Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0723/10
Data do Acordão:07/02/2015
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PROCESSO DISCIPLINAR
PROVA TESTEMUNHAL
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
DEVER DE CORRECÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:I - A credibilidade que em processo disciplinar se concede a um certo testemunho releva, além do mais, de “elementos racionalmente não explicáveis”, que não é possível objectivar, por completo, no discurso justificativo da decisão.
II - Constituem infracção disciplinar os actos ou omissões da vida privada dos magistrados do Ministério Público que se repercutam na sua vida pública, incompatíveis com o decoro e dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções.
III - O dever geral de correcção previsto no art. 3º/2/h) 10 do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, é um dever profissional que, por definição, respeita à prestação do serviço, não existindo desligado dela.
IV - Não é aplicável aos processos disciplinares instaurados ao abrigo do Estatuto do Ministério Público o disposto nos nºs 4 e 6 do art. 55º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro.
Nº Convencional:JSTA00069280
Nº do Documento:SAP201507020723
Data de Entrada:01/07/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:CSMP
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL.
Legislação Nacional:L 58/2008 DE 2008/09/09 ART3 N2 H ART17 ART53 N2 ART55 N4.
EMP98 ART163 ART180 ART167 ART201 N2 ART15 ART27 A ART28 ART30.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01106/09 DE 2010/07/08.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A………………, Procurador Adjunto na comarca do ……., intentou, contra o Conselho Superior do Ministério Público (doravante CSMP), acção administrativa especial impugnando a deliberação do seu Plenário, de 30/04/2010, que, indeferindo reclamação, confirmou a decisão da sua Secção Disciplinar que lhe aplicou a pena disciplinar de advertência.
Para tanto alegou que aquele acto sancionatório era ilegal por:
- Erro nos seus pressupostos de facto, já que não estava provada a factualidade que determinara a sua punição.
- Violação de lei, por inversão ilegal do ónus da prova;
- Violação de lei, por o comportamento censurado ser mera ocorrência da sua vida privada e, por isso, não poder ser disciplinarmente sancionado.
- Erro sobre os pressupostos de direito, a conduta sancionada não consubstanciava a violação do dever de correcção;
- Preterição de diligências relevantes para a descoberta da verdade;
- Violação de lei, por a decisão punitiva ter sido proferida para além do prazo de 30 dias previsto no art. 55º/4 do Estatuto Disciplinar.

O CSMP, na sua contestação, sustentou que o acto impugnado não estava ferido por nenhum dos vícios que lhe eram imputados.


Por Acórdão de 7/06/2011 a acção foi julgada totalmente improcedente.

Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso que finalizou com a formulação das seguintes conclusões:
I. Em primeiro lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter invalidado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez que não ficou demonstrada a realidade dos factos que lhe foram imputados, como se demonstra nas alegações.
II. Em segundo lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter invalidado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez a instrução sancionatória inverteu ilegalmente o ónus da prova e violou o princípio da presunção da inocência, como se demonstra nas alegações.
III. Em terceiro lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter invalidado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez que o comportamento censurado não tem relevo disciplinar, sendo mera ocorrência da sua vida privada, como se demonstra nas alegações.
IV. Em quarto lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter invalidado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez que o comportamento censurado não consubstancia violação do dever geral de correcção, como se demonstra nas alegações.
V. Em quinto lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter invalidado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez que foram ilegalmente preteridas diligências relevantes para a descoberta da verdade, como se demonstra nas alegações.
VI. Em sexto lugar, o acórdão apelado incorreu em erro na aplicação do direito ao caso concreto por não ter anulado o acto impugnado na acção administrativa especial, uma vez que foi ultrapassado o prazo estabelecido no nº 4 do artigo 55º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, sendo que tal prazo é aplicável no caso, como se demonstra nas alegações.

O CSMP contra alegou para defender a manutenção do julgado sem, contudo, formular conclusões.


