Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0422/11
Data do Acordão:07/06/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:AVALIAÇÃO
MATÉRIA COLECTÁVEL
RECURSO JUDICIAL
ACTO DESTACÁVEL
CASO RESOLVIDO
CASO DECIDIDO
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
Sumário:I - Da decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto, atinente a “manifestações de fortuna”, cabe recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias – nos termos das disposições combinadas do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, e do n.º 2 do artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
II - A decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.
III - Deste modo, não é inconstitucional a interpretação segundo a qual a impugnação judicial de liquidação adicional de IRS não pode ter por fundamento a decisão de avaliação da matéria tributável por “sinais exteriores de riqueza”, pois que a lei prevê a impugnabilidade directa e autónoma desta decisão através do recurso referido no nº 1 supra.
IV - Não tendo os recorrentes feito uso do recurso referido em 1 supra, mas de impugnação judicial em que pedem a anulação da liquidação, este meio é adequado à anulação, mas o pedido deve improceder porque estando consolidada a matéria tributável, esta já não pode ser posta em causa na impugnação.
Nº Convencional:JSTA00067081
Nº do Documento:SA2201107060422
Data de Entrada:04/28/2011
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF MIRANDELA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART89-A N6 N7 N8 ART91 N1.
CPPTRIB99 ART54 ART99 ART146-B.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC188/09 DE 2009/09/09.; AC STA PROC344/09 DE 2009/09/09.
Referência a Doutrina:ALBERTO XAVIER CONCEITO E NATUREZA DO ACTO TRIBUTÁRIO PAG140 PAG243.
BRAZ CARLOS OS ACTOS PREPARATÓRIOS DE FIXAÇÃO DO RENDIMENTO COLECTÁVEL SUA IMPUGNAÇÃO CONTENCIOSA IN REVISTA FISCO N12/13 PAG20.
MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI PAG244.
FREITAS DO AMARAL CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI PAG644.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A… e mulher B…, melhor identificados nos autos, vêm recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou procedente a verificação do erro na forma de processo insusceptível de convolação e absolveu a Fazenda Pública da instância, no processo de impugnação judicial por eles deduzido, contra as liquidações adicionais de IRS do ano de 2004 no valor de 32.422,24 €, apresentando, para o efeito, alegações nas quais concluem:
Iª)- Os aqui recorrentes interpuseram impugnação judicial da liquidação de IRS, que lhes adveio por virtude da fixação de matéria colectável ao abrigo do sistema presuntivo das manifestações de fortuna, invocando a inconstitucionalidade do nº 4 do artigo 89º-A da LGT, cuja interpretação demasiado cingida à letra conduz a situação de inaceitável iniquidade, como é o caso sub judice.
IIª) - Isto porque, admitir o afastamento da tributação pelo rendimento presumido apenas nos casos em que o sujeito passivo demonstre a totalidade da fonte da sua fortuna é transformar a presunção de rendimento padrão, que até aqui podia ser ilidida, numa autêntica presunção absoluta.
IIIª) - O que constitui afronta ao princípio constitucional da capacidade contributiva, uma vez que nada valerá ao SP demonstrar o que quer seja, ainda que lhe falte um único Euro para justificar uma aquisição.
IVª) - Tal entendimento ofende os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva contidos nos artigos 13º, nº 1, 103º nº 1 e 104º, nº 1 da Constituição, bem como o princípio da proporcionalidade que dimana do artigo 18º, nº 2 da mesma Lei Fundamental.
Vª) - Além de significar um autêntico confisco, como se a avaliação indirecta de rendimento tributável tivesse o fim último de reprimir e não quantificar, este sim, o que se pretende com tal mecanismo.
VIª) – O único reparo que os recorrentes esgrimem contra a fixação de matéria colectável e consequente liquidação de imposto em causa nos autos, é exclusiva e especificamente a invocada inconstitucionalidade daquele normativo, o nº 4 do artigo 89º-A da LGT, ao abrigo do qual se praticou o acto manifestamente lesivo.
