Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01122/09
Data do Acordão:02/10/2010
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO
FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO
Sumário:I - A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
II - Está suficientemente fundamentado o acto administrativo que, complementado com parecer para que remete, permite atingir esse objectivo.
Nº Convencional:JSTA00066268
Nº do Documento:SA12010021001122
Data de Entrada:11/09/2009
Recorrente:MUNICÍPIO DE GONDOMAR
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
DIR PROC ADM GRAC - PRINCÍPIOS GERAIS.
Legislação Nacional:CPA91 ART124 N1 C ART125.
CONST97 ART268 N3.
DL 448/91 DE 1991/11/29 ART14 N1 ART22 N2 ART67 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC30682 DE 1993/02/25 IN AP-DR DE 1996/08/14 PAG1168.; AC STA PROC28872 DE 1995/05/04 IN BMJ N447 PAG217.; AC STA PROC36098 DE 1995/06/29 IN AP-DR DE 1998/01/20 PAG5782.; AC STA PROC40618 DE 1998/11/04.; AC STA PROC32796 DE 1999/03/10.; AC STA PROC42142 DE 1999/06/06.; AC STA PROC44018 DE 2000/02/09.; AC STA PROC48366 DE 2002/12/18.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, S.A., interpôs no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto recurso contencioso do despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Gondomar de 18-6-2002, que procedeu à ratificação-sanação de um despacho anterior (de 4-1-2002) de indeferimento de pedido de licenciamento de obras de urbanização e declarou a caducidade e revogou o deferimento tácito de pedido de licenciamento de operação de loteamento, declarando-o nulo.
Aquele Tribunal concedeu provimento ao recurso contencioso, anulando o acto recorrido por falta de fundamentação.
Inconformada, a Autoridade Recorrida interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1 – Em 4 de Janeiro de 2002 o recorrente praticou um acto no processo administrativo em análise através do qual “indeferiu o pedido de licenciamento de obras de urbanização ao abrigo do disposto na parte inicial da alínea a) do nº 2 do art. 220 do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro e atenta a decisão de indeferimento proferida pela Direcção Geral de Turismo, no âmbito do pedido de informação prévia, que é vinculativa para a Câmara Municipal, nos termos do art. 16º, nº 3 do Decreto-Lei 167/97, de 04 de Julho por remissão do disposto no artigo 12º, nº 5, do mesmo diploma, bem como por dúvidas de natureza técnica que a operação de loteamento levantar, não se mostrando, assim, a operação de loteamento aprovada por esta Câmara Municipal.”
2 – A aqui recorrida interpôs recurso contencioso de tal acto (Procº 282/02, 5º Juízo, T.A.C. - Porto) e no sentido de expurgar alguns vícios desse acto, a recorrente praticou um novo acto administrativo de ratificação-sanação do anterior, com efeitos retroactivos, acto esse ora recorrido.
3 – Consta do despacho que o mesmo se baseou no parecer jurídico datado de 14 de Junho de 2002 junto a fls. 1391 a 1376 do p.a.
4 – Apesar da sentença recorrida referir que “fundamentação consiste ... em deduzir de forma expressa a decisão administrativa com as premissas fácticas e jurídicas em que assente, sendo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que praticado”,
5 – Não teve em linha de conta as circunstâncias concretas em que foi praticado, nomeadamente de que é um acto de ratificação-sanação,
6 – Nem o estabelecido no artigo 125º CPA, em virtude de não ter apreciado o parecer datado de 12.06.2002, para o qual o acto impugnado expressamente remete -“ nos termos do disposto no artigo 137º do CPA e com base no parecer jurídico de 14 de Junho de 2002...”.
7 – No parecer consta a exposição dos fundamentos de factos e de direito da decisão.
8 – Assim sendo o acto está devidamente fundamentado, sendo a mesma completa, congruente e satisfatória.
