Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02462/20.0BEPRT
Data do Acordão:01/26/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
CITAÇÃO EDITAL
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor. O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P. Tributário).
II - O termo inicial do prazo de prescrição conta-se em função da ocorrência do facto tributário, sendo computado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, salvo em relação ao I.V.A. em que tal prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que ocorreu a exigibilidade do tributo, se o regime aplicável for o previsto na L.G.T. (cfr.artº.48, nº.1, da L.G.Tributária).
III - Recorde-se que para se aquilatar da verificação, ou não, de factos interruptivos e/ou suspensivos da prescrição, designadamente, à luz do disposto nos artºs.48 e 49, da L.G.T., mostra-se necessário que o Tribunal fixe toda a factualidade relevante a esse respeito.
IV - Nos presentes autos, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos dos artºs.682, nº.3, e 683, nº.1, ambos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, visto que e além do mais, não se alcança da matéria de facto assente quaisquer elementos que permitam esclarecer os motivos pelos quais foi utilizada a forma de citação edital e se as respectivas formalidades (designadamente, a afixação do edital) foram ou não respeitadas.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P28835
Nº do Documento:SA22022012602462/20
Data de Entrada:01/06/2022
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A…………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, constante a fls.44 a 51 do processo físico, que julgou improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal, deduzida pelo ora apelante, na qualidade de revertido e no âmbito dos processos de execução fiscal nº.1821-2003/106868.7 e nº.1821-2004/100626.6 e apensos, os quais correm seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Matosinhos, em consequência do que não declarou prescrita a dívida exequenda objecto dos identificados processos executivos, relativa a I.V.A. e juros compensatórios, de períodos compreendidos nos anos de 2002 e 2003 e no total de € 194.334,77.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.53 a 74-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
I-O presente recurso vem interposto da decisão que julgou improcedente a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal apresentada contra o despacho de indeferimento do pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas tributárias constantes dos processos de execução fiscal nºs 1821200301068687; 1821200401006266; 1821200401041983; 1821200401051350 formulado pela aqui Recorrente.
II-Para tal louvou-se o Tribunal a quo da jurisprudência que vem sendo proferida, neste Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de atribuir ao ato de citação um duplo efeito instantâneo e duradouro.
III-Considerando-se que, se o ato interruptivo de prescrição for a citação, então o novo prazo não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que ponha termo ao processo.
IV-Fazendo fé na posição assumida na douta decisão em mérito, temos que o início da contagem do prazo de prescrição das dívidas constates dos autos, apenas se inicia após tais dívidas serem declaradas em falhas.
V-Entendimento com o qual o Recorrente não se pode conformar, desde logo e além do mais, porque entende e sustenta que tal interpretação viola os princípios basilares do direito tributário – o princípio da legalidade fiscal, da tipicidade das causas de extinção do processo de execução fiscal, da certeza e da segurança jurídica, entre muitos outros.

QUESTÃO PRÉVIA

DA UTILIZAÇÃO INDEVIDA DA CITAÇÃO EDITAL

VI-Nos presentes autos estão em causa dívidas referentes de IVA referentes aos períodos de tributação de 2002/02 (processo de execução fiscal nº 1821200301068687); 2003/01 (processo de execução fiscal nº 1821200401006266); 2003/08 (processo de execução fiscal nº 1821200401041983) e ainda, coimas relativas ao período de 2002/12 (processo de execução fiscal nº 1821200401051350), instauradas contra a sociedade comercial A…………, Lda., as quais, por via do despacho de reversão, reverteram contra o aqui Recorrente.
VII-No entanto, nunca o Recorrente foi citado para os termos dos referidos processos de execução fiscal.
VIII-Revertida a dívida, deveria o Recorrente ser pessoalmente citado para os presentes autos de execução, pois a isso obriga o nº 2 do artigo 192.º do CPPT.
IX-Tal normativo preceitua que: No caso de a citação pessoal ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção e este vier devolvido ou não vier assinado o respectivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43.º, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte.
