Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01226/17
Data do Acordão:11/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
INCOMPETÊNCIA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:Não é de admitir recurso de revista quando a única questão suscitada é a da competência material dos tribunais administrativos de decisão do TCA Norte se estiver em causa apenas essa questão e o entendimento acolhido não evidenciar erro manifesto a exigir só por si a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P22562
Nº do Documento:SA12017111601226
Data de Entrada:11/07/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. RELATÓRIO

A……………….., intentou no TAC de Lisboa, contra o Estado Português, acção administrativa comum pedindo a condenação deste no pagamento de uma indemnização de € 31.000,00, a título responsabilidade civil extracontratual.

Aquele Tribunal, julgou procedente a excepção dilatória da incompetência material e, em consequência, absolveu o R. Estado da instância
O Autor, recorreu para o TCA Sul e este negou provimento ao recurso.
Interpôs, então, esta revista ao abrigo do artigo 150.º do CPTA,

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Autor pretende a condenação do R a pagar-lhe uma indemnização no valor 31.000 euros fundada nos danos decorrentes da não atribuição de apoio judiciário que havia requerido no processo crime que correu termos na comarca de V. R. Santo António, decisão confirmada pelo TR Évora.
O R suscitou a excepção da incompetência em razão da matéria, pois os prejuízos que o Autor pretendia fazer valer decorreram de decisões judiciais proferidas pelos tribunais comuns sendo, por isso, competentes os tribunais da jurisdição comum.

O TAC decidiu:
Ora não subsistem dúvidas de que os prejuízos invocados pelo A. na p. i., decorrem dos: i) acórdão do TR Évora, datado de 28.1.2000 que confirmou a decisão judicial datada de 14.4.1999, pela qual fora indeferido o pedido de apoio judiciário que formulara em 1.2.99 …. ii) despacho judicial junto a fl.s 73 dos autos que considerou ineficaz a decisão de deferimento de apoio judiciário proferida em 22.10.2001 pelos serviços da Segurança Social "sob pena de violação do caso julgado que se formou com o trânsito em julgado do acórdão do TR Évora" antes referido ….. iii) despacho judicial junto a fl.s 78 dos autos, proferido em 8.11.2002, pelo qual o A. foi condenado ao pagamento de 4 UCs por se ter considerado que o seu requerimento de 21.2.2000 "consubstancia um uso anormal do processo", sendo manifesto que se tratam de decisões judiciais praticadas no âmbito de um processo de inquérito.
Importa, assim, atentar no teor do artigo 4° do actual ETAF, na redacção dada pela Lei 13/2002, que sob a epígrafe "âmbito da jurisdição", estabelece:
"1- Compete aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:
g) questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa".
Todavia decorre da al. b) do n.º 2 do mesmo art.º 4° que se excluem do âmbito da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de: “decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal" bem como "actos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da acção penal e à execução das respectivas decisões" 4. º, n.º 2, alínea c).
É, directamente aplicável ao caso em apreço, dispõe o mesmo art.º 4.º, nº 3, al. a), que fica igualmente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: "a apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como das correspondentes acções de regresso.”
Em suma, cabe, assim, à jurisdição comum, o conhecimento de acções em que, como ocorre no caso em apreço, se pretende efectivar a responsabilidade civil emergente de decisões judiciais proferidas pelos tribunais que integram tal ordem de jurisdição.
Nestes termos, de acordo com o disposto no art.º 101°, 105°, nº 1, 288°, nº 1, al.ª a), 493°, nº 2 e 494°, al. a) todos do CPC, aplicáveis por força do art.º 1° do CPTA, julgo procedente a excepção dilatória da incompetência material e, em consequência, absolvo o R. Estado da instância.”

