Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0172/13
Data do Acordão:06/26/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OBJECTO DO RECURSO
INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDA
Sumário:I - O recurso tem por objecto imediato a decisão recorrida, não havendo que nele conhecer de questões que nele não foram suscitadas e apreciadas.
II - A excepção de erro na forma de processo, não sendo arguida pela Fazenda Pública ou conhecida oficiosamente pelo Tribunal “a quo”, fica sanada ex vi do disposto nos artigos 199.º n.º 1, 202.º e 204.º n.º 1 do CPC.
Nº Convencional:JSTA00068319
Nº do Documento:SA2201306260172
Data de Entrada:02/05/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF VISEU.
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:LGT98 ART53 N3.
CPPTRIB99 ART183-A ART171 N1.
CPC96 ART199 N1 ART202 ART204 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0633/07 DE 2007/11/21; AC STA PROC0620/11 DE 2011/11/02.; AC STA PROC0216/11 DE 2011/06/22.; AC STA PROC01032/10 DE 2011/04/13.; AC STA PROC0299/10 DE 2010/11/24.; AC STA PROC01103/09 DE 2010/11/24.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 16 de Abril de 2012, que, a requerimento do impugnante com fundamento nos artigos 53.º n.º 2 e 100.º da LGT, julgou verificado o direito à indemnização por garantia indevida, e consequentemente condenou a AT no pagamento dos encargos peticionados, com o limite constante do n.º 3 do artigo 53.º da LGT.
A recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Incide o presente recurso sobre o despacho de 16/04/2012 (ex vi art.ºs 2º e) do CPPT e 666º nº 3 CPC), a qual julga verificado o direito à indemnização por garantia indevida e, em consequência, condena a AT no pagamento dos encargos peticionados.
B. Nos presentes autos, cuja petição inicial deu entrada em 20/02/2002, vem impugnada a liquidação de imposto sucessório realizada no processo n.º 47.052, instaurado por óbito de B………….
C. Visando obter o efeito suspensivo da execução, foi, em 18/04/2002, prestada a garantia bancária nº 125-02-0241089 pelo Banco Comercial Português, no valor de €1.112.636,24 (cfr. fls. 564 dos autos); a qual permaneceu em vigor até 03/05/2005, data do despacho que deferiu o requerimento de caducidade da garantia prestada, cfr. fls. 450 e 456 dos autos.
D. Na sequência de acórdão de 18/03/2010, da Secção do Contencioso Tributário do TCA Norte foi anulada a liquidação impugnada (cfr. fls. 537 a 552 dos autos).
E. Em 12/05/2010 vem o impugnante requerer decisão de reconhecimento do direito a ser indemnizado no valor dos custos suportados com a referida garantia bancária, invocando erro manifesto da Administração Fiscal, cuja verificação faz depender do seu reconhecimento pelo acórdão a que aludimos em D. (cfr. fls. 561 a 565).
F. O despacho ora controvertido ignora questão essencial: a destrinça entre direito de indemnização por caducidade de garantia e direito de indemnização por prestação de garantia indevida.
G. Com efeito, o n.º 6 do art. 183º-A do CPPT (na redacção originária, que vigorou até à revogação operada pela Lei 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro) atribuía a quem prestou garantia o direito de indemnização pelos encargos suportados com a sua prestação, nos termos e com os limites previstos nos n.ºs 3 e 4 do art. 53.º da LGT.
H. Direito esse que existia sempre que fosse reconhecida tal caducidade (como foi nos presentes autos), independentemente de vir ou não a dar-se razão ao contribuinte no presente processo de impugnação com que a prestação de garantia está conexionada.
I. Apreciado e decidido favoravelmente o pedido de verificação da caducidade, surge o direito á indemnização legalmente consagrado: pagamento dos encargos suportados com a prestação de garantia, tendo aqueles, como limite máximo, o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na LGT, nos termos do art. 35.º, nº 10 e 43.º, n.º 4 da LGT, por força da remissão do n.º 6 do art. 183-A para o n.º 3 do art. 53.º.
J. O direito de indemnização por caducidade da garantia tem por fundamentos responsabilidade contratual por facto ilícito, constituído pela não observância dos prazos legais de decisões de processos judiciais à face da redacção inicial do art. 183.º-A do CPPT.
K. Não sendo, assim, aplicável à formulação de pedido de indemnização por caducidade de garantia o regime previsto no art. 171.º do CPPT para os casos de prestação indevida de garantia.
L. Por outro lado, sendo a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito o fundamento da indemnização atribuída em caso de caducidade de garantia, o prazo de prescrição do respectivo direito será o de três anos, previsto no art. 498.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no art. 71º, nº 2 da LPTA (actualmente, pelo art. 5.º do Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro).
M. No que ao caso vertente concerne, tendo o requerimento do impugnante (no sentido da verificação da extinção, por caducidade, da garantia bancária prestada) sido deferido em 3/05/2005 (cfr. fls. 456 dos autos) e tendo em conta que o n.º 6 do art. 183.º-A do CPPT (na redacção originária, que vigorou até à revogação operada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro) confere, de imediato, o direito à indemnização pelos custos suportados;
N. A partir daquela data o impugnante estava em condições de exercer o respectivo direito à indemnização, começando, também a partir de 30/05/2005, a correr o prazo de prescrição, por força do n.º 1 do art. 306.º do Código Civil. Deste modo, tal direito prescreveu em 30/05/2008.
O. Esta questão, já o dissemos, nem sequer foi equacionada no despacho; mas, ainda que assim não se entendesse, sempre se teria que considerar, uma vez que a garantia foi prestada após a impugnação ter sido formulada na petição inicial, que o pedido de indemnização tinha de ser feito (como foi), mediante requerimento avulso a juntar à impugnação, a fim de ser apreciado e decidido.
P. Defende o requerente que o fundamento superveniente a atender para efeito do início da contagem do prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do art. 171º do CPPT deverá ser o reconhecimento do erro imputável aos serviços, o qual apenas considera verificado com a prolação do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (constante de fls. 537 a 552).
Q. Face à jurisprudência consolidada desse Tribunal, não podemos com ele concordar, já que “o fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal actuação da Administração, devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não fora aquela sua actuação, não teria sido necessário prestar. Não é, pois, o reconhecimento do erro imputável aos serviços, seja judicial, seja administrativo, a fundar o direito á indemnização. É o erro em si.” (acórdão de 21/11/2007, no recurso nº 633/07).
R. Erro que o requerente não desconhecia quando deduziu a impugnação judicial, em que o imputou à Administração Tributária. Estava, portanto, em condições de, no decurso do processo de impugnação judicial, e logo que prestou garantia, fazer valer o seu direito à indemnização, fundando-o em factos já então ocorridos e seus conhecidos – e não apenas supervenientemente.
S. O que não é admissível (mesmo admitindo a existência de fundamento superveniente) é que se faça o pedido na impugnação judicial quando ela já não está a correr (no caso vertente em 12/05/2010), por ter atingido o seu termo com o trânsito em julgado da respectiva decisão (no caso, em 06/04/2010). Nestes casos, o pedido terá de ser formulado autonomamente, de acordo com o n.º 3 do artigo 53º da LGT – questão que também não foi conhecida no douto despacho ora recorrido.
T. Eis as razões pelas quais entendemos enfermar a presente sentença de erro de julgamento.
U. Sem prejuízo da possibilidade que assiste ao Juiz de suprir (reparar) a sua decisão, no âmbito específico do “recurso de agravo”, nos termos do art. 744º, nº 3 do CPC (note-se que estamos em presença de processo iniciado bem antes de 01/01/2008, data da entrada em vigor do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, que procede à eliminação da figura), mantendo contudo a parte agravada a faculdade de requerer a prossecução dos termos do recurso para apreciação pelo Tribunal Superior.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se, em consequência, a sentença recorrida, com as legais consequências.

2 – Contra-alegou o recorrido, concluindo nos seguintes termos:
-- A crítica assacada à douta decisão recorrida assenta na alegação de questões novas que não foram invocadas no articulado de defesa apresentado junto do Tribunal recorrido, conflituando até com a posição ali sustentada pelo Recorrente, pelo que
-- sendo vedado ao Tribunal ad quem a apreciação de questões ou matérias não invocadas no Tribunal recorrido, não deverá tomar-se conhecimento do recurso interposto.
A assim se não entender,
-- O direito de indemnização fundado na caducidade da garantia depende da medida do vencimento obtido pelo contribuinte na decisão a proferir no recurso administrativo, na impugnação judicial ou na oposição à execução, pelo que
--a prescrição do direito de indemnização, invocado aliás com base na prestação de garantia indevida, sustentada em via principal pela Recorrente carece de fundamento legal.
-- A obrigação de indemnizar imposta à A.T. pela prestação indevida de garantia depende a verificação de erro dos seus serviços no acto da liquidação do tributo, e da sua imputação àqueles, pelo que
--A obrigação só se constitui ou eclode na ordem jurídica com a decisão definitiva da impugnação judicial; consequentemente,
-- O correspectivo direito do contribuinte a ser indemnizado pelos encargos da garantia a que a lei o obriga só se firma no preciso momento da constituição da correlativa obrigação.
-- A entender-se que o pedido indemnizatório deveria ter sido formulado sob a forma de execução de julgado, a sua dedução haveria padecido de erro na forma de processo; porém,
--A assim se entender, perante a falta da sua arguição em tempo útil pela Recorrente, deverá o vício ser considerado sanado, ao abrigo das disposições legais acima invocadas.
Por tudo o exposto,
--Não merece, assim, provimento o recurso interposto, só assim se fazendo JUSTIÇA!


3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença condenatória da administração tributária no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida
FUNDAMENTAÇÃO
1. A recorrente suscitou nas alegações de recurso questão nova ausente na sua pronúncia, no exercício do direito ao contraditório, sobre o pedido de indemnização formulado pelo sujeito passivo do imposto: prescrição do direito de indemnização por caducidade da garantia prestada (doc. fls. 575/576)
Visando o recurso o reexame de questões oportunamente suscitadas e apreciadas no tribunal de 1.ª instância, e não o exame de questões novas, está precludida a sua apreciação pelo tribunal superior, considerando que não é de conhecimento oficioso.
2. O pedido de indemnização por prestação de garantia indevida formulado pelo sujeito passivo do imposto tem fundamento na verificação judicial de erro imputável aos serviços na liquidação do Imposto Sucessório, constante de acórdão do TCA Norte proferido em 19 março 2010, transitado em julgado (art. 53º nº 1 LGT)
O pedido foi formulado no meio processual adequado, antes do arquivamento do processo: impugnação judicial onde se discutiu a legalidade da dívida exequenda anulada (art. 171º nº 1 CPPT)
Por inexistência de fundamento superveniente (à prolação de decisão definitiva do processo de impugnação judicial que reconheceu o erro imputável aos serviços onde radica o pedido de indemnização) é inaplicável o prazo de 30 dias após a sua ocorrência para a formulação do pedido (art. 171.º, n.º 1 CPPT)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se a decisão recorrida cometeu erro de julgamento ao conhecer do pedido de indemnização por garantia indevida no processo de impugnação, após o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal Central administrativo Norte nele proferido em sede de recurso e que anulou totalmente as liquidações impugnadas.

5 – Matéria de facto
Na decisão objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos (que numerámos):
1. (…) por Acórdão do TCA Norte, datado de 19/03/2010 (também nessa data notificado às partes) foram anuladas as liquidações aqui impugnadas, por erro imputável aos serviços.
2. Pelo Impugnante foi prestada garantia bancária nr. 125-02-0241089 no valor de € 1.112.636,24, no dia 17/04/2002.
3. Por despacho de 03.05.2005, foi ordenada a sua restituição
4. Junto com o presente requerimento foi junta Declaração, datada de 30 de Abril de 2010, do Banco Millennium (grupo BCP) onde consta que com a apresentação e remuneração da garantia bancária nr. 125-02-0241089, foi suportado pelo ordenador o montante de € 44.059,15 (quarenta e quatro mil cinquenta e nove euros e quinze cêntimos)

6 – Apreciando.
6.1 Do reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevida
A sentença recorrida, a fls. 581 a 583 dos autos, julgou verificado o direito à indemnização por garantia indevida, condenando a AT no pagamento dos encargos peticionados, com o limite constante do n.º 3 do art. 53.º da LGT, após o trânsito em julgado do Acórdão do TCA Norte que anulou totalmente, por erro imputável aos serviços, as liquidações de Imposto sobre as Sucessões e Doações impugnadas nos autos.
Embora nos autos tenha antes sido requerida e julgada verificada a caducidade da garantia prestada para suspender a execução nos termos do artigo 183.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (na redacção em vigor em 2005) – cfr. o n.º 3 do probatório e o despacho de 3 de Maio de 2005, a fls. 456 dos autos – não foi requerida indemnização pelos encargos suportados com a sua prestação nos termos no n.º 6 do artigo 183.º-A do CPPT, apenas a declaração da sua caducidade e em consequência a sua restituição aos requerentes (cfr. requerimento de fls. 450 dos autos).
Também a decisão recorrida pronunciou-se apenas e só sobre o requerido direito de indemnização por garantia indevidamente prestada (e não sobre o direito de indemnização por caducidade da garantia, que não foi sequer peticionado), reconhecendo-o ao impugnante.
Não se entende, pois, a alegada pretensa confusão do tribunal “a quo” entre os dois institutos (cfr. conclusões F) a O) das alegações da recorrente), pois que nenhuma confusão entre eles se verifica na decisão recorrida.
Nem se entende a alegação da prescrição do direito de indemnização por caducidade da garantia (cfr. as conclusões L) a N) das alegações da recorrente) se o direito reconhecido pela decisão recorrida foi o de ser indemnizado pelos encargos decorrentes da prestação de garantia indevidamente prestada, e não pela caducidade da garantia.

Resta, pois, para apreciação, a questão de saber se o pedido formulado de indemnização por garantia indevida podia ainda ser formulado no processo de impugnação ou se tinha de o ser autonomamente, uma vez que a impugnação findara com o trânsito em julgado do acórdão do TCA-Norte e o requerimento no qual o impugnante pediu a indemnização dos encargos suportados com a prestação de garantia deu entrada após o trânsito em julgado (cfr. conclusões O) a S) das alegações de recurso).
Entende o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, no seu parecer junto aos autos e supra transcrito que o pedido foi formulado no meio processual adequado, antes do arquivamento do processo: impugnação judicial onde se discutiu a legalidade da dívida exequenda anulada (art. 171º nº 1 CPPT), solução esta desconforme com o já decidido por este Supremo Tribunal (cfr. o acórdão de 21/11/2007, rec. n.º 633/07)
De qualquer modo, mesmo entendendo que o pedido foi formulado intempestivamente na impugnação, é certo que subsistia o direito do impugnante peticionar a indemnização por garantia indevida em execução do julgado anulatório – como vem sido reiterada e pacificamente reconhecido por este Supremo Tribunal (cfr., entre outros, os Acórdãos de 24 de Novembro de 2010, rec. n.º 1103/09 e 299/10, de 13 de Abril de 2011, rec. n.º 1032/10, de 22 de Junho de 2011, rec. n.º 216/11 e de 2 de Novembro de 2011, rec. n.º 620/11) -, estando para tal manifestamente em prazo.
Daí que o facto de ter deduzido o pedido no âmbito da impugnação traduz-se, tão somente, em excepção de erro na forma do processo, determinante da sua convolação para o meio processual adequado, sendo que não tendo sido arguido o erro na forma do processo pela ora recorrente quando notificada para se pronunciar sobre o requerimento (cfr. resposta da Fazenda pública ao requerimento de indemnização por garantia indevida, a fls. 575/576 dos autos), nem conhecida oficiosamente na decisão recorrida, ficou tal nulidade sanada, ex vi do disposto nos artigos 199.º n.º 1, 202.º e 204.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.

Lisboa, 26 de Junho de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Dulce Neto.


Segue acórdão de 9 de Outubro de 2013:

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Fazenda Pública, notificada do acórdão proferido por esta Secção em 26/06/2013, veio requerer a sua reforma quanto a custas, nos seguintes termos:

1 - Nos termos do Acórdão ora notificado foi a reclamante, Fazenda Pública, como recorrida, condenada em custas tendo, igualmente, por acto da Secretaria, sido notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual no recurso.

2 - Contudo, o presente processo é uma impugnação judicial, que foi interposta em 20 de Fevereiro de 2002.

3 - Assim, ao mesmo aplica-se o anterior Código das Custas Judiciais, aprovado pelo DL 224-A/96, de 26/11, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL nº 324/03, de 27/12, dado que estas só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor.

4 - Deste modo, há que ter em conta o disposto na al. a) do nº 1 do art. 2º do referido CCJ, que continha uma isenção subjectiva de custas relativamente ao Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados.

5 - Donde, no presente processo, não podia a recorrente, Fazenda Pública, ser condenada em custas, por o Estado estar delas isento e nem era devida qualquer taxa de justiça pelo impulso processual no recurso.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve o presente Acórdão ser reformado, quanto a custas, por a ora reclamante, Fazenda pública, estar delas isenta, bem como, pelos mesmos motivos, ser dada sem efeito a notificação efectuada pela Secretaria, para o pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual no recurso, com todas as consequências legais.

Com dispensa de vistos, dada a simplicidade da questão, cumpre decidir em conferência, tendo em conta que a reforma da sentença contemplada no actual art. 614º do CPC - aprovado pela Lei nº 41/2003, de 26.06, e a que correspondia o art. 669º do anterior CPC - é aplicável aos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo por força do preceituado no art. 666º, aplicável ex vi do disposto no art. 685º, ambos do actual CPC [diploma aplicável ao contencioso tributário por força do disposto no art.º 2.º, al. e) do CPPT].

Vejamos, pois.

É inteiramente fundada a pretensão de reforma do citado acórdão, já que essa pretensão pressupõe a constatação de um erro de julgamento na condenação em custas, erro que, manifestamente, se verifica, por não se ter atentado na data da apresentação da petição inicial em 1ª instância.

Com efeito, o presente processo tributário de impugnação judicial foi instaurado em 20 de Fevereiro de 2002, conforme resulta do carimbo aposto no rosto da petição inicial (a fls. 1 dos autos).
E no regime de custas anterior à vigência do Dec.Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária, por expressa previsão dessa isenção no art. 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários (DL 29/98, de 11 de Fevereiro), como, aliás, já antes constava do art. 5º do Regulamento das Custas nos Processos das Contribuições e Impostos e do art. 2º da Tabela das Custas no Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo DL n.º 42.150, de 12/2/59.
Ora, embora as disposições que isentavam a Fazenda Pública de custas nos processos tributários tivessem sido revogadas pelo art. 4º, nºs. 4 e 5, do citado Dec.Lei n.º 324/2003, deixando a Fazenda Pública de beneficiar de isenção no Código das Custas Judiciais que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004 (art. 16º), este diploma só se aplica aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (art. 14º, n.º 1), produzindo apenas efeitos, no tocante às custas judiciais tributárias, a partir da data da transferência dos tribunais tributários para a tutela do Ministério da Justiça (art. 15º, n.º 2), transferência que ocorreu com a publicação do Dec.Lei n.º 325/2003, de 29.12, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação (art. 18º).

Assim, tendo em conta os citados diplomas legais e a data da instauração da presente impugnação judicial, a Fazenda Pública não paga custas; e, assim sendo, há que reformar, neste segmento, o acórdão em causa, bem como dar sem efeito a notificação para pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual no recurso, também inaplicável ao caso dos autos.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em atender o pedido de reforma do acórdão proferido nos presentes autos no segmento em que condenou a Fazenda Pública em custas, passando a nele constar “Sem custas, por Fazenda Pública delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 1/01/2004 ”.

Sem custas.


Lisboa, 9 de Outubro de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Dulce Neto.