Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:015/12
Data do Acordão:04/10/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:REENVIO PREJUDICIAL PARA O SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
ABASTECIMENTO DE ÁGUA
COBRANÇA COERCIVA
Sumário:No domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que, o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de “tarifas” usado nas anteriores Leis de Finanças Locais e a que a doutrina e jurisprudência reconheciam a natureza de taxas, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA00068206
Nº do Documento:SAP20130410015
Data de Entrada:06/06/2012
Recorrente:JUIZ PRESIDENTE DO TAF DE BRAGA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REENVIO PREJUDICIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REENVIO PREJUDICIAL
Legislação Nacional:L 1/87 DE 1987/01/06 ART4 N1 H ART23
L 42/98 DE 1998/08/06 ART16 ART19 ART30 N4
L 2/2007 ART10 N1 C ART15 ART16
L 53-E/2006 DE 2006/12/29
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC026109 DE 2001/05/30; AC TC N1139/06; AC TC N76/88; AC STA PROC024153 DE 2000/06/15; AC STA PROC019322 DE 1996/10/09; AC STA PROC026472 DE 2002/05/22; AC STA PROC01921/03 DE 2004/03/31
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS - CADERNOS DE JUSTIÇA ADMINISTRATIVA N6 1997 PAGS48 E SEGS.
ANTÓNIO MALHEIRO MAGALHÃES - O REGIME JURÍDICO DOS PREÇOS MUNICIPAIS - ALMEDINA 2012.
TEIXEIRA RIBEIRO - NOÇÃO JURÍDICA DE TAXA - RLJ ANO117 N3727 PAGS 292/293.
SOUSA FRANCO - DIREITO FINANCEIRO E FINANÇAS PÚBLICAS.
ALBERTO XAVIER - MANUAL DE DIREITO FISCAL VOLI PAGS54 E 55.
Aditamento:
Texto Integral: Processo nº 15/2012 (Pleno- Reenvio prejudicial)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. O Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro Presidente do TAF de Braga formulou pedido de reenvio prejudicial para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo com vista à apreciação da seguinte questão:
«No domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos?»

Para fundamentar o pedido alegou o seguinte:
1. No processo de oposição à execução fiscal n.º 484/11.1.BEBRG do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi suscitada pela Meritíssima Juíza a questão da competência dos tribunais tributários para o conhecimento de processos relativos a cobrança coerciva, através de processo de execução fiscal, de dívidas derivadas de prestação de serviços públicos de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos efectuada por uma empresa municipal, nos seguintes termos:

A prestação dos serviços de águas e resíduos, enquanto serviços públicos essenciais, é feita ao abrigo de um contrato de consumo, regendo-se, consequentemente pelo direito privado. No que não esteja previsto nas normas especiais da Lei dos Serviços Públicos Essenciais (Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro) e do regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos (Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto), serão aplicáveis as normas gerais de direito privado.
Assim, estando em causa preços e não taxas, a competência para o conhecimento de processos relativos às questões dos contratos de fornecimento de água, quer relativas às ligações, quer às quantias mensais do consumo, afigura-se pertencer aos Tribunais comuns.
2 - O art.º 27.º, n.º 2, do ETAF de 2004 estabelece que compete ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo pronunciar-se, nos termos estabelecidos na lei de processo, relativamente ao sentido em que deve ser resolvida, por um tribunal tributário, questão de direito nova que suscite dificuldades sérias e se possa vir a colocar noutros litígios.

Não havendo norma especial do contencioso tributário estabelecendo os termos a seguir para concretizar esta competência, terá de fazer-se apelo às normas sobre processo nos tribunais administrativos, por força do disposto no artº. 2.º, alínea c), do CPPT.
O artº. 93.º do CPTA, adaptado aos tribunais tributários, estabelece, no seu n.º 1, que, quando à apreciação de um tribunal tributário se coloque uma questão de direito nova que suscite dificuldades sérias e possa vir a ser suscitada noutros litígios, pode o respectivo presidente determinar que no julgamento intervenham todos os juízes do tribunal, sendo o quórum de dois terços, ou, em alternativa, proceder ao reenvio prejudicial para o Supremo Tribunal Administrativo, para que este emita pronúncia vinculativa sobre a questão no prazo de três meses.

É de difícil resolução a questão em causa, pois há argumentos no sentido de as receitas em causa serem de natureza tributária (Designadamente os invocados pela Exequente ao pronunciar-se sobre esta questão, com base no Parecer do Senhor Provedor de Justiça, sancionado em 06-01-2010, em que se defende que, já à face do regime do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, as receitas em causa são de natureza tributária. O Parecer está publicado na Internet em:
http://www.provedor-jus.pilrestritarecitcheiros/PAR_14102010.pdf)
e argumentos em sentido contrário, designadamente o facto de a Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) ter deixado de fazer qualquer referência a “tarifas”, ao lado dos “preços” no seu artº. 16.º, em que se inserem as actividades de abastecimento público de água, saneamento de águas residuais e gestão de resíduos sólidos, ao contrário do que sucedia com a anterior Lei das Finanças Locais de 1998 (Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto), que falava em “tarifas e preços” relativamente a tais actividades (artº. 20.º).

