Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01769/21.4BEBRG
Data do Acordão:07/13/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
REVISÃO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do artigo 80.º do RGCO, aplicável às contra-ordenações tributárias ex vi do art. 85.º, n.ºs 1 e 3.º, alínea b) do RGIT «[a] revisão de decisão definitiva ou transitada em julgado, em matéria contra-ordenacional, obedece ao disposto no artigo 449.º e seguintes do Código de Processo Penal» (n.º 1) e, se a favor do arguido e com base em novos factos ou em novos meios de prova, não será admissível quando «[o] arguido apenas foi condenado em coima inferior a € 37,41» [n.º 2, alínea a)] e quando «[j]á decorreram cinco anos após o trânsito em julgado ou carácter definitivo da decisão a rever» [n.º 2, alínea b)].
II - Se, nos termos da alegação do arguido, não infirmada pelos documentos juntos aos autos, a decisão administrativa que lhe aplicou a coima nunca lhe foi notificada e, por isso, não se tornou definitiva, é de convolar o pedido de revisão em recurso de decisão da aplicação da coima, previsto no artigo 80.º do RGIT.
Nº Convencional:JSTA000P29719
Nº do Documento:SA22022071301769/21
Data de Entrada:04/06/2022
Recorrente:A.........
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A………………, invocando o disposto nos artigos 85.º do Regime Geral das Infracção Tributárias (RGIT) e 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP), fez dar entrada no Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto uma petição, endereçada ao «Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga», pedindo que seja «anulada a coima aplicada» pelo Chefe daquele Serviço de Finanças, em 9 de Setembro de 2015, no âmbito do processo de contra-ordenação com o n.º 03702015060000047181, no valor de € 277,02, pela falta de pagamento de taxa de portagem. Motivou o recurso e formulou conclusões.

1.2. O Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto prestou a informação que entendeu pertinente e remeteu os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, cujo Juiz proferiu despacho no sentido da remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo, logo salientando que, a seu ver, não estava verificado o requisito da alínea b) do n.º 2 do artigo 80.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, uma vez que em face das datas em que o Arguido foi notificado das decisões de aplicação de coima e em que apresentou os pedidos de revisão, há que concluir foi excedido o prazo de cinco anos ali previsto.

13. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que não deve ser autorizada a revisão. Isto, em síntese, porque considerou que não se verifica o pressuposto da admissibilidade da revisão previsto na alínea b) do n.º 2 do art. 80.º do RGCO, uma vez que «na data em que o presente recurso de revisão foi instaurado, já haviam passado mais de cinco anos sobre a definitividade das decisões administrativas de aplicação de coima».

1.4. Cumpre – nos, agora, termos dos artigos 3.º, alínea b) do RGIT, 80.º, n.º 1 do RGCO, 449.º e seguintes do CPP e 26.º, alínea h), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Da instrução dos autos resultaram provados os seguintes factos:

a) Por decisão de 9 de Setembro de 2015, proferido no processo de contra-ordenação com o n.º 03702015060000047181, o Chefe desse Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto aplicou ao ora Recorrente uma coima, do valor de € 277,02, pela falta de pagamento de taxa de portagem;

b) A 13 de Agosto de 2021 o ora Recorrente apresentou no Serviço de Finanças de Cabeceiras de Basto o requerimento que deu origem aos presentes autos de recurso.

2.2. Considerando que: (i) o ora Recorrente apresentou múltiplos pedidos de revisão de aplicação de coima com os mesmos fundamentos e que esses pedidos têm vindo a ser apreciados por este Supremo Tribunal Administrativo - em primeiro lugar nos acórdãos datados de 8 de Junho de 2022, proferidos nos processos n.ºs 1863/21.1BEBRG e 1776/21.7BEBRG, que posteriormente foram seguidos, de forma unânime e reiterada, em, também múltiplas decisões, designadamente nos acórdãos de 22 de Junho de 2022, proferidos nos processos n.ºs 1809/21.7BEBRG, 1902/21.6BEBRG, 1775/21.9BEBRG e 1858/21.5BEBRG; (ii) inexistem razões de facto ou de direito particulares que devam determinar que, no caso, seja adoptada posição distinta e, por fim, (iii) que se exige a uniformidade de julgamentos e o respeito pelos princípios da justiça, celeridade e igualdade (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), limitar-nos-emos a reproduzir nesta decisão a fundamentação exarada no aresto proferido no processo n.º 1776/21.7BEBRG, que passamos a transcrever e acolhemos como fundamento da nossa decisão:

«Nos termos do art. 80.º do RGCO, aqui aplicável ex vi do art. 85.º, n.ºs 1 e 3.º, alínea b) do RGIT, «[a] revisão de decisão definitiva ou transitada em julgado, em matéria contra-ordenacional, obedece ao disposto no artigo 449.º e seguintes do Código de Processo Penal» (n.º 1) e, se a favor do arguido e com base em novos factos ou em novos meios de prova, não será admissível quando «[o] arguido apenas foi condenado em coima inferior a € 37,41» [n.º 2, alínea a)] e quando «[j]á decorreram cinco anos após o trânsito em julgado ou carácter definitivo da decisão a rever» [n.º 2, alínea b)].