9 – O despacho recorrido pretendeu clarificar todo o processo, tomando uma decisão clara e precisa e definindo a situação jurídica do particular, ou seja, explicando-lhe que no presente caso não é possível aprovar o loteamento em causa, nem o subsequente licenciamento obras de urbanização, porquanto o processo padece de várias ilegalidades, tão graves, que geram a anulabilidade de todos os actos tácitos eventualmente existentes (pedido datado de 10.04.2000 e do pedido datado de 28.11.2000) que ainda estavam em prazo de revogação, bem a nulidade dos demais actos.
10 – Por tudo o exposto a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 124º e 125º CPA
NESTES TERMOS DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, COMO É DE JUSTIÇA.
A Recorrente Contenciosa contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
1 A fundamentação dos actos administrativos é uma garantia constitucionalmente consagrada e uma obrigação com consagração legal expressa nos arts. 124º e 125º do CPA.
2 O despacho recorrido não contêm qualquer fundamentação, e a sua escassa motivação de facto e de direito é manifestamente insuficiente, obscura e incongruente, conclusão a que se chegou na sentença recorrida e que o próprio recorrente aceita, porquanto defende que a fundamentação do acto sub judice consta de um parecer jurídico externo ao próprio acto.
3 A fundamentação por remissão ou per relationem só é admissível se a cadeia de remissão for clara e facilmente apreensível por um destinatário normal, permitindo um encadeamento sucessivo, lógico e articulado das referências remissivas utilizadas, e quando o acto contenha uma declaração inequívoca e que não deixe dúvidas quanto à identificação dos fundamentos do acto, por apropriação de certo parecer, informação ou proposta.
4 O despacho impugnado não obedece a nenhum destes requisitos, pois tem apenas uma referência genérica para um parecer jurídico constante do processo administrativo.
5 No acto recorrido não está nenhuma declaração inequívoca de apropriação de certos e concretos fundamentos constantes do parecer jurídico de 12.06.2006, e muito menos de fundamentos suficientes e congruentes, devidamente identificados, explanados de forma lógica e coerente no aludido parecer.
6 O próprio parecer de 12.06.2002 não obedece aos requisitos legais de fundamentação constantes dos arts. 124º e 125º do CPA, dada a sua insuficiência, obscuridade e falta de clareza, pelo que nunca poderia constituir a fundamentação per relationem do despacho recorrido.
7 A sentença recorrida, na parte em que julgou verificada a falta de fundamentação, não enferma de erro ou vício, não tendo o recurso jurisdicional qualquer procedência.
NESTES TERMOS,
Deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
1. O recorrente assaca à sentença recorrida violação do disposto nos arts. 124 e 125 do CPA, por erro de julgamento de procedência do alegado vício de falta de fundamentação do acto contenciosamente impugnado.
Nesse sentido, sustenta que ela não tomou em linha de conta as circunstâncias concretas em que o acto foi praticado e que do parecer para o qual o acto expressamente remete consta a exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, pelo que o acto está devidamente fundamentado, sendo a mesma completa, congruente e satisfatória - conclusões 5, 6, 7 e 8 das alegações.
Em nosso parecer, o recurso merecerá provimento.
2. Entendeu a sentença recorrida, em síntese, que a fundamentação do acto impugnado revela-se, “pelo menos, incompleta, incongruente e insatisfatória, por desconhecimento das razões de compreensibilidade dos fundamentos da decisão”, em virtude, designadamente, de “um intérprete normal, não conseguir apreender as razões ou motivos que determinaram/sustentaram o percurso decisório, pois que o exposto na al. a) (...) não se enquadra sem mais na al. b) (...) e assim por diante, sendo que a clarificação desse percurso tem de ser encontrado no próprio acto impugnado” - cfr fls. 139 e 140.
Como dele consta, este acto procede à ratificação do acto administrativo praticado em 4/1/2002 – que indeferira o pedido de licenciamento de obras de urbanização – tendo em vista sanar o vício de violação de lei que o afectava, nos termos do parecer jurídico de 14/6/2002, no qual expressamente se funda - cfr fls. 1378 do PI apenso.
Resulta assim claro, que através dele, o seu autor visou enunciar os novos fundamentos daquele indeferimento, que se baseou no entendimento de não se mostrar aprovada a operação de loteamento, como nele se expressou, a final - cfr. n 20 da matéria de facto apurada.