X-Ou seja, a citação pessoal opera-se por via da remessa de uma carta registada com aviso de receção dirigida para a morada do executado e, caso a mesma seja devolvida dever-se-á repetir o ato através do envio de nova carta registada com aviso de receção.
XI-Tal comunicação, atenta a morada de sempre do Recorrente, deveria ter sido endereçada para a Rua ………, nº ……, ….., ……, 4150-…… Porto, morada essa, que sempre constou do cadastro fiscal do Recorrente.
XII-No entanto, nada nos autos existe que comprove que o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 deu cumprimento ao legalmente imposto pelo nº 2 do artigo 192.º do CPPT.
XIII-Ao invés, a única coisa que existe e foi feita juntar aos presentes autos - foi a citação edital do Recorrente.
XIV-Resultando assim à evidência, uma utilização indevida da citação edital.
XV-O que consubstancia, nos termos do artigo 188.º, nº 1, alínea c) do CPC a falta de citação do Recorrente para os presentes autos de execução, a qual já havia sido suscitada aquando da apresentação do requerimento para reconhecimento das dívidas tributárias que enformam os presentes autos.
XVI-Assim, sem quebra do elevadíssimo respeito devido, somos levados a discordar da posição assumida pela Administração Fiscal a qual, mereceu acolhimento na douta decisão recorrida, mais concretamente, quanto ao efeito interruptivo da aludida citação.
Ora,
XVII-Se estamos perante uma situação, como a dos autos, em que existe uma utilização indevida da citação edital – facto que consubstancia a falta de citação (188.º, nº 1, al. c) do CPC), então não poderemos daí extrair qualquer efeito, mormente, o efeito interruptivo (instantâneo e duradouro) conforme o pretendido. Vide a este respeito o Ac. do STA de 04/11/2020 no Proc. nº 0365/20.8BEBRG.
XVIII-Porque, para todos os efeitos, no quadro legal vigente – houve falta de citação.
XIX-Atento os períodos a que se referem os tributos em causa nos autos, no cotejo com a factualidade de inexistir nos autos qualquer facto interruptivo e/ou suspensivo relativamente ao Recorrente, poderemos afirmar, com elevada dose de certeza, que tais dívidas se encontram prescritas, pelo menos, desde 01/01/2011.
XX-Devendo, nesta parte, a douta sentença ser revogada e substituída por outra que reconheça a prescrição das dívidas tributárias destes autos.
DO DUPLO EFEITO DO ATO DE CITAÇÃO (INSTANTÂNEO E DURADOURO)

A DECLARAÇÃO EM FALHAS

XXI-Materialmente, a declaração em falhas nas sábias palavras de FREITAS ROCHA, consubstancia um ato de mero tramite, limita-se a atestar situações pré-existentes, embora não transporte em si mesmo efeitos jurídicos autónomos, revela-se absolutamente essencial no novo recorte do processo de execução fiscal.
XXII-Apesar da matéria relativa à declaração em falhas sistematicamente se encontrar inserida no capítulo dedicado à extinção do processo de execução fiscal, a verdade é que tal instituto não constitui nenhuma das causas legalmente previstas de extinção da obrigação tributária, como aliás, decorre do artigo 176.º do CPPT.
XXIII-Se o recurso a outros ramos do direito é-nos legitimado pela alínea d) do artigo 2.º da LGT, tal acesso não poderá em todo o caso consubstanciar um livre-trânsito, uma vez que, o recurso a legislação complementar, nos termos do artigo 2.º da LGT, deverá deter-se dentro do estritamente necessário e sem que com isso seja colocado em causa os princípios estruturantes do direito tributário, como o sejam, o princípio da legalidade tributária, o princípio da tipicidade, o princípio da reserva de lei ou o princípio da segurança jurídica.
