Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0205/10
Data do Acordão:06/16/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
PRESTAÇÕES TRIBUTÁRIAS
PAGAMENTO INDEVIDO
ERRO
Sumário:I - A obrigação de indemnizar o contribuinte, por força do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, implica um «erro» da Administração Fiscal, de que, em termos de causalidade juridicamente adequada, resulte um “pagamento indevido da prestação tributária”.
II - Do ponto de vista jurídico, só do «erro» respeitante aos pressupostos do acto da respectiva liquidação de imposto é que poderá resultar um “pagamento indevido da prestação tributária.
III - E, assim, só na base de um «erro» tal poderá fundamentar-se o direito de juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
Nº Convencional:JSTA000P11918
Nº do Documento:SA2201006160205
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:*
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 “A…” vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra na parte em que, nos presentes autos de impugnação judicial, julgou «improcedente o pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios», «declarando nulo o acto de liquidação de Contribuição Autárquica do ano de 2000».
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
1. Conforme decidiu – e decidiu bem – o douto Tribunal a quo, a anulação do acto de avaliação determina ex vi legis a nulidade do acto de liquidação controvertido (v. artigo 133°, n° 1, alínea i) do Código de Procedimento Administrativo (CPA)), por ser consequente daquele.
2. Com efeito, sendo anulado o resultado da 2ª avaliação, deixa de existir valor patrimonial tributário válido e, consequentemente, passa a estar em falta um elemento essencial para o cálculo da liquidação impugnada (cfr. artigo 1º do CIMI), pelo que a liquidação se apresenta elaborada de forma errada.
3. É a preterição do referido valor patrimonial tributável, elemento essencial do acto de liquidação, que consubstancia um erro nos pressupostos de facto e de direito desta – imputável aos serviços da Administração Tributária –, originando o direito a juros indemnizatórios peticionados pela recorrente.
4. Retirados da ordem jurídica todos os efeitos decorrentes do acto de avaliação, eliminando-se, designadamente, o valor patrimonial tributário apurado, falta a matéria colectável sobre a qual, nos termos do previsto nos artigos 1º e 113º, n° 1 do CIMI, deveria incidir a taxa de imposto, tornando consequentemente ilegal a liquidação que teve por base a avaliação anulada.
5. Basta que o acto de liquidação enferme de qualquer desvalor jurídico, para que haja lugar a juros indemnizatórios, independentemente de tal desvalor resultar do facto de o acto de liquidação ser consequente de um outro acto anulado e independentemente do vício de que padeça este último, tanto mais nas situações, como a presente, em que nos deparamos com a liquidação de um imposto em que a base de apuramento do valor patrimonial tributário que a sustenta é ilegal, facto que a Administração Tributária não deveria ignorar.
6. O acto tributário impugnado nos autos enferma de erro sobre os seus pressupostos de facto e de direito, na medida em que da anulação do acto de avaliação resultou a falta de um elemento essencial para o cálculo do imposto a cobrar, erro esse imputável aos serviços da Administração Tributária.
7. Em situação similar à dos autos, decidiu já o STA que “são devidos juros indemnizatórios, por haver erro imputável aos serviços, se estes procederam à liquidação na sequência de um acto administrativo contido numa portaria que depois veio a ser judicialmente anulada, o que levou a Administração a revogar o acto de liquidação, assim reconhecendo a sua ilegalidade e o erro imputável aos serviços” – cfr. Ac. STA, de 25/06/2003, no Proc. n° 672/03, in www.dgsi.pt
8. A decisão recorrida padece assim de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o art. 43º, n° 1 da LGT, ao interpretar restritivamente a expressão “erro” aí prevista, pois o reconhecimento judicial da existência de um vício de falta de fundamentação, implica também um juízo sobre o carácter indevido da prestação tributária, na medida em que o acto de liquidação anulado viola de forma inaceitável o previsto nos artigos 268°, n° 3 da CRP e 77º da LGT, conferindo assim direito ao pagamento de juros indemnizatórios – cfr. Acórdão do TCAS, de 25/09/2007, Processo n° 01304/06, in www.dgsi.pt.