Esta alteração introduzida pela Lei n.º 2/2007 poderá, eventualmente, impor que seja reformulada a posição normalmente assumida pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em relação às anteriores Leis das Finanças Locais, que se reconduzia a dar às denominadas tarifas o tratamento jurídico próprio das “taxas”.(Essencialmente nesta linha podem ver-se os seguintes acórdãos:
- de 28-9-1994, processo n.º 17305, BMJ n.º 439, 368.AP-DR de 31-12-96, página 2130;
- de 25-11-1998, processo n.º 22593, AP-DR de 21-1-2002, página 3276;
- de 15-6-2000, processo n.º 24153, AP-DR de 23-12-2002, página 2641;
- de 31-1-2001, processo n.º 25685, AD n.º 478, 1324.AP-DR de 27-6-2003, página 340;
- de 30-5-2001, processo n.º 26109, AD n.º 486, 807.AP-DR de 8-7-2003, página 1558;
- de 23-5-2001, processo n.º 24880, AP-DR de 8-7-2003, página 1333;
- de 17-10-2001, processo n.º 25979, AP-DR de 13-10-2003, página 2324;
- de 22-5-2002, processo n.º 26472, AP-DR de 8-3-2004, página 1626;
- de 13-11-2002, processo n.º 973/02, AP-DR de 12-3-2004, página 2624;
- de 31-3-2004, processo n.º 1921/03.).

Para além disso, o DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, dá um tratamento unitário às relações das entidades gestoras daqueles serviços públicos com os consumidores (Capitulo VII), em que inclusivamente se utiliza uma terminologia própria das relações de direito comercial, designadamente “facturação” (artº. 67.°), que contrasta com a que normalmente é utilizada em actos que definem dívidas de natureza tributária (“liquidação”).

Trata-se, por outro lado, de uma questão nova, na medida em que é levantada em face da nova Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, e sobre ela não há ainda jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores.

Assim, no caso em apreço, estão reunidos os requisitos exigidos no referido artº. 93.º para reenvio prejudicial, pois, para além de a questão referida ser nova, suscita dificuldades sérias e é seguro que se trata de questão que pode vir a ser necessário resolver em muitos processos tributários.

Por outro lado, tratando-se de questão que se pode colocar em todos os tribunais administrativos e fiscais, não se justifica que se determine o julgamento alargado previsto no referido artº. 93.º do CPTA, sendo adequado proceder ao reenvio prejudicial.

II. Por acórdão de 2 de maio de 2012 foi admitido o pressente reenvio prejudicial.

III. Cumpre então decidir.

IV. Comecemos por fazer uma passagem pela legislação que foi sendo aplicável nesta matéria.

IV.1. A Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, estabelecia no seu artº 4º, nº 1, alínea h) que constituíam receitas do município: o produto da cobrança de taxas ou tarifas resultantes da prestação de serviços pelo município.
O artº 11º do mesmo diploma indicava depois as taxas que os municípios podiam cobrar, regulando o artº 12º as tarifas, indicando o seu nº 1 que estas respeitavam às seguintes actividades:
a) Abastecimento de água;
b) Recolha, depósito e tratamento de lixos, bem como ligação, conservação e tratamento de esgotos;
c) Transportes urbanos colectivos de pessoas e mercadorias.

O nº 2 do mesmo artigo estabelecia que as tarifas a fixar pelos municípios … não deviam ser inferiores aos respectivos encargos previsionais de exploração e de administração, acrescidos do montante necessário à reintegração do equipamento, sob pena de ter de inscrever obrigatoriamente como despesa o montante correspondente à indemnização compensatória (nº 3).

O artº 23º, nº 5 do mesmo diploma estabelecia ainda que competia aos tribunais tributários de 1ª instância a cobrança coerciva de dívidas às autarquias locais provenientes de impostos, derramas, taxas e encargos de mais-valias, aplicando-se com as necessárias adaptações, os termos estabelecidos no CPCI. (É de notar que não estão aqui incluídas as tarifas e preços atrás referidos pelo que, à primeira vista, seríamos levados a concluir pela não cobrança desses em execução fiscal; adiante veremos que não era esta a conclusão retirada pela jurisprudência deste STA).