FUNDAMENTAÇÃO
I. MATÉRIA DE FACTO
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. O autor é magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador Adjunto, a exercer funções na comarca do …….;
2. A Ex.ª Procuradora Geral Distrital de Lisboa, sob a referência “Of. nº 341” de 26.03.2009, oficiou ao Ex.mo Conselheiro Vice – Procurador – Geral da República, nos seguintes termos:
Tenho a honra de transmitir a V. Ex.ª a participação anexa, vinda dos Serviços do Ministério Público da Comarca do …….., com pedido de instauração de inquérito, nos termos do art. 211º, n.º EMP”.
3. Sobre esse ofício, o Ex.mo Vice – Procurador – Geral da República, lavrou o seguinte despacho:
«Concordo com a proposta da Exa. PGD de Lisboa.
Designa-se para o efeito de proceder a inquérito o Ex.mo Inspector, Dr. B…………..
DN.
Lx. 07-04-09
4. Datado de 29 de Junho de 2009, foi elaborado o relatório do inquérito, constante a fls. 117/130 do processo instrutor apenso (que aqui se dá por inteiramente reproduzido) e que o Sr. Inspector rematou do seguinte modo:
Os factos apurados consubstanciam comportamentos de menor respeito e de falta de consideração para com o agente da PSP C…………. integrando, por isso, violação do dever geral de correcção e de respeito previsto no art. 3º, nº 2, al. h) da Lei nº 58/2008, de 9/09, aqui aplicável por força do disposto no art. 216 do Estatuto do Ministério Público o que constitui a infracção disciplinar p. e p. nos art.ºs 163, 166, nº 1, al. b) e 181 da Lei nº 60/98, de 27/8, em consequência do que se propõe a conversão do presente inquérito em processo disciplinar nos termos do art. 214, nº 1, do mesmo diploma.”
5. A Secção do Conselho Disciplinar do CSMP, na sua reunião de 14 de Julho de 2009, determinou o seguinte:
Acolhendo os fundamentos e a proposta, acordam na Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público em converter o presente inquérito em processo disciplinar, constituindo aquele a parte instrutória deste, nos termos previstos no nº 1, do art. 214º do Estatuto do Ministério Público”.
6. No processo disciplinar, o respectivo instrutor, em 30/07/2009, deduziu a acusação, constante a fls. 150/153 do p.i, que passamos a transcrever:
O arguido, concluída a respectiva formação no Centro de Estudos Judiciários, foi nomeado Procurador Adjunto por deliberação do CSMP de 99.5.26, publicada no DR de 99.6.14, encontrando-se colocado na comarca do ……….. desde 07.9.4 (deliberação do mesmo Conselho de 07.7.13, publicada no DR de 07.8.31)
No dia 27 de Fevereiro do corrente ano, os agentes da P.S.P. C…………. e D………….. encontravam-se no interior de um veículo policial na Praça ……………. em …………… – ………., em missão de fiscalização do trânsito, tendo-se apercebido da passagem de um veículo tipo jipe, com a matrícula ……….., cujo condutor, o arguido A……………, segurava na mão um telemóvel com o qual fazia, ou atendia, um telefonema.
Como tal acto configurasse a prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 84º, nºs 1 e 4 do Código da Estrada, seguiram atrás do mesmo no propósito de o interceptarem logo que possível, o que acabaria por acontecer na Rua …………. na mesma localidade.
Dirigiu-se então o agente C…………… ao arguido a quem solicitou a apresentação dos respectivos documentos que analisou, informando-o depois que iria proceder à sua autuação por ter feito uso indevido do telemóvel no exercício da condução automóvel, explicando-lhe as formas como poderia efectuar o pagamento da respectiva multa, pagamento que deveria ser feito no próprio momento sob pena de ficarem apreendidos os documentos da sua viatura.
Reagindo manifestamente desagradado ao que lhe era referido pelo agente policial, o arguido respondeu, de imediato, e de modo exaltado, “eu não pago nada, apreenda-me tudo”.
E acto contínuo, e de modo impulsivo, abriu a porta do veículo e saiu do mesmo dizendo de forma agressiva “caralho, estou-me a divorciar, já tenho problemas que cheguem”, acto que surpreendeu aquele agente que, temendo alguma reacção mais violenta do arguido, recuou no terreno alguns metros ao mesmo tempo que chamava o seu colega D…………… que aguardava junto ao veículo policial.
Já com o colega ao seu lado, o agente C………… aconselhou calma ao arguido que, sem razões que o justificassem, exibiu aos agentes o seu cartão de identificação profissional, ao mesmo tempo que dizia “eu não gosto nada de me identificar com este cartão, mas eu sou Procurador”, procurando com isso condicionar aquele agente no levantamento do auto de contra-ordenação.
Mesmo assim o agente C…………… manteve a intenção de elaborar o respectivo auto e dirigiu-se para o efeito ao veículo policial para proceder à elaboração do respectivo expediente.
No final, e quando o mesmo solicitou ao arguido que assinasse o auto de contra – ordenação nº ………… que elaborara, e uma vez mais lhe perguntou se pretendia pagar a respectiva multa naquele momento, o arguido repetiu que não pagava e recusou-se a assinar o auto como lhe era solicitado.
10º
E dirigiu-se ao agente C………….. solicitando-lhe a respectiva identificação pessoal e local de trabalho, referindo-lhe que aquele ainda ouviria falar de si.
11º
O arguido bem sabia ter cometido a contra-ordenação que lhe era imputada pelo agente da P.S.P. C……………, e que este actuava, assim, no exercício das suas funções de agente da autoridade em missão de fiscalização de trânsito ao pretender levantar o respectivo auto de contra-ordenação, cabendo-lhe por isso assumir uma postura de maior respeito e consideração para com o referido agente fornecendo os elementos pedidos e tomando o devido conhecimento do auto de contra-ordenação levantado.
12º
Sem procurar criar quaisquer constrangimentos à actuação do mesmo agente, exibindo o seu cartão de identificação profissional a solicitando a identificação daquele com a ameaça velada de que não esqueceria aquela sua atitude.
13º
Os factos descritos integram violação do dever geral de correcção, sendo incompatíveis com o decoro e a dignidade exigíveis ao exercício de funções de magistrado do Ministério Público, integrando, por isso, a infracção disciplinar p. e p. 163, 166, nº 1 al. b) e 181 do E.M.P. e art. 3º, nº 2, al. h) da Lei nº 58/09 de 9 de Setembro aqui aplicável por força do disposto no art. 216º do mesmo Estatuto (Lei nº 60/98 de 27.8).

7. O arguido apresentou a sua defesa, a fls. 157-185 do processo disciplinar apenso (que aqui se dá por inteiramente reproduzida) na qual requereu a junção de alguns documentos e a inquirição de várias testemunhas, devidamente identificadas.
8. No dia 4 de Janeiro de 2010, o instrutor elaborou o relatório do processo disciplinar, que consta a fls. 262-276 do P.A, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que terminou com proposta que formulou assim:
“Nos termos do art. 163.º do Estatuto do Mº Pº “constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados do Ministério Público, com violação dos deveres profissionais e actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutem, incompatíveis com o decoro e a dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções”.
Conforme o disposto no art. 216º do mesmo Estatuto, é subsidiariamente aplicável o disposto no Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado.
De acordo com o art. 3º, nº 2, al.ª h) da Lei nº 58/2008, de 9/09, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, um dos deveres gerais dos funcionários e agentes, e consequentemente dos magistrados, é o dever de correcção, que o nº 10 do mesmo preceito refere consistir “… em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos”.
Ora, o comportamento e expressões utilizadas pelo arguido que constam dos factos provados, objectivamente desconsideram a actuação legítima do agente da PSP C…………… são de todo incompatíveis com o decoro e dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções. Constituem, por isso violação do dever geral e profissional de correcção ou de urbanidade, o que configura a infracção disciplinar prevista no mesmo art. 163 do Estatuto do Mº Pº e no art. 3º, nº 2, al.ª h), da Lei 58/2008, aplicável por força do disposto no art. 21/6 do referido Estatuto.
À infracção em causa corresponde a pena de multa nos termos dos art.ºs 166, nº 1, al.ª. b), 168, 173 e 181 do mesmo Estatuto.
Quanto à medida da pena, haverá que atender, nos termos do art. 185 do Estatuto do Mº Pº, à gravidade dos factos e culpa do agente, à sua personalidade e demais circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele.
Não se esquecerá a gravidade dos factos, até pela repercussão pública que tiveram, não desconhecendo o arguido que ao agir como agiu colocou em causa a dignidade e honorabilidade da função de magistrado bem como a respeitabilidade que publicamente deve ser creditada à magistratura do Mº Pº.

