Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0171/11
Data do Acordão:05/30/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IRC
CUSTO FISCAL
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
IMPOSTO DE SELO
RELAÇÃO DE DOMÍNIO
GRUPO DE EMPRESAS
JUROS
Sumário:À luz do art. 23º do CIRC, não devem ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos pela impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiárias existe uma relação de domínio total.
Nº Convencional:JSTA00067636
Nº do Documento:SA2201205300171
Data de Entrada:02/23/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA DE 2008/02/15 PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
DIR FISC - SELO
Legislação Nacional:CIRC01 ART23 ART58 ART113
CPC96 ART684 N3 ART685-A N1
CPPTRIB99 ART2 E
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC28/05 DE 2005/06/01; AC STA PROC1153/12 DE 2012/02/23; AC STA PROC246/02 DE 2002/07/10; AC STA PROC1046/05 DE 2007/02/07; AC STA PROC1077/08 DE 2009/05/20
Referência a Doutrina:TOMÁS DE CASTRO TAVARES DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ENTRE A CONTABILIDADE E O DIREITO FISCAL NA DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL DAS PESSOAS COLECTIVAS ALGUMAS REFLEXÕES AO NÍVEL DOS CUSTOS IN CTF N396 PAG113.
ANTÓNIO MOURA PORTUGAL A CONTABILIDADE DOS CUSTOS NA JURISPRUDÊNCIA FISCAL PORTUGUESA 2004 PAG116 PAG136.
RUI MORAIS APONTAMENTOS IRC 2007 PAG87.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. A A……, Ldª, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 15 de Fevereiro de 2008, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra a liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2002, no montante de 76.782.14 €.
2. A recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I — A discordância da recorrente prende-se fundamentalmente com a consideração jurídica que o Tribunal a quo adoptou relativamente à noção de custo relevante para efeitos fiscais.
II — Uma vez que o Tribunal recorrido não considerou fiscalmente relevantes os “custos com juros de empréstimos bancários”, com fundamento no artigo 23º CIRC, por entender que os mesmos não eram necessários para a realização dos proveitos ou ganhos do contribuinte.
III — Acontece que, in casu, nos encontramos perante uma relação de grupo constituída por uma relação de domínio total (cfr. artigos 488° ss. CSC), uma vez que a impugnante é detida a 100% pela sociedade-mãe, “B…… SA”.
IV — Ora, nas relações que se estabelecem entre as sociedades do grupo está presente uma estratégia e uma lógica empresarial de “grupo”, i.é, uma estratégia de convergência e congregação de esforços mútuos com vista à maximização do lucro naquelas sociedades que pode justificar e justifica uma política comercial e económica pensada em termos de conjunto, a qual não pode ser perspectivada isolada e singularmente.
V — Podendo mesmo, num grupo de sociedades, serem as sociedades filhas obrigadas a praticar actos que sejam, para ela, desvantajosos e até causadores de prejuízo, desde que os mesmos visem os interesses do ‘grupo” (cfr. artigo 503°, no 2 CSC aplicável ex vi artigo 491° CSC).
VI — Tendo sido desta regra e princípio basilar de uma relação de grupo, que na decisão ora em crise se fez tábua rasa.
VII — Desconsiderando-se igualmente que a decisão que justificou a reacção da administração fiscal e a liquidação ora em crise é inequivocamente uma correcta e boa decisão de gestão empresarial (atenta a “lógica de grupo”), uma vez que a operação em causa foi efectuada pela impugnante pela simples razão de ser ela quem estava em melhor situação (desde logo, porque dispunha de bens imóveis para dar em garantia — cfr. as actas juntas aos autos) para obter condições mais favoráveis (nomeadamente a nível da taxa de juro) nos empréstimos bancários que se tomava necessário contrair.
VIII — Não podendo, por ser manifestamente contrário aos mais elementares princípios de direito societário, ser a Administração Fiscal a questionar o mérito (ou demérito) de tais actos sob pena de haver uma insuportável e intolerável ingerência por parte do Fisco na gestão das empresas (cfr., a este propósito, a explicitação que recentemente foi feita, entre nós, deste princípio basilar do direito societário através da consagração expressa da business judgemet rule no artigo 72°, nº 2 CSC).
IX — Por outro lado, para que aqueles custos financeiros fossem aceites e relevados fiscalmente não se toma necessário — como se afirma na sentença recorrida — que a sociedade fizesse uso do regime especial de tributação dos grupos de sociedades previstos nos artigos 63° ss. CIRC.
X — Trata-se efectivamente de coisas distintas: uma coisa é o grupo (rectius, a sociedade dominante) pretender ficar sujeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades; outra, absolutamente distinta é saber se (apesar da sociedade dominante não ter optado por tal regime especial) as decisões tomadas e os custos suportados pelas sociedades do grupo (v.g., pelas sociedades filhas), ainda que em seu prejuízo e ainda que não sejam estritamente necessárias para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, deverão ser aceites e relevados fiscalmente.
XI — É manifesto que a resposta que resulta do nosso quadro legal societário tem que ser afirmativa (conquanto aqueles actos tenham sido praticados, como sucedeu no caso concreto, tendo em vista o interesse do grupo societário), pelo que, em consequência, deverá ser corrigida a posição adoptada pela Administração Fiscal e revogada a sentença do Tribunal de 1a instância, mantendo-se a base tributável determinada pela impugnante na declaração por si apresentada.
XII — Finalmente, caso se entenda — como entendeu o Tribunal a quo —, o que, em todo o caso, não se concede, que aqueles custos com encargos financeiros não podem ser fiscalmente relevados pela aqui impugnante, há manifestamente in casu relações especiais entre a impugnante e as sociedades que beneficiaram dos financiamentos por ela concedidos.
XIII — Pelo que a haver correcções na matéria colectável da impugnante, tal deverá necessariamente implicar correcções idênticas (de sentido inverso) nas outras empresas do grupo (cfr. artigo 58°, nº 11 CIRC), o que deverá ser judicialmente declarado.
XIV — Ao assim não decidir, a douta decisão do Tribunal a quo violou, entre outras, as normas dos artigos, as normas dos artigo 23° e 63° e 64° CIRC, bem como as normas dos artigos 72° e 503° CSC.”