IV.2. O artº 16º da Lei nº 42/98, de 6 de agosto, veio determinar na sua alínea d) que constituíam receitas dos municípios: o produto da cobrança de taxas, tarifas e preços resultantes da prestação de serviços pelo município.
O artº 19º indicava depois e também como a anterior Lei, as taxas que os municípios podiam cobrar, dizendo o artº 20º quanto a tarifas e preços o seguinte:
“1- As tarifas e preços a cobrar pelos municípios respeitam, designadamente, às actividades de exploração de sistemas públicos de:
a) Distribuição de água;
b) Drenagem de águas residuais;
c) Recolha, depósito e tratamento de resíduos sólidos;
d) Transportes colectivos de pessoas e mercadorias;
e) Distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.
2 - Os municípios podem ainda cobrar tarifas por instalação, substituição ou renovação dos ramais domiciliários de ligação aos sistemas públicos de distribuição de água e de drenagem de águas residuais.
3 - As tarifas e os preços, a fixar pelos municípios, relativos aos serviços prestados e aos bens fornecidos pelas unidades orgânicas municipais e serviços municipalizados, não devem, em princípio, ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação dos serviços”.

Relativamente à cobrança coerciva o nº 4 do artº 30º veio manter a execução fiscal nos seguintes termos:
“4- Compete aos órgãos executivos, à excepção dos municípios de Lisboa e do Porto, em que a competência coerciva das dívidas às autarquias locais provenientes de taxas, encargos de mais-valias e demais receitas de natureza tributária que aquelas devam cobrar, aplicando-se o Código de Processo Tributário, com as necessárias adaptações”. (É de notar que também neste diploma se faz apena referência às taxas e não às tarifas e preços).

IV.3. O artº 10º, nº 1 da Lei nº 2/2007 de 15 de janeiro, veio determinar na sua alínea c) que constituíam receitas dos municípios: o produto da cobrança de taxas e preços resultantes da concessão de licenças e da prestação de serviços pelo município, de acordo com o disposto nos artigos 15º. e 16º.
Assim, os municípios podiam criar taxas nos termos do regime geral das taxas das autarquias locais, ficando esta criação subordinada aos princípios da equivalência jurídica, da justa repartição dos encargos públicos e da publicidade, incidindo sobre utilidades prestadas aos particulares, geradas pela actividade dos municípios ou resultantes da realização de investimentos municipais (artº 15º).

Relativamente a preços, o artº 16º estabelecia no seu nº 3 que os mesmos poderiam incidir sobre actividades de exploração de sistemas municipais ou intermunicipais de:
a) Abastecimento público de água;
b) Saneamento de águas residuais;
c) Gestão de resíduos sólidos;
d) Transportes colectivos de pessoas e mercadorias;
e) Distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.

Quanto à fixação dos preços os nºs 1 e 2 do mesmo artigo estabeleciam o seguinte:
“1- Os preços e demais instrumentos de remuneração a fixar pelos municípios relativos aos serviços prestados e aos bens fornecidos em gestão directa pelas unidades orgânicas municipais ou pelos serviços municipalizados não devem ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com a prestação desses serviços e com o fornecimento desses bens.
2 - Para efeitos do número anterior, os custos suportados são medidos em situação de eficiência produtiva e, quando aplicável, de acordo com as normas do regulamento tarifário em vigor”.

O nº 4 do mesmo artigo estabelecia ainda que, relativamente às actividades mencionadas no número anterior, os municípios deviam cobrar preços nos termos de regulamento tarifário a aprovar.

Relativamente à cobrança coerciva das dívidas, esta Lei continha no seu artº 56º, nº 3, norma semelhante às anteriores leis e do seguinte teor:
“3- Compete aos órgãos executivos a cobrança coerciva das dívidas às autarquias locais provenientes de taxas, encargos de mais-valias e outras receitas de natureza tributária que aquelas devam cobrar, aplicando-se o Código de Procedimento e de Processo Tributário, com as necessárias adaptações”.

IV.4. Cabe ainda aqui referir que, anteriormente à publicação da Lei nº 2/2007, de 15 de janeiro (mas para entrar em vigor na mesma data daquela), tinha sido publicada a Lei nº 53-E/2006, de 29 de dezembro que aprovou o regime geral das taxas das autarquias locais.

Deste diploma e para a questão que nos ocupa, relevam as seguintes normas:

“As taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei (artº 3º).

“1- As taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, designadamente:
a) Pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias;
b) Pela concessão de licenças, prática de actos administrativos e satisfação administrativa de outras pretensões de carácter particular;
c) Pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal;
d) Pela gestão de tráfego e de áreas de estacionamento;
e) Pela gestão de equipamentos públicos de utilização colectiva;
f) Pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil;
g) Pelas actividades de promoção de finalidades sociais e de qualificação urbanística, territorial e ambiental;
h) Pelas actividades de promoção do desenvolvimento e competitividade local e regional.
2- As taxas municipais podem também incidir sobre a realização de actividades dos particulares geradoras de impacto ambiental negativo. (artigo 6º).

“2- As dívidas (resultantes de taxas) que não forem pagas voluntariamente são objecto de cobrança coerciva através de processo de execução fiscal, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário. (artº 12º).