XXIV-Assim, embora possa ser defensável o recurso ao nº 1 do artigo 326.º do CC porque efetivamente a legislação tributária não prevê quais os efeitos da interrupção (inutilização do prazo decorrido anteriormente à verificação da causa interruptiva), no entanto, esse recurso deverá ser enquadrado dentro daquilo que procuramos – e o que procuramos é simples, saber qual é o efeito da interrupção da prescrição na relação tributária – e a resposta é-nos dada pela primeira parte do nº 1 do artigo 326.º do CC “a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo. (…)”
XXV-Ou seja, o tempo que decorreu anteriormente, é por assim se dizer, eliminado, reiniciando-se a sua contagem após a verificação do facto interruptivo, como o sejam a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo.
XXVI-Encontrando-se na primeira parte do nº1 do artigo 326.º do CC os efeitos da interrupção do prazo de prescrição, entendemos, sem quebra do elevado respeito devido por diversa opinião que o recurso a tal normativo se terá obrigatoriamente de deter pela primeira parte do referido preceito, sendo, por conseguinte, inaplicável a segunda parte do nº 1 do artigo 326.º que prevê “(…)sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte.”
XXVII-Parece-nos, que uma interpretação normativa no sentido de aplicar indiscriminadamente o vertido no nº 1 do artigo 326.º do CC e extrapolando por via desse preceito para o que vem vertido no artigo 327.º do CC, como aliás, é entendimento praticamente unânime da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, é violadora dos princípios basilares do direito tributário máxime o princípio da legalidade fiscal.
XXVIII-Esta posição, dominante junto do STA, não é isenta de critica, desde logo por banda da Conselheira Ana Paula Lobo cujo entendimento por ela perfilhado, com a devida vénia, subscrevemos integralmente, mas a esta juntam-lhe outras vozes como a mais corrosiva de Rui Marques, cuja posição também não poderemos deixar de acolher sem qualquer tipo de reserva.
XXIX-Esta tese, embora defensável como o demonstram os inúmeros acórdãos do STA, é violentadora dos direitos constitucionalmente conferidos dos contribuintes, desde logo porque a matéria da prescrição é uma matéria umbilicalmente ligada às garantias dos contribuintes, pois caso o mesmo não existisse no ordenamento jurídico, o decurso do prazo seria irrelevante para o termo das relações jurídicas estabelecidas entre sujeitos dessa mesma relação.
XXX-Através do recurso às normas previstas no Código Civil encontramos no artigo 326.º que sob a epígrafe “Efeitos da Prescrição” estabelece que “1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo” (…).
XXXI-Ora, o previsto na primeira parte do nº 1 do artigo 326.º dá-nos a resposta aquilo que procurávamos saber era – qual o efeito da interrupção do prazo de prescrição? E a resposta é simples – inutilização de todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo.
XXXII-No entanto, esta não é a posição seguida pela jurisprudência do STA, pois entende que se deve aplicar a totalidade do nº 1 do artigo 326.º do Código Civil, única forma de legitimar o recurso ao artigo 327.º do mesmo diploma.
XXXIII-A citação, como ato privatístico do processo de execução fiscal que é, pois só tem lugar quando haja incumprimento e o processo prossiga para a fase de cobrança coerciva do tributo, o mesmo revela-se de extrema importância para o subsequente desenvolvimento de todo o processo de execução fiscal, em face da citação o executado poderá adotar uma de quatro posturas: opor-se à execução, requerer o pagamento da dívida em prestações, requerer a dação em pagamento ou então, nada fazer.
XXXIV-Instaurado o processo de execução fiscal e procedendo à citação do executado, este só poderá sindicar a dívida subjacente por via da oposição.
XXXV-Se a citação determina a interrupção do prazo de prescrição com a subsequente inutilização do prazo anteriormente decorrido até à verificação do evento interruptivo (efeito instantâneo); por sua vez, a oposição eventualmente deduzida pelo executado é nos termos do artigo 49.º, nº 4, alínea b) da LGT, uma causa de suspensão do aludido prazo, o qual se suspende com a apresentação da oposição nos termos do artigo 207.º do CPPT, não reiniciando a contagem do prazo de prescrição enquanto não transitar em julgado a decisão que puser fim ao processo (efeito duradouro).
XXXVI-Daí que possamos afirmar que seguidamente ao ato interruptivo segue-se um outro suspensivo que obsta ao reinício da contagem do prazo de prescrição.