Não tem contudo antecedentes disciplinares, sendo descrito como pessoa cordata, respeitadora, não lhe sendo conhecidos quaisquer outros episódios menos próprios com colegas, funcionários, público em geral e mesmo no relacionamento com as autoridades da comarca.
Tudo razões para que a pena de multa se fixe em montante próximo do seu limite mínimo (oito dias) referido no art. 168 do EMP., o que se propõe”.
9. O processo disciplinar foi remetido à Procuradoria-Geral da República em 2010-01-04 e nela recebido em 2010.01.12.
10. A Secção Disciplinar do CSMP, puniu o arguido, por deliberação de 19/02/2010, constante a fls. 282-290, que aqui se dá por inteiramente reproduzida e cuja parte final passamos a transcrever:
IV
Nos termos do art. 163º do Estatuto do Mº Pº constituem “constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados do Ministério Público, com violação dos deveres profissionais e actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutem, incompatíveis com o decoro e a dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções”.
Conforme o disposto no art. 216º do mesmo Estatuto, é subsidiariamente aplicável o disposto no Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado.
De acordo com o art. 3º, nº 2, al. h) da Lei nº 58/2008, de 9/09, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, um dos deveres gerais dos funcionários e agentes, e consequentemente dos magistrados, é o dever de correcção, que o nº 10 do mesmo preceito refere consistir “… em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos”.
Ora, segundo o Senhor Instrutor, que acompanhamos, o comportamento e expressões utilizadas pelo arguido, e que constam dos factos provados, objectivamente desconsideraram a actuação legítima da PSP C………….. e são de todo incompatíveis com o decoro e dignidade indispensáveis ao exercício das funções.
Constituem, por isso, uma violação do dever geral e profissional de correcção ou urbanidade, o que configura a infracção disciplinar prevista nos citados art. 163 do Estatuto do Mº Pº e art. 3º, nº 2, al. h) da Lei 58/2008.
À infracção em causa poderá corresponder a pena de multa, conforme sustenta o Senhor Instrutor, nos termos conjugados dos art.ºs 166º, nº 1, al. b), 168º, 173º e 181º do mencionado Estatuto.
Com efeito, nos termos do art. 181º do EMP, “a pena de multa é aplicável a casos de negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo”.
Quanto à medida da pena, haverá sempre que atender, nos termos do art. 185º do Estatuto do Mº Pº, à gravidade dos factos, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor contra ele.
Como refere o Sr. Instrutor não se pode esquecer que o arguido não desconhecia que ao agir como agiu colocou em causa a dignidade e honorabilidade da função de magistrado, bem como a respeitabilidade que publicamente deve ser creditada à magistratura do Mº Pº.
Porém, o arguido, sendo magistrado do Ministério Público há mais de 10 anos não tem antecedentes disciplinares, e é descrito como pessoa cordata, respeitadora, não lhe sendo conhecidos quaisquer outros episódios menos próprios com colegas, funcionários, público em geral e mesmo no relacionamento com as autoridades da comarca.
Nos termos do art. 22º do já mencionado Estatuto Disciplinar “são circunstâncias atenuantes especiais da infracção disciplinar: a) a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo.
Também nos termos do art. 186º do EMP “a pena pode ser especialmente atenuada, aplicando-se pena de escalão inferior, quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à infracção ou contemporâneas dela que diminuam acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do agente” (no mesmo sentido, vide art. 23º do ED).
Pelo que se expôs anteriormente, e considerando a gravidade dos factos e grau de culpa do arguido, verificando-se que este, em mais de 10 anos de serviço, não registou nada em seu desabono, tem-se por justa e equilibrada a atenuação especial da pena.
Em consequência, por violação do dever geral de correcção, decidem aplicar ao Sr. Procurador Adjunto Lic. A……………. a pena de advertência, de harmonia com o teor das disposições atrás referidas, designadamente do disposto nos art.ºs 166º, 1, al. a), 167º, 180º e 186º do Estatuto do Ministério Público”.
11. O arguido, ora autor, apresentou a reclamação de fls. 298-311 do PA apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida, dirigida ao plenário do CSMP, pedindo a revogação da deliberação da Secção Disciplinar mencionada no número anterior.
12. A reclamação foi indeferida pelo CSMP, por deliberação de 30 de Abril de 2010, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, conforme fls. 318 – 330 do PA apenso.