VIIª) - A questão da conformidade constitucional de uma determinada norma, interpretada em certo sentido e que serve de instrumento à prática de um acto lesivo de direitos, deve ser suscitada na primeira instância judicial a que se acede e para que esta se possa pronunciar sobre a questão, como resulta da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do TC (Lei nº 28/82 de 15 de Novembro).
VIIIª) - Nos termos do nº 2 do artigo 72° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional — Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, os recursos só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar, obrigado a dela conhecer.
IXª) - Todo o recurso que se interponha para o referido TC, aliás, está sujeito ao patrocínio judiciário obrigatório, requisito que não é exigido pelo nº 3 do artigo 146°-B do CPPT, que por seu turno, nem sequer impõe qualquer formalismo especial ao recorrente.
Xª) - Não se vê portanto como é que no recurso a que alude o artigo 146º-B do CPPT para o qual remete o nº 8 do artigo 89°-A da LGT, um SP possa suscitar de modo processualmente adequado a inconstitucionalidade dos nºs 3 e 4 deste normativo, quando aquele sequer lhe exige o patrocínio judiciário.
XIª) - Deste modo é forçoso concluir que o recurso previsto no artigo 146°-B do CPPT não pode ser o meio processual idóneo e adequado a suscitar questões de inconstitucionalidade de normas, designadamente quando são essas as únicas a merecer reparo nos actos ao abrigo das quais foram dimanados, como sucede nos presentes autos.
XIIª) - Ao julgar que existe erro na forma de processo, considerando processualmente precludido o direito de invocar a referida inconstitucionalidade, e consequentemente absolver a Fazenda Publica da instância, o Tribunal a quo denega aos impugnantes o direito à tutela jurisdicional efectiva a que aludem os artigos 268° nº 4 e 20º nº 1 da CRP.
XIIIª) - A impugnação da liquidação de imposto é o único meio processual idóneo e adequado a invocar a constitucionalidade de normas, uma vez que o recurso a que alude o artigo 146º-B do CPPT dispensa o recorrente de obedecer a formalidades especiais e mais grave, dispensa-o de patrocínio judiciário.
XIVª)- O que, por si só, traduz uma tal simplificação processual que se revela manifestamente incompatível com a arguição de inconstitucionalidade de normas, algo muito dificilmente acessível a um cidadão de inteligência mediana e nenhuma ciência.
XVª)- Portanto, o artigo 146°-B do CPPT a ser interpretado no sentido propugnado na Douta Sentença, padece de inconstitucionalidade, pois afronta os artigos 268°, nº 4 e 20º, nº1, ambos da CRP, o que deverá ser declarado.
XVIª) - Consequentemente, ao denegar aos impugnantes o direito à tutela jurisdicional efectiva, a douta sentença em apreço, afronta igualmente os artigos 268º, nº4 e 20º, nº 1 ambos da CRP.
XVIIª)- Devendo ser substituída por outra que aprecie o mérito da causa - a inconstitucionalidade do nº 4 do artigo 89º-A da LGT – nos precisos termos em que esta é invocada na Petição inicial, consequentemente anulando todo o procedimento de liquidação de imposto (em sentido amplo),
Que é o que mais se peticiona por esta via, assim se fazendo a tão costumada Justiça.
II – Não foram apresentadas contra alegações.
III - O MP emitiu parecer que consta a fls. 139/140 no qual defende que, “A decisão de absolvição da Fazenda Pública da instância deve ser revogada e substituída por decisão de improcedência da impugnação judicial.”