A determinação constante da respectiva alínea a), não é mais pois que a reiteração da decisão anteriormente adoptada pelo acto ratificado, contendo-se nas alíneas b), c) e d) os correspondentes novos fundamentos de tal determinação.
Ora, da leitura do referido parecer jurídico, em particular dos n.ºs 16 e 36/41, a explicitação das razões que concretamente determinaram o indeferimento, por falta de aprovação da operação de loteamento, como se referiu, compreende-se em termos de enunciação alternativa, em que a verificação de qualquer um dos fundamentos invocados nestas alíneas exclui a verificação dos restantes, não sendo pois de supor a sua aplicação cumulativa.
Nesta perspectiva, o parecer em referência analisa, em primeiro lugar, os vícios do projecto de loteamento que o acto impugnado considerou geradores de nulidade do deferimento tácito da operação de loteamento (cfr n 16 do parecer e alínea d) do mesmo acto), e só depois os vícios determinantes da caducidade de uma eventual aprovação tácita do pedido de loteamento, apresentado em 10/4/2000, que rejeita, aliás, e da revogação do hipotético deferimento tácito do mesmo pedido, apresentado em 17/1/2001 (cfr n.ºs 36/41 do parecer e alíneas b) e c) do acto).
Muito embora o modo da sua enunciação não seja formalmente isenta de questionamento, não parece ocorrer, por esta via, contradição lógica entre os fundamentos invocados para o entendimento assumido pelo recorrente de não aprovação válida do pedido de loteamento, os quais o explicam cabalmente e de forma inteligível, a partir de realidades distintas, pelo que a fundamentação do acto se revelará congruente, suficiente e clara.
Aliás, o recorrido parece ter revelado compreender isso mesmo ao longo do recurso contencioso, não manifestando qualquer dificuldade em rebater os múltiplos fundamentos invocados no acto contenciosamente impugnado, conforme ressalta claramente das alegações nele produzidas.
Ora, como se decidiu no acórdão do Pleno deste STA, rec 01556/03, de 2/03/2006, “o acto está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinaram a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade, caso com a mesma se não conforme”, sendo certo que, como também aí se decidiu, “a fundamentação (...) visa dar a conhecer aos destinatários do acto o que se decidiu e porque se decidiu, mas já não visa convencê-los da bondade ou da verdade do que se decidiu. Por outras palavras, uma coisa é ter compreendido inteiramente o teor do acto e as razões que o suportam, aspectos que contendem com a fundamentação, outra, bem distinta, é aceitá-las, o que já poderá ter a ver com outro tipo de ilegalidade”.
3. Em face do exposto, deverá, em nosso parecer, ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos para conhecimento dos demais vícios imputados ao acto impugnado, ainda não apreciados.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. A ora recorrente é proprietária dos terrenos denominados “…” e “…”, sitos no lugar de Santiago, freguesia de Melres, concelho de Gondomar (fls. 50 a 56 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido);
2. Em 30 de Setembro de 1997, a recorrente apresentou junto da Câmara Municipal de Gondomar um “pedido de informação prévia” acerca da possibilidade de realizar uma operação de loteamento nos referidos terrenos.
3. De acordo com o referido pedido de informação prévia, a citada operação de loteamento destinar-se-ia à implantação de dois Aldeamentos Turísticos e quatro conjuntos de Apartamentos Turísticos.
4. Por ofício datado de 11-11-1997 foi a recorrente notificada para apresentar duas cópias do processo, para envio à Direcção-Geral do Turismo (DGT) e Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais (DRARN).
5. As cópias solicitadas foram entregues pela recorrente em 26-11-1997.
6. No âmbito da apreciação do pedido id. em 2., a Câmara Municipal de Gondomar (CMG) procedeu à consulta de um conjunto de entidades exteriores ao Município, designadamente, a Direcção Geral do Turismo (DGT) e a Direcção Regional do Ambiente da Região Norte (DRA-N).
7. Por ofício datado de 27 de Fev. de 1998, recebido pela CMG em 4 de Março seguinte, a DGT comunicou o seu parecer onde se pode ler, além do mais o seguinte, “julga-se do ponto de vista turístico que o estudo apresentado carece de revisão por forma a atender aos aspectos regulamentares referidos no corpo desta informação. A nova solução a apresentar deverá evidenciar elevado nível arquitectónico e de integração paisagística e ambiental, concluindo que “a pretensão agora não se encontra em situação de merecer aprovação por parte destes Serviços, pelo que se propõe o seu indeferimento”.
8. Em 24 de Março de 1998, através do ofício nº 936/DGP, a DRARN – Direcção Regional do Ambiente do Norte – informou a CM de Gondomar do seguinte parecer:
“Reserva Ecológica Nacional - Por parte destes Serviços o pedido é de deferir. Embora o processo esteja em área abrangida pelo regime transitório da REN, não será integrada na mesma após a sua publicação.
Domínio público hídrico - Por parte destes Serviços o pedido é de deferir, uma vez que não estão previstas novas ocupações da área dominial”.
9. No que concerne à Comissão de Coordenação da Região Norte (CCRN), por despacho de 12.10.1998, foi emitido parecer favorável à localização do empreendimento turístico no âmbito exclusivo do DL 169/97, e desde que seja reformulado o estudo de forma a dar cumprimento às disposições do PDM.
10. Através do ofício n.º DGU/8444, datado de 29 de Novembro de 1999, a CMG notificou a ora recorrente da sua decisão acerca do supra citado pedido de informação prévia, propondo a elaboração de um novo estudo por parte da recorrente, em que:
- se restringisse a intervenção resultante do loteamento às áreas a excluir da REN;
- se atendesse aos pareceres das entidades consultadas;
- se reformulasse o esquema de circulação viária e;
- se procedesse à consulta das entidades gestoras das infra-estruturas envolvidas no projecto.
11. Em 10 de Abril de 2000, a ora recorrente requereu o licenciamento de uma operação de loteamento para os citados terrenos de sua propriedade, nos termos art. 9º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de Dezembro e Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto, dando origem ao Proc. n.º 12769/00, da CMG - fls. 57 e segts do PA apenso.
12. A referida operação de loteamento tinha como objecto a constituição de lotes de terreno destinados à construção de Moradias Turísticas e Apartamentos Turísticos, lotes para construção de moradias unifamiliares – cfr. Memória Descritiva que acompanhou o pedido, loteamento (fls. 79 a 64 do PA apenso).
13. Nos 15 dias úteis posteriores à apresentação do referido pedido de loteamento, a ora recorrente não foi notificada de qualquer despacho ou decisão camarária no sentido de corrigir ou completar esse pedido.
14. Por ofício com o n.º 3762, datado de 29 de Maio de 2000 – passados 31 dias úteis da data da apresentação do pedido – a recorrente foi notificada pelo Departamento de Gestão Urbanística e Obras Particulares da CM de Gondomar, para juntar um estudo de integração urbanística e indicar os espaços destinados a aparcamento, “para uma posterior apreciação do projecto” (fls. 61-60 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido).
15. O referido ofício n.º DGU/3762 mais informou a ora recorrente que, atendendo aos antecedentes constantes do processo 16917/97, as áreas afectas à REN teriam de ser integralmente preservadas, que em cada uma das propriedades devia ser levado a efeito um empreendimento turístico unitário, com equipamentos funcionalmente interdependentes, e que deveria ser demonstrada a exequibilidade dos acessos previstos (fls. 61-60 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido).
16. Em 28 de Novembro de 2000, a ora recorrente respondeu às questões suscitadas pela CMG no referido ofício, invocando além do mais, que:
- a apresentação do estudo de integração paisagística “deverá ter lugar imediatamente após a aprovação por parte da Câmara Municipal de Gondomar (CMG) do projecto de loteamento, aquando da entrega dos projectos das obras de urbanização. Tal é o que se encontra preconizado no art. 9º do Decreto-Regulamentar n. 063/91, de 29 de Novembro”
- no que respeita aos espaços destinados a aparcamento e às áreas destinadas a zona verde ou equipamento, a memória descritiva, anexa ao projecto de loteamento, teve em atenção o disposto nos art.s 20º e 22º do Plano Director Municipal de Gondomar e a Portaria n.º 1182/92, de 22 de Novembro; não obstante foi junta uma nova planta de síntese do loteamento;
- não foi prevista qualquer construção em área que a CMG considera integrada na REN, preconizando-se tão só a sua integração nos lotes a criar;
- não resulta nem do art. 29º do PDMG, nem do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho e do Decreto-Regulamentar n.º 34/97, de 17 de Setembro, a necessidade de se criar em cada uma das propriedades integrantes do loteamento um empreendimento equipamentos funcionalmente interdependentes;
- a requerente disponibilizou-se para apresentar novo projecto de acessos, após o licenciamento do projecto de loteamento, “porquanto não faria sentido elaborar um projecto de acessos sem se saber se o referido projecto de loteamento terá que sofrer ou não alterações impostas pela CMG” ( fls. 85 a 80 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido).
17. A ora recorrente não recebeu qualquer notificação ou informação da Câmara no âmbito do processo de loteamento referido, depois da apresentação daqueles elementos de reformulação apresentados em 28 de Novembro de 2000.
18. Em 13 de Dezembro de 2001, a ora recorrente apresentou junto da CMG o pedido de licenciamento das obras de urbanização relativas à operação de loteamento, invocando a aprovação tácita do pedido de loteamento (fls. 1354 do PA apenso cujo teor aqui se dá por reproduzido).
19. A ora recorrente não foi notificada de qualquer despacho ou decisão camarária no sentido de corrigir ou completar esse pedido, nos 15 dias seguintes à sua apresentação, nem de qualquer decisão que sobre o citado pedido tivesse sido proferida nos 30 dias seguintes à sua apresentação.
20. Através do Ofício DGU/0383, de 17 de Janeiro de 2002, recebido a 21 de Janeiro seguinte, foi a ora recorrente notificada de
“que por despacho do Exmo Sr. Presidente de 04/01/2002, foi indeferido o pedido de licenciamento de obras de urbanização ao abrigo do disposto na parte inicial da alínea a) do n.º 2 do art. 22º do Decreto-Lei 448/91 de 29 de Novembro e atenta a decisão de indeferimento proferida pela Direcção Geral de Turismo, no âmbito do pedido de informação prévia, que é vinculativa para a Câmara Municipal, nos termos do art. 16º, n.º 3 do Decreto-Lei 167/97, de 04 de Julho por remissão do disposto no artigo 12º, n.º 5, do mesmo diploma, bem como por dúvidas de natureza técnica que a operação de loteamento levantar, não se mostrando, assim, a operação de loteamento aprovada por esta Câmara Municipal”.
21. A recorrente interpôs recurso contencioso do citado despacho junto do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, peticionando a declaração da sua nulidade ou a sua anulação, recurso que correu trâmites no Proc. nº 282/02, 5º Juízo do T.A.C. do Porto.
22. Por ofício com o nº 3680 datado de 26 de Junho de 2002, a recorrente foi notificada do teor de um despacho do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Gondomar, datado de 18.06.2002 visando proceder “à ratificação do acto administrativo praticado em 4/01/2002 (...), passando o acto em causa a ter a seguinte redacção:
a) Indefiro o pedido de licenciamento de obras de urbanização (...) uma vez que o pedido de loteamento não se encontra aprovado
b) Declaro a caducidade da aprovação tácita do pedido de licenciamento da operação de loteamento apresentado em 10-4-2000 (...)
c) Revogo o deferimento tácito do pedido de licenciamento apresentado em 28-11-2000 (...)
d) Declaro a nulidade do deferimento tácito do pedido de aprovação da operação de loteamento (...)
e) O presente acto não está sujeito ao princípio da audiência prévia
(...) dado que estamos perante um acto de segundo grau e, por outro lado, a interessada já teve oportunidade de se pronunciar no procedimento sobre todas as questões que importam à decisão” (Acto Recorrido) (fls. 16-17 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido).
23. De acordo com o referido despacho, o mesmo foi “praticado ao abrigo da delegação de competências conferida por deliberação da Câmara de 20 de Janeiro de 1998, publicada em edital de 27-1-1998 (fls. 16-17 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido).
24. Acresce que em 17 de Julho de 2002 o Ministério das Cidades, do Ordenamento do Território e Ambiente, através da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território – Norte, foi a Câmara Municipal de Gondomar informada do seguinte: “a área da mancha afecta ao pretenso loteamento turístico é de cerca de 48 ha; Analisada a zona de implantação do pretendo empreendimento face aos instrumentos de gestão territorial em vigor, verifica-se que a área de inserção não está classificada como área urbana ou urbanizável. Deste modo, tendo em consideração os aspectos supra mencionados, e ao abrigo da alínea c) do nº 12 do Anexo II do Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio (estão sujeitos a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) os projectos de) estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento turístico, quando localizados fora de zonas urbanas e urbanizáveis delimitadas em plano municipal de ordenamento do território ou plano especial de ordenamento do território - caso geral: aldeamentos turísticos com área > 5 ha) comunica-se que o empreendimento em questão terá que ser sujeito a um processo prévio de AIA” (fls. 94 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido).
25. Dou aqui por reproduzido o teor de fls. 83 a 93 dos presentes autos com referência ao Edital que torna pública a deliberação de 14 de Janeiro de 2002 da Câmara Municipal de Gondomar na parte em delegou no Presidente da Câmara Municipal de Gondomar o conjunto de competências aí descritas.
26. A Câmara Municipal de Gondomar não publica Boletim Municipal.
27. A recorrente intentou o presente recurso contencioso de anulação em 19-09-2002 (fls. 2 dos presentes autos).
3 – O acto recorrido, de 18-6-2002, foi anulado por falta de fundamentação.
Sendo esse o único fundamento da anulação, é essa também a única questão que está em causa apreciar no presente recurso jurisdicional.
A Autoridade Recorrida defende, em suma, que o acto impugnado é de ratificação-sanação, que a sentença recorrida não atendeu a que ele se baseou no parecer jurídico de 14-6-2002, para que remete expressamente.
O acto impugnado, decidindo em sentido contrário à pretensão da Autora e revogando um anterior deferimento tácito, tem de ser fundamentado [art. 124.º, n.º 1, alíneas c) e), do CPA], que está em consonância com o n.º 3 do art. 268.º da CRP.
Os requisitos do dever de fundamentação dos actos administrativos constam do art. 125.º do CPA, que tem o seguinte teor:
ARTIGO 125.º
Requisitos da fundamentação
1 – A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
2 – Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
3 – Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados.
Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (()Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo:
– de 25-2-1993, proferido no recurso n.º 30682, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14-8-96, página 1168;
– de 31-5-1994, proferido no recurso n.º 33899, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31-12-96, página 4331;
– de 4-5-1995, proferido no recurso n.º 28872, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 447, página 217, e no Apêndice ao Diário da República de 20-1-98, página 3831;
– de 29-6-1995, proferido no recurso n.º 36098, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20-1-98, página 5782;
– de 7-12-1995, proferido no recurso n.º 36103, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30-4-98, página 9649;
– de 10-10-1996, proferido no recurso n.º 36738, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15-4-99, página 6634;
– de 2-12-1997, proferido no recurso n.º 37248, publicado no Apêndice ao Diário da República de 25-9-2001, página 8477
– de 4-11-1998, proferido no recurso n.º 40618;
– de 10-3-1999, proferido no recurso n.º 32796;
– de 6-6-1999, proferido no recurso n.º 42142;
– de 9-2-2000, proferido no recurso n.º 44018;
– de 28-3-2000, proferido no recurso n.º 29197;
– de 16-3-2001, do Pleno, proferido no recurso n.º 40618;
– de 14-11-2001, proferido no recurso n.º 39559;
– de 18-12-2002, proferido no recurso n.º 48366.)
Na petição do recurso contencioso, a Recorrente imputou ao acto recorrido o vício de falta de fundamentação, por entender que são «vagos, incongruentes, obscuros e insuficientes os fundamentos que acompanham o indeferimento, a declaração de caducidade, a revogação e a declaração de nulidade».
No acto recorrido refere-se expressamente que se procede à ratificação do acto administrativo praticado em 4-1-2002 e invoca-se como suporte o parecer jurídico de 14-6-2002.
Está-se, assim, perante um acto que, além da fundamentação própria, incorpora os fundamentos do parecer que invoca como suporte, como decorre da parte final do n.º 1 do transcrito art. 125.º.
Na sentença recorrida, entendeu-se que o acto enferma de falta de fundamentação, quanto ao decidido nas suas alíneas a) e b), por não ser possível afirmar-se inequivocamente qual o quadro jurídico tido em conta pelo acto impugnado.
Na verdade, o texto do acto impugnado não é claro ao decidir, na alínea a) da parte decisória, o indeferimento do pedido de obras de urbanização, ao abrigo do disposto na parte inicial da alínea a) do n.º 2 do art. 22.º do DL n.º 448/91, de 29 de Novembro, por o pedido de loteamento não se encontrar aprovado [alínea a) da parte decisória] e ao declarar a caducidade da aprovação tácita do pedido de licenciamento da operação de loteamento, apresentado em 10-4-2000 [alínea b) da parte decisória], o que supõe que tenha ocorrido tal aprovação.
No entanto, pelo parecer que o acto impugnado invoca como suporte percebe-se que se entendeu que havia, efectivamente, decorrido o prazo de deferimento tácito em relação ao pedido de licenciamento da operação de loteamento, apresentado em 10-4-2000 (à face do art. 67.º, n.º 1, do DL n.º 448/91), mas tinha decorrido o prazo de caducidade, previsto no art. 14.º, n.º 1, do mesmo diploma (pontos 37 e 38 do referido parecer, que são os que inequivocamente se reportam ao ponto em apreço).
A esta luz, é possível perceber a posição assumida pela Autoridade Recorrida nas alíneas a) e b) da parte decisória do acto impugnado, quanto ao pedido de licenciamento de operação de loteamento apresentado em 10-4-2000: tinha havido deferimento tácito deste pedido de loteamento, mas, como tinha caducado, o pedido de loteamento não se encontrava aprovado, pelo que se indeferia o pedido de licenciamento das obras de urbanização, ao abrigo da parte inicial da alínea a) do art. 22.º do DL n.º 448/91.
Pela petição do recurso contencioso, constata-se que a Recorrente Contenciosa, embora refira a inintelegibilidade, conseguiu, como ela própria refere no art. 42.º, identificar «um conjunto de erros de facto e de direito».
E, na verdade, pelos artigos 43.º a 47.º, verifica-se que a Recorrente Contenciosa impugnou adequadamente as decisões referidas, defendendo o seu entendimento sobre a formação de deferimento tácito (art. 44.º) e a sua não caducidade (artigos 45.º e 46.º).
Assim, é de concluir que o acto impugnado, complementado pelo parecer que invoca como sua base, permite concluir a um destinatário normal, como permitiu à Recorrente Contenciosa, conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder apresentar adequadamente impugnação contenciosa, quanto ao decidido nas alíneas a) e b) da parte decisória.
Assim, é de concluir que o acto recorrido não enferma do vício de falta de fundamentação quanto ao decidido nas alíneas a) e b) da sua parte decisória, que foi o único apreciado na sentença recorrida.
Termos em que acordam em revogar a sentença recorrida quanto ao que nela se decidiu sobre a existência de vício de falta fundamentação em relação ao decidido nas alíneas a) e b) do acto impugnado e em ordenar a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a fim de serem apreciados os restantes vícios imputados ao acto impugnado, se não existirem obstáculos ao seu conhecimento.
Custas pela Recorrente Contenciosa, com taxa de justiça de 250 euros e 50% de procuradoria».
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010. – Jorge Manuel Lopes de Sousa (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Fernanda Martins Xavier e Nunes.