Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0873/09
Data do Acordão:02/24/2010
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
PRAZO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Sumário:I - Nos termos do disposto no artº 8º, nº 2, al. a) da LGT, a liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e de caducidade estão sujeitos ao princípio da legalidade. II - Deste modo, o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, se o regime aplicável for o do CPCI (artº 27º) ou do CPT (artº 34º) ou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT e não a partir da data da declaração da revogação da isenção dos impostos.
Nº Convencional:JSTA00066315
Nº do Documento:SAP201002240873
Data de Entrada:09/23/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC 2 SECÇÃO - AC TCA SUL PROC5526/01 DE 2002/05/14.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC67 ART763 N4.
LGT98 ART8 N2 A ART11 ART46 N2 B C ART48 N1 ART49 N1 N3 NA REDACÇÃO DA L 55-B/2004 DE 2004/12/30.
CPCI63 ART27.
CPTRIB91 ART34.
L 87-B/98 DE 1998/12/31 ART53 N2.
DL 398/98 DE 1998/12/17 ART5 N2.
CCIV66 ART297 N1.
Referências Internacionais:TRATADO DE ADESÃO DE PORTUGAL ÀS COMUNIDADES EUROPEIAS APROVADO PELA RAR 22/85 DE 1985/09/18 ART268 ART190 ART196 ART198.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC616/07 DE 2008/07/14.; AC STA PROC1133/03 DE 2003/11/26.; AC STA PROC424/03 DE 2003/05/28.; AC STA PROC425/03 DE 2003/05/28.; AC STA PROC26074 DE 2002/11/14.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificado nos autos, deduziu, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, reclamação contra o despacho proferido pelo Chefe dos Serviços de Finanças de Santo Tirso que indeferiu o pedido por ele formulado de reconhecimento oficioso da prescrição da dívida que se reporta a imposto automóvel, IVA, direitos aduaneiros e juros compensatórios, relativos à introdução no consumo de um veículo automóvel, em 16/3/92.
Aquele excepcionou a sua incompetência, em razão do território, para conhecer dos presentes autos, pelo que foram os mesmos remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (vide fls. 35 e segs.).
Este tribunal, por sentença datada de 25/2/09, julgou improcedente a referida reclamação (vide fls. 104 e segs.).
Inconformado, o reclamante interpôs recurso desta sentença para a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte (vide fls. 119 e segs.).
No aresto então prolatado e datado de 21/5/09, este Tribunal negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida (vide fls. 143 e segs.).
Deste acórdão, aquele interpôs recurso para o Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do STA, invocando como fundamento do mesmo oposição entre esse acórdão e o acórdão prolatado pelo TCA Sul, de 14/5/02, in rec. 5.526/01 (vide fls. 152).
Admitido o recurso, o recorrente apresentou, nos termos do disposto no artº 284º, nº 3 do CPPT, alegação tendente a demonstrar a alegada oposição de acórdãos (vide fls. 164 e segs.).
Por despacho do Exmº Relator considerou-se existir a invocada oposição de acórdãos e ordenada a notificação das partes para alegações, nos termos do artº 284º, nº 5 do CPPT.
A recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
I. A dívida exequenda reporta-se à importação automóvel, IVA, direitos aduaneiros e juros compensatórios, relativos à introdução no consumo de um veículo automóvel, em 16.03.1992.
II. Em 16.03.1992, data da importação do veículo automóvel, o ora recorrente requereu junto da Alfândega do Porto, a isenção dos referidos impostos, o que veio a ser deferido em 20.04.1993.
III. Em 28.12.1994 a referida isenção foi revogada por despacho da Direcção da Alfândega.
IV. Nos termos do art. 34º do Código Processo Tributário aplicável ao caso dos autos, a obrigação Tributária prescreve no prazo de 10 anos, contando-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto Tributário.
V. No douto acórdão recorrido, entenderam os Venerandos Desembargadores que a prescrição se inicia com o nascimento da obrigação Tributária em 28.12.1994 data da revogação da isenção dos impostos, e não em 16.03.1992, data em que ocorreu o facto Tributário com a importação do veículo automóvel e sua apresentação na Alfândega.