IV. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
1ª). Em 20/2/2008 os impugnantes foram notificados da fixação do rendimento colectável referente a IRS do ano de 2004, por métodos indirectos, ao abrigo do disposto no artº 89º A da LGT, tendo também tomado conhecimento de que “De harmonia com o disposto nos artigos 89º -A, nº 6 e 146º-B do CPPT, da (s) mesma (s) decisão (decisões) cabe recurso para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a apresentar no prazo de dez dias a contar da data em que foi notificado da decisão (…)”- Fls. 18 e 81 a 83;
2. Os aqui impugnantes, previamente a esta acção, não “recorreram” para o TAF de Mirandela de harmonia com o disposto nos artigos 89º-A, nº 6 e 146º B do CPPT.
3. A impugnação deu entrada em 23/6/2008 – Fls. 62.
VI. A única questão objecto do presente recurso consiste em saber se, tendo a administração tributária procedido à correcção da matéria tributável de IRS, correcções essas que resultaram de inspecção tributária em que se recorreu à avaliação indirecta, ao abrigo do disposto no artº 89º-A, da LGT, com fundamento em “manifestações de fortuna”, a forma processual para reagir contra o acto de liquidação é a impugnação judicial ou o recurso para o tribunal tributário de 1ª instância.
VI.1. Referem os recorrentes nas suas alegações que o único reparo que esgrimem contra a fixação de matéria colectável e consequente liquidação de imposto em causa nos autos, é exclusiva e especificamente a inconstitucionalidade daquele normativo, o nº 4 do artigo 89º-A da LGT.
Ora, nos termos do nº 2 do artigo 72° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional — Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, os recursos só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar, obrigado a dela conhecer.
Todo o recurso que se interponha para o referido TC, aliás, está sujeito ao patrocínio judiciário obrigatório, requisito que não é exigido pelo nº 3 do artigo 146°-B do CPPT, que por seu turno, nem sequer impõe qualquer formalismo especial ao recorrente.
Não se vê como é que no recurso a que alude o artigo 146º-B do CPPT para o qual remete o nº 8 do artigo 89°-A da LGT, um SP possa suscitar de modo processualmente adequado a inconstitucionalidade dos nºs 3 e 4 deste normativo, quando aquele sequer lhe exige o patrocínio judiciário.
Deste modo é forçoso concluir que o recurso previsto no artigo 146°-B do CPPT não pode ser o meio processual idóneo e adequado a suscitar questões de inconstitucionalidade de normas, sendo a impugnação da liquidação de imposto é o único meio processual idóneo e adequado a invocar essa constitucionalidade, uma vez que o recurso a que alude o artigo 146º-B do CPPT dispensa o recorrente de obedecer a formalidades especiais e mais grave, dispensa-o de patrocínio judiciário.
O que, por si só, traduz uma tal simplificação processual que se revela manifestamente incompatível com a arguição de inconstitucionalidade de normas, algo muito dificilmente acessível a um cidadão de inteligência mediana e nenhuma ciência.
Portanto, o artigo 146°-B do CPPT a ser interpretado no sentido propugnado na Douta Sentença, padece de inconstitucionalidade, pois, ao denegar aos impugnantes o direito à tutela jurisdicional efectiva, a douta sentença em apreço, afronta os artigos 268º, nº 4 e 20º, nº 1 ambos da CRP.
VI.2. Por sua vez, a decisão recorrida entendeu que, apesar de os recorrentes referirem que o único reparo que dirigem ao acto de fixação do rendimento tributável é a inconstitucionalidade dos nºs 3 e 4 do artº 89º da LGT, essa questão não pode ser separada da decisão impugnada, da qual os recorrentes tinham prazo de 10 dias para recorrer.
Ora, sendo o meio previsto nos artºs 89º-A, nº 8 da LGT e 146º-B do CPPT o meio idóneo para atacar aquela decisão, não podiam os recorrentes atacar especificamente a inconstitucionalidade de normas, ocorrendo, por isso, erro na forma do processo.
VI.3. Também o MºPº, no seu parecer de fls. 139/140, refere que a questão da inconstitucionalidade deveria ter sido suscitada no recurso interposto ao abrigo do artº 89º-A da LGT, o qual não impede a discussão de qualquer questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada pela decisão de avaliação indirecta da matéria colectável.