XXXVII-Não poderemos é dizer, como é entendimento da jurisprudência do STA que o ato interruptivo provocado pela citação tem um duplo efeito (instantâneo e duradouro), pois esse entendimento segundo o qual a interrupção do prazo de prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do artigo 49.º da LGT) gera um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do artigo 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do artigo 327.º do CC) – não encontra qualquer respaldo na normatização tributária.
XXXVIII-Temos para nós que, no caso de o ato interruptivo ser o ato de citação estabelecido no artigo 49.º nº 1 da LGT o mesmo tem como único e exclusivo efeito nos termos da 1ª parte no nº 1 do artigo 326.º do CC – a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente decorrido até ao momento da ocorrência do ato interruptivo, reiniciando-se a contagem do aludido prazo após este – efeito instantâneo.
XXXIX-Contrariamente ao defendido pela jurisprudência do STA, temos que o único efeito que a legislação fiscal prevê para o ato de citação seja a interrupção do prazo de prescrição em curso, com a subsequente inutilização do tendo decorrido até então, não lhe podendo ser assacado qualquer outro efeito, tal como o efeito duradouro – obsta ao início da contagem do prazo de prescrição.
XL-Na verdade, tal asserção, briga desde logo com a própria natureza dos atos tributários, pois a única possibilidade de após a citação (facto interruptivo) existir uma suspensão do prazo de prescrição é se porventura o executado apresentar um qualquer meio de reação dos que se encontram previstos no nº 4 do artigo 49.º da LGT – que confere o efeito suspensivo até ao trânsito em julgado da decisão que recair sobre qualquer um dos meios de reação apresentas (reclamação, impugnação, recurso ou oposição).
XLI-Nestes casos, em que o executado não reage ao ato de citação, entendemos que, o prazo de prescrição que havia sido interrompido por via da citação (artigo 49.º, nº 1 da LGT e artigo 326.º, nº 1, 1ª parte do CC) retoma imediatamente a sua contagem finda o prazo para a apresentação da oposição, pois relativamente a este concreto processo, atenta a inércia do citado, forma-se caso julgado, não sendo passível qualquer mutação na configuração da relação jurídica tributária, transcorrido o prazo de oposição, nem poderá após este ser invocado qualquer dos fundamentos previstos no artigo 204.º, nº 1 do CPPT.
XLII-Uma adequada e correta hermenêutica interpretativa dos normativos do artigo 49.° da LGT e, bem assim, da primeira parte do nº 1 do artigo 326.º do código civil, com efetiva e plena utilização dos elementos interpretativos (elemento gramatical, elemento racional ou teleológico, elemento sistemático e elemento histórico), isto é, a aquedada aplicação das regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conduz-nos à conclusão de que os normativos do artigo 49.º da LGT e primeira parte do nº 1 do artigo 326.º do código civil fixam e determinam os efeitos das causas de interrupção e das causas de suspensão.
XLIII-E, a conclusão só poderá ser uma, a de que o ato de interrupção promovido pela citação do executado, apenas tem como efeito a inutilização do tempo anteriormente decorrido, o qual é retomado, após o decurso do prazo que este dispõe para a apresentação de oposição à execução.
XLIV-E, nos casos em que o executado nada faz, o curso do prazo de prescrição é imediatamente retomado após o termo do prazo para apresentação de oposição à execução fiscal.

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO QUE ATRIBUI AO ATO INTERRUPTIVO O DUPLO EFEITO (INSTANTÂNEO E DURADOURO)
XLV-A interpretação do artigo 327.º, nº 1 do Código Civil, ao atribuir ao ato de citação para o processo de execução fiscal um efeito duradouro na interrupção do prazo de prescrição da dívida tributária, efeito esse que se mantém, independentemente da atuação (ou falta dela) dos executados, até à declaração em falhas do referido processo (pela Autoridade Tributária) - equiparando a declaração em falhas "à decisão que [põe] termo ao processo", nos termos do n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil - é inconstitucional, por violação do n.º 2 do artigo 103.º e, bem assim, do artigo 2.º, todos da CRP.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
X
Remetidos os autos a este Tribunal, o Digno Magistrado do M. P. proferiu douto parecer (cfr.fls.79 e 80 do processo físico) no qual termina defendendo, desde logo, a existência de uma situação de défice instrutório, quanto à apreciação da questão da prescrição da dívida exequenda, suscitada pelo recorrente, pelo que se impõe a baixa dos autos ao Tribunal "a quo".