VI. Entende o ora recorrente, sempre com o respeito devido, que o momento relevante para o início do prazo de prescrição é a ocorrência do facto tributário, ou seja, 16.03.1992 data da importação do veículo automóvel, sendo irrelevante que tenham sido provisoriamente concedidos benefícios fiscais e, depois, declarada a sua caducidade.
VII. Como, aliás, é sustentada pelo Exmo. Sr. Desembargador no seu voto de vencido que, “a lei nunca previu, mormente para as situações em que por força da atribuição de uma isenção de imposto, …, que para efeitos de prescrição deixasse de relevar o momento da ocorrência do facto tributário e passasse a relevar a data em que a obrigação tributária se constitui”.
VIII. Também a Jurisprudência é pacífica quanto a este entendimento, conforme é sustentado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 5526/01 de 14/05/2002 do Contencioso Tributário, que serve de fundamento ao presente recurso.
IX. Pelo que, entende o recorrente que o facto Tributário a que se reportam os presentes autos ocorreu em 16.03.1992 data da importação e introdução no consumo do veículo automóvel, que o prazo de prescrição se iniciou no dia 01.01.1993 e que a prescrição se verificou em 01.01.2003, dado que, entretanto não ocorreu qualquer acto susceptível de interromper a prescrição.
X. Ao decidir como fez, o douto Acórdão recorrido fez errada interpretação do art. 34º do Código Processo Tributário e artigos 2º e 3º do DL 504-E /85 de 30/12, que assim foram violados.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso, sufragando a doutrina acolhida no acórdão fundamento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – O aresto recorrido fixou a seguinte matéria de facto:
1°) A dívida exequenda reporta-se a Imposto Automóvel, IVA, Direitos Aduaneiros e Juros Compensatórios, relativos à introdução no consumo de um veículo automóvel, em 16.03.1992.
2°) Em 16.03.1992 o ora Reclamante requereu junto da Alfândega do Porto a isenção dos referidos impostos, o que veio a ser deferido em 20.04.1993.
3°) Em 28.12.1994, conforme nota 597/DI/94, da Divisão de Informação da Direcção Geral das Alfândegas do Porto, a então Direcção das Alfândegas do Porto, tomou conhecimento de que o Embarque nº 1022 de 07.07.1991 com que foi instruído o pedido do benefício fiscal do ora Reclamante era falso e procedeu à apreensão do referido veículo automóvel, que se mantém até hoje.
4°) Pelo que, o facto tributário que deu origem à execução ocorreu em 28.12.1994.
5°) O ora reclamante instaurou Impugnação Judicial autuada em 25.03.2003, pedindo o reconhecimento da caducidade do direito à liquidação - cfr. doc. 11 e 12 dos autos.
6°) A Impugnação Judicial foi decidida pelo então Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto - Proc. nº 32/2003, em 12.12.2003 - cfr. doc. de fls. 13 a 15 dos autos.
7°) Sentença que foi objecto de recurso por parte da Fazenda Pública, para o ST Administrativo, tendo-se, este Supremo Tribunal declarado incompetente em razão da hierarquia, por sentença de 04.06.2004 e julgado competente o Tribunal Central Administrativo do Norte, para conhecer do Recurso - cfr. doc. de fls. 16 a 19 dos autos.
8°) O Recurso correu termos no Tribunal Central Administrativo do Norte, tendo sido proferido Acórdão por este douto Tribunal, a revogar a decisão da 2ª instância, em 13.01.2005 - cfr. doc. de fls. 16 a 19 dos autos.
9°) Desta decisão do TC Administrativo, houve recurso para o ST Administrativo, com fundamento em Oposição de Acórdãos, vindo este Supremo Tribunal a decidir pela não verificação da oposição de Acórdão de 14.12.2005 - cfr. docs. de fls. 20 a 26 dos autos.
10°) O processo de execução fiscal foi instaurado pelo Serviço de Finanças, em 03.10.2003 - cfr. doc. de fls. 70 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
11°) O veículo automóvel cuja introdução no consumo em Portugal ocorreu, em 16.03.1992 e, que deu origem à dívida dos autos, encontra-se apreendido à ordem da Direcção das Alfândegas do Porto, desde 02.04.1995.