Vejamos então.
VI.4. A questão objecto do presente recurso foi já tratada no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 24.09.2008, proferido no Processo nº 0342/08, que aqui seguiremos de perto.
Conforme resulta dos autos, os recorrentes foram notificados da fixação do rendimento colectável, referente ao IRS do ano de 2004, por métodos indirectos, ao abrigo do artº 89º-A da LGT.
Por regra, o acto de determinação da matéria colectável não é susceptível de impugnação judicial autónoma, só podendo esse acto ser atacado na impugnação que venha a ser proposta do sequente acto de liquidação, processo onde poderá ser invocada qualquer ilegalidade ocorrida na fase de determinação da matéria colectável.
Hoje, o princípio da impugnação unitária encontra-se formulado no artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que dispõe o seguinte: “Salvo quando forem imediatamente lesivos do direito do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os acto interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.
Não obstante o seu carácter preparatório, permite-se, no entanto, que certos actos de determinação da matéria colectável possam ser autonomamente impugnáveis, sempre que entre eles e o acto final haja uma relação de evidente prejudicialidade. É na inevitável relação de prejudicialidade entre o acto preparatório (acto prejudicial) e o acto de liquidação (acto prejudicado) que reside a explicação para que tal acto, embora preparatório, se autonomize e destaque (acto destacável) e seja, por si só, e autonomamente impugnável – cf., por todos, Alberto Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 140 a 191; e Américo Braz Carlos, Os Actos Preparatórios de Fixação do Rendimento Colectável, sua Impugnabilidade Contenciosa, na Revista Fisco n.ºs 12/13, p. 20.
Diz Alberto Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 243 e ss., que a lei fixou entre os dois actos um regime de prejudicialidade, cujas notas essenciais são as seguintes: sendo o acto autonomamente impugnável, quer o contribuinte, quer a Fazenda Pública têm legitimidade para interpor recurso do acto de determinação da matéria colectável; em relação à determinação da matéria colectável ocorre preclusão processual, uma vez que tal matéria não pode voltar a ser apreciada no procedimento administrativo de liquidação; e, se o acto não for oportunamente impugnado, o valor tributável torna-se definitivo, com força de caso decidido ou caso resolvido.
O princípio da inimpugnabilidade dos actos preparatórios cede perante o seu especial recorte – como diz Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, p. 244 e ss.; cf. também Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, p. 644 e ss..
Nos termos do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, sobre “Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados”, «Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes».
E o n.º 8 do mesmo artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária acrescenta que «Ao recurso referido no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, a tramitação prevista no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário». [Aliás, o n.º 5 deste artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário diz, ele próprio também, que «As regras dos números precedentes aplicam-se, com as necessárias adaptações, ao recurso previsto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária»].
Sob a epígrafe “Tramitação do recurso interposto pelo contribuinte”, o apontado artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário preceitua que «O contribuinte (…) deve justificar sumariamente as razões da sua discordância em requerimento apresentado no tribunal tributário de 1.ª instância da área do seu domicílio fiscal» [n.º 1]; que «A petição referida no número anterior deve ser apresentada no prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificado da decisão (…)» [n.º 2]; e que «A petição referida no número anterior não obedece a formalidade especial, não tem de ser subscrita por advogado e deve ser acompanhada dos respectivos elementos de prova, que devem revestir natureza exclusivamente documental» [n.º 3].
Portanto – não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes à decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, por “Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados”, constante do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, de acordo com o n.º 7 do mesmo artigo 89.º-A –, o sujeito passivo, em tal situação, não tem a faculdade de «solicitar a revisão da matéria tributável fixada», nos termos do n.º 1 do dito artigo 91.º da Lei Geral Tributária. Mas, em contrapartida, o contribuinte goza da faculdade de «recurso para o tribunal tributário», para impugnação da «decisão de avaliação da matéria colectável», por meio de «petição (…) apresentada no prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificado da decisão (…)».
Assim, a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária constitui acto que, embora preparatório da liquidação (em sentido estrito), assume a natureza de acto prejudicial ou acto destacável pois que, desde logo, define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações inter-subjectivas e condicionando irremediavelmente a decisão final. Como assim, é tal decisão de avaliação da matéria colectável, desde logo, susceptível de «recurso para o tribunal tributário», constituindo-se sobre a questão, e na falta desse «recurso», caso decidido ou caso resolvido, de efeitos similares aos do caso julgado judiciário, consolidando-se a decisão na ordem jurídica, pese embora as ilegalidades de que porventura enfermasse, determinantes da sua anulabilidade (actos meramente anuláveis) – conforme, aliás, é o entendimento da jurisprudência reiterada e pacífica do Supremo Tribunal Administrativo.
É certo que a liquidação pode depois ser impugnada com fundamento em «qualquer ilegalidade». Acontece, porém, que a questão (prejudicial) do valor da matéria colectável tem autonomia na presente situação. Com efeito, e como decorre do regime legal e da doutrina acima apontados, a decisão de avaliação da matéria colectável, porque se trata de um acto destacável, volve-se em caso decidido ou caso resolvido, se não for atacada por meio de «recurso para o tribunal tributário», como no caso não foi.
VI.4. O entendimento exposto foi também seguido nos Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 09.09.2009, proferido no Processo nº 0188/09 e de 09.09.2009, proferido no Processo nº 0334/09, não existindo motivação legal ou doutrinária que, por ora, justifique outra posição jurídica.
Ora, tal como resulta do nº 1 do probatório, os recorrentes foram notificados de que poderiam, de harmonia com o disposto nos artºs 89º-A, nº 6 e 146º-B do CPPT, recorrer da decisão de fixação da matéria colectável para o TAF de Mirandela no prazo de 10 dias da data da notificação.
Não tendo recorrido, esta decisão consolidou-se não podendo, por isso, ser posta em causa na impugnação posterior da liquidação.
VII. Conforme referido acima, a decisão recorrida absolveu a Fazenda Pública da instância por entender que existia erro na forma do processo e porque não era possível efectuar a respectiva convolação.
O MºPº, por sua vez, entende que os recorrentes usaram do meio processual próprio, só que o fundamento invocado não era adequado ao pedido de anulação da liquidação.
VII.1. Na sua petição inicial os recorrentes escreveram que vinham “deduzir impugnação judicial contra o acto de liquidação de IRS praticado pelo Ex.mo Senhor Director-Geral dos Impostos que, referente ao ano de 2004, identificado pelo nº 20085000032465 e pelo valor de 32.422,22 euros…”
No artº 24º da mesma petição, escreveram ainda os recorrentes: “… não podem os AA conformar-se com a liquidação de IRS do ano de 2004, porquanto emergente de errónea quantificação dos rendimentos que lhes foram fixados por recurso a métodos indirectos (artº 99º, alínea c) do CPPT) ainda mais porque a própria norma jurídica ao abrigo da qual se presumiu o rendimento – artº 89º-A da LGT – padece de inconstitucionalidade”.
E, finalmente, no artº 40º vieram requerer a anulação da liquidação do IRS emergente da fixação da matéria tributável por métodos indirectos.
VII.2. Determina o artº 99º do CPPT que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade. Ora, os recorrentes vieram formular o pedido de anulação da liquidação com fundamento em ilegalidade – erro no apuramento da matéria tributável, em seu entender apurada com base em norma inconstitucional.
Assim sendo, não ocorre o erro na forma do processo.
Porém, estando o juiz impedido de apreciar o mérito da impugnação, a decisão não poderá deixar de ser a absolvição da instância.
VIII. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mas com base na fundamentação acima referida, confirmando-se, contudo, a decisão de absolvição da instância da Fazenda Pública.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 6 de Julho de 2011. – Valente Torrão (relator) – Dulce Neto – Casimiro Gonçalves.