9. Há um erro no acto de liquidação do tributo, uma vez que o imposto municipal sobre imóveis, referente ao ano de 2000, foi liquidado com base em valor patrimonial tributário do prédio ilegalmente apurado.
10. O referido erro no acto de liquidação do imposto é imputável aos serviços da Administração Tributária, enquanto entidade competente para proceder à liquidação, tendo a mesma sido sustentada num valor patrimonial tributário ilegal.
11. A existência desse mesmo erro foi reconhecida pela sentença ora recorrida, que, em sede de impugnação judicial, declarou nulo o acto de liquidação.
12. De tal erro resultou o pagamento de uma dívida tributária de montante totalmente indevido, pois a ora recorrente, conforme resulta do Doc. 1, junto aos autos com a p.i., procedeu ao pagamento da primeira prestação da Contribuição Autárquica referente ao ano de 2000, no valor de 29.308.778$00, quando, na realidade, o acto de liquidação era ilegal e, nesse sentido, obstava ao pagamento do referido valor.
13. Resulta assim que o pagamento indevido de parte do tributo pela recorrente gerou na esfera jurídica da Administração Fiscal um enriquecimento em função dos juros que o montante prestado rendeu, enriquecimento esse totalmente indevido porque decorrente da prática de um acto ilegal.
14. Encontram-se manifestamente verificados todos os pressupostos de aplicação do artigo 43º, n° 1 da LGT, havendo, por isso, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios em consequência da declaração de nulidade do acto de liquidação impugnado pela ora recorrente.
15. Se a Administração exige um tributo de modo ilegal, age erradamente – não há teoria ou artifício conceptual que afaste este dado da vida real! E, agindo erradamente, logo, não sendo exigível a prestação, deve a Administração responder por isso. Tal é o escopo do normativo expresso no artigo 43º da LGT.
16. A solução normativa expressa no artigo 43º da LGT, trata, por isso, de estabelecer uma garantia acrescida ao particular (garantindo o pagamento de juros indemnizatórios em qualquer situação de erro, ainda que porventura gerador de mera irregularidade não conducente à invalidade do acto) e não de limitar o ressarcimento de danos aos casos em que o vício se reconduza ao “erro nos pressupostos de facto ou de direito”, o que não tem o mínimo de correspondência com a letra da lei.
17. Ainda que se considerasse que na base da declaração de nulidade do acto impugnado nos autos está um vício de falta de fundamentação – o que não sucedeu, como vimos –, o certo é que tal vício traduz ele mesmo um erro que legitima o pagamento de juros indemnizatórios conforme peticionado pela recorrente.
18. A decisão recorrida padece de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o artigo 43°, n° 1 da LGT, ao interpretar restritivamente a expressão “erro” aí prevista, verificando-se assim que se encontram preenchidos todos os pressupostos de que se faz depender o direito da recorrente a receber juros indemnizatórios, motivo pelo qual o pedido da ora recorrente não deveria ter sido julgado de outra forma que não procedente.
19. Conforme resulta do artigo 173°, n° 1 do CPTA, a reconstituição da situação hipotética que existiria se o acto de liquidação declarado nulo não tivesse sido praticado, implica, necessariamente, a devolução do montante indevidamente cobrado pela Administração Tributária e efectivamente pago pela recorrente.
20. A reconstituição da situação hipotética não se basta com tal restituição, implicando também, o pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que o contribuinte foi ilegalmente privado da utilização do capital, desde que efectuou o pagamento, em Abril de 2001, até ao momento.
21. Os juros indemnizatórios consagrados no n° 1 do artigo 43º da LGT, correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem fundamento no artigo 22º da CRP, devendo ser interpretado como um conjunto não exaustivo de situações em que é de presumir a existência de um prejuízo para os contribuintes com a decorrente responsabilidade da Administração pela ocorrência do mesmo.
22. A sentença recorrida enferma de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do previsto no artigo 43º, n° 1 da LGT, ao julgar improcedente o pedido formulado pela recorrente, por considerar que nas situações em que os actos tributários são anulados por vício de forma não são devidos juros indemnizatórios ao contribuinte, por não existir qualquer erro da Administração Tributária, quando é certo que está em causa a compensação pelos prejuízos que a privação de capital decorrente da liquidação e cobrança ilegal do tributo lhe causou.
TERMOS EM QUE Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, com as legais consequências.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer de que o recurso não merece provimento, e a decisão impugnada deve ser confirmada – apresentando a seguinte fundamentação.
1. A sentença exprime o entendimento de que não são devidos juros indemnizatórios, por inexistência de erro imputável aos serviços, quando o acto de liquidação é nulo enquanto acto consequente de antecedente acto de avaliação, anulado com exclusivo fundamento em vício de forma (in casu falta de fundamentação do acto de avaliação de prédio urbano).
Esta tese, merecendo o sufrágio do Ministério Público, alinha com jurisprudência consistente do STA – secção de Contencioso Tributário (acórdãos 2.12.2009 processo n° 892/09; 12.11.2009 processo n° 822/09; 5.05.1999 processo n° 5557-A; 17.11.2004 processo n° 772/04; 1.10.2008 processo n° 244/08; 29.10.2008 processo n° 622/08; 21.01.2009 processo n° 945/08; 25.06.2009 processo n° 346/09; 9.09.2009 processo n° 369/09; 4.11.2009 processo n° 665/09), cuja argumentação se pode condensar nos tópicos seguintes:
– a utilização da expressão erro e não vício ou ilegalidade inculca a intenção do legislador de eleger como fundamento dos juros indemnizatórios apenas o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (art. 43°, n° 1 LGT);
– a ocorrência de vício de forma per si, significando a violação de uma norma reguladora da actividade da administração tributária, nada revela sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária, face às normas fiscais substantivas aplicáveis – a anulação do acto tributário com exclusivo fundamento em vício de forma, permitindo a sua eventual renovação com idêntico conteúdo, não implica lesão de um direito ou interesse patrimonial do sujeito passivo que mereça reparação por virtude da atribuição de juros indemnizatórios.
2. A circunstância de o vício de forma inquinar o acto preliminar destacável de avaliação do imóvel é irrelevante porque:
a) a invalidade do acto antecedente (avaliação) determina a nulidade do acto consequente (liquidação)(art.133°, n° 2, al. i) CPA);
b) a nulidade do acto consequente (liquidação) exclusivamente fundada na invalidade do acto antecedente não configura a existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação que confira ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios (art. 43°, n° 1 LGT; acórdão STA 5.05.1999 processo n° 5557-A).
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão que aqui se coloca é a de saber se no caso há lugar à condenação da Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
a) Em 4 de Janeiro de 1996, a ora Impugnante, A…, requereu ao Chefe do 1° Serviço de Finanças de Cascais a 2ª avaliação do prédio urbano denominado …, sito nos limites de Alcoitão, Estrada Nacional n° 9, freguesia de Alcabideche, município de Cascais – Cfr. documento a fls. 27 a 30 do PAT apenso aos autos;
b) Em 17 de Julho de 1996 foi lavrado termo de avaliação, referente ao prédio urbano referido em a), no qual consta o seguinte: “ (...) A Comissão decidiu, por maioria, baseando-se nos seguintes valores de referência relativos à área total do terreno e à área de construção:
74.571 m2 de construção x 120.000$00 = 9.948.520.000$00
159.160 m2 de terreno x 2.000$00 = 318.320.000$00
9.266.840. 000$00
(nove milhões, duzentos e sessenta e seis mil, oitocentos e quarenta milhões de escudos), valor este para o valor total do imóvel (...).” – Cfr. documento a fls. 51 e 52 do PAT apenso aos autos;
c) Em 1 de Agosto de 1996 a Administração do Condomínio do prédio urbano designado … foi notificada do resultado da 2ª avaliação, por ofício datado de 31 de Julho de 1996 – Cfr. documentos a fls. 59 e 60 do PAT apenso aos autos;
d) Em 29 de Outubro de 1996 deu entrada, na 1ª Repartição de Finanças de Cascais Impugnação Judicial referente ao acto de 2ª avaliação a que respeita a alínea c) – Cfr. documentos a fls. 181 a 187 dos autos;
e) A Impugnação Judicial referida na alínea antecedente foi distribuída no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, 5° Juízo, 1ª Secção com o nº 325/02 – Cfr. oficio a fls. 211;
f) Em 27 de Maio de 2008 foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em sede de recurso jurisdicional no âmbito do processo de Impugnação Judicial referido na alínea antecedente, o qual decidiu revogar a sentença recorrida e anular o acto tributário impugnado – Cfr. certidão de fls. 233 a 265;
g) O Acórdão do TCAS referido em g), que antecede, transitou em julgado em 12 de Junho de 2008 – Cfr. certidão de fls. 233;
h) Em 26 de Março de 2001 a Impugnante foi notificada da nota de cobrança n° 2000/143888603 referente à liquidação da Contribuição Autárquica do ano de 2000 das fracções AA, AB, AC, AD, AE, C, F, G, H, L, M, N, e O, na qual consta a colecta de 58.617.555$00 – Cfr. documento 1 junto com a p.i., o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;
i) Em 17 de Setembro de 2001 deu entrada a presente Impugnação Judicial – Cfr. carimbo aposto na p.i. a fls. 1.
2.2 Nos termos do artigo 22º da Constituição da República Portuguesa «o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária, com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».
Remete a Constituição para o regime da responsabilidade civil, pelo que serão de aplicar as respectivas regras aos casos pertinentes.
Assim, o efeito directo do facto (danoso) gerador de responsabilidade civil é a obrigação de indemnização [artigo 483º do Código Civil], e, então, são indemnizáveis, não só os prejuízos sofridos, como os benefícios que se deixaram de obter [artigos 563º e artigo 564º do Código Civil].
E, tendo garantia constitucional tal direito indemnizatório, o seu exercício não está limitado pelas condições e limites previstos na lei tributária – o que significa que o contribuinte pode pedir uma indemnização superior à que resulta da lei tributária e exigi-la em circunstancialismos diferentes das previstas na lei tributária.
De tal modo que a disposição do artigo 43º da Lei Geral Tributária terá de ser vista como previsão genérica de juros indemnizatórios a favor do contribuinte (previsão que, evidentemente, não prejudica os regimes especialmente estabelecidos), e interpretada, não como uma indicação exaustiva dos casos em que os contribuintes têm direito a ser indemnizados por actos da Administração Tributária, mas como uma listagem de situações em que é de presumir a existência de um prejuízo para os contribuintes e a responsabilidade da Administração Tributária pela ocorrência do mesmo prejuízo.
Reza o artigo 43.º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, no seu n.º 1, que «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Quer dizer: para serem devidos juros indemnizatórios ao contribuinte, é preciso que se verifique: (1) «erro» estabelecido ou determinado «em reclamação graciosa ou impugnação judicial»; (2) que seja o «erro imputável aos serviços»; (3) e que desse «erro» tenha resultado «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Como se vê, só o «erro» de que «resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» é susceptível de fundamentar um pedido de juros indemnizatórios, ao abrigo do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
E, assim, por exemplo, a ilegalidade ou vício de falta de fundamentação do acto de uma avaliação predial não constitui válido fundamento de pedido de indemnização, ao abrigo do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pois que esse vício não integra «erro» de que resulte, em termos de eficiente causalidade juridicamente adequada, um «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Com efeito, só o «erro» respeitante aos pressupostos do acto da liquidação é que poderá conduzir à exigência pela Administração Fiscal de um “pagamento indevido da prestação tributária” – conforme, aliás, é o sentido da jurisprudência corrente desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo.
Ademais, havemos de considerar que o acto de avaliação predial é um acto prejudicial do acto de liquidação na medida em que este necessariamente tem de se conformar com aquele. Como ensina Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 256, “se o acto prejudicial foi praticado com vícios – e dado que é susceptível de impugnação autónoma – uma de duas hipóteses se pode também verificar: ou a invalidade do acto prejudicial não foi directamente invocada e preclude-se o seu conhecimento, que já não poderá ser solicitado a respeito do acto prejudicado; ou a invalidade foi invocada e reconhecida, e neste caso acarreta a necessária invalidade derivada do acto tributário, que deve ser anulado, substituído ou modificado, consoante os casos, de modo a conformar-se com o juízo formulado a respeito do acto prejudicial”.
Aliás – e reforçando a nota da possibilidade de substituição ou modificação do acto tributário de que fala Alberto Xavier –, dir-se-á, um tanto lateralmente embora, que à falada substituição do acto tributário não obstará a caducidade do direito à respectiva liquidação, pois o artigo 46.º, n.º 2, alínea a), da Lei Geral Tributária, ao determinar, a respeito da “Suspensão e interrupção do prazo de caducidade”, que o prazo de caducidade da liquidação se suspende «Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão», poderá muito bem ser entendido como aplicável à “acção judicial tendente à anulação ou declaração de nulidade de actos ou negócios jurídicos que integrem factos geradores do imposto” (cf. Alfredo Sousa, e Silva Paixão, no Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4ª edição, nota 10. ao artigo 33.º). Assim – dizem estes Autores, na ob. e loc. cit. –, “tal prazo [de caducidade da liquidação] inicia-se com a ocorrência do facto, suspende-se com a instauração da acção (artigo 267.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e retoma a sua contagem logo após o trânsito em julgado da respectiva decisão final”. Cf. ainda, por exemplo, Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, pág. 222, defendendo a aplicação de tal normativo sempre que a Administração Fiscal, “por qualquer motivo legal típico, estiver legalmente impedida de proceder à liquidação do tributo”.
2.3 No caso sub judicio, especificamente sobre o pedido de juros indemnizatórios a prestar à impugnante, ora recorrente, pela Administração Fiscal, e sufragando o Acórdão de 21/01/2009, proferido no âmbito do recurso n° 945/08, desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, na sentença recorrida escreve-se, além do mais:
“(...) nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.
Por isso se justifica que, nestas situações, não se comprovando a existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.
Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento judicial de um vício de forma ou de incompetência fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer.
Assim, compreende-se que, nos casos em que há uma anulação de um acto administrativo ou de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, casos em que há a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, seja atribuída uma indemnização (no caso sob a forma de juros), e não seja feita idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação. (...)”.
Como se vê, a sentença recorrida considera, mormente, que «verifica-se que a ilegalidade do acto de liquidação impugnado decorre da anulação do acto avaliativo do prédio de que é proprietária a Impugnante, o qual, como se conclui da leitura do Acórdão do TCAS cuja certidão se encontra junta aos autos, foi anulado por se considerar verificado o vício de falta de fundamentação»; «o que não significa que não possa ser praticado acto de idêntico conteúdo, corrigido que seja o vício de falta de fundamentação do acto avaliativo»; «ora, precisamente pelo facto de o acto poder ser renovado, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, pois que não se pode considerar ter ocorrido erro imputável aos serviços de que resultasse pagamento da dívida tributária em montante superior ao devido, nos termos exigidos pelo n° 1 do artigo 43° da LGT».
Também o Ministério Público neste Supremo Tribunal expende, em especial, que «a ocorrência de vício de forma per se, significando a violação de uma norma reguladora da actividade da administração tributária, nada revela sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária, face às normas fiscais substantivas aplicáveis – a anulação do acto tributário com exclusivo fundamento em vício de forma, permitindo a sua eventual renovação com idêntico conteúdo, não implica lesão de um direito ou interesse patrimonial do sujeito passivo que mereça reparação por virtude da atribuição de juros indemnizatórios».
Por nós – aliás na esteira de Alberto Xavier, supracitado –, entendemos que a anulabilidade, por vício de falta de fundamentação, do acto prejudicial da avaliação predial acarreta, no caso, a necessária invalidade derivada da liquidação, a qual poderá ser substituída ou modificada de modo a conformar-se, mormente, com um correcto e fundamentado juízo formulado a respeito do acto prejudicial da avaliação predial (que foi anulada).
E, por isso, é que julgamos que, em termos de objectiva causalidade adequada e eficiente, o «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» não resulta do vício de falta de fundamentação do acto de 2.ª avaliação, ilegalidade cometida neste caso, e apenas poderia resultar adequadamente do acto da respectiva liquidação de imposto – o qual, aqui invalidado por ilegalidade derivada, poderá ser «substituído ou modificado, consoante os casos, de modo a conformar-se com o juízo formulado a respeito do acto prejudicial» (para voltar a dizer com Alberto Xavier).
E, assim, concluímos que só o «erro» respeitante aos pressupostos do acto da liquidação – «erro» que seguramente não está demonstrado nos presentes autos – é que poderia causar ou ocasionar um “pagamento indevido da prestação tributária”, que pudesse fundamentar um pedido de juros indemnizatórios.
Realmente, sem o estabelecimento de um “pagamento indevido da prestação tributária” – que, em definitivo, não está determinado nos autos – não se encontra verificada a condição sine qua non para a exigência à Administração Fiscal de juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
Assim se vê que a ora recorrente carece inteiramente de razão. E, da nossa perspectiva, não fazem sentido algum mormente as afirmações da ora recorrente, de que esteja «em causa a compensação pelos prejuízos que a privação de capital decorrente da liquidação e cobrança ilegal do tributo lhe causou»; ou a «cobrança ilegal do tributo»; ou um aventado «enriquecimento» «totalmente indevido» que deva justificar a «reconstituição da situação hipotética» existente imediatamente anterior à data do pagamento da liquidação em causa – pois, como já se disse, só do «erro», respeitante aos pressupostos do acto da liquidação, que não está em causa nestes autos, é que poderia resultar, em termos jurídicos, um “pagamento indevido da prestação tributária”.
E também não faz sentido, a nosso ver, vir dizer a ora recorrente (a qual, de resto, nada demonstra a tal respeito) que ocorre a violação do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, a preceituar que «Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos» – quando a 2.ª avaliação em foco é anulada por falta de fundamentação, justamente no respeito desse comando constitucional.
Não se vê ainda que seja afrontado o supracitado artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, se não antes que a ele se dá efectivo cumprimento, pela aplicação do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, interpretado no sentido de conferir o direito de juros indemnizatórios ao contribuinte por «erro» (apenas) de que resulte um “pagamento indevido da prestação tributária”.
Estamos deste modo a concluir, e em resposta à questão decidenda, que no caso não há lugar à condenação da Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios – pelo que, com a presente fundamentação embora, deve ser confirmada a sentença recorrida que decidiu neste pendor.
E, então, havemos de convir, em síntese, que a obrigação de indemnizar o contribuinte, por força do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, implica um «erro» da Administração Fiscal, de que, em termos de causalidade juridicamente adequada, resulte um “pagamento indevido da prestação tributária”.
Do ponto de vista jurídico, só do «erro» respeitante aos pressupostos do acto da respectiva liquidação de imposto é que poderá resultar um “pagamento indevido da prestação tributária.
E, assim, só na base de um «erro» tal poderá fundamentar-se o direito de juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, na parte impugnada.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 60%.
Lisboa, 16 de Junho de 2010. – Jorge Lino (relator) – Valente Torrão (com a seguinte declaração de voto: concordo com a decisão, e nomeadamente com a afirmação de que existindo vício de forma não há lugar a juros indemnizatórios. No entanto, em termos de fundamentação, entendo ser de seguir a doutrina habitual deste Tribunal no sentido de que na sequência da avaliação a liquidação é nula por ser acto consequente da avaliação.) - Isabel Marques da Silva (Declaração: voto a decisão, quanto aos juros indemnizatórios, que não são devidos, pelos fundamentos expostos. Considero, porém, que a invalidade derivada da anulabilidade do acto de avaliação deve ser qualificada como nulidade, de acordo com o disposto no CPA para os actos subsequentes. Neste sentido preferia a fundamentação tradicionalmente acolhida por este Tribunal, também adoptada no Acórdão de 12 de Novembro de 2009 (rec. nº 822/09), de que fui relatora.