Como resulta do citado art. 80.º do RGIT, o primeiro requisito para a revisão é que a decisão que aplicou a coima seja «definitiva ou transitada em julgado».

Em face da alegação do Recorrente – que afirma, relativamente à decisão em causa: «Jamais tendo recebido qualquer comunicação […] relacionada com tal assunto […] do serviço de finanças», bem como que deixou Portugal em 11 de Março de 2011, regressando ao Brasil, país de que é cidadão, e só voltou ao nosso País em 26 de Junho de 2016 –, logo se nos suscitam dúvidas sobre a verificação daquele primeiro dos requisitos para ponderarmos a autorização para a revisão, ou seja, sobre a definitividade da decisão que aplicou a coima.

É certo que o Arguido não afirma textualmente que não foi notificado da decisão que lhe aplicou a coima e é sabido que a mera não recepção da correspondência é um facto que, por si só, não permite concluir pela falta ou invalidade da notificação, conclusão que só poderá resultar da aplicação das regras de direito aos factos pertinentes. Deveremos, então, indagar da factualidade pertinente, designadamente, devolvendo os autos à 1.ª instância, a fim de que aí se providencie pela junção dos pertinentes documentos? (Note-se que os elementos constantes dos autos (cópias das cartas endereçadas ao ora Recorrente em ordem à notificação da decisão que lhe aplicou a coima) nada permitem concluir sobre o envio das notificações, nem sobre uma eventual devolução da primeira carta e respectivos motivos.)

Entendemos que não, por se tratar de diligência inútil. Senão vejamos: caso viéssemos a concluir que o Arguido não foi notificado ou não pode considerar-se validamente notificado, teríamos de rejeitar o pedido de revisão por falta do já referido primeiro requisito da revisão, que a decisão a rever seja «definitiva ou transitada em julgado» [cfr. art. 80.º, n.º 1), do RGCO]; caso viéssemos a concluir que o Arguido foi validamente notificado, o pedido de revisão haveria de ser rejeitado por falta de verificação do requisito constante da alínea b) do n.º 2 do art. 80.º do RGCO, pois, teriam passado já mais de cinco anos sobre a data em que a decisão se tornou definitiva.

Deveremos, pois, sem mais, rejeitar o pedido de revisão?

2.3. Afigura-se-nos que não. À luz do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 20.º da Constituição da República Portuguesa) e tendo presente a alegação aduzida na petição – que, a confirmar-se, dá conta duma injustiça de uma gravidade a que a ordem jurídica não pode ficar indiferente (O ora Recorrente terá sido condenado por infracções que não cometeu nem podia ter cometido (existindo desde já forte verosimilhança de que na data dos factos não estava em Portugal, resultante do teor do despacho por que o Ministério Público arquivou o inquérito que teve origem na queixa apresentada pelo Recorrente, despacho que alude a «documentos que comprovam que nas datas das passagens que deram origem à instauração de processos de contra-ordenação [o ora Recorrente] não estava em Portugal»).) –, impõe-se interpretá-la do modo que conceda a melhor tutela ao Arguido e lhe permita discutir judicialmente as questões em que se consubstancia aquela injustiça. Vejamos:

A alegação do Arguido – que, essencialmente, se resume ao facto de entre 11 de Março de 2011 e 26 de Junho de 2016, ininterruptamente, ter estado no Brasil, o que inviabilizou quer a prática da infracção quer o conhecimento da sanção que lhe foi aplicada –, interpretada de modo a permitir conferir tutela jurisdicional, assenta em dois pilares: primeiro, não foi notificado da decisão que lhe aplicou a coima; segundo, a infracção por que foi acoimado não foi nem poderia ter sido por ele praticada.

Nos termos dessa alegação – de cuja veracidade ora não nos cumpre averiguar – o Arguido estará em tempo para recorrer judicialmente da decisão que lhe aplicou a coima (sem qualquer peia quanto ao seu valor) e poderá afastar a sua responsabilidade contra-ordenacional. Ou seja, não obstante o Arguido ter indicado como meio processual o recurso de revisão, o único meio processual que lhe poderá assegurar a tutela e permitir-lhe esgrimir os fundamentos invocados é o recurso da decisão de aplicação da coima, previsto no art. 80.º do RGIT.

Entendemos, pois, ser de convolar o requerimento de revisão em requerimento de recurso da decisão de aplicação da coima – tanto mais que o pedido que formulou (que seja «anulada a coima aplicada») é adequado a este último meio processual –, sem prejuízo de o tribunal de 1.ª instância indagar do prazo para interposição do mesmo, o que passará por estabelecer se o Arguido foi ou pode considerar-se como tendo sido validamente notificado da decisão que aplicou a coima, não podendo ignorar-se a necessidade de apurar e, eventualmente, valorar a alegada ausência do Arguido no Brasil, país da sua nacionalidade, nas referidas datas.».

3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes que integram a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, convolar o requerimento de revisão em requerimento de recurso judicial de aplicação da coima e determinar que o processo regresse ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para aí prosseguir sob este meio processual.

Custas a determinar a final.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Julho de 2022. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - José Gomes Correia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.