3. A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.
4. Tendo o recurso sido interposto no TCA Norte, este veio por Acórdão datado de 10/12/2010, a fls. 131 e seguintes dos autos, a declarar-se incompetente, em razão da hierarquia, para dele conhecer, com o fundamento que o recurso versa por exclusivo matéria de direito, declarando competente este STA.
5. Remetidos os autos a este Tribunal, foram com vista ao MP, o qual não emitiu parecer.
6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II-FUNDAMENTOS

1. DE FACTO
Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:

“1. A Administração Fiscal, no âmbito de acção de inspecção, procedeu a correcções aritméticas, as quais deram origem a liquidação adicional de IRC;
2. A Impugnante, foi notificada da liquidação adicional nº 2005 8310006609 de IRC relativo ao ano de 2002, no valor de 76 782.14 €, cuja data limite de pagamento voluntário terminava no dia 15.06.2005;
3. Do relatório da inspecção, datado de 21.04.2005, e com relevância para o caso consta de fls. 20 a 44 do Processo Administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. A Impugnante tem por objecto social a compra e venda de bens imobiliários e está enquadrada no regime geral para efeitos de determinação do lucro tributável;
5. A Impugnante é uma sociedade anónima, com capital social de 1 247 500€, sendo detido pela sociedade B……, S.A.;
6. A Impugnante insere-se num grupo de empresas, da quais fazem parte C……, S.A. que são detidos a 100% pela B……, S.A..;
7. No decurso da inspecção foi detectado que a Impugnante contabilizou no exercício de 2002, como custo fiscal, os encargos financeiros (luras e imposto de seio) relacionados com a obtenção de crédito junto de instituições financeiras, no valor de 15 296.61 €;
8. Os encargos financeiros são derivados de juros e impostos de selo incidente sobre os financiamentos às C……, S.A. e B……, S.A..;
9. A Administração Fiscal procedeu à correcção da matéria colectável em sede de IRC do exercício de 2002, no valor de 217 706.74 €;
10. Em 28.07.2005, a lmpugnante reclamou graciosamente, a qual por despacho de 12.09.2006 veio a se indeferida;
11. Em 28.09.2006 a Impugnante apresentou a presente impugnação judicial.”