12°) O Serviço de Finanças de Santo Tirso procedeu à penhora do bem imóvel descrito na matriz predial urbana nº 816, da freguesia de Vilarinho, concelho de Santo Tirso, habitação do executado - cfr. doc. de fls. 98 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
3 – Não obstante o Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que a reconhece, importa reapreciar se se verifica a alegada oposição de acórdãos, já que tal decisão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste STA, não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 687º, nº 4 do CPC).
O presente processo iniciou-se no ano de 2008, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artºs 2º, nº 1, e 4º, nº 2, da Lei nº 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei nº 107-D/2003 de 31 de Dezembro.
Assim, “…a admissibilidade dos recursos de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto no art. 152.º do CPTA, depende da satisfação dos seguintes requisitos:
– existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 29-3-2006, recurso n.º 1065/05.), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
– que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
– a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas” (Acórdão do Pleno desta Secção do STA de 14/7/08, in rec. nº 616/07).
Vejamos, então, se tais pressupostos se verificam.
4 – Desde logo, importa referir que, muito embora não conste dos autos se o acórdão tido por fundamento transitou em julgado, tem este STA vindo a entender em sintonia com o disposto no artº 763º, nº 4, do CPC, na redacção anterior à reforma introduzida pelos Decretos-Lei nºs 329-A/95 de 12/9 e 180/96 de 12/12, que se deve partir do pressuposto que o trânsito em julgado ocorreu, se o recorrido não alegar que o acórdão não transitou, como é o caso.
Por outro lado e da leitura dos arestos em confronto, forçoso é concluir que se perfila a alegada oposição de julgados, já que proferiram soluções jurídicas diferentes para a mesma questão fundamental de direito, no âmbito do mesmo quadro factual.
Com efeito, enquanto que o acórdão recorrido decidiu que o prazo de prescrição das obrigações tributárias se inicia com o acto de revogação da isenção do imposto e não a partir do momento em que o bem é importado, no acórdão tido por fundamento decidiu-se que esse mesmo prazo se inicia com o momento de importação do bem e não quando é declarada a caducidade da isenção.
5 – Posto isto, passemos, então, à apreciação da questão que constitui o objecto do presente recurso.
Consiste esta em saber, no caso em apreço, se o “dies a quo” do prazo de prescrição da dívida exequenda é o da ocorrência do facto tributário – no caso, a importação do veículo automóvel – ou o da declaração da revogação da isenção dos impostos.
Dispõe o artº 8º, nº 2, al. a) da LGT que estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária “a liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e de caducidade”.
Daqui decorre que as características da prescrição das obrigações tributárias estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária de reserva da lei formal.
Ou seja, todos os pressupostos da prescrição, incluindo, necessariamente, os relativos ao regime do seu prazo, têm de constar da legislação tributária, não sendo admissível a integração das suas lacunas por via analógica (cfr. artº 11º da LGT). Daí ressalta que vigora, nas relações jurídico-tributárias, o princípio de tipicidade fiscal, segundo o qual a tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto.
Posto isto e relativamente ao caso em apreço, no que às obrigações tributárias diz respeito, estabelecem-se termos iniciais diferentes.
De início, no CPCI (cfr. artº 27º) e no CPT (cfr. artº 34º), o prazo de prescrição contava-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.
Por sua vez, na LGT estabelecem-se termos iniciais distintos para os impostos periódicos e para os impostos de obrigação única.
Assim, nos termos do disposto no seu artº 48º, nº 1 o prazo de prescrição conta-se nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, salvo, também, o disposto em lei especial.
Só com a entrada em vigor da Lei nº 55-B/04 de 30/12, que deu nova redacção ao predito artº 48º, nº 1, foi determinado que, relativamente ao IVA, o prazo de prescrição se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
Daqui se extrai que as referidas leis tributárias sempre fixaram, como momento a atender para a contagem do início do prazo de prescrição, a ocorrência do facto tributário e não ao despacho que declarou a caducidade dos benefícios fiscais e muito menos a sua notificação ao contribuinte, salvo o disposto em lei especial.
Por isso, por imposição do princípio da legalidade, a declaração da revogação da isenção dos impostos como o “dies a quo” a que se deve atender para início da contagem do prazo de prescrição só será admissível se existir norma que o autorize.
Ora, no caso em apreço, a lei não o prevê, nomeadamente para “as situações em que por força da atribuição de uma isenção de imposto se impediu a norma de incidência de optar e se obstruiu a eclosão imediata da obrigação tributária”, como bem se anota no voto de vencido de fls. 145 e 146.
Aliás e como se salienta no Acórdão desta Secção do STA de 26/11/03, in rec. nº 1.113/03, em que Relator é o mesmo, “cabe notar que, mesmo no regime geral, ao contrário do que acontece no que concerne ao prazo de caducidade do direito à liquidação, que se suspende por força da concessão de benefícios fiscais susceptíveis de caducar, ao mesmo facto não confere a lei relevância quanto ao decurso do prazo de prescrição – vd. Artigos 46º nº 2 alíneas b) e c) e 49º nºs 1 e 3 da LGT, bem como os revogados artigos 27º do Código de Processo de Contribuições e Impostos e 34º do Código de Processo Tributário”.
No mesmo sentido, pode ver-se, ainda, os acórdãos desta secção do STA de 28/5/03, in recs. nºs 424/03 e 425/03.
Sendo assim, referindo-se a prescrição à obrigação tributária, podemos concluir que o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, se o regime aplicável for o do CPCI ou do CPT ou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT.
6 – Fixada esta jurisprudência, vejamos se a dívida exequenda se encontra já prescrita, sendo certo que se trata de questão de conhecimento oficioso.
Esta, como vimos, é constituída por direitos aduaneiros, imposto de automóvel e IVA, relativos ao ano de 1992.
Desde logo e no que aos direitos aduaneiros diz respeito, importa referir que os mesmos foram abolidos em consequência da adesão de Portugal à então CEE, em 31/12/92, de harmonia com o disposto nos artºs 268º, 190º, 196º e 198º do Acto de Adesão, aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 22/85 de 18/9.
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 398/98 de 17/12, que aprovou a Lei Geral Tributária, o seu artº 5º, nº 2 passou a dispor que “aos impostos abolidos à data da entrada em vigor da lei geral tributária aplicam-se os novos prazos de prescrição, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido, independentemente de suspensões ou interrupções de prazo”.
Este artº 5º, nº 2 é uma norma especial e excepcional relativa à prescrição que, enquanto tal, prefere às normas gerais, pelo que será à luz do regime consagrado nesse normativo que a pretensão do recorrente terá que ser decidida.
E deste resulta que, para efeito do prazo de prescrição, nos impostos abolidos, conta-se todo o tempo decorrido, independentemente de suspensões ou interrupções de prazo.
Por sua vez, estabelece o artº 48º, nº 1 da LGT, antes da redacção da Lei nº 55-B/04 de 30/12, aprovada por aquele Decreto-Lei, que “as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos, contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu”, fixando-se no artº 49º as causas de interrupção e suspensão da prescrição.
Entretanto, foi publicada a Lei nº 87-B/98 de 31/12 que, no seu artº 53º, nº 2 veio abolir tributos e reafirmar o que consta do predito artº 5º, nº 2, indicando, exemplificativamente, alguns dos tributos extintos, excluindo, porém, do regime especial previsto neste preceito legal os direitos aduaneiros nacionais, no que diz respeito à irrelevância dos factos suspensivos e interruptivos, mantendo, porém, o prazo de prescrição, uma vez que em relação a esta matéria não se faz ali qualquer referência.
Ora, no caso em apreço e como vimos, a dívida em causa diz respeito a direitos aduaneiros que foram já abolidos e tais impostos enquadram-se no tipo de impostos de obrigação única, porquanto o facto tributário de que emerge a obrigação está normativamente conformado em termos da sua irrepetibilidade temporal (Ac. do STA de 14/11/02, in rec. nº 26.074).