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.45 e 46 do processo físico):
1-Em 19.10.2003 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 o processo de execução fiscal n.º 1821200301068687 em nome de A…………, por dívidas de IVA do período de 0212, no montante de € 68.670,94 - cfr. fls. 32 do SITAF;
2-Em 7.01.2004 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 o processo de execução fiscal n.º 1821200401006266 em nome de A…………, por dívidas de IVA do período de 0301, no montante de € 18.269,52 - cfr. fls. 32 do SITAF;
3-Em 17.07.2004 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 o processo de execução fiscal n.º 1821200401041983 em nome de A…………, por dívidas de IVA do período de 0308, no montante de € 96.088,28 - cfr. fls. 32 do SITAF;
4-Em 24.07.2004 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 o processo de execução fiscal n.º 1821200401051350, em nome de A…………, por dívidas de IVA do período de 0212, no montante de € 10.791,02 - cfr. fls. 32 do SITAF;
5-Em 26.03.2008, os processos de execução fiscal n.º 1821200401041983 e n.º 1821200401051350 foram apensados ao processo de execução fiscal a que se alude em 2) - cfr. fls. 29 do SITAF;
6-No âmbito do processo de execução fiscal descrito em 1), o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 emitiu em 16.12.2009 edital para citação de A………… e para notificação da penhora efectuada sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Rio Tinto sob o artigo ……, fracção X - cfr. fls. 42 do SITAF;
7-No âmbito do processo de execução fiscal descritos em 2), 3) e 4) o Serviço de Finanças de Matosinhos 1 emitiu em 16.12.2009 edital para citação de A………… e para notificação da penhora efectuada sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Rio Tinto sob o artigo ……, fracção X - cfr. fls. 46 do SITAF;
8-A………… apresentou junto do Serviço de Finanças de Matosinhos 1 requerimento solicitando a declaração da prescrição da quantia exequenda cobrada nos processos de execução fiscal descritos em 1) a 4) - cfr. fls. 49 do SITAF;
9-Em 11.10.2019 foi proferido despacho pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1, indeferindo a declaração de prescrição requerida no requerimento a que se alude em 8) - cfr. fls. fls. 57 do SITAF.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
As demais asserções da petição constituem meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou direito…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados - artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT), foram corroborados pelos documentos juntos, conforme preestabelece o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil (CC), bem como o posicionamento assumido pelas partes nos seus articulados…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, em consequência do que não declarou a prescrição da dívida exequenda cobrada no âmbito dos processos de execução fiscal nº.1821-2003/106868.7 e nº.1821-2004/100626.6 e apensos, mais mantendo na ordem jurídica o acto reclamado objecto deste processo (cfr.nº.9 do probatório).
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em síntese, que nunca foi pessoalmente citado para os termos dos processos de execução fiscal, conforme estatui o artº.192, nº.2, do C.P.P.T., e enquanto revertido. Que a única coisa de que se fez prova nos presentes autos foi a citação edital do recorrente, embora se deva concluir que se verificou uma utilização indevida do mecanismo de citação edital no caso concreto, dado não se apurarem os pressupostos legais para tal. Que a utilização indevida do mecanismo de citação edital, deve equivaler a uma situação de falta de citação, assim não ocorrendo qualquer facto interruptivo e/ou suspensivo do prazo de prescrição relativamente ao apelante. Que deve, neste segmento, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça a prescrição das dívidas tributárias face ao recorrente (cfr.conclusões VI a XX do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor (cfr.Pedro Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.274 e seg.; J.L.Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. Edição, 2007, pág.261 e seg.).
O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P. Tributário).