2. DE DIREITO

2.1. Da questão a apreciar e decidir e delimitação do objecto do recurso

A recorrente deduziu impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, tendo por objecto a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2002, com fundamento em erro de qualificação e quantificação dos factos tributários, alegando, entre o mais, que:
A Impugnante insere-se num grupo de empresas, dos quais fazem parte, entre outras, como sociedades filhas, a Impugnante e a sociedade “C…… SA”, que são detidas a 100% pela Sociedade-mãe, “B…… SA”, sendo que existe uma relação de grupo, constituído por uma relação de domínio total e que as decisões de gestão são tomadas tendo em conta essa realidade e o benefício “global” do conjunto das diferentes empresas que constituem o grupo.
Mais alegou que a Inspecção Tributária desconsiderou custos com juros de empréstimos bancários, que se destinaram ao financiamento as outras sociedades do “grupo” B……, SA., e “C…… SA., mas sem razão, uma vez que os encargos financeiros foram efectivamente suportados pela Impugnante e estão devidamente contabilizados porque se destinaram a ser utilizados em benefício de outras sociedades.
Por último, alegou ainda que caso não se entendessem os custos como encargos financeiros sempre haveria que ter em conta as relações especiais existentes entre a impugnante e as sociedades que beneficiaram do financiamento por elas concedido.
Por sentença proferida, em 15/02/2008, a Mª Juíza “a quo” julgou a impugnação judicial improcedente, ponderando, entre o mais, que:
· “A questão levantada pela Impugnante reconduz-se a saber se os encargos financeiros, contabilizados em 2002, correspondem a efectivos custos da actividade económica desenvolvida pela Impugnante”;
· “Os encargos financeiros são derivados de juros e imposto de selo incidentes sobre os financiamentos”;
· “A lei não proíbe que seja a empresa Impugnante a assumir os compromissos em função do grupo de empresas, se assim o entender por uma questão de gestão comercial. No entanto, se o fizer, deverá relevar as operações na contabilidade”.
· “No caso em análise, tal não aconteceu, pois a Impugnante não relevou contabilisticamente a totalidade das operações, por não ter debitado às empresas beneficiárias os respectivos encargos derivados do empréstimo”.
· “Da conjugação dos artigos 17º e 23º, alínea c), ambos do CIRC resulta provado como custos do exercício de 2002, o valor supra referido, e pago pela Impugnante, para financiar outra empresa de grupo não são custos indispensáveis pois em nada contribuiriam para a realização de proveitos”.
· “Por fim e no que concerne às relações especiais, entre a Impugnante e as sociedades que beneficiaram do financiamento por ela concedido entende que havendo correcções à Impugnante implicará correcções à matéria colectável das outras”.
· “Da interpretação do art. 58º do CIRC resulta que as relações especiais têm de ser declaradas na declaração anual de informação contabilística e fiscal, as quais deverão identificar as entidades e obedecer aos demais requisitos previstos no nº 67 do citado artigo”.
· “Competia à Impugnante provar a sua existência de tais relações especiais o que não fazendo, tal situação cai fora do âmbito do objecto do processo”.

Vem o presente recurso interposto contra esta sentença, argumentando a recorrente, em suma, que, estando em causa uma relação de grupo constituída por uma relação de domínio total, a decisão tem de ser encarada na lógica empresarial de “grupo”, isto é, numa estratégia de convergência e congregação de esforços mútuos com vista à maximização do lucro naquelas sociedades que pode justificar e justifica uma política comercial e económica pensada em termos de conjunto, a qual não pode ser perspectivada isolada e singularmente.
Finalmente, nas conclusões XII e XIII, alega a recorrente que a haver correcções na matéria colectável da impugnante tal deveria implicar correcções idênticas (de sentido inverso) nas outras empresas do grupo (art. 58º, nº 11, do CIRC), por haver in casu relações especiais entre a impugnante e as sociedades que beneficiaram dos financiamentos por ela concedidos.
Ora, sobre esta questão o Tribunal recorrido ponderou que “Competia à Impugnante provar a sua existência de tais relações especiais o que não fazendo, tal situação cai fora do âmbito do objecto do processo”.
Segundo o art. 58º, nº 7, do CIRC “o sujeito passivo deve indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o art. 113º, a existência ou inexistência, no exercício a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais, devendo ainda no caso de declarar a sua existência; a) identificar as entidades em causa; b) identificar e declarar o montante das operações com cada uma; c) Declarar se organizou, ao tempo em que as operações tiveram lugar, e mantém, a documentação relativa aos preços de transferência praticados”.
Ora, na petição inicial, tal como agora em alegações, a impugnante limita-se a invocar em abstracto que “há manifestamente in casu relações especiais” (art. 56º da P.I.), sendo que do probatório nada se fixou quanto a esta matéria o que não vem questionado pela Recorrente, que também não ataca a sentença “a quo” na parte em que conclui que tal situação cai fora do âmbito do objecto do processo”.
Assim sendo, não tendo o Tribunal “a quo” formulado qualquer juízo ou emitido qualquer pronúncia sobre a questão, não pode também, agora, este Supremo Tribunal pronunciar-se sobre ela, já que e como é jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, “o recurso jurisdicional constitui um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça. O recurso jurisdicional visa apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, motivo por que não constitui forma de conhecer de questões novas, isto é, que não tenham sido oportunamente suscitadas perante o tribunal ad quem, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso”( Cfr. o Acórdão do STA, de 23/2/2012, proc nº 01153/2012. No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão de 1/6/2005, proc nº 028/05.) .
Deste modo, tratando-se de questão que o Tribunal recorrido considerou fora do objecto de recurso, o que não vem questionado, e não estando em causa questão de conhecimento oficioso, estas conclusões não podem, também e necessariamente, deixar de improceder.
Considerando o exposto e em face das conclusões, que são as relevantes para aferir do objecto e âmbito do presente recurso [cfr. os arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, e o art. 2º, alínea e), do CPPT], o objecto do presente recurso consiste em saber se, à luz do art. 23º do CIRC, devem ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos pela impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiadas existe uma relação de domínio total.

2.3. Da análise do invocado erro de julgamento

No caso em apreço, resulta da factualidade dada como provada que a ora recorrente contabilizou, no exercício de 2002, como custo fiscal, os encargos financeiros com juros e imposto de selo, derivados da obtenção de financiamento bancário, com vista a fazer face a necessidades financeiras das empresas do grupo, sendo que a recorrente suportou na íntegra os referidos encargos, uma vez que não os debitou às sociedades beneficiárias.
A questão central está em saber se tais encargos podem relevar como custos fiscais, nos termos e para os efeitos do art. 23º do CIRC.
Assim recortada a questão verifica-se que a mesma já foi tratada por este Supremo Tribunal Administrativo, em especial, no Acórdão de 20/05/2009 (Cfr. no mesmo sentido, os Acórdãos do STA de 7/2/07, rec. nº 1046/05, e de 10/7/02, rec. nº 246/02.) , proc nº 01077/08. Como se trata de questão em tudo idêntica porque assente nos mesmos pressupostos de facto e de direito e uma vez que concordamos com o decidido no referido Acórdão limitar-nos-emos a remeter para o texto do mesmo, com as devidas adaptações, como se segue.
“O objecto do presente recurso consiste em saber, se à luz do art. 23º do CIRC, devem ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e impostos de selo de empréstimos bancários contraídos pela impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiadas existe uma relação de domínio total”.
Dispõe o predito normativo legal “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: …c) encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso…”.
Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.
Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.
A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.
As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.
Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.
Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.
Em conclusão, se dirá, pois, que as verbas em causa não constituem custos para efeitos fiscais”.
A reforçar a jurisprudência vazada no mencionado Acórdão, TOMÁS DE CASTRO TAVARES (Cfr. “Da relação de dependência entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 396, 1999, p.113.) pondera que “Numa análise do conteúdo do art. 23º CIRC isolam-se diversos requisitos que presidem à dedutibilidade fiscal dos custos empresariais: desde logo, como pressuposto básico, tem de existir um gasto económico, ou seja, a assunção como contrapartida da aquisição de um qualquer factor de produção. Depois, que a referida subtracção ao rendimento não se encontre precludida por uma expressa previsão legal. Em terceiro lugar, certas exigências formais determinam uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento. Por fim, intima-se uma relação de causalidade (indispensabilidade) entre os encargos e os proveitos ou em face da manutenção da fonte produtora” (No mesmo sentido, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL pondera que “Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata.” (cfr. A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 116).).
Mais concretamente sobre o critério da indispensabilidade, o mesmo Autor refere que “O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa” (Cfr. ob. cit., p. 136.) .
Por outro lado, referindo-se à aplicação daquele conceito nas relações intra-grupo, aquele Autor considera que fora da aplicação do regime especial da tributação pelo lucro consolidado, “onde o interesse do grupo assume uma intensidade tal que acaba por se abdicar, por completo, da indagação da eventual existência de um interesse próprio de cada uma das sociedades intervenientes”, nas demais relações internas não se prescinde da capacidade pessoal de cada uma das sociedades. A utilidade para o grupo –repisa-se – não aniquila o interesse dos respectivos intervenientes. A autonomia jurídica reclama um benefício pessoal e egoísta de cada ente, com uma densidade equiparável, em abstracto, às situações de ausência de integração no mesmo grupo.”
Por sua vez, RUI MORAIS (Cfr. Apontamentos IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 87. ), embora defendendo que a aceitação fiscal do custo não pode ser referida à natureza do encargo, mas sim às circunstâncias em que o mesmo ocorreu, conclui que “Se a assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial – o entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse social - , o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comercias, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável.
Ora, também por aplicação desta doutrina, como no caso em apreço o custo em causa derivou de empréstimos a outras sociedades do grupo, estaria afastado do âmbito normativo do art. 23º do CIRC.
Em face do exposto, deve o presente recurso improceder, mantendo-se a sentença recorrida.

III- DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 30 de Maio de 2012. - Fernanda Maçãs(relatora) - Valente Torrão - Lino Ribeiro.