Sendo assim e nos termos dos citados preceitos, o prazo de prescrição há-de começar a contar-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu, ou seja e de acordo com o que resulta dos autos, em 16/3/92.
Pelo que a prescrição da dívida exequenda se consumaria em 16/3/00, a não se verificar qualquer causa interruptiva ou suspensiva da mesma, uma vez que o artº 5º, nº 2 da LGT só é aplicável até à data da entrada em vigor daquela Lei nº 87-B/98, a qual ocorreu em 16/1/99, como está previsto no seu artº 87º.
Ora e a verdade, no caso dos autos, é que não ocorreu qualquer circunstância interruptiva da prescrição, já que à execução fiscal, para além de datar de 24/2/03 (vide processo apenso) não lhe é atribuída tal relevância para esse efeito (cfr. artº 49º, nº 1 da LGT, antes da redacção do Lei nº 53-A/06 de 29/12) e a impugnação judicial foi autuada em 25/3/03 (vide nº 5 do probatório), pelo que e nesta data, aquele prazo de 8 anos ia já decorrido, tendo terminado em 16/3/00, pelo que está, assim, prescrita a obrigação tributária em causa.
Vejamos, agora se o mesmo acontece em relação ao imposto automóvel e ao IVA.
7 – Não vem posto em causa pelas partes que estes impostos são de obrigação única e que se reportam ao ano de 1992, concretamente, 16/3/92, data em que o veículo automóvel em causa foi importado e deu entrada no consumo.
Nesta altura estava em vigor o CPT.
Como vimos, estabelece o artº 34º deste diploma legal que o prazo de prescrição é de 10 anos (nº 1).
Mais aí se estabelecia que a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução, interrompiam a prescrição, “cessando, porém, esse efeito se o processo estivesse parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação” (nº 3).
Por sua vez, o seu nº 2 determinava que “o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial”.
Entretanto, no passado dia 1/1/99, entrou em vigor a Lei Geral Tributária, que encurtou para oito anos o prazo de prescrição, contados, nos impostos de obrigação única, como é o caso, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (artº 48º, nº 1).
Dispõe, porém, o artº 297º, nº 1 do CC, aqui aplicável ex vi do disposto no artº 5º do Decreto-Lei nº 398/98 de 17/12, que aprovou a LGT, que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Tendo em linha de conta tudo o que fica agora exposto e na hipótese vertente, não há qualquer dúvida de que o regime aqui aplicável há-de ser, necessariamente, o previsto no CPT.
Na verdade, reportando-se os tributos em causa a 1992 esse prazo de prescrição terminaria, sem mais, em 2003, sendo certo que em 1/1/99, data da entrada em vigor da LGT, havia já decorrido o prazo de 6 anos, faltando assim 4 anos para se completar.
Ora, com a entrada em vigor da LGT faltavam oito anos (cfr. artº 48º, nº 1), ou seja, mais tempo.
Assim, assentes que estão as regras a aplicar e os prazos de prescrição, vejamos, no entanto, se, no caso dos autos, as referidas dívidas tributárias estão ou não prescritas.
Desde logo e como vimos, reportando-se os tributos em causa ao ano de 1992, o prazo de prescrição começou a correr no dia 1/1/93.
Assim sendo e uma vez que até esta data não ocorreu qualquer circunstância interruptiva da prescrição, já que a execução fiscal data de 24/2/03 (vide processo apenso) e a impugnação judicial foi autuada em 25/3/03 (vide nº 5 do probatório), aquele prazo de 10 anos vai já decorrido, tendo terminado em 1/1/03.
Pelo que, estão, assim, também prescritas as obrigações tributárias em causa.
8 – Nestes termos e com estes fundamentos, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso, julgar prescritas as obrigações tributárias e, consequentemente, extinto o processo executivo.
Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2010. – Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale (relator)– Jorge Lino Ribeiro Alves de SousaAntónio Francisco de Almeida CalhauJoão António Valente TorrãoJoaquim Casimiro GonçalvesAntónio José Martins Miranda de PachecoIsabel Cristina Mota Marques da SilvaDulce Manuel da Conceição Neto.