pois que na análise dos preceitos legais aplicáveis forçoso é recorrer ao subsídio interpretativos do elementos sistemático e também à ratio legis, tendo sempre como presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada.
Acresce dizer que esta questão foi já objecto de jurisprudência consolidada deste secção do Supremo Tribunal Administrativo a qual vem decidindo, de forma unânime, que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza – ver neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.10.2010, recurso 363/10, de 30.11.2010, recurso 513/10 e de 12.01.2011, recurso 751/10, de 29.06.2011, recurso 450/11, e de 01.06.2011, recurso 179/11, todos in www.dgsi.pt.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva e proficiente fundamentação concordarmos integralmente.
Daí que se conclua que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza.
Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação da Via Pública sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de redes de televisão por cabo, pois sendo as taxas em causa a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício.
A sentença recorrida, que assim entendeu, merece ser confirmada, negando-se provimento ao recurso.(…)

É de considerar tal fundamentação, que é válida para o presente caso, uma vez que não obstante estarmos em sede de oposição o (s) fundamentos invocados se integram quer na a al. a) quer na al. i) do nº 1 do artº 204º do CPPT.
A subsistência da TODP aprovada pela exequente, após a entrada em vigor da referida Lei das Comunicações Electrónicas (LCE) está eivada de ilegalidade em abstracto porque não são permitidas tais taxas, que em último caso violariam directivas comunitárias, designadamente o art° 13° da Directiva Autorização (Directiva 2002/20/CE de 07/03/2002 publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 24/04/2002). E, uma vez que o regulamento das TODP embora tenha sido aprovado ainda em 2003 só veio a ser eficaz em Maio de 2004 (altura em que já se encontrava em vigor a Lei das Comunicações Electrónicas, (LCE) aprovada pela Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro), o mesmo prevendo uma taxa anual por metro linear de tubagens, também nunca operaria responsabilidade tributária para a oponente no período compreendido entre 01/01/2004 e a data de entrada em vigor da LCE, em 11/02/2004, seja por via da sua ineficácia (art° 130° n° 2 do CPA) que gera a inexigibilidade seja por via da regra da anualidade da liquidação.
Com efeito a nosso ver, desde logo a falta de publicidade do anexo que continha as taxas em causa nos autos integra o fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT, pois que a publicidade é requisito de eficácia do regulamento em causa. Com efeito o princípio da publicidade dos actos com conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local é uma exigência lógica do princípio do estado de direito democrático (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP anotada, págs. 547/548). Sem a publicação das normas regulamentares, não é possível determinar ou exigir dos particulares as taxas urbanísticas em causa. Assim decidiu o Ac. deste STA de 08/07/2009 tirado no recurso n° 964/080964/08 assim sumariado na parte que nos interessa
“(...) III - A falta de publicidade exigida por lei para um acto de conteúdo genérico do poder local implica a sua ineficácia jurídica, que tem como consequência não poderem com base nele serem impostas obrigações aos particulares (artigo 122°, n.° 2 da CRP/92, actual artigo 119.°, n.° 2 da CRP)”.
Cremos surpreender em Jorge Lopes de Sousa na anotação 37 ao art° 204° do CPPT anotado e comentado IV Edição 2003 o mesmo entendimento pois ao referir-se à falta de notificação do acto de liquidação (condição da sua eficácia) defende o enquadramento da situação na al. i) do n° 1 do art° 204 do CPPT.
A impossibilidade de subsistência das taxas previstas no dito Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município referido, com as taxas previstas na LCE, indubitavelmente, gera a ilegalidade em abstracto das mesmas o que leva a que se considere estar verificado o fundamento da al. a) do n° 1 do art° 204 do CPPT, sendo que relativamente ao período que antecedeu a entrada em vigor da LCE se verifica o fundamento da alínea i) do n° 1 do mesmo preceito legal, uma vez que as normas tributárias só se aplicam ao factos posteriores à sua entrada em vigor e no caso de o facto tributário ser de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor (art° 12° da LGT e também o art° 12° do C.Civil).
Tem pois razão a recorrente nesta questão impondo-se conhecer em substituição e julgar procedente a oposição, nos termos sobreditos, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso (artigo 660.°, n.° 2 do CPC).
Assim sendo, deve julgar-se procedente o presente recurso, anular-se a sentença recorrida, e conhecer em substituição dando provimento à oposição deduzida, por ilegalidade em abstracto da liquidação da taxa cobrada, sendo que sempre se verificaria a inexigibilidade do tributo no período que antecedeu a entrada em vigor da LCE.

4- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e conhecendo em substituição julgar procedente a oposição, com as legais consequências.
Custas a cargo da recorrida por ter contra-alegado e decaído.
Lisboa, 6 de Junho de 2012. - Ascensão Lopes(relator) - Pedro Delgado - Valente Torrão.