O Autor apelou para o TCA Sul e este negou provimento ao recurso pela seguinte ordem de razões:
“…Da mera leitura do discurso jurídico da decisão recorrida resulta de modo inequívoco que o A. fundamenta a presente acção em actos jurisdicionais praticados em acção crime que, o nº 10/93.2PGLSB, correu os seus termos na comarca de Vila Real de Santo António, o qual não/integra a jurisdição administrativa, mas sim a jurisdição dos Tribunais Comuns (cfr. Art.º 211 /CRP), isto é, pertence a outra ordem de jurisdição.
Importa, então, indagar se o objecto da acção respeita, ou não, a matéria de" erro judiciário", isto é, a factos relativos a actos jurisdicionais ilegais ou injustificados, ou derivados de erro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
É de concluir que sim.
Na verdade, a alegação de facto do A. corresponde a imputação de factos jurisdicionais, traduzida na comissão de actos e de factos alegados, bem como na errónea interpretação dos mesmos e aplicação da lei.
….
A nosso ver, é inequívoco que o recorrente invoca como núcleo essencial da sua pretensão o erro judiciário, estribado na prática de actos jurisdicionais cometidos no processo da acção crime já identificada, que correu os seus termos na Comarca de Vilas Real de Santo António.
Reportando-se ao erro judiciário, o que decorre da p.i. é que o A. e ora recorrente alega que o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente injustificadas por erro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto, o que contribuiu decisivamente para os danos morais e patrimoniais que invoca.
Não há, pois, dúvida de que o A. estrutura a sua petição em factos subsumíveis ao erro judiciário, sendo certo que, como sustenta a sentença recorrida, invocando os artigos 212º, nº3 da C.R.P. e 4º nº3, al.ª a) do E.T.A.F., estão excluídas do âmbito da jurisdição administrativa a apreciação das acções de responsabilidade civil por erro judiciário cometido por outros tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como das correspondentes acções de regresso.

Não está em causa a máquina da administração da justiça, mas, directamente, a comissão errada de actos por um juiz de tribunal judicial na prolação atempada de uma sentença.
Por isso, e bem, o Tribunal da 1.ª instância referiu que a causa de pedir relevava da função de julgar, isto é, do exercício da função jurisdicional.
Mas, sendo assim, e tal como opina o EMMP do Ministério Público na sua alegação, só pode ter razão aquele Tribunal quando se decide pela competência dos tribunais comuns.
Numa acção de condenação em indemnização, tem de haver um quid que faça subtrair a causa dos tribunais judiciais, pois são estes que detêm a competência sempre que não esteja atribuída a outra ordem de tribunais (artigo 211.º, n.º 1, da Constituição da República, artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ), e artigo 66.º do CPC).
À base do ETAF de 2002, aqui aplicável, a competência para a apreciação do caso dos autos não estava cometida aos tribunais administrativos, e tinha de o estar expressamente para que escapasse à competência regra e residual dos tribunais judiciais, sendo, como assertivamente se refere na decisão, directamente aplicável ao caso em apreço, dispõe o mesmo art.º 4.º, nº 3, al. a), que fica igualmente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: "a apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como das correspondentes acções de regresso.”

3. É esta decisão que o Autor quer ver reapreciada neste Supremo sustentando não só que, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, al. g) do ETAF, os tribunais administrativos são competentes para apreciar a responsabilidade extracontratual derivada da função jurisdicional, face ao disposto na al.ª a), do n.º 4, do mesmo artigo como foram praticados actos administrativos em processos judiciais, quer pelo juiz quer pela secretaria, que o lesaram, originando danos que pretende ver indemnizados.

4. Como se vê a questão que ora está em causa é a da identificação do Tribunal competente para julgar a presente acção de responsabilidade civil extra contratual.
Todavia, como recentemente esta Formação decidiu, esta questão, por si só, não justifica a admissibilidade da revista.
Primeiro, porque as demais questões suscitadas no recurso extravasam o âmbito da revista e, portanto, a questão da competência era a única que poderia ser reapreciada. Segundo, porque a decisão do STA poderia nem sequer ser a última palavra, uma vez que caso decidisse pela incompetência da jurisdição administrativa não evitava um possível conflito de competência com a jurisdição comum.” – Acórdão de 9/02/2017, rec. 94/17.
Acresce que a decisão, convergente, das instâncias que declararam a jurisdição comum como a competente para conhecer do conflito desenhado nos autos está fundamentada num discurso coerente e plausível.
Face ao exposto não se admite a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 16 de Novembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.