O termo inicial do prazo de prescrição conta-se em função da ocorrência do facto tributário, sendo computado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, salvo em relação ao I.V.A. em que tal prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que ocorreu a exigibilidade do tributo, se o regime aplicável for o previsto na L.G.T. (cfr.artº.48, nº.1, da L.G.Tributária).
"In casu", o Tribunal "a quo" examinou a excepção de prescrição da dívida exequenda, no âmbito dos processos de execução fiscal nº.1821-2003/106868.7 e nº.1821-2004/100626.6 e apensos, os quais correm seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Matosinhos, tendo concluído pela falta de ocorrência do termo final do concreto prazo de prescrição das dívidas exequendas objecto dos mencionados processos, as quais, alegadamente, se referem a I.V.A. e juros compensatórios, de períodos compreendidos nos anos de 2002 e 2003 e no total de € 194.334,77 (cfr.nºs.1 a 4 do probatório supra).
Ora, desde logo, não resulta do probatório estruturado pelo Tribunal "a quo" na sentença recorrida a que título, o reclamante e aqui recorrente, foi chamado à execução fiscal.
Concretizando, dos pontos 1 a 5 da matéria de facto assente parece resultar que as execuções fiscais (algumas, entretanto, apensas) foram instauradas contra o aqui recorrente para cobrança de dívidas próprias do mesmo. No entanto, dos autos e da petição oferecida pelo então reclamante resulta que as dívidas de I.V.A. respeitam a uma pessoa colectiva (sociedade), pelo que aquele terá sido chamado à execução como responsável subsidiário (e só assim se compreende que a citação edital tenha sido levada a efeito no decurso do ano de 2009, quando as dívidas são relativas aos anos fiscais de 2002 e 2003), factualidade que não se mostra minimamente reflectida no probatório da sentença.
Mais, o Tribunal "a quo" deu como verificada a citação do ora recorrente em 16/12/2009, data em que foi "emitido" pelo Serviço de Finanças o edital destinado a efectuar a mesma citação do chamado às execuções fiscais (cfr.nºs.6 e 7 do probatório supra).
Todavia não se alcança da matéria de facto assente quaisquer elementos que permitam esclarecer os motivos pelos quais foi utilizada essa forma de citação e se as respectivas formalidades (designadamente, a afixação do edital) foram ou não respeitadas (v.g.em que data o destinatário do edital se presume citado, nos termos do artº.242, nº1, do C.P.Civil, norma aplicável "ex vi" do artº.192, nº.1, do C.P.P.T.).
E recorde-se que para se aquilatar da verificação, ou não, de factos interruptivos e/ou suspensivos da prescrição, designadamente, à luz do disposto nos artºs.48 e 49, da L.G.T., mostra-se necessário que o Tribunal fixe toda a factualidade relevante a esse respeito.
Releve-se que a falta de apuramento de tais factos resulta da omissão de diligências que se impunha realizar por parte do Tribunal "a quo", pelo que a sentença sindicada padece de défice instrutório, sendo que o S.T.A. é um Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), com exclusiva competência em matéria de direito, em regra (cfr.artº.26, al.b), do E.T.A.F.).
Por outro lado, mencione-se que, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/12/2019, rec. 1555/08.5BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/04/2020, rec.2145/12.5BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/03/2021, rec.570/15.9BEMDL; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. Edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
Arrematando, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos dos artºs.682, nº.3, e 683, nº.1, ambos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 21/11/2019, rec.670/15.5BEAVR; ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/05/2020, rec.7/18.1BEPDL; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Novo Regime, 4ª. Edição, 2017, Almedina, pág.430 e seg.), devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja produzida a ampliação da matéria de facto pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites identificados supra, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, ANULAR A SENTENÇA RECORRIDA e ordenar que os autos regressem à 1.ª Instância (TAF do Porto), a fim de aí, após fixação da pertinente matéria de facto, se proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
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Condena-se a entidade recorrida em custas, mais se dispensando do pagamento da taxa de justiça, nesta instância de recurso, dado não ter produzido contra-alegações.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 26 de Janeiro de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo.