Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:044/21.9BALSB
Data do Acordão:10/20/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REQUISITOS
ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - De conformidade com o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo requisito para a sua admissibilidade a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento.
III - Quando em ambas as decisões em confronto a diversa solução jurídica a que chegaram decorre da diversidade dos factos apurados e não de qualquer diversa solução jurídica, não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto nos arts. 25º, nº 2 do RJAT - e no 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que inviabilizada está a possibilidade de tomar conhecimento do mérito do recurso.
IV - O que ocorre no caso concreto em que se trata do pedido de uniformização de jurisprudência, no qual, por força dos diferenciados quadros jurídicos aplicáveis, as questões jurídicas que os acórdãos em confronto enfrentaram manifestamente não são idênticos, porquanto (i) no acórdão fundamento, foi examinada uma situação atinente a um acto de liquidação adicional de IRC de 2007 e respectivos juros compensatórios, que foram originados numa acção inspectiva mas em cujo RI foi vazada a fundamentação dos juros compensatórios, contendo, mesmo na parte não anulada, a descrição dos factos imputados ao sujeito passivo e que sustentaram as correcções e conduziram ao retardamento da liquidação, bem como a sua qualificação como um comportamento ilícito, não faltando sequer a referência ao seu enquadramento legal como um ilícito contra-ordenacional considerando-se, por isso, que não padecia de falta de fundamentação a liquidação dos juros compensatórios; e (ii) no acórdão arbitral recorrido, a entidade decidente limitou-se a demonstrar a legalidade do acto de liquidação, daí extrapolando os fundamentos para a liquidação de juros compensatórios, sem externar as razões de facto e de direito que justificavam que estes últimos fossem devidos, sendo manifesto que o RI não inclui quaisquer factos que fundamentem a actuação culposa do contribuinte não permitindo afirmar a existência de um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação, escusando-se a AT de apreciar nem demonstrar o dolo ou a negligência na actuação imputada àquele.
Nº Convencional:JSTA000P28334
Nº do Documento:SAP20211020044/21
Data de Entrada:03/25/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:Z..............., S.G.P.S., S.E.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), vem, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria — “RJAT”), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 126/2020-T, de 09/02/2021, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Recorrida a Z……………………, S.G.P.S., S.E., melhor sinalizada nos autos, no âmbito do indeferimento parcial do recurso hierárquico interposto dos actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios do ano de 2014, no valor global de €130.930,59, e invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo com o nº 0306/12.6BELLE 01136/16, de 21/11/2019, que se indica como fundamento.

Inconformada, formulou a recorrente Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, as seguintes conclusões:

A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objeto o acórdão arbitral proferido no processo n.º 126/2020-T, em 09-02-2021 (cf. doc. 1 junto), por Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
B. A decisão arbitral foi notificada por comunicação eletrónica datada de 17-02-2021 (cf. doc. 2 junto), a qual julgou procedente o pedido arbitral.
C. O acórdão arbitral recorrido colide frontalmente com a jurisprudência firmada no acórdão desse Supremo Tribunal Administrativo, de 21-11-2019, proferido no processo n.º 0306/12.6BELLE 01136/16, já transitado em julgado, por determinar a anulação das liquidações de juros compensatórios (cf. doc. 3 junto), o qual constitui o acórdão fundamento dos presentes autos de recurso.
D. A Recorrente defende, com o devido respeito, que o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento, porquanto, em contradição total com o acórdão fundamento, o Tribunal arbitral considerou que a AT não logrou «demonstrar e provar os factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios, dado que a fundamentação por esta apresentada não permite concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação, sendo que a AT não aprecia nem demonstra o dolo ou a negligência naquela actuação», julgando a liquidação de juros compensatórios ilegal por vício de forma, por falta da fundamentação exigida nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, e 77.º, n.ºs 1 e 2, ambos da LGT, e do artigo 268.º, n.º 3, da CRP.
E. In casu, verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que se prende os requisitos de fundamentação da liquidação de juros compensatórios consagrados no artigo 35.º da LGT.
F. Assim, considerando a jurisprudência invocada, é inteiramente justificado o recurso à presente via processual para uniformização de jurisprudência, com a consequente anulação da decisão arbitral recorrida e substituição por outra que cumpra o disposto no artigo 35.º, n.º 1, e n.º 9 da LGT.
G. O acórdão arbitral recorrido consignou, como matéria de facto, que a Requerente arbitral, aqui Recorrida, foi sujeita a um procedimento inspetivo titulado pela Ordem de Serviço n.º OI201800049, referente ao exercício de 2014 (cf. ponto 11 da matéria de facto dada como provada), reproduzindo a factualidade apurada pela Inspeção Tributária (cf. ponto 12 da matéria de facto dada como provada), pelo que, consequentemente a fundamentação que sustentou a liquidação de juros compensatórios – cf. ponto 14 da matéria de facto dada como provada, páginas 10 a 17 da decisão arbitral recorrida.
H. Todavia, o Tribunal Arbitral não relevou que o relatório da inspeção tributária refere expressamente a propósito dos juros compensatórios, em síntese, o seguinte:
«Quer isto dizer que, aquando do pagamento dos dividendos à Y……….. BV (2014-05-14), a Z…………….. SGPS, deveria ter deduzido, a título de retenção na fonte, o montante de 1.815.716,70 euros, resultante da aplicação da referida taxa de 10% sobre o seu valor ilíquido (18.157.167,04 euros), e ter procedido à sua entrega nos cofres do Estado, conforme disposto no n.º 6 do art.º 94.º do CIRC, na qualidade de substituto tributário (n.º 5 do art.º 98.º do mesmo diploma).
Sem prejuízo da falta de cumprimento desta obrigação tributária por parte do sujeito passivo [punível nos termos do n.º 4 do art.º 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)], há que atender à faculdade de devolução do imposto que tenha sido retido na fonte por não se verificar o requisito temporal de detenção da participação, estipulada no n.º 1 do art.º 95.º do CIRC, quando posteriormente se complete o período de 24 meses de detenção ininterrupta de participação.»
«Todavia, há lugar à liquidação de juros compensatórios contados desde 2014-06-21 (dia imediato àquele em que o imposto de 1.815.716,70 euros devia ter sido entregue pelo sujeito passivo ao Estado nos termos do n.º 6 do art.º 94.º do CIRC) até 2016-04-08 (data em que se efetivou o cumprimento do requisito temporal de detenção da participação exigida). O valor apurado em observância com o estabelecido no n.º 1 e na alínea a) do n.º 3 do art.º 102.º do CIRC, conjugados com os n.ºs 1, 3 e 10 do art.º 35.º da Lei Geral Tributária (LGT)» (destaque nossos). - cf. páginas 10 e 11 e seguintes do RIT (fundamentação reproduzida na decisão arbitral recorrida – cf. o referido ponto 14 da matéria de facto dada como provada),
I. E, foi no seguimento das conclusões da ação inspetiva foram emitidos os atos tributários de liquidação de juros compensatórios melhor identificados na decisão arbitral recorrida, posteriormente parcialmente anulados, conforme igualmente decorre da decisão arbitral recorrida.
J. Contudo, o Tribunal a quo concluiu, como acima referido, que a AT não logrou «demonstrar e provar os factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios, dado que a fundamentação por esta apresentada não permite concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação, sendo que a AT não aprecia nem demonstra o dolo ou a negligência naquela actuação», julgando a liquidação de juros compensatórios ilegal por vício de forma, por falta da fundamentação exigida nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, e 77.º, n.ºs 1 e 2, ambos da LGT, e do artigo 268.º, n.º 3, da CRP.
K. E, assim sendo, não acolheu o entendimento que constitui jurisprudência firmada desse douto STA e da doutrina, no sentido de que se determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta, por ilação lógica, a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado), devendo partir-se do pressuposto de que existe culpa quando a atuação do contribuinte integra a hipótese de uma infração tributária (cf., por todos, o Acórdão de 23-09-1998, Proc. 022612 e o Acórdão de 19-11-2008, Proc. 0325/08 e Jorge Lopes de Sousa, in Juros nas relações tributárias, Problemas fundamentais do Direito tributário, Lisboa 1999, pág.145 e ss.).
L. Desta forma, o Tribunal Arbitral decidiu erroneamente quando concluiu que a liquidação de juros compensatórios enferma de vício formal de falta de fundamentação, considerando que a AT não demonstrou a culpa da ora Recorrida no atraso da liquidação.
M. De igual forma, o acórdão fundamento consignou factualidade apurada numa ação inspetiva a um sujeito passivo de IRC, no âmbito da qual foram promovidas correções à matéria coletável declarada, que originaram a emissão de liquidações adicionais de juros compensatórios.
N. O acórdão fundamento entendeu, com relevância para a apreciação do recurso, o seguinte:
«4.4. A quarta e última parte do recurso respeita à liquidação dos juros compensatórios.
Na douta sentença recorrida considerou-se que a demonstração da liquidação dos juros compensatórios que reproduz na alínea “E” dos factos provados não continha «qualquer indicação dos factos que fundamentam a atuação culposa do contribuinte, nem tal fundamentação se encontrava prevista no relatório de inspeção». Razão pela qual essa liquidação se deveria considerar insuficientemente fundamentada.
A Recorrente não se conforma com o assim decidido por entender que o documento observa as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 35.º, n.º 9, da Lei Geral Tributária.
É sabido que «as exigências de fundamentação variam conforme as circunstâncias concretas, designadamente o tipo de ato, a não participação do interessado no procedimento anterior ao ato ou, no caso da participação, a extensão desta» (acórdão deste tribunal de 30 de novembro de 2011, Processo n.º 619/11).
Integrando-se os juros compensatórios na própria dívida do imposto, alguns dos seus fundamentos podem sobrepor-se aos fundamentos da liquidação do imposto. O que sucederá, em regra, quando estejam em causa atos ou omissões de que derive o atraso na liquidação do imposto devido ou de parte dele, em que o comportamento ilícito e culposo do contribuinte se encontra descrito no próprio relatório de inspeção tributária.
É por isso, a nosso ver, que o n.º 9 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária dispõe que a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os das outras disposições devidas. Dispositivo que deve ser interpretado como a exigência do conteúdo mínimo de fundamentação que devem conter mesmo os atos cuja fundamentação possa ser colhida parcialmente a partir dos fundamentos que suportam a liquidação do imposto.
Ora, o relatório de inspeção tributária contém, mesmo na parte não anulada, a descrição dos factos imputados ao sujeito passivo e que suportaram as correções e que conduziram ao retardamento da liquidação, bem como a sua qualificação como um comportamento ilícito, não faltando sequer a referência ao seu enquadramento legal como um ilícito contraordenacional. Pelo que não se consegue acompanhar a sentença recorrida quando conclui que os factos que fundamentam a atuação culposa do contribuinte não se retiram do relatório de inspeção.» (negrito nosso).
O. Concluindo o acórdão fundamento: «III. Não padece de falta de fundamentação a liquidação dos juros compensatórios que não contenha a indicação dos factos que integram o comportamento ilícito e culposo do contribuinte, se esses factos se encontram descritos no próprio relatório de inspeção tributária que contenha a fundamentação da liquidação do imposto correspondente.» (negrito nosso).
P. Resulta, assim, demonstrada a identidade da questão fundamental de direito no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, já que em ambos, em concreto, foi decidida em idêntica situação de facto a mesma questão de direito, que se prende com a aferição dos requisitos de fundamentação de uma liquidação de juros compensatórios, consagrados no artigo 35.º da LGT, quando os factos que integram o comportamento ilícito e culposo se encontram descritos num relatório de inspeção tributária onde se demostra que a factualidade que suporta a conclusão pelos serviços de existência de retardamento da liquidação e que a culpa imputada ao contribuinte advém da prática de infração tributária prevista no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e punível a título de dolo ou negligência.
Q. Em suma, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão arbitral recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que considere cumpridas as exigências legais atinentes à fundamentação da liquidação de juros compensatórios, nos termos do no n.º 1 e na alínea a) do n.º 3 do art.º 102.º do CIRC, conjugados com os n.ºs 1, 3 e 10 do art.º 35.º da LGT.
R. A infração a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA consiste num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que o acórdão arbitral viola o disposto artigo 35.º, n.º 1 e n.º 9, da LGT e o artigo 102.º, n.º 1, do CIRC.
S. Nos termos dos preceitos legais referidos, os pressupostos legais exigidos para a liquidação de juros compensatórios prendem-se com a existência de atraso na concretização da liquidação e a imputabilidade desse atraso à atuação culposa do contribuinte.
T. Ora, “in casu”, a responsabilidade imputada à ora Recorrida, com fundamento em culpa pelo atraso na liquidação e na entrega ao Estado do imposto devido, está perfeitamente demostrada no RIT, conforme fundamentação acima citada, para que se remete e se dá aqui por reproduzida.
U. Acresce que resulta igualmente da fundamentação do RIT, os requisitos de fundamentação constantes do artigo 35.º, n.º 9 da LGT.
V. Assim, é de concluir que a liquidação de juros compensatórios cumpre integralmente os requisitos de fundamentação consagrados nos artigos 35.º, n.º 1 e n.º 9, da LGT e 102.º, n.º 1, do CIRC, incorrendo o Tribunal arbitral em erro quando decidiu anular a liquidação por vício de forma de falta da fundamentação.
W. O tribunal a quo errou quando não relevou que do RIT resulta a demostração da imputação de culpa e a referência expressa ao enquadramento legal da conduta da ora Recorrida como infração tributária punível a título de dolo ou negligência, bem como ao não valorizar a fundamentação de facto e de direito que subjaz no RIT e que demostra a existência de um nexo de causalidade entre a atuação da ora Recorrida e o atraso na liquidação.
X. O tribunal arbitral errou quando não acolheu o entendimento que constitui jurisprudência firmada desse douto STA e da doutrina, no sentido de que se determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta, por ilação lógica, a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado), devendo partir-se do pressuposto de que existe culpa quando a atuação do contribuinte integra a hipótese de uma infração tributária.
Y. Desta forma, o Tribunal arbitral decidiu erroneamente quando concluiu que a liquidação de juros compensatórios enfermava de vício formal de falta de fundamentação, considerando que a AT não demonstrou a culpa da ora Recorrida no atraso da liquidação.
Z. Por tudo o exposto, resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento por violação das normas legais aplicáveis, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo STA no acórdão fundamento, devendo ser substituído por novo acórdão que julgue procedente o presente recurso, determinando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.