V. Aqui chegados parece que poderíamos concluir, em face das normas legais acima transcritas, que a execução fiscal apenas poderia servir para cobrança coerciva das taxas, impostos ou outras receitas de natureza aduaneira, nas quais se não incluiriam as tarifas e os preços.

Importa, por isso, reflectir um pouco sobre a natureza das tarifas e dos preços previstos nas normas citadas.

V.1. No Acórdão deste STA, de 30.05.2001- Processo nº 026109- AP DR 8.08.2003 - pág. 1588 e segs., relativo a dívida por fornecimento de água, e no âmbito de vigência da Lei nº 42/98, ficou escrito, para além do mais, o seguinte:
“Logo na alínea d) do seu artº. 16º da Lei nº 42/98 estatui que, entre outras, constituem receitas dos municípios ”o produto da cobrança de taxas, tarifas e preços resultantes da prestação de serviços pelo município”.
E no artº 20º, nº 1 a mesma lei esclarece relativamente a quais actividades é que os municípios podem cobrar as tarifas e preços, prescrevendo:
”1- As tarifas e preços a cobrar pelos municípios respeitam, designadamente, às actividades de exploração de sistemas públicos de:
a) Distribuição de água;
b) Drenagem de águas residuais;
c) Recolha, depósito e tratamento de resíduos sólidos;
d) Transportes colectivos de pessoas e mercadorias;
e) Distribuição de energia eléctrica em baixa tensão”.
Quer isto dizer que, da óptica da lei, os municípios tanto poderão optar pela instituição de tarifas como pela de preços pela utilização por banda dos interessados dos bens propiciados pelo município através das actividades de exploração dos sistemas públicos que identifica, entre elas se contando a da distribuição de água em cuja categoria se insere a receita exequenda.
Estamos aqui perante o fornecimento de bens por parte dos municípios que visam satisfazer essencialmente necessidades privadas, mas porque, segundo a concepção política dominante na sociedade se entende que esses bens deverão ser propiciados segundo uma lógica independente da do mercado, "fundando-se em razões distintas, como a justa distribuição dos encargos públicos, ou em considerações de ordem política, como a de facilitar ou dificultar o acesso a certos bens ou serviços”, o legislador confere a possibilidade aos municípios de subtraírem a fixação das contraprestações pela utilização desses serviços ou bens à lógica ou às regras do mercado e submeterem-nas a critérios diferentes, fixando-as autoritariamente, se bem que, - e aqui apela-se a um elemento comum na formação do preço na lógica do mercado -, não “devam, em princípio, ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação dos serviços”, segundo se manda no nº 3 daquele artº 20º da Lei nº 42/98.
Mas isso não impede que os municípios não possam fornecer esses bens segundo o regime de preços de mercado, assente essencialmente na regra da oferta e da procura, traduzida juridicamente num acordo de vontades e que dá origem a uma obrigação voluntária em vez de uma obrigação autoritária ou de fonte legal, como ali acontece, e ainda que esses preços não possam ser sujeitos a condicionamentos na sua determinação (preços tabelados, preços condicionados à demonstração dos elementos da sua formação, preços públicos e preços políticos).
Se a receita corresponde a um preço autoritariamente estabelecido pela utilização individual dos referidos bens que atenta aquela concepção são bens semipúblicos- tendo a sua contrapartida numa actividade dos municípios (do Estado ou de outros entes públicos) especialmente dirigida ao obrigado ao pagamento estamos perante uma tarifa; de contrário, estamos perante um preço.
Mas tarifa, aqui equivale-se totalmente, na perspectiva da sua natureza, a taxa, correspondendo a denominação apenas a um simples nomen especificamente atribuído pelo legislador das finanças locais quando ela respeita à utilização de certos bens semipúblicos -precisamente os indicados no nº 1 do artº 20º da citada Lei nº 42/98 e com correspondência em preceitos similares das leis anteriores”.

Isto porque, tal como se salienta no mesmo aresto e o Tribunal Constitucional também afirmou nos seus acórdãos nºs 1139/96 (D.R., II Série, de 10/02/1997) e 76/88 (DR, II Série, de 21/04/1988), “uma tarifa, no campo das finanças locais, se não delineia como uma figura em absoluto nova, ou seja, como uma espécie de tercium genus entre taxa e imposto”, apresentando-se de «de facto, e sob todos os aspectos», como uma simples taxa, embora taxa sui generis «cuja especial configuração lhe advém apenas da particular natureza dos serviços a que se encontra ligada”, sendo que a «tarifa, se ao nível da lei ordinária pode ter significação própria, não releva, porém, numa perspectiva constitucional, pelo que, nesta óptica, ela constitui apenas uma modalidade especial de taxa e nada mais».

Deste modo entendia-se que a tarifa pelo fornecimento de água cabia, como taxa sui generis, na previsão do nº 4 do citado artº. 30º da Lei nº 42/98, onde se atribui a competência para a sua cobrança coerciva aos próprios órgãos executivos dos municípios que sejam delas credoras, salvo os de Lisboa e Porto.

V.2. Em jurisprudência, quer anterior (v., entre outros, os acórdãos de 15.06.2000 – Processo nº 024153 e de 09.10.1996- Processo nº 019322- Apêndice ao DR, de 28.12.1998, págs. 2759 e segs.), quer posterior (v., entre outros, os acórdãos de 22.05.2002 -Processo nº 026472 e de 31.03.2004- Processo nº 01921/03), este Supremo Tribunal reafirmou o mesmo entendimento de que a tarifa não constitui um tertium genus entre o imposto e a taxa, não tendo verdadeira autonomia conceitual, caracterizando-se, afinal, por não dever ser inferior ao preço do serviço prestado.

V.3. Casalta Nabais, por sua vez, reportando-se ao conceito de tarifas, diz-nos o seguinte (Cadernos de Justiça Administrativa, nº 6, 1997, págs. 48 e segs.):
“…no concernente às tarifas, é de referir que elas integram um conceito polissémico, relativamente ao qual é possível detectar, pelo menos, quatro sentidos, que podemos designar por sentido normativo, sentido financeiro, sentido tributário e sentido fiscal (ou melhor, aduaneiro).
…Em sentido financeiro, por seu turno, as tarifas significam, ou podem significar, duas coisas. Umas vezes, referem-se elas aos quadros donde constam, de um lado, as unidades de consumo e, de outro, os respectivos preços: se em tais quadros figura apenas uma unidade de consumo por cada quadro, temos tarifas unitárias; se neles figuram mais do que uma unidade de consumo, então temos tarifas múltiplas. Nesta versão, as tarifas constituem quadros de unidades de consumo dos serviços públicos e dos correspondentes
preços, ou seja, tabelas ou listas de preços (s) . A maioria das vezes, porém, as tarifas em sentido financeiro referem-se, não aos mencionados quadros, listas ou tabelas, mas aos preços dos serviços públicos prestados pelas administrações públicas ou pelos concessionários, sejam os mesmos preços públicos ou privados, ou seja, trate-se de tarifas públicas ou privadas.
Neste caso, as tarifas reconduzem-se aos preços dos serviços públicos, relativamente aos quais se põe o problema de saber qual o exacto âmbito dessa figura financeira, ou seja, se abarcam todos e quaisquer preços dos serviços públicos, sejam estes voluntariamente estabelecidos ou autoritariamente fixados, se dizem respeito apenas aos preços voluntariamente estabelecidos, ou se integram somente os preços autoritariamente fixados. Enquanto na primeira hipótese as tarifas constituem uma figura complexa, pois integram, de um lado, um especial tipo de taxas ou preços públicos e, de outro, os preços, na segunda temos unicamente preços, e, na terceira, deparamo-nos com uma figura tributária em sentido estrito, ou seja, com um tributo bilateral ou uma taxa.
E aqui temos as tarifas em sentido tributário, constituídas assim pelos preços dos serviços públicos autoritariamente fixados. Em nossa opinião, este devia ser o sentido reservado para as tarifas, um sentido que, como vamos ver, de algum modo está subjacente à Lei das Finanças Locais (arts. 11º e 12º). Neste último sentido as tarifas, como dissemos, constituem um especial tipo de taxas ou preços públicos. Um especial tipo de taxas que tem de específico o facto de não dizerem respeito a serviços públicos que sejam por essência da titularidade do Estado, uma vez que não correspondem às funções institucionais fundamentais próprias da Administração Pública nem visam, por conseguinte, a realização dos fins estaduais primários. Por isso, podem tais serviços ser objecto de oferta e procura e susceptíveis, assim, de uma avaliação em termos de mercado. Por outras palavras, trata-se de taxas equivalentes, de taxas cujo montante não deve, assim, ser inferior ao efectivo custo do correspondente serviço. Um sentido que, acentue-se, está patente no mencionado artº. 12º da Lei das Finanças Locais, ao dispor, no nº 1, que as tarifas respeitam às actividades de abastecimento de água, de recolha, tratamento e depósito de lixos, de ligação, conservação e tratamento de esgotos e de transportes urbanos colectivos de pessoas e de mercadorias, e ao estabelecer, no n° 2, o princípio de que os montantes das tarifas não devem ser inferiores aos respectivos encargos provisionais de exploração e de administração, acrescidos do montante necessário à reintegração do equipamento. Assim as tarifas equiparam-se, de algum modo, às redevances do direito francês, aos precios publicos do direito espanhol, etc".

Temos então que, segundo este autor, as tarifas não passam de taxas que revestem as seguintes particularidades:
a) não dizem respeito a serviços públicos que sejam por essência da titularidade do Estado, uma vez que não correspondem às funções institucionais fundamentais próprias da Administração Pública nem visam, por conseguinte, a realização dos fins estaduais primários;
b) por outro lado, podendo tais serviços ser objecto de oferta e procura e susceptíveis, assim, de uma avaliação em termos de mercado, o seu montante não deve, em princípio, ser inferior ao efectivo custo do correspondente serviço.

(Sobre esta questão v. também António Malheiro de Magalhães – O Regime Jurídico dos Preços Municipais, Almedina 2012 que aqui seguiremos de perto e, entre outros, Teixeira Ribeiro -Noção Jurídica de Taxa- R.L.J., ano 117º, nº 3727, págs., 292/293 e Lições de Finanças Públicas, 2ª edição, págs. 206, Sousa Franco, Direito Financeiro e Finanças Públicas e Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, págs. 54 e 55)

V.4. Acontece, porém, que, como acima se referiu, a nova Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei nº 2/2007, de 15 de janeiro, deixou de considerar as tarifas entre as receitas dos municípios (ao contrário do que sucedia nas Leis nºs 1/87, de 6 de janeiro - artº 4º e 42/98, de 6 de agosto - artº 16º), limitando-se a referir apenas no artº 10º, alínea c) “cobrança de taxas e preços resultantes da concessão de licenças e da prestação de serviços pelo município, de acordo com o disposto nos artigos 15º e 16º”.
Se a isto acrescentarmos que o artº 16º, nº 3, refere que os preços e demais instrumentos de remuneração a cobrar pelos municípios respeitam, designadamente, às actividades de exploração de sistemas municipais ou intermunicipais de abastecimento público de água e que os preços devem obedecer a regulamento tarifário a aprovar, parece que seríamos levados a concluir no sentido de que tais preços deixaram de ser considerados taxas, ficando, por isso, a cobrança das respectivas dívidas sujeita ao foro comum.

Será assim?

V.5. Acompanhando António Malheiro de Magalhães, Ob. citada, diremos que os agora designados “preços” cobrados por serviços prestados e bens fornecidos pelos Municípios não perdem o sentido e o alcance que anteriormente lhes eram assacados pela doutrina e pela jurisprudência em face da Lei das Finanças Locais aprovada pela lei nº 42/98, já que mantêm a mesma natureza das “tarifas e preços” a que se referia o artº 20º daquele diploma.
Com efeito, apesar da supressão do termo “tarifa”, quer as taxas quer os preços agora previstos como receitas municipais nos artºs 15º e 16º, respectivamente, da Lei nº 2/2007, continuam a integrar o conceito de “taxa lato sensu” porque autoritariamente fixados pela prestação de bens semi-públicos, integrando-se, por isso, no conceito dado pelo artº 4º da LGT.

Aliás, já Marcello Caetano - Manual de Direito Administrativo, Vol. II, págs. 1067 a 1084 ensinava que de acordo com o critério do objeto os serviços públicos se classificavam como serviços públicos económicos, sociais ou de segurança social e culturais, sendo serviços públicos económicos aqueles que visam a satisfação das necessidades colectivas de caráter económico produzindo bens materiais, facilitando a circulação das pessoas, das coisas ou das ideias ou fornecendo bens para consumo, incluindo no primeiro grupo, nomeadamente, os serviços de produção e distribuição de água.
E acrescentava ainda que podendo alguns desses serviços ser gratuitos ou onerosos, o pagamento de um preço pelos serviços prestados a título oneroso por pessoas colectivas de direito público revestia a natureza de taxa, nessa qualidade ficando sujeito ao regime da cobrança das recitas fiscais.
E justificava ainda a fixação autoritária de tais “preços” porque os mesmos não podiam ser adaptados pelo empresário no decurso da exploração às vicissitudes da procura, às conveniências da oferta ou aos encargos imprevisto, tal como pode suceder com os preços do mercado.

E não se diga que, no caso concreto, estamos em face de um contrato entre consumidor e prestador do serviço (artºs 59º, 63º e 64º do DL nº 194/2009) pois que isso não é suficiente para afastar o conceito de taxa.

Na verdade, a autonomia da vontade negocial da entidade gestora e do consumidor final nada ou pouco interfere na denominação do respectivo conteúdo e grau de vinculação da relação contraída, pelo que a respectiva contrapartida reveste natureza coativa (Aliás, o artº 69º do DL nº 194/2009, de 24 de Agosto, constitui um bom exemplo da inexistência da autonomia contratual ao impor que todos os edifícios, existentes ou a construir, com acesso ao serviço de abastecimento público de água ou de saneamento de águas residuais devem dispor de sistemas prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais devidamente licenciados, de acordo com as normas de concepção e dimensionamento em vigor, e estar ligados aos respectivos sistemas públicos, sob pena da aplicação da coima prevista no 72º, nº 2, alínea a).)

Conforme salienta Sérgio Vasques -Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, págs. 208 e segs., ainda que as taxas sejam exigidas em virtude da prestação de bens ou serviços, dando corpo a uma relação de troca com os contribuintes, elas não deixam de possuir natureza coativa, característica de todos os tributos públicos.
E acrescenta o mesmo autor que dois critérios materiais relevantes para a distinção entre preços e taxas são o do regime económico em que é realizada a prestação administrativa e o da indispensabilidade que essa prestação administrativa reveste para o particular.

Assim, estaremos perante uma taxa quando, por razões de direito ou de facto, não se encontrem no mercado prestações sucedâneas daquelas que a administração realize e o particular se veja por isso verdadeiramente coagido ao seu consumo (ou, por outras palavras, quando o aproveitamento da prestação administrativa se revela imprescindível para a sobrevivência condigna do particular, atentos os padrões sociais de cada momento e da cada lugar); já, pelo contrário, estaremos perante preço se o particular dispuser de liberdade de escolha entre prestações asseguradas pelo sector público e pelo sector privado (isto quando a administração realize essas prestações em condições de concorrência), ou por outras palavras também, quando o particular possa prescindir da prestação administrativa sem sacrifício relevante para a sua qualidade de vida.

Ora, não restam dúvidas, no caso que nos ocupa, quanto à indispensabilidade do serviço de abastecimento de água, tendo aliás, a Assembleia Geral da ONU reconhecido como direito fundamental do cidadão o abastecimento de água potável e o saneamento básico, enquanto realização do direito à saúde e a um nível de vida adequado.

Por outro lado, embora, como adiante se dirá, a gestão da água possa até ser efectuada por várias entidades (entre elas privadas. em regime de concessão), a verdade é que não existe concorrência para que os particulares possam optar por outro fornecedor.

Em face do que ficou dito concluímos então no sentido de que, não obstante a Lei nº 2/2007 (Lei da Finanças Locais) ter eliminado a expressão “tarifas” como receitas das autarquias, que a doutrina e a jurisprudência qualificavam como taxas, a expressão “preços” constante do seu artº 16º, nº 3, reportada a abastecimento público de água e saneamento de águas residuais, mantém o mesmo sentido e alcance das mencionadas “tarifas”.

VI. Aqui chegados, parece então que podemos concluir que as dívidas não pagas podem coercivamente ser cobradas em processo de execução fiscal, “ex vi” artigos12º, nº 2 da Lei nº 53-E/2006, de 29 de dezembro e 56º, nº 3 da Lei nº 2/2007, de 15 de janeiro.

Porém, ainda se pode suscitar a questão da aplicação da Lei nº 23/96, de 26 de julho (alterada e republicada pela Lei nº 12/2008, de 26 de fevereiro, com a última alteração introduzida pela Lei nº 10/2013, de 28 de janeiro).

Com efeito, o artº 1º daquela Lei diz o seguinte:

“1 - A presente lei consagra regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente.
2 - São os seguintes os serviços públicos abrangidos:
a) Serviço de fornecimento de água;
b) Serviço de fornecimento de energia eléctrica;
c) Serviço de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados;
d) Serviço de comunicações electrónicas;
e) Serviços postais;
f) Serviço de recolha e tratamento de águas residuais;
g) Serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos.
3 - Considera-se utente, para os efeitos previstos nesta lei, a pessoa singular ou colectiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo”.
4 - Considera-se prestador dos serviços abrangidos pela presente lei toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços referidos no n.º 2, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não de contrato de concessão”.

O decreto-lei nº 194/2009 estabeleceu o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, dizendo o seu artº 3º que a exploração e gestão daqueles sistemas municipais consubstanciam serviços de interesse geral e visam a prossecução do interesse público, estando sujeitas a obrigações específicas de serviço público.
A gestão dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos é uma atribuição dos municípios e pode ser por eles prosseguida isoladamente ou através de associações de municípios ou de áreas metropolitanas, mediante sistemas intermunicipais (artigo 6º, nº 1).
A gestão daqueles serviços pode ser efectuada de acordo com um dos seguintes modelos de gestão:
a) Prestação directa do serviço;
b) Delegação do serviço em empresa constituída em parceria com o Estado;
c) Delegação do serviço em empresa do sector empresarial local;
d) Concessão do serviço (artº 7º, nº 1).

No modelo de gestão direta o serviço pode ser prestado através de serviços municipais, de serviços intermunicipais, de serviços municipalizados

ou de serviços intermunicipalizados (artº 14º, nº1).

No modelo de gestão em parceria podem ser estabelecidas parcerias entre o Estado e os municípios, as associações de municípios ou as áreas metropolitanas com vista à exploração e gestão de sistemas municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos (artº 16º, nº 1).

No modelo de delegação do serviço em empresa do sector empresarial local o serviço é prestado por empresa municipal delegatária constituída nos termos previstos no regime jurídico do sector empresarial local, aprovado pela Lei n.º 53 -F/2006, de 29 de Dezembro (artºs 17º e 18º).

No modelo de gestão concessionada a concessão dos serviços municipais, a realizar de acordo com este diploma e, subsidiariamente, com o Código dos Contratos Públicos, inclui a operação, a manutenção e a conservação do sistema, previstas no n.º 1 do artigo 2.º, e pode incluir ainda a construção, a renovação e a substituição de infra-estruturas, instalações e equipamentos (artºs 31º e 32º).

Sendo então o abastecimento de água efectuado por várias entidades - podendo ser entidades privadas em regime de concessão – ainda que se aceite que no caso de a gestão ficar a cargo dos municípios ou empresas municipais possa ser usado o processo de execução fiscal, subsiste a questão quando a gestão estiver a cargo de concessionárias.

Ora, quanto a estas acompanhamos António Malheiro de Magalhães (Ob. Citada), quando escreve que o processo de execução fiscal é um meio jurisdicional específico contemplado na lei apenas ao dispor do Estado e outras pessoas colectivas de direito público para procederem à cobrança coerciva de tributos bem como de outras dívidas quando a lei assim o previr.
Por isso, quando uma entidade privada - neste caso uma concessionária - desenvolve uma actividade materialmente administrativa traduzida na prestação de um serviço público essencial previsto na Lei nº 23/96, está excluído o âmbito do processo de execução fiscal, com o recurso aos meios de execução comuns.
Deste modo, o processo de execução fiscal continua a ser o meio próprio para cobrança coerciva de dívidas por abastecimento de água e saneamento, quando o serviço for prestado pelo Município ou por empresa municipal.

Sendo o serviço prestado por concessionário, e como refere Pedro Gonçalves – A Concessão de Serviços Públicos, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 320, “ em caso de incumprimento do utente, a nota de cobrança emitida pelo concessionário está desprovida de força executiva, não podendo portanto, dar lugar a um imediato processo de execução fiscal”.

Este entendimento em nada colide com o regime da Lei nº 23/96, já que, tratando-se da cobrança de dívidas aos municípios ou empresas municipalizadas, a “propositura da acção” a que se refere o artº 10º tem de entender-se como reportada à instauração da execução fiscal, devendo noutras matérias aplicar-se a LGT (suspensão da prescrição, por exemplo, como bem se refere no Parecer do Provedor de Justiça acima identificado).

Esta cobrança coerciva pelos próprios serviços, como se escreveu no acórdão deste STA, de 30.05.2001- Processo nº 026109, acima parcialmente transcrito, situa-se “na linha de atribuição legislativa do poder de auto tutela administrativa dos efeitos jurídicos pecuniários estatuídos pelos seus próprios actos administrativo-tributários, mais não representa do que uma simples adaptação do regime que vigora para a cobrança de outras dívidas de natureza tributária em relação à administração tributária (arts. 149º e segs.). Consubstanciando-se a execução forçada do acto tributário essencialmente em tarefas administrativas, que dão assim expressão à força jurídico-imperativo-vinculante que os efeitos do acto administrativo tributário importa, entendeu o legislador atribuir essa tarefa à própria administração, embora sob o directo controlo do tribunal, dada a natureza apertada do regime jurídico a que essa execução está sujeita, quase que diríamos estritamente vinculada, desonerando o tribunal de levar a cabo tarefas de cariz meramente executivo. É essa visão das coisas que está afirmada no artº 103º da LGT. Mas isso não impede, mas antes é sugerido em virtude da diferente natureza das dívidas de que sejam credoras, que essa actividade de auto-tutela seja levada a cabo pela diversa administração que leva a cabo a gestão dos interesses públicos a que respeitam as receitas a cobrar coercivamente. É nesta linha que se posiciona a competência da administração tributária dependente da Direcção-Geral dos Impostos que está prevista na al. f) do nº 1 do artº 10º do CCPT de ”instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes” pelas receitas cuja arrecadação deva garantir. É ainda o mesmo princípio axiológico que justifica a opção recente do legislador de cometer aos Centros Regionais de Segurança Social, através de secção de processos, a cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações e às contribuições (artº. 63º da Lei nº 17/2000, de 8 de Agosto, já entrado em vigor – artº. 119º da mesma Lei).

VII. Para concluir e dar então uma resposta à questão, há que referir que, nos casos acima referidos em que seja instaurada execução fiscal, o tribunal tributário é competente para apreciar as questões colocadas no processo de execução fiscal, por força do disposto no artº 151º do CPPT.

VIII. Em face de todo o exposto, ao abrigo do disposto no artº 93º do CPTA, e relativamente à questão:
«No domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos?»

Acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário em responder à mesma pela forma seguinte:

No domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que, o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de “tarifas” usado nas anteriores Leis de Finanças Locais e a que a doutrina e jurisprudência reconheciam a natureza de taxas, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal.

Sem custas.
Lisboa, 10 de Abril de 2013. – João António Valente Torrão (relator) – Joaquim Casimiro Gonçalves – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira – Dulce Manuel da Conceição Neto – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – José da Ascensão Nunes Lopes – Maria Fernanda dos Santos Maçãs.