A recorrida Z…………………., S.G.P.S., S.E. apresentou contra-alegações que finalizou com as seguintes conclusões:

A) O Recurso apresentado pela Senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira tem por objeto a douta Decisão proferida pelo Tribunal Arbitrai em 9 de fevereiro de 2021 no Processo n.° 126/2020-T, que considerou procedente o pedido formulado pela Recorrida e, em consequência, (i) anulou os atos de liquidação de juros compensatórios relacionados com a (putativa) obrigação de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ("IRC") sobre os dividendos distribuídos em 2014, e (ii) condenou a Administração Tributária a restituir o valor indevidamente dos juros compensatórios indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios;
B) Como resulta da matéria de facto assente na Decisão objeto de recurso, o capital social da Recorrida era detido na totalidade, até 9 de dezembro de 2013, pela X…………….. SGPS, S.A. ("X…….….") que, por sua vez, era detida em 38,67% pela sociedade de direito holandês Y…………Holding, B.V. ("Y……..");
C) Naquele período, é indiscutível que a Y……… podia receber indiretamente os lucros e as reservas da Recorrida sem sofrer retenções na fonte de IRC, uma vez que, quer as distribuições realizadas pela Recorrida em benefício da X…………….., quer as distribuições realizadas pela X…………… em benefício da Y…………., se encontravam inequivocamente isentas de imposto e dispensadas de retenção, nos termos previstos no artigo 51.°, n.° 1, e 14.°, n.° 3, do Código do IRC, na redação então em vigor;
D) No dia 9 de dezembro de 2013, foi deliberada uma redução do capital social da X……………..no valor de € 1.859.570,00 (um milhão oitocentos e cinquenta e nove mil quinhentos e setenta euros), para libertação de excesso de capital (cf. Doc. 5 do pedido de pronúncia arbitrai);
E) Uma parte da contrapartida pela redução do valor das ações da X………….foi feita mediante a transmissão para a Y……………. (acionista única da X……………..) de uma parte dos títulos representativos do capital social da Recorrida que até aí eram detidos diretamente pela X…………….. (e indiretamente pela Y………………);
F) Em resultado desta operação, a Y……………… manteve a sua participação global de 38,67% no capital social da Recorrida, mas passou a deter essa participação global cumulativamente de forma direta (em 33,46%) e de forma indireta (em 5,21%);
G) No dia 14 de maio de 2014, a Recorrida colocou à disposição da Y…………… lucros no montante de € 18.157.570,00 (dezoito milhões cento e cinquenta e sete mil quinhentos e setenta euros);
H) Tendo em conta o disposto nos artigos 51.°, n.° 1, e 14.°, n.° 3, do Código do IRC, a Recorrida não fez qualquer retenção de IRC sobre o valor dos dividendos colocados à disposição por entender que, tal como sucedia antes da redução de capital da X………………, os lucros e as reservas materialmente recebidos pela Y……………….. se encontravam isentos de IRC em Portugal;
I) No entanto, em outubro de 2018, a Recorrida foi notificada Relatório de Inspeção Tributária emitido peia Unidade dos Grandes Contribuintes ao abrigo da Ordem de Serviço n.° 01201800049, no âmbito do qual a Administração Tributária concluiu que, "aquando do pagamento dos dividendos à Y………………. BV (2014-05-14), a Z………………. SGPS deveria ter deduzido, a título de retenção na fonte, o montante de 1.815.716,04 euros e ter procedido à sua entrega nos cofres do Estado, conforme estabelecido no n.° 6 do art.° 94.° do CIRC, na qualidade de substituto tributário (n.° 5 do art.° 98.° do mesmo diploma)" (cf. página 10 do Relatório de Inspeção Tributária);
J) Dada a indisponibilidade do imposto entre a data em que devia (putativamente) ter sido entregue ao Estado e a data em que devia ter sido restituído, a Administração Tributária considerou que se impunha "a liquidação de juros compensatórios desde 21 de julho de 2014 (dia seguinte ao termo do prazo legalmente estabelecido para a entrega do imposto ao Estado) até 8 de abril de 2016 (data em que se completa o período de 24 meses de detenção da participação exigida na alínea c do n.° 3 do art.° 14.° do CIRC), devidos nos termos do n.° 1 e da alínea a) do n.° 3 do art.° 102.° do Código do IRC, conjugados com os n.°s 1, 3 e 10 do art.° 35.° da LGT, na importância de 130.930,59 euros";
K) Posteriormente, em novembro e dezembro de 2018, a Administração Tributária notificou a Recorrida das liquidações de juros compensatórios impugnadas nos presentes Autos;
L) Tendo em vista manter sempre a sua situação regularizada, a Recorrida procedeu ao pagamento integral dos juros compensatórios liquidados pela Administração Tributária;
M) Não obstante, a Recorrida sempre entendeu que os atos tributários emitidos pela Administração Tributária padecem de erro sobre os respetivos pressupostos de facto e de direito e deviam ser anulados, razão pela qual impugnou administrativamente e, depois, arbitralmente aqueles atos, sustentando que:
a) A distribuição de dividendos realizada pela Recorrida em 2014 estava efetivamente isenta de imposto e, nessa medida, o apuramento do IRC feito na nota de apuramento de retenções na fonte n.° 2018 6420000752, que está subjacente à liquidação dos juros compensatórios, é inválida (falta aos juros compensatórios o seu pressuposto objetivo);
b) Ainda que se entenda que o regime consagrado no artigo 14.°, n.° 3, do Código do IRC não isenta de tributação os dividendos colocados à distribuição da Y………….. em 14 de maio de 2014, o certo é que, conjugado com os mecanismos de retenção na fonte e de reembolso do imposto, o regime aplicável à tributação desses dividendos é substancialmente mais gravoso do que o regime aplicável a acionistas residentes em Portugal e, nessa medida, deve ser afastado, por ser contrário ao Direito da União Europeia (também por esta razão, falta aos juros compensatórios o seu pressuposto objetivo); e porque,
c) Ainda que assim não fosse, o certo é que no presente caso não está verificada (nem muito menos demonstrada) a culpa da Requerente na falta de retenção e entrega do imposto (falta aos juros compensatórios o seu pressuposto subjetivo);
N) Na Decisão Arbitral recorrida o Tribunal Arbitrai recordou que, da conjugação do artigo 102.°, n.° 1, do Código do IRC com o artigo 35.° da Lei Geral Tributária "resulta, segundo jurisprudência e doutrina uniformes que os juros compensatórios não são um mero adicional ao imposto, a liquidar automaticamente sempre que houver um retardamento na entrega da prestação tributária", acrescentando que "Como bem refere a Requerente, para que haja lugar a uma liquidação válida de juros compensatórios é preciso que esteja demonstrado que aquele retardamento (o pressuposto objetivo dos juros) se deveu a um facto imputável ao sujeito passivo, ou seja, que este teve culpa no atraso (o pressuposto subjetivo dos juros)";
O) E, depois de abordar a vastíssima jurisprudência dos Tribunais superiores sobre esta matéria enunciada no pedido da Recorrida, o Tribunal Arbitral concluiu que "no âmbito do relatório de inspeção tributária referente ao procedimento inspetivo pode ler-se apenas que são devidos juros compensatórios desde a data em que deveria ter tido lugar a retenção na fonte, sendo "O valor apurado em observância com o estabelecido no n.° 1 e na al. a) do n.° 3 do art.° 102.° do CIRC, conjugados com os n.°s 1, 3 e 10 do art. 35.° da Lei Geral Tributária (LGT) (...)" (cfr. ponto 13 do probatório). A AT não faz qualquer menção à culpa da requerente no suposto atraso na liquidação de imposto, e muito menos procedendo à demonstração dessa culpa. Pelo contrário, a AT limitou-se "a exigir, de forma automática, Juros Compensatórios, ultrapassando os ónus e exigências legais estabelecidas para a respetiva liquidação;
P) Concluindo, o Tribunal Arbitrai decidiu que, perante os pressupostos acima enunciados, os atos contestados são ilegais porque, como sustentou a Recorrida, a Administração Tributária se limitou a na senda da sua posição habitual - reiteradamente afastada pelos Tribunais superiores - a defender que qualquer erro na aplicação da lei dá lugar a juros indemnizatórios;
Q) Posto isto, o Tribunal Arbitral considerou prejudicada a apreciação dos fundamentos relativos à inexistência do pressuposto objetivo dos juros (por não haver lugar a retenção na fonte ou, subsidiariamente, por essa retenção ser contrária ao direito da União Europeia) e condenou a Administração Tributária a reembolsar a Recorrida dos juros compensatórios indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios;
R) Nas suas Alegações, a Recorrente vem sustentar que: (i) o Relatório de Inspeção Tributária subjacente aos atos tributários contestados demonstram a culpa da Recorrida na (suposta) indisponibilidade do imposto porquanto - embora tal não conste do probatório - esse relatório refere que a falta de entrega de retenções na fonte é punível nos termos do Regime Geral das Infrações Tributárias; e que (ii) como resultaria do Acórdão fundamento proferido em 21 de novembro de 2019 no processo 0306/12.6BELLE - 01136/16, bastaria que um determinado facto fosse qualificável como ilícito, para estar demonstrada a existência do pressuposto subjetivo dos juros;
S) Contudo, a Recorrida entende que o presente Recurso não deve ser admitido, por não estarem verificados os respetivos pressupostos, previstos no artigo 25.°, n.°s 2 e 3 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, conjugado com o artigo 152.°, n.°s 1 e 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
T) Na verificação de uma eventual contradição na questão fundamental de direito é, então, essencial ter presente não só as construções jurídicas que servem de fundamento à decisão, mas também toda a conjuntura fática atinente às decisões em causa;
U) Ora, os juros compensatórios a que se refere a Decisão Arbitral recorrida pela Senhora Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira referem-se à (suposta) indisponibilidade de IRC que (de acordo com a opinião da Administração Tributária) devia ter sido retido sobre os dividendos distribuídos pela Recorrida no exercício de 2014;
V) Perante a (suposta e não apreciada) omissão da retenção na fonte, a Administração Tributária considerou que o imposto esteve indisponível nos cofres do Estado por um determinado período e que, por essa razão (e apenas por essa razão) haveria lugar à liquidação de juros compensatórios;
W) O Tribunal Arbitral a quo considerou, no entanto, que, como sustenta a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a (suposta) indisponibilidade do imposto (o pressuposto objetivo da liquidação dos juros) não é suficiente para o apuramento de juros compensatórios, sendo necessário demonstrar que essa indisponibilidade é imputável, a título de culpa, ao sujeito passivo (o pressuposto subjetivo dos juros);
X) A análise do pressuposto subjetivo dos juros é, por natureza, subjetiva e depende, em grande medida, das circunstâncias de facto que levam à indisponibilidade do tributo;
Y) Entre outros aspetos, há que considerar (como, aliás, nos processos contraordenacionais) se essa indisponibilidade se deve a um erro grosseiro ou a um erro desculpável e se os sujeitos passivos adotaram a conduta de um homem médio - e esta avaliação só pode ser feita perante a factualidade concreta (conclusão que a Administração Tributária se recusa sistematicamente a admitir, usando um sistema informático parametrizado para liquidar automaticamente juros sempre que há um atraso ou uma falta na entrega do imposto);
Z) Sucede que o Acórdão fundamento em que se apoia o Recurso da Senhora Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira se pronuncia sobre um quadro factual e jurídico completamente distinto;
AA) Naquele Aresto estavam em causa correções relacionadas com deduções ao imposto praticadas pelo sujeito passivo, resultantes dos custos suportados com indemnizações pela revogação de contratos-promessa de compra e venda que excediam os previstos nesses mesmos contratos;
BB) Neste caso, não se colocaram as mesmas questões sobre a novidade do regime (recorde-se que o regime a que se refere a Decisão recorrida havia sido profundamente revisto escassos quatro meses antes da distribuição de dividendos) nem sobre a complexidade das normas de isenção, não sendo discutida;
CC) Ao exposto acresce que o Recurso interposto pela Senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira se fundamenta - em primeira linha e expressamente - num suposto erro no julgamento consubstanciado no facto de a Decisão recorrida não ter dado relevância à (mera) referência feita no Relatório de Inspeção Tributária à (putativa) punibilidade da omissão de retenção na fonte da Recorrida. Ora, salvo melhor opinião, o Recurso para Uniformização de Jurisprudência não é o meio próprio para impugnar a matéria de facto dada como provada ou apreciada pelo Tribunal arbitral a quo. Por outro lado, o Acórdão fundamento.
DD) Por outro lado, e ainda a este respeito, importa notar que, no Acórdão fundamento, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que "(...) os autos evidenciam eloquentemente uma estreita participação do sujeito passivo ou dos seus representantes no procedimento que precedeu a liquidação. Que, por isso, não podia desconhecer a situação fática violadora da lei que justifica tanto a liquidação do imposto como a dos juros compensatórios". Este quadro é diametralmente oposto ao dos presentes Autos, em que o procedimento administrativo revela que a Recorrida nunca colocou a hipótese de o seu entendimento sobre o regime de retenções na fonte não ser correto ou de a Administração Tributária vir a adotar outra interpretação.
EE) Em face do exposto, a Recorrida considera claro que o presente Recurso não pode ser admitido, por não estar verificada qualquer identidade factual substantiva entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento, que não se pronuncia sobre a mesma questão de direito nas mesmas circunstâncias, nem é contraditório com aquela Decisão;
FF) Em segundo lugar, a Recorrida considera que ainda que se considerasse admissível o presente Recurso - no que não se concede - o certo é que o mesmo sempre deveria ser considerado improcedente, o que se alega a título subsidiário;
GG) Com efeito, do disposto no artigo 102.°, n.° 1, do Código do IRC e no artigo 35.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária resulta com muita clareza que os juros compensatórios não são um mero adicional ao imposto, a liquidar automaticamente sempre que houver um retardamento na entrega da prestação tributária;
HH) Recorde-se que, como já se referiu, para que haja lugar a uma liquidação válida de juros compensatórios é preciso que esteja demonstrado que aquele retardamento (o pressuposto objetivo dos juros) se deveu a um facto imputável ao sujeito passivo, ou seja, que este teve culpa no atraso (o pressuposto subjetivo dos juros))
II) Assim, apesar de ser prática da Administração Tributária liquidar automaticamente juros sempre que houve algum atraso na entrega da prestação tributária (no que é auxiliada por um sistema informático que, naturalmente, não avalia subjetivamente a conduta dos contribuintes):
"(...) constitui entendimento jurisprudencial pacífico (Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 8-7-92, proferido no recurso n° 12147; de 28-6-95, proferido no recurso n° 19014; de 20-3-96, proferido no recurso n° 20042; de 2-10-96, proferido no recurso n° 20605; de 18-2-98, proferido no recurso n° 22325; de 3-10-2001, proferido no recurso n° 25034; de 16-02-2005, proferido no recurso n° 1006/04; de 12-07-2005 proferido no recurso n° 12649 e de 19-11-2008, proferido no recurso n° 325/08.) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (...)" (cf. Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo em 22 de janeiro de 2014 no Processo 01490/13, disponível em www.dgsi.pt);
JJ) Neste sentido, a validade da liquidação de juros compensatórios "depende, da existência de culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstrato (face à diligência de um bom pai de família) e que, por isso, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bonus pater famílias (...)” (ibidem; realce acrescentado);
KK) E esta culpa do sujeito passivo "pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais (...)” (ibidem), razão pela qual "a jurisprudência firmou-se no entendimento de que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte (...)" (ibidem);
LL) Dito de outra forma a "compreensível dúvida, dificuldade, ou divergência razoável de critério quanto à qualificação e enquadramento de determinada situação tributária não concorre para a integração do dito conceito de culpa - pelo que, por tal via, não se dá azo à cominação de juros compensatórios" (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 11 de março de 2009 no Processo 0961/08);
MM) Transpondo estas conclusões para a presente situação, a Recorrida sublinha, em primeiro lugar que, como resulta do probatório da Decisão recorrida, apesar de ter fundamentado o apuramento dos juros compensatórios, tanto no que diz respeito ao seu pressuposto objetivo (a falta de entrega da retenção na fonte), como no que se refere à respetiva quantificação (feita nos termos previstos no artigo 35.°, n.° 3, da Lei Geral Tributária), a Administração Tributária não procurou demonstrar a verificação do pressuposto subjetivo da liquidação dos juros compensatórios, provando que a falta de entrega da retenção na fonte se deveu a uma conduta culposa da Recorrida;
NN) Sem esta demonstração - que, nos termos do disposto nos artigos 74.°, n.° 1, e 77.° da Lei Geral Tributária, compete à Administração Tributária - os atos tributários em disputa são inválidos;
OO) Ao exposto acresce que, mesmo que a Administração Tributária tivesse procurado demonstrar a culpa da Recorrida , não o teria logrado, porque, de facto, esta se comportou com a diligência que lhe era exigível na interpretação e na aplicação do regime de isenção previsto no artigo 14.°, n.° 3, do Código do IRC;
PP) Importa realçar, a este respeito, que a (alegada) falta da realização e entrega da retenção na fonte em causa no presente pedido de pronúncia arbitral resulta da interpretação de um regime de isenção particularmente complexo, que apela à conjugação de conceitos com origens sistemáticas diferentes e que havia sido substancialmente alterado pela Lei n.° 2/2014, de 16 de janeiro, poucos meses antes da colocação dos dividendos à disposição da Y……………………..;
QQ) Tal como sucedia na situação analisada na já referida Decisão Arbitral proferida em 27 de abril de 2015 no Processo n.° 675/2014-T, ”[c]onclui-se, assim, que era duvidosa a interpretação a dar à lei, que a mesma não era clara e que se prestava a dúvidas"-,
RR) Adicionalmente, a Recorrida sublinha que a interpretação que adotou é absolutamente razoável - é mesmo a única interpretação que se coaduna com a ratio legis e com o funcionamento do sistema do imposto sem conduzir a um resultado injusto e incompreensível;
SS) Nestes termos, ainda que a Recorrida estivesse, efetivamente, obrigada a realizar a retenção na fonte (o que não se admite), o certo é que o incumprimento dessa obrigação sempre teria que ser qualificado como uma consequência de uma divergência razoável de critério quanto à qualificação e enquadramento ou como um erro desculpável do contribuinte, que não justifica a liquidação de juros compensatórios.
TT) Por esta razão, mesmo que o presente Recurso não fosse inadmissível - no que não se concede - o certo é que o mesmo teria de ser considerado improcedente, porquanto as liquidações de juros compensatórios em disputa violam manifestamente o disposto nos artigos 35.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária e 102.°, n.° 1, do Código do IRC;
UU) Por fim, e sem prejuízo do exposto nas conclusões anteriores, a Recorrida nota, por mero dever de cautela, que, se o Supremo Tribunal Administrativo considerar o presente Recurso procedente - no que também não se concede - então não pode absolver a Recorrente do pedido, mas determinar a descida dos Autos ao Tribunal Arbitral para apreciação das questões que este considerou prejudicadas na Decisão recorrida;
VV) Com efeito, e como resulta do exposto, para além da falta verificação do pressuposto subjetivo dos juros compensatórios, a Recorrida alegou que os atos contestados são ilegais por também não estar verificado o seu pressuposto objetivo (a indisponibilidade do imposto), uma vez que:
a) A distribuição de dividendos realizada pela Recorrida em 2014 estava efetivamente isenta de imposto e, nessa medida, o apuramento do IRC feito na nota de apuramento de retenções na fonte n.° 2018 6420000752, que está subjacente à liquidação dos juros compensatórios, é inválida; e
b) Ainda que se entenda que o regime consagrado no artigo 14.°, n.° 3, do Código do IRC não isenta de tributação os dividendos colocados à distribuição da Y……………….. em 14 de maio de 2014, o certo é que, conjugado com os mecanismos de retenção na fonte e de reembolso do imposto, o regime aplicável à tributação desses dividendos é substancialmente mais gravoso do que o regime aplicável a acionistas residentes em Portugal e, nessa medida, deve ser afastado, por ser contrário ao Direito da União Europeia.
WW) Todavia, estas questões não chegaram a ser analisadas pelo Tribunal a quo, que as considerou prejudicadas pela anulação dos atos impugnados com fundamento na falta do respetivo pressuposto subjetivo.
XX) Em face do exposto, caso o Supremo Tribunal Administrativo entenda admitir o considerar procedente o presente Recurso, então os Autos têm que ser novamente remetidos ao Tribunal Arbitral para apreciação das questões que ficaram prejudicadas pelo fundamento de anulação aqui discutido.
TERMOS EM QUE,
NÃO DEVE O RECURSO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA SER ADMITIDO POR NÃO SE VERIFICAREM OS PRESSUPOSTOS EXIGIDOS NOS ARTIGOS 25.º, N.º 2 E 3 DO REGIME JURÍDICO DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA E 152.º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVE O RECURSO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE MANTENDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A DECISÃO ANULATÓRIA DA DECISÃO ARBITRAL RECLAMADA;
E CASO O RECURSO SEJA CONSIDERADO PROCEDENTE, DEVE O TRIBUNAL REMETER O PROCESSO PARA O TRIBUNAL ARBITRAL, DE FORMA A QUE SE POSSA PRONUNCIAR SOBRE AS QUESTÕES QUE CONSIDEROU PREJUDICADAS.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de não ser de tomar conhecimento do recurso, com a seguinte argumentação:

“INTRODUÇÃO
A Fazenda Pública vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 25, nº 2, do RJAT (redacção da Lei nº119/2019, de 18 de Setembro), do acórdão arbitral proferido no processo nº 126/2019-T CAAD, datada de 9 de Fevereiro de 2021, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido por Z……………………….., SGPS, SA contra o indeferimento parcial do recurso hierárquico interposto do indeferimento parcial da reclamação graciosa dos actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios do ano de 2014, no valor global de €130-930,59,
Por alegada oposição com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 21 de Novembro de 2019 proferido no processo nº 0306/12.6BELLE, disponível em www.dgsi.pt que concedeu parcial provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, em consequência, revogou a sentença do TAF de Loulé na parte em que anulou a liquidação dos juros compensatórios de IRC, do ano de 2007.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato
ADMISSIBILIDADE/ PROSSEGUIMENTO DO RECURSO
Consoante o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (Lei nº 119/2019, de 18/09) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do CPTA, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cf. o nº 3 do mesmo artigo 25º).
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto,
Não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia
Em suma, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência:
(i) Contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral;
(ii) Trânsito em julgado do acórdão fundamento;
(iii) Existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
(iv) - Ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao CPTA, 2ª edição revista, 2007, página 883 e Acórdão do STA de 5/07/2012, proc nº01168/1, disponível em www.dgsi.pt).
Acresce que quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto,
Oposição que terá deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica (cf., neste sentido, os Acórdãos do STA de 26/10/2017 e 25/01/2018, proferidos, respectivamente, nos processos nº 0461/17 e 0446/17, disponíveis em www.dgsi.pt).
Posto isto, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por melhor opinião, que, in casu, não se verificam os pressupostos para prosseguimento do recurso para uniformização de jurisprudência.
Na verdade, não existe identidade de facto entre as duas decisões em confronto que permita concluir que haja uma incompatibilidade insanável entre as soluções jurídicas perfilhadas no acórdão fundamento e no acórdão arbitral recorrido.
Na decisão recorrida estava em causa a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, do ano de 2014, e que teve a sua génese numa acção inspectiva e consequente relatório de inspecção tributária.
Ora, no caso em apreço não constava do relatório de inspecção tributária a fundamentação de facto e de direito da liquidação dos juros compensatórios,
Na verdade, no referido relatório pode ler-se apenas que são devidos juros compensatórios desde a data em que deveria ter tido lugar a retenção na fonte,
Sendo “o valor apurado em observância com o estabelecido no nº 1 da al. a) do nº 3 do art.º 102º, do CIRC, conjugado com os nºs 1, 3 e 10 do art.º35º, da Lei Geral Tributária (LGT) ”.
Ou seja, a Autoridade Tributária apenas se limitou a demonstrar a legalidade daquele acto de liquidação, daí extrapolando os fundamentos para a liquidação de juros compensatórios.
Pelo que o relatório de inspecção tributária não contém quaisquer factos que fundamentem a actuação culposa do contribuinte.
Consequentemente, a fundamentação por esta apresentada não permite concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação,
Sendo que a AT não aprecia nem demonstra o dolo ou a negligência naquela actuação.
Já no acórdão fundamento estava em causa uma liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios relativos a uma liquidação adicional de IRC de 2007, que tiveram na sua génese numa ação inspectiva e consequente relatório de inspecção tributária.
Mas do relatório de inspecção tributária constava a fundamentação dos juros compensatórios,
Uma vez que continha, mesmo na parte não anulada, a descrição dos factos imputados ao sujeito passivo e que suportaram as correcções e que conduziram ao retardamento da liquidação,
Bem como a sua qualificação como um comportamento ilícito, não faltando sequer a referência ao seu enquadramento legal como um ilícito contra-ordenacional.
Razão pela qual se concluiu no referido aresto que não padece de falta de fundamentação a liquidação dos juros compensatórios que não contenha a indicação dos factos que integram o comportamento ilícito e culposo do contribuinte,
Se esses factos se encontram descritos no próprio relatório de inspeção tributária que contenha a fundamentação da liquidação do imposto correspondente.
É assim manifesto que não é possível afirmar a existência de um efectivo antagonismo, quanto àquela questão fundamental de direito, entre a decisão sindicada e o identificado aresto, sendo que foi o enquadramento factual do caso sub judice,
Bem diverso do que estava em causa no acórdão fundamento, que determinou o sentido decisório da decisão arbitral recorrida quanto à questão da invocada falta de fundamentação do acto de liquidação dos juros compensatórios.
Assim, nestes termos, não se verificam os requisitos para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, porquanto:
As situações de facto na decisão arbitral recorrida e no acórdão fundamento não são idênticas.
Consequentemente, não se perfilharam nos acórdãos em causa soluções opostas, pois tanto as situações de facto, como a matéria de direito são diferentes.
Nesta conformidade, impõe-se, salvo o devido respeito por melhor opinião, o não conhecimento do presente recurso.
CONCLUSÃO
Destarte, nos termos e com os fundamentos expostos, não se deverá tomar conhecimento do presente recurso.”
*

Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. A Requerente é uma sociedade anónima europeia, que se dedica à gestão de participações sociais;

2. Até 9 de dezembro de 2013, a sociedade de direito holandês B..., B.V. (adiante abreviadamente designada por “B...”) detinha – através da sua subsidiária C..., S.G.P.S., S.A. (doravante simplesmente designada por “C...”) – uma participação indireta de 38,67% no capital social da Requerente;

3. A estrutura relativa a esta participação indireta era, portanto, a que melhor se compreende através do seguinte diagrama:

IMAGEM

4. Naquele período, a B... podia receber indiretamente os lucros e as reservas da Requerente, sem sofrer retenções na fonte de IRC, uma vez que, quer as distribuições realizadas pela Requerente em benefício da C..., quer as distribuições realizadas pela C... em benefício da B..., se encontravam inequivocamente isentas de imposto e dispensadas de retenção, nos termos previstos no artigo 51.º, n.º 1, e 14.º, n.º 3, do Código do IRC, na redação então em vigor;

5. No dia 9 de dezembro de 2013, foi deliberada uma redução do capital social da C... no valor de € 1.859.570,00 (um milhão oitocentos e cinquenta e nove mil quinhentos e setenta euros);

6. Uma parte da contrapartida pela redução do valor das ações da C... foi feita mediante a transmissão para a B... (acionista única da C...) de uma parte dos títulos representativos do capital social da Requerente, que até aí eram detidos diretamente pela C... (e indiretamente pela B...) (cf. cit. DOC. 5).

7. Em resultado desta operação, a B... manteve a sua participação global de 38,67% no capital social da Requerente, mas passou a deter essa participação global cumulativamente de forma direta (em 33,46%) e de forma indireta (em 5,21%), nos termos que melhor se compreendem através do seguinte diagrama:

IMAGEM

8. Os títulos representativos dos mencionados 38,67% do capital social da REQUERENTE, que antes eram (todos) indiretamente detidos pela B..., passaram a estar divididos em dois subgrupos: (i) o primeiro, representativo de 33,46%, passou a ser detido diretamente pela B...; e (ii) o segundo, representativo de 5,21%, continuou a ser detido diretamente pela C... e indiretamente pela B... .

9. No dia 14 de maio de 2014, a Requerente colocou à disposição da B... lucros no montante de € 18.157.570,00 (dezoito milhões cento e cinquenta e sete mil quinhentos e setenta euros);

10. A Requerente não fez qualquer retenção de IRC sobre o valor dos dividendos colocados à disposição da B...;

11. Em outubro de 2018, a REQUERENTE foi notificada Relatório de Inspeção Tributária emitido pela UNIDADE DOS GRANDES CONTRIBUINTES ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2018..., referente ao exercício de 2014;

12. No RIT relativo à inspeção efetuada encontram-se explicitados o motivo, âmbito, incidência temporal da ação de fiscalização e fundamentos para a decisão final, assentes do seguinte modo:

“(…)

IMAGEM

13. Quanto aos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas, consta do RIT o seguinte:

IMAGEM

“(…)

IMAGEM

(…)

14. Quanto aos juros compensatórios, a motivação de facto e de direito constante do RIT é a seguinte:

“(…)

IMAGEM

(…)

IMAGEM

15. No dia 5 de novembro de 2018, a Administração tributária notificou a Requerente da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2018..., que integra as seguintes liquidações oficiosas:

a) A nota de apuramento de retenções na fonte n.º 2018..., na qual é apurado o valor de € 1.815.716,70 (um milhão oitocentos e quinze mil setecentos e dezasseis euros e setenta cêntimos) a título de imposto relativo ao mês de maio de 2014;

b) A liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., na qual é apurado o montante de € 68.649,01 (sessenta e oito mil seiscentos e quarenta e nove euros e um cêntimo) a título de juros compensatórios devidos pela indisponibilidade do imposto entre 21 de junho de 2014 e 31 de maio de 2015.

16. Em dezembro de 2018, a REQUERENTE foi ainda notificada da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., na qual a Administração tributária apurou um novo saldo a pagar, no montante de € 62.281,57 (sessenta e dois mil duzentos e oitenta e um euros e cinquenta e sete cêntimos);

17. Em resposta a um pedido da REQUERENTE, a Administração tributária certificou, ao abrigo do disposto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que:

a) “I) A Demonstração de Liquidação de Retenções na Fonte de IR n.º 2018 ... tem por fundamento a correção de juros compensatórios no montante de € 130.930,59 efetuada em sede de Inspeção Tributária ao período de 2014 [OI2018...] cujo relatório foi notificado à A... SGPS em 25.10.2018 [RF...PT] e que originou a Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2018... .

b) A Nota de Apuramento de Retenções na Fonte n.º 2018..., que também integra a referida demonstração apenas indica o valor do imposto que deveria ter sido retido pelo sujeito passivo no âmbito da substituição tributária cuja entrega foi retardada (€ 1.815.716,60), o qual, não sendo objeto de cobrança, serve de base ao cálculo dos juros compensatórios.

c) O montante de € 62.281,57 cobrado na Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018... corresponde à diferença entre a quantia de juros compensatórios referida em I) e o valor apurado na Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2018... (€ 68.649,01)”;

18. No dia 1 de março de 2019, a REQUERENTE apresentou uma Reclamação Graciosa contra aqueles atos tributários, a qual veio a ser indeferida;

19. Deste indeferimento foi apresentado recurso hierárquico foi deduzido, no dia 6 de novembro de 2019, o Recurso Hierárquico n.º ..2019...,

20. No dia 18 de novembro de 2019, a REQUERENTE foi notificada de que o órgão decisor da Reclamação Graciosa recorrida: (i) revogou parcialmente os atos tributários contestados ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 66.º do Código do de Procedimento e de Processo Tributário; e (ii) remeteu o Recurso Hierárquico para a DIREÇÃO DE SERVIÇOS DO IRC, a fim de ser analisado na parte que ainda não foi deferida, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 66.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no artigo 195.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo;

21. A Requerente não foi notificada da demonstração de acerto de contas que reflete a revogação parcial dos atos, nem foi reembolsada do valor que a Administração tributária reconhece ter sido paga a mais.

22. Em 26-02-2020, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo, com base na presunção de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico n.º ...2019... .

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria considerada como provada tem suporte documental junto aos autos pelo Requerente e no Processo Administrativo (PA) junto aos autos pela Requerida, do qual faz parte o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) produzido no âmbito da ação inspetiva.

De salientar que, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, nº 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Na decisão fundamento proferida no processo n.º 0306/12.6BELLE, do STA, foram dados como provados os seguintes factos:

A. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201001379, de 28.06.2010, a Direção de Finanças de Faro levou a cabo uma ação de inspeção externa à Impugnante, de âmbito geral para o exercício de 2007 - cfr. o Relatório de Inspeção (RIT) a fls. 334 a 364 dos autos.

B. A referida inspeção foi desencadeada «em virtude do sujeito passivo...em 2005, 2006 e 2008 declarar uma estrutura de custos e proveitos demonstrando uma actividade muito reduzida e em 2007 os custos extraordinários declarados parecerem anormalmente elevados» - cfr. o ponto II.2 do RIT a fls. 334 a 364 dos autos.

C. Em 08.06.2010 foi elaborado o Relatório Final de Inspeção Tributária (RIT), superiormente sancionado em 09.12.2010, do qual se extrai o seguinte:

«(...)

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Imposto sobre o rendimento de pessoas Colectivas (IRC)

O sujeito passivo contabilizou na conta "69581 - Custos e Perdas Extraordinárias - Outras Penalidades - Rescisões Contratuais" o valor global de 20.648.926, 02€ relativo aos acordos de rescisão celebrados em 20 de Março de 2007 com os diversos promitentes-compradores dos lotes da Quinta ………. de acordo com os contratos promessa de compra e venda celebrados em Junho de 2005 conforme se descrimina:

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Os contratos promessa de compra e venda celebrados entre o sujeito passivo e as entidades "………, SA", "…….., Lda.", ………, SA", "………,SA", " ………, SA" e "………., Lda." previam que no caso de não celebração da escritura de compra e venda dos lotes por facto imputável ao promitente-vendedor, o promitente-comprador terá direito ao reembolso das quantias adiantadas a título de sinal e de princípio de pagamento acrescido de juros calculados à taxa Euribor a 6 meses deduzida do spread de 0,5%, bem como, direito a uma indemnização de igual valor às quantias adiantadas a título de sinal e de princípio de pagamento.

Deste modo, o sujeito passivo apenas estava obrigado a restituir aos restantes outorgantes as quantias adiantadas a título de sinal e de princípio de pagamento acrescido de juros calculados à taxa Euribor a 6 meses deduzida do spread de 0,5%, bem como, uma indemnização de valor igual às quantias adiantadas a título de sinal e de princípio de pagamento, não se verificando como indispensável para obtenção dos rendimentos o pagamento de qualquer outra indemnização superior à inicialmente acordada.

Pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 23º do Código do IRC, não são aceites como custo fiscal qualquer valor escriturado a título de indemnização superior ao inicialmente acordado entre as partes.

Dado que as partes acordaram como indemnização o valor igual às quantias adiantadas a titulo de sinal e de princípio de pagamento, bem como, o juro gerado entre a data da celebração do acordo e a data de rescisão do acordo pelas quantias adiantadas calculado à taxa Euribor a 6 meses deduzida do spread de 0,5%.

[...]

Por conseguinte, apenas é aceite como custo fiscal a título de indemnização o valor de 1.044.000,00€ acrescido dos juros no montante de 42.875,57€ e não o valor de 2.044.000,00€ contabilizado e pago pelo sujeito passivo aos diversos outorgantes acima identificados.

Relativamente às entidades C……….. e D………. Limited, dado que não existem comprovativos de que as mesmas tenham efectuado o adiantamento de qualquer importância a título de sinal e de princípio de pagamento, conforme exposto anteriormente, a empresa não estava obrigada ao cumprimento da cláusula do acordo que previa como indemnização o valor igual às quantias adiantadas a título de sinal e de princípio de pagamento.

Deste modo, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, não são aceites como custo fiscal os valores escriturados a título de indemnização para as entidades C……… e D………Limited nos montantes de 6.500.000,00€ e 11.648.926,00€, respectivamente.

O sujeito passivo contabilizou na conta "622369 – Fornecimentos e Serviços Externos – Trabalhos Especializados - Outras" o montante de 3.414.999,00€ relativos a serviços de gestão prestados pela empresa mãe, tendo sido notificado para demonstrar que foi observado o estatuído no n.º 1 do art. 63° do CIRC, bem como, para proceder à comprovação da indispensabilidade do referido custo para obtenção dos proveitos do estabelecimento estável de acordo com estipulado no art. 23º do CIRC.

De acordo com o art. 58° do CIRC, bem como da alínea a) do n.º 3 do art. 1º da Portaria 1446C/2001 de 21 de Dezembro, as operações realizadas, no âmbito de um qualquer acordo, designadamente de partilha de custos, entre um sujeito passivo não residente e um seu estabelecimento estável situado em Portugal estão abrangidos pelo princípio da plena concorrência.

Relativamente a este ponto o sujeito passivo referiu tratar-se de uma imputação directa ao seu estabelecimento estável dos custos originalmente facturados por entidades terceiras e suportados pela entidade não residente, pelo que no caso em apreço estamos na presença de uma situação bem diferente da existência de um acordo de partilha de custos.

Mais foi referido por …………., actual administrador do estabelecimento estável, que por acordo de accionistas, foi decidido que todos os serviços seriam adquiridos externamente e que a gestão da entidade Irlandesa seria feita e dirigida através dos escritórios de ………….. e da E………..Ltd. E que relativamente à sucursal em Portugal, esta contratava os seus próprios consultores e gestores, bem como, empregava e nomeava o seu próprio representante (administrador) que seria residente no país, na altura o Sr. ………….., como anteriormente referido.

De notar que da análise aos elementos contabilísticos do sujeito passivo verificou -se que este contabilizou os seguintes custos:

• Comissão de venda facturada, em Junho de 2007, pela entidade "…………., Lda. - NIPC: ………." no montante total de 2.000.000,00€, relativa à intermediação no negócio da venda do imóvel "Quinta ………..".

• Serviços de consultadoria prestados e facturados pela entidade" ………….., SA - NIPC: ………." no montante 66.550,00€.

• Serviços jurídicos prestados e facturados pela entidade "………….. – Soc. Advogados - NIPC: ………." no montante de 115.715,79€.

• Serviços de arquitectura prestados e facturados pela entidade "……………….., Lda. - NIPC: ………." no montante de 151.250,00€.

Suportou custos no montante de 432.254,86€ relativos a contencioso e notários. Suportou custos de Assessorias Fiscal/Legal no montante de 251. 678,95€, sendo que 182.265,79€ dizem respeito aos serviços facturados pelas empresas …….., SA e ………….. – Soc. Advogados.

• Suportou custos no montante de 188.155,00€ relativos a consultaria imobiliária.

• Suportou custos relativos a juros com empréstimos bancários no montante de 245.378,69€, entre outros.

Deste modo a imputação dos custos incorridos pela entidade não residente, sem a observação do art. 63º do CIRC, nomeadamente quanto à inexistência de um acordo de partilha de custos, bem como, pela análise da descrição efectuada pelo administrador, quanto ao tipo de custos incorridos pela empresa mãe na Irlanda e aos custos suportados pelo sujeito passivo em Portugal, dada a sua duplicação, visam uma economia do imposto a pagar pelo estabelecimento estável em território nacional.

Assim sendo o sujeito passivo não comprovou a indispensabilidade do custo imputado pela empresa mãe ao estabelecimento estável para a obtenção do proveito, uma vez que os custos suportados pela entidade não residente são semelhantes aos custos incorridos pela sucursal em Portugal para a obtenção do mesmo e único proveito, pelo que nos termos do n.º 1 do artigo 23º do Código do IRC não é aceite como custo fiscal o valor escriturado a título de serviços de gestão no montante de 3.414.999,00. Consequentemente propomos uma correcção a matéria colectável declarada no montante de 22.977.049,45€ conforme se demonstra:

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[...]

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO

[...]

Pelos documentos juntos no exercício do direito de audição relativos aos comprovativos dos adiantamentos efectuados, a título de sinal e de princípio de pagamento dos contratos promessa celebrados, pelas entidades "C……” e "D…….Limited'', nos montantes de 3.700.000,00€ e 6.000.000,00€, respectivamente, procederemos, em sede de IRC, à alteração da correcção proposta ao rendimento colectável do ano de 2007. Pelos restantes motivos invocados, não procederemos a qualquer alteração ao valor inicialmente proposto.

Assim propomos uma correcção a matéria colectável declarada no montante de 13,277.049,45€ conforme se demonstra:

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D. Ato impugnado: Na sequência das correções a que se refere o RIT identificado na alínea anterior foi emitida em 20.12.2010 a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2007 com o n.º 2010 8310016661, que apurou imposto a pagar no valor de € 3.311.388,41 e € 332.113,90 de juros compensatórios – cfr. fls. 365 dos autos.

E. Ato impugnado: A demonstração da liquidação dos juros compensatórios a que se refere a alínea que antecede tem o seguinte teor:

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- cfr. fls. 366 dos autos.

F. Ato impugnado: Da demonstração de acerto de contas resultou a pagar a quantia de € 3.644.233,11, até 31.01.2011, respeitante à liquidação identificada em D), valor que inclui o estorno da quantia de € 730,80 da liquidação inicial relativa ao período em causa e € 67,83 de juros compensatórios sobre o mesmo valor - cfr. fls. 367 dos autos.

G. Em 31.05.2011 a lmpugnante deduziu reclamação graciosa nos termos constantes de fls. 2 a 73 do processo de reclamação apenso, que aqui se dão por reproduzidos, onde invoca, em síntese, os mesmos fundamentos que sustentam o pedido formulado nos presentes autos - cfr. fls. 2 a 73 e 169 do processo de reclamação graciosa apenso.

H. Por despacho de 06.09.2011 a reclamação foi indeferida com os fundamentos constantes de fls. 242 a 244 do processo de reclamação apenso, que aqui se dão por reproduzidos, e que, no essencial, mantém os fundamentos das correções efetuadas em sede inspeção acrescentando, quanto à liquidação de juros compensatórios, serem os mesmos devidos pelo retardamento da liquidação do imposto ao considerar custos fiscais que não podiam ser aceites – cfr. fls. 242 a 244 do processo de reclamação graciosa apenso.

I. Em 14.10.2011 a lmpugnante apresentou recurso hierárquico da decisão que antecede sobre o qual foi proferido, em 20.01.2012, despacho de indeferimento, com os mesmos fundamentos das correções efetuadas em se de inspeção – cfr. fls. 156 até final do processo de reclamação graciosa apenso.

J. A Impugnante constitui a representação permanente em território nacional da sociedade A……….. LIMITED, com sede na República da Irlanda - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.

K. A A………… LIMITED foi constituída por promotores irlandeses com o concreto e único objetivo de investir no projeto imobiliário, localizado em território português, no imóvel designado por "Quinta ……..", e não desenvolveu outras atividades para além das relacionadas com este projeto, conforme teor do documento 26 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido - depoimento da testemunha ………. e cfr. doc. 26 junto com a petição inicial.

L. Em 14.01.2005, a Impugnante declarou o início da sua atividade em Portugal indicando que se dedicava à compra e venda de bens imobiliários (CAE 12211014) - por acordo.

M. Em 03.06.2005, a Impugnante celebrou um contrato-promessa de compra e venda com o Fundo de Investimento Imobiliário ……….. (FII ……..), para aquisição do imóvel designado por "Quinta ………..", descrito na matriz predial rústica da freguesia de ……., Loulé, sob o número 2452 - cfr. doc. 3 junto com a petição inicial.

N. No contrato identificado foi estipulado, designadamente, o seguinte:

I a Impugnante obrigou-se a adquirir o imóvel pelo preço de € 51.250.000,00;

ii. o preço estipulado encontrava-se sujeito a ajustamento, a final em função da área de construção que viesse a ser efetivamente aprovada para o loteamento cujo projeto se encontrava pendente de aprovação pela Câmara Municipal de Loulé;

iii. o preço deveria ser pago da seguinte forma: a) € 5.000.000,00, na data da celebração do contrato promessa de compra e venda; b) € 5.000.000,00, até ao dia 15.12.2005; c) € 2.500.000,00 até um ano após a celebração do contrato promessa de compra e venda ou na data do contrato prometido, consoante o que ocorresse em primeiro lugar; e d) o remanescente, na data do contrato prometido;

iv. a aquisição definitiva do imóvel pela Impugnante apenas seria realizada após a aprovação do Projeto de Loteamento e do Projeto de Obras de Urbanização, pendentes na Câmara Municipal de Loulé;

v. a prometida compra e venda deveria ocorrer entre o dia 15.02.2006 e o dia 15.02.2008;

vi. uma vez obtido o Alvará de Loteamento e registados os Lotes de terreno para construção decorrentes do mesmo, caberia ao FII ……… marcar a escritura pública de compra e venda, notificando a Impugnante da data da outorga com a antecedência mínima de 30 dias - cfr. doc. 3 junto com a petição inicial.

O. Nos dias 30.09.2005 e 14.06.2006, a Impugnante celebrou com o FII B………, dois aditamentos ao contrato promessa identificado em M), alterando, sucessivamente, as datas previstas para o pagamento das segunda e terceira tranches do sinal que passaram para os dias 29.06.2006 e 15.12.2006, respetivamente – cfr. docs. 4 e 5 juntos coma petição inicial.

P. Em cumprimento do previsto no contrato promessa de compra e venda e nos aditamentos posteriores, a Impugnante entregou ao FII ……., a título de sinal e princípio de pagamento, o valor global de € 12.500.000,00 – cfr. docs. 3 a 5 juntos com a petição inicial.

Q. Em simultâneo com a negociação com o FII ………., a Impugnante iniciou a promoção do projeto imobiliário "Quinta …….." junto de potenciais interessados nos lotes de terreno para construção que viessem a resultar do Alvará de Loteamento que aguardava aprovação - depoimento das testemunhas ……… e ……….

R. No âmbito da promoção a que se refere a alínea que antecede, entre junho e julho de 2005, a Impugnante celebrou oito contratos promessa de compra e venda, tendo prometido vender parte dos lotes de terreno que viessem a resultar do loteamento - cfr. docs. 6 a 13 juntos com a petição inicial.

S. Em 03.06.2005, a Impugnante celebrou com a sociedade …………., LDA., um contrato promessa de compra e venda de cinco lotes de terreno para construção, com uma área global de construção de 1.350 m2, de acordo com o qual:

i. O preço global dos cinco lotes de terreno para construção seria de € 900.000,00, pago da seguinte forma: (a) 10% na data da assinatura do contrato promessa; (c) 40% após a aprovação do Projeto de Loteamento por parte da Câmara Municipal de Loulé; e (c) os restantes 50% na data da outorga da escritura de compra e venda dos mesmos lotes;

ii. O contrato definitivo estava condicionado à aprovação e registo do Projeto de Loteamento até ao dia 31.12.2008 e deveria ser celebrado até ao dia 15.02.2009.

iii. Caso o contrato definitivo não viesse a ser realizado até àquela data, por facto imputável à promitente-compradora, a Impugnante teria direito a fazer suas as quantias já entregues, a título de compensação;

iv. No caso de o contrato prometido não ser celebrado antes de 15.02.2009, por facto imputável à Impugnante, a promitente-compradora teria direito à devolução dos valores entregues acrescidos de juros, bem como a uma indemnização no valor equivalente aos valores entregues, sem prejuízo da possibilidade de recurso à execução específica (cláusula 6ª do contrato)

- cfr. doc. 6 junto com a petição inicial.

T. Na data da celebração do contrato promessa que antecede a promitente compradora entregou à Impugnante a quantia de € 90.000,00, correspondente a 10% do preço global, e a Impugnante entregou àquela uma garantia bancária de igual valor - cfr. doc. 6 junto com a petição inicial.

U. Na mesma data, a Impugnante celebrou, ainda, com as sociedades …………, LDA., …………. - ………. ., S.A., …………, S.A, E …………, S.A., contratos promessa de compra e venda de diversos conjuntos de lotes de terreno para construção no mesmo empreendimento imobiliário nos quais foi acordado com cada uma das promitentes compradoras que:

i. O preço global dos lotes de terreno a transmitir a cada uma seria de € 900.000,00 pago da seguinte forma: (a) 20% na data da assinatura do contrato promessa; (b) 40% após a aprovação do Projecto de Loteamento por parte da Câmara Municipal de Loulé; e (c) os restantes 40% na data da outorga da escritura de compra e venda dos mesmos lotes;

ii. A celebração do contrato definitivo estava condicionada à aprovação e registo do Projeto de Loteamento até ao dia 31.12.2008;

iii. As escrituras de compra e venda deveriam ser outorgadas até ao dia 15.02.2009;

iv. Caso o contrato definitivo não viesse a ser realizado até àquela data, por facto imputável às promitentes compradoras, a Impugnante teria direito a fazer suas as quantias já entregues, a título de compensação;

v. Caso o contrato prometido não viesse a ser celebrado antes de 15.02.2009, por facto imputável à Impugnante, as promitentes compradoras teriam direito à devolução dos valores entregues acrescidos de juros, bem como a uma indemnização no valor equivalente aos montantes entregues, sem prejuízo da possibilidade de requererem a execução específica.

- cfr. docs. 7 a 10 juntos com a petição inicial.

V. Na data da celebração dos contratos promessa identificados em U), cada uma das promitentes-compradoras entregou à Impugnante a quantia de €180.000,00, correspondente a 20% do preço global acordado e a Impugnante entregou a cada uma das promitentes compradoras uma garantia bancária de igual valor - facto não controvertido (cfr. docs. 7 a 10 juntos coma petição inicial).

W. Em 15.06.2005, a Impugnante celebrou com a sociedade D………. LIMITED, com sede na Irlanda, um contrato promessa de compra e venda para a aquisição de um outro conjunto de lotes de terreno para construção no mesmo empreendimento imobiliário identificado em M), no qual foi acordado que:

i. O preço global dos lotes seria de € 15.256.500,00 pago através de um acordo de financiamento, nos termos do qual a Impugnante emitiria notas de crédito, convertíveis em ações (financiamento mezzanine);

ii. A escritura pública de compra e venda dos lotes deveria ser outorgada até ao dia 15.02.2009;

iii. No caso de o contrato definitivo não vir a ser outorgado até ao dia 15.02.2009 por facto imputável à promitente-compradora, a Impugnante poderia resolver o contrato promessa e fazer suas as quantias que já lhe tivessem sido entregues por aquela promitente-compradora;

iv. No caso de o contrato definitivo não ser celebrado por facto imputável à Impugnante a promitente-compradora poderia resolver o mesmo contrato promessa, tendo direito à devolução do valor entregue e a uma indemnização de igual valor ou, em alternativa , a requerer a execução específica.

- cfr. doc. 11 junto com a petição inicial.

X. Entre o dia da assinatura do contrato-promessa identificado em W) e o dia 20.03.2007, a promitente-compradora entregou à IMPUGNANTE a quantia total de € 6.000.000,00, por conta do preço global acordado no mesmo contrato - facto não controvertido (cfr. cap. IX do RIT junto à petição inicial como doc. 19).

Y. Ainda no dia 15.06.2005 a IMPUGNANTE celebrou com C………., residente na Irlanda, um contrato promessa de compra e venda dos lotes de terreno a que corresponderiam as zonas 6 e 7 do mesmo empreendimento imobiliário de acordo com o qual:

i. Foi acordado o preço global de € 15.021.000,00, pago da seguinte forma: (a) € 1.200.000,00, na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda; (b) € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros) no dia 05.12.2006; e (c) o remanescente, na data da outorga da escritura pública de aquisição dos lotes;

ii. Caso a escritura pública de compra e venda não viesse ser realizada até ao dia 15.02.2009 por facto imputável ao promitente-comprador a Impugnante poderia resolver o contrato promessa de compra e venda, fazendo suas as quantias já entregues por aquele promitente-comprador;

iii. No caso de o contrato definitivo não ser celebrado até àquela data por facto imputável à Impugnante, o promitente-comprador poderia resolver o contrato promessa tendo direito à devolução do valor entregue e a uma indemnização de igual valor ou, alternativa, a requerer a execução específica

- cfr. doc. 3 junto com a petição inicial.

Z. Em cumprimento do previsto no contrato promessa de compra e venda, o promitente-comprador, C………., entregou à Impugnante o valor global de 3.700.000,00, correspondente às primeira e segunda tranches do sinal - facto não controvertido (cfr. cap. IX do RIT junto à petição inicial como doc. 19).

AA. No dia 02.07.2005 a Impugnante celebrou com a ………… PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, S.A., um contrato promessa de compra e venda de seis lotes de terreno no mesmo empreendimento imobiliário, pelo preço de € 1.170.000,00, em condições semelhantes às anteriormente indicadas para os promitentes-compradores identificados em S), U), W) e Y), conforme doc. 13 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido – cfr. doc. 13 junto com a petição inicial.

BB. Em cumprimento do estabelecido no contrato promessa identificado em AA), a promitente compradora entregou à Impugnante a quantia de € 234.000,00, correspondente a 20% do preço global acordado e a Impugnante entregou àquela uma garantia bancária em valor equivalente - facto não controvertido e cfr. doc. 13 junto com a petição inicial.

CC. Em 27.06.2006, a Impugnante obteve a aprovação de um empréstimo solicitado ao ………… - BANCO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, destinado a financiar a construção do empreendimento denominado "Quinta ……….", conforme doc. 4 junto com a petição inicial, cujos termos aqui se dão por reproduzidos - cfr. doc. 14 junto com a petição inicial.

DD. Com o decorrer do tempo, a Impugnante apercebeu-se da dificuldade de comercialização antecipada dos lotes do empreendimento imobiliário que pretendia desenvolver - cfr. depoimento da testemunha ………….

EE. O valor global dos fundos que a Impugnante tinha assegurado, quer pela celebração dos contratos promessa de compra e venda já indicados, quer pela celebração do contrato de financiamento com o BANCO ……………, não era suficiente para garantir a aquisição do imóvel ao FII B…….., conforme promessa identificada em M), e suportar todos os encargos inerentes ao empreendimento projetado - cfr. depoimento da testemunha …………….

FF. A sociedade ….. II FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO (FUNDO ……….. II) propôs à Impugnante a aquisição da totalidade do imóvel "Quinta ………" – cfr. depoimento da testemunha ………..

GG. O FUNDO ………. II tinha interesse em adquirir o imóvel "Quinta ……….." e desenvolver o empreendimento previsto para o mesmo, ainda que em moldes diversos dos constantes do projeto inicial - cfr. depoimento da testemunha …...

HH. No âmbito das negociações com o FUNDO ………. II, a Impugnante informou que já tinha celebrado diversos contratos promessa tendentes à venda de parte dos lotes de construção que viessem a resultar do Alvará de Loteamento acima indicado – cfr. depoimento da testemunha ………..

II. O FUNDO ……… II fez saber à Impugnante que a proposta negocial apresentada só se manteria no caso de se tratar da aquisição da totalidade do imóvel ou dos lotes dele resultantes e impôs como condição para a realização do negócio a inexistência de qualquer compromisso entre a Impugnante e terceiros para a venda de quaisquer lotes - cfr. doc. 15 junto com a petição inicial e depoimentos das testemunhas ………. e ………….

JJ. O interesse na aquisição da totalidade da propriedade "Quinta ………." por parte do FUNDO ……… II justificava-se pela circunstância de aquele Fundo pretender desenvolver o empreendimento imobiliário em conjunto com um outro projeto ligado ao Golf e não apenas adquirir lotes de terreno no mesmo – cfr. doc. 15 junto com a petição inicial e depoimento da testemunha ………...

KK. Em 16.03.2007, a Impugnante celebrou com a ………….. - GESTÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO, S.A, entidade gestora do referido FUNDO ………….. II, o contrato promessa de compra e venda do imóvel denominado "Quinta ………" - cfr. doc., 16 junto com a petição inicial.

LL. No contrato identificado em KK) foi estipulado, além do mais, o seguinte:

i. O preço acordado para a prometida compra e venda foi de € 81.500.000,00 e seria pago da seguinte forma: a) € 12.500.000,00 na data da assinatura do contrato promessa; € 59.000.000,00 na data da outorga da escritura de compra e venda do imóvel e € 10.000.000,00 após o registo do Alvará de Loteamento na Conservatória do Registo Predial, ou 180 dias após a data da outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel

ii. A celebração do contrato definitivo ficou sujeita à verificação de diversas condições ("condições precedentes"), nomeadamente que "as Declarações e Garantias, tal como definidas na Cláusula 7, sejam completas, correctas, verdadeiras, precisas e fiáveis".

iii. Entre outras condições a Impugnante garantiu ao FUNDO ………..II, que na data da celebração do contrato definitivo, não teria "com quaisquer terceiros qualquer contrato promessa de compra e venda do Imóvel, ou de qualquer parte do mesmo".

iv. O contrato definitivo deveria ser outorgado até ao dia 15.02.2008.

v. No caso de o contrato definitivo não ser celebrado até essa data, ou no caso de qualquer das "condições precedentes" não se encontrar verificada até ao dia 31.12.2007 por facto imputável à Impugnante, o FUNDO ……….. II poderia: (a) resolver o contrato, devendo a Impugnante devolver o montante pago a título de sinal e pagar o valor equivalente ao sinal recebido a título de compensação, ou (b) recorrer à execução específica.

vi. No caso de o contrato definitivo não ser outorgado até ao referido dia 15.02.2008 por facto imputável ao FUNDO ………….. II, a Impugnante poderia resolver o contrato e fazer seus os montantes já entregues a título de sinal – cfr. doc. 16 junto com a petição inicial.

MM. Na data da assinatura do contrato identificado em KK), o FUNDO …………… II entregou à Impugnante o valor de € 12.500.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento – cfr. doc. 16 junto com a petição inicial.

NN. No dia 20.03.2007, a Impugnante adquiriu ao FII B…….. o imóvel "Quinta …………", pelo preço total de € 53.736.137,50 - facto não controvertido.

OO. Também em 20.03.2007, a Impugnante e os anteriores promitentes-compradores acordaram os termos da cessação dos contratos promessa de compra e venda assinados em junho e julho de 2005, obrigando-se aquela a (i) proceder à restituição. das quantias entregues pelos anteriores promitentes compradores a título de sinal e princípio de pagamento e (ii) a proceder ao pagamento da(s) contrapartida(s) que aqueles promitentes compradores exigiram - facto não controvertido (cfr. doc. 19 junto com a petição inicial (referência constante do Relatório de Inspecção), resultante ainda depoimento da testemunha ………...

PP. Na sequência dos acordos referidos em OO) a Impugnante restituiu aos promitentes- compradores os montantes que estes lhe haviam entregue a título de sinal e princípio de pagamento e procedeu ao pagamento aos mesmos das seguintes contrapartidas:

IMAGEM

QQ. Por escritura realizada em 20.03.2007 a Impugnante vendeu ao FUNDO ………II o imóvel denominado "Quinta …….." - cfr. doc. 17 junto com a petição inicial.

RR. Na escritura que antecede as partes declararam que a compra e venda era "efectuada nos termos e nas condições estabelecidas na (...) escritura e ainda nos termos das cláusulas constantes do referido contrato promessa de compra e venda (...)", cujos termos reproduziram no documento completar que faz parte integrante da escritura - cfr. doc. 17 junto com a petição inicial.

SS. No documento complementar referido em RR) a Impugnante expressamente declarou que "[a]quando da outorga da presente escritura pública, o Vendedor não tem com quaisquer terceiros, qualquer contrato promessa de compra e venda do Imóvel, ou de qualquer parte do mesmo, nem constituiu qualquer tipo de Encargo sobre o Imóvel, ou sobre parte do mesmo, de que possa resultar qualquer tipo de limitação ou restrição aos direitos de uso, fruição ou disposição do Imóvel ( ... )"- cfr. ponto II. 1, alínea f) do documento complementar que integra o doc. 17 junto com a petição inicial.

TT. Na data da escritura pública referida em QQ), o FUNDO ……… II pagou à Impugnante a quantia de € 59.000.000,00 - cfr. doc. 17 junto com a petição inicial.

UU. No exercício de 2007 a atividade da Impugnante consistiu na aquisição e alienação do imóvel denominado "Quinta …………." - cfr. Relatório de Gestão junto como doc. 17 da petição inicial e depoimento da testemunha ...

VV. No exercício de 2007, a Impugnante contabilizou o valor de € 20.648.926,02 na conta "69581 - Custos e Perdas Extraordinárias - Outras Penalidades - Rescisões Contratuais ( ... ) relativo aos acordos de rescisão celebrados em 20 de Março de 2007 com diversos promitentes compradores dos lotes da Quinta …….. de acordo com os contratos promessa de compra e venda celebrados em Junho de 2005 ( ... )" - facto não controvertido (cfr. o RIT junto como doc. 19 com a petição inicial).

WW. Em 31.12.2007 a A……… LIMITED emitiu uma fatura à Impugnante no valor total de E 3.414.999,00 que foi registada na contabilidade da Impugnante na conta "622369 - Fornecimentos e Serviços Externos - Trabalhos Especializados - Outras" - facto não controvertido (cfr. o RIT junto como doc. 19 com a petição inicial).

XX. A fatura identificada em WW) refere-se a custos suportados pela A’………. LIMITED, relacionados com o projeto "Quinta ………", referentes, designadamente, a serviços de aconselhamento jurídico e assessoria fiscal prestados por terceiros entre abril de 2005 e dezembro de 2007 - depoimento da testemunha ………. e cfr. doc. 31 junto com a petição inicial.

YY. Da quantia identificada em WW) € 1.633.500,00 correspondem a serviços faturados pela sociedade irlandesa "E……… Limited" - facto não controvertido (cfr. o RIT junto como doc. 19 com a petição inicial).

ZZ. Em 31.05.2011 …………, da sociedade "……… …….", dirigiu a ………., via mail, a informação de ter recebido da A’……… LIMITED a quantia de € 559.776,13, "pelos serviços prestados em relação a propriedades portuguesas - cfr. doc. 30 junto com a petição inicial.

AAA. A A’…………. LIMITED celebrou com o seu administrador, ……….., um acordo designado de "Contrato de Serviços de Gestão", conforme doc. 27 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido, de acordo com o qual para além dos serviços de gestão da propriedade "Quinta …….", aquele utilizava instalações próprias para o funcionamento da sociedade-mãe - cfr. doc. 27 junto com a petição inicial e depoimento da testemunha ………..

BBB. Em 17.09.2005 o Conselho de Administração da A’………. LIMITED deliberou, em relação ao acordo que antecede, aceitar a cedência da posição contratual ………….. para a sociedade E………. LTD - cfr. doc. 28 junto com a petição inicial e depoimento da testemunha …………..

CCC. Em 02.06.2008, a Impugnante apresentou a declaração Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2007, tendo declarado um resultado líquido do exercício e um lucro tributável no montante de € 358.086,04 - facto não controvertido (cfr. o RIT junto como doc. 19 com a petição inicial).

DDD. Em 08.05.2012 foi a presente Impugnação remetida a este TAF via sitaf – cfr. fls. 3 dos autos.

Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa. (…)».


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2.2.- Motivação de Direito


No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se é admissível o pedido de uniformização de jurisprudência pretendido, uma vez que a decisão arbitral recorrida, perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, decidiu em sentido oposto ao do acórdão fundamento, ao concluir que a liquidação de juros compensatórios enferma de vício formal de falta de fundamentação, considerando que a AT não demonstrou a culpa da ora Recorrida no atraso da liquidação, padecendo, desta forma, de erro de julgamento, enquanto no acórdão fundamento se decidiu que “Não padece de falta de fundamentação a liquidação dos juros compensatórios que não contenha a indicação dos factos que integram o comportamento ilícito e culposo do contribuinte, se esses factos se encontram descritos no próprio relatório de inspeção tributária que contenha a fundamentação da liquidação do imposto correspondente.”
Vejamos.


2.2.1. Da admissibilidade do recurso de uniformização

O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi artigo 25.º, nºs. 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, do acórdão arbitral proferido decisão arbitral proferida no processo n.º 126/2020-T, de 09/02/2021, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), e com o fundamento de aquele acórdão se encontrar em oposição com a doutrina do acórdão da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo com o nº 0306/12.6BELLE 01136/16, de 21/11/2019, na apreciação que foi feita da questão à fundamentação da liquidação de juros compensatórios.
Neste Supremo Tribunal o Ministério Público sustenta, pelas razões constantes do seu douto Parecer supra transcrito e que infra se destacarão, a inverificação dos requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 152º do CPTA.
Importa, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1).
Consoante o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º).
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, pags. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.° 3 do artigo 152.° que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e tal como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsi.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv) ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.

2.2.2.- Da análise do caso concreto:

No caso sub judicibus, seguindo a resenha delineada pelo EPGA no seu douto Parecer e concordando inteiramente com a solução ali propugnada, é por demais manifesto, que as situações fáctico-jurídicas são dissemelhantes em ambas as decisões.
Assim, sendo a questão objecto de apreciação a de aferir da falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, desponta da decisão arbitral recorrida, que na situação examinada estava em causa a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, do ano de 2014, e que teve a sua génese numa acção inspectiva e consequente relatório de inspecção tributária.
Patenteia o probatório dessa decisão, supra transcrito, que o relatório inspectivo (RI) não comportava a fundamentação de facto e de direito da liquidação dos juros compensatórios, apenas se referindo ali que são devidos juros compensatórios desde a data em que deveria ter tido lugar a retenção na fonte, sendo “o valor apurado em observância com o estabelecido no nº 1 da al. a) do nº 3 do art.º 102º, do CIRC, conjugado com os nºs 1, 3 e 10 do art.º 35º, da Lei Geral Tributária (LGT) ”.
Vale isto por dizer que a entidade decidente se limitou a demonstrar a legalidade do acto de liquidação, daí extrapolando os fundamentos para a liquidação de juros compensatórios, sem externar as razões de facto e de direito que justificavam que estes últimos fossem devidos.
Donde que seja manifesto que o RI não inclui quaisquer factos que fundamentem a actuação culposa do contribuinte não permitindo afirmar a existência de um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação, escusando-se a AT de apreciar nem demonstrar o dolo ou a negligência na actuação imputada àquele.
Como flui do acima relatado, no acórdão fundamento o STA foi examinada uma situação atinente a um acto de liquidação adicional de IRC de 2007 de IRC e respectivos juros compensatórios, que também foram originados numa acção inspectiva mas em cujo RI foi vazada a fundamentação dos juros compensatórios, contendo, mesmo na parte não anulada, a descrição dos factos imputados ao sujeito passivo e que sustentaram as correcções e que conduziram ao retardamento da liquidação, bem como a sua qualificação como um comportamento ilícito, não faltando sequer a referência ao seu enquadramento legal como um ilícito contra-ordenacional.
Por assim ser, o STA veio a considerar que não padece de falta de fundamentação a liquidação dos juros compensatórios que não contenha a indicação dos factos que integram o comportamento ilícito e culposo do contribuinte, dado que esses factos se encontram descritos no próprio relatório de inspecção tributária que inclua a fundamentação da liquidação do imposto correspondente.
À guisa de conclusão:
-É imperiosa a conclusão de que não é configurável uma real oposição, quanto à questão fundamental de direito, entre a decisão sindicada e o aresto ajuizado como fundamento, tendo sido o enquadramento factual do caso em análise distinto do controvertido no acórdão fundamento, que determinou o sentido decisório da decisão arbitral recorrida quanto à questão da invocada falta de fundamentação do acto de liquidação dos juros compensatórios.
- As situações de facto na decisão arbitral recorrida e no acórdão fundamento não são idênticas disso decorrendo que não se perfilharam nos acórdãos em causa soluções opostas, pois tanto as situações de facto, como a matéria de direito são diferentes.
Não se verificam, pois, os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto nos arts. 25º, nº 2 do RJAT e no 152º do CPTA, nomeadamente a existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e a decisão fundamento, pelo que este tribunal não deve conhecer do mesmo.

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3.- Decisão

Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela recorrente com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida nesta instância.

Comunique-se ao CAAD.

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Lisboa, 20 de Outubro de 2021

José Gomes Correia (Relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.