II. O DIREITO.
O presente recurso dirige-se contra o Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo que julgou improcedente a impugnação da deliberação do Plenário do CSMP que confirmou a pena de advertência que a sua Secção Disciplinar havia aplicado ao Recorrente. Nele são reafirmadas as críticas já dirigidas no articulado inicial àquela deliberação – quer no que tange ao erro nos pressupostos de facto, como à inversão ilegal do ónus da prova, à relevância em termos disciplinares da conduta sancionada e à possibilidade da mesma violar o dever de correcção, à preterição de diligências relevantes para a descoberta da verdade e ao facto da decisão punitiva ter sido proferida para além do prazo de 30 dias previsto no art. 55º/4 do Estatuto Disciplinar – críticas a que o Acórdão não deu acolhimento.
Vejamos, pois, o que se decidiu nesse Aresto a propósito de cada uma dessas questões e analisemos se as críticas que lhe são dirigidas têm fundamento.

1. A primeira dessas críticas é a de que o Acórdão errou ao desvalorizar a alegação de que a sanção impugnada tinha partido da vontade punitiva do Sr. Vice-Procurador Geral e que se não fosse esse juízo pré-concebido desse Magistrado nunca o Autor teria sido punido. Censura que foi rejeitada por ter sido considerado que não resultava do processo disciplinar que o Senhor Vice-PGR tivesse tido aquela intervenção voluntarista nem que a sanção aplicada fosse fruto desse preconceito. Entendimento que foi assim justificado:
“No processo disciplinar, propriamente dito, são conhecidas apenas três intervenções, a título individual, do Senhor Vice-Procurador Geral. A primeira, supra mencionada no n.º 3 do probatório, a ordenar a instauração de inquérito, nos termos do art. 211º, nº 1, do EMP, manifestando concordância com o pedido que lhe foi feito, nesse sentido, pela Ex.ma Procuradora Distrital de Lisboa. A segunda, a fls. 280, e a terceira, a fls.312, pelas quais, em substituição de Sua Excelência o PGR designou, respectivamente, como relatores do processo, os Sr.s Drs. E………….., na Secção Disciplinar e F……………., no Plenário do Conselho.
Por este lado, tudo bem. Não há razão motivada para basear em tais despachos de índole predominantemente tabelar e burocrática, a suposta influência nefasta e preconceituosa do Senhor Vice-Procurador Geral. Diga-se, aliás, que também não é aí que o autor situa a fonte da dita acção condicionadora. Do seu ponto de vista, tudo reside na posição oficiosamente adoptada no despacho proferido no inquérito crime nº …...6TRLSB, que consta a fls. 51/56 do processo disciplinar.
O dito despacho, foi proferido porque o Sr. Vice-Procurador Geral, discordou da decisão de arquivamento imediato do inquérito crime, sem a realização de quaisquer diligências, e considerou que estavam reunidos os pressupostos de intervenção hierárquica previstos no art. 278.º, n.º 1, do CPP. Nele explanou as razões de facto e de direito das quais, no seu entendimento, decorria que a decisão de encerramento do Inquérito tinha que ser “revista” e determinou o seguinte:
- a investigação dos factos que são objecto do presente inquérito, tendo em vista uma melhor apreciação e valoração da respectiva relevância criminal;
- a realização, num prazo de 120 dias, de todas as diligências que se revelarem necessárias, a começar pela dita audição do participante, tendo em conta o exposto.
Ora, o Sr. Vice-Procurador Geral exerceu, por iniciativa própria e do modo que lhe pareceu mais adequado, a competência que lhe está atribuída pela norma do art. 278.º/1 do CPP. E pensar, sem mais, primeiro, que a sua intervenção, por ser oficiosa, só pode decorrer de uma latente vontade punitiva e, segundo, que a discordância com o encerramento imediato do inquérito e a decisão de ordenar o aprofundamento da investigação dos factos só são explicáveis por um preconceito de culpabilidade do autor, não passa de uma conjectura. Por isso, desprovida de factos que a suportem, não vai, igualmente, além da suposição a ideia de que aquela posição do Sr. Vice-Procurador Geral no inquérito crime constituiu, em sede disciplinar, um cânone preconceituoso de convicção, pré-ordenado a obter uma condenação a todo o custo, que a todos se impôs e foi subserviente e acriticamente seguido, primeiro pelo instrutor e, depois, pela maioria dos membros do Conselho.

Dito isto, passamos aos outros argumentos.
Diz o autor que:
- os factos foram dados como provados com desvalorização ostensiva e infundada das declarações que prestou;
- a sua versão é plausível e corresponde ao seu padrão de comportamento, não se compreendendo porque razão foi dado crédito absoluto à versão dos agentes, em detrimento do depoimento por si apresentado;
- que se mantém um mistério insondável a razão porque uns depoimentos são credíveis e o outro não o é;
- que é objectivamente insustentável que o órgão de gestão da magistratura do Ministério Público lhe atribua tão pouca credibilidade mesmo reconhecendo que o seu comportamento constante é incompatível com a actuação que lhe foi imputada.

Mas a alegação não procede.
Estamos no âmbito da valoração da prova e da convicção, por parte da entidade demandada. Neste campo, o autor, tem, por certo, a seu crédito, um relevante capital de confiança amealhado pelo seu passado impoluto e pelo modo irrepreensível como, até então, sempre exerceu o seu múnus de magistrado do Ministério Público, sinal forte de que a seriedade, o equilíbrio, o bom senso, a ponderação, o saber estar e comportar-se serão, como diz, atributos da sua personalidade.
Todavia, a justificada credibilidade que provém da sua condição e do seu passado, não pode elevar-se ao paroxismo de se entender que, em razão disso e só disso, o relato que faz de uma situação da vida, por si protagonizada, é, necessariamente, a que corresponde à realidade, sobrelevando sempre, em todas as circunstâncias, em relação a todas as demais visões das coisas, venham elas de quem vierem e independentemente do papel que o autor desempenhe nesse quadro do real. Isso equivaleria a conceder ao seu testemunho o valor de uma prova legal prevalente que, no limite, dispensaria, até, a produção de qualquer outra, mesmo nos casos em que estivesse pessoalmente envolvido, inclusive nas situações, como a do caso presente, em que o objecto da investigação é um seu comportamento supostamente passível de enquadramento disciplinar. Esse estatuto, em sede de direito probatório material, é de repudiar, desde logo, por falta de disposição legal especial a subtrair as declarações do autor ao regime do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º CPP) e, depois, por ser contrário à natureza das coisas, pois que todo o humano é falível, a agudeza dos sentidos é circunstancialmente variável e a representação da realidade é influenciável pela emoção, maxime nas situações em que o relato provém do próprio sujeito da acção.
Significa isto que, no caso em apreço, as declarações do autor e os testemunhos dos agentes, devem, em paridade, ser livremente apreciados, isto é, devem, todos eles, ser objecto de uma valoração motivada, «racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência» (Acórdãos 1165/96 e 464/97 do Tribunal Constitucional). Neste contexto, a confiança de que o autor é credor é apenas um dos factores a levar em consideração na tarefa de valoração da prova e, por si só, não implica, necessariamente, que a sua versão dos factos tenha que ser dada como provada, sem mais. Dado o seu envolvimento pessoal e emocional na situação não pode nem deve excluir-se a hipótese de estar errado, ainda que genuinamente convencido do contrário.
E foi desse modo “livre”, sem privilégio nem preconceito, que as declarações do autor foram avaliadas, como decorre da motivação da decisão punitiva.
…….
As duas posições em confronto foram sujeitas a análise crítica, num labor de objectivação e motivação da convicção da entidade demandada. Bem sabe o autor que, como ensina Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, p. 205, a credibilidade que se concede a um certo meio de prova releva também de “elementos racionalmente não explicáveis”, que não é possível objectivar, por completo, no discurso justificativo da decisão. No caso concreto, a convicção foi objectivada e motivada na medida do possível.

Por fim, cumpre apreciar a alegação de que o acto impugnado não podia dar como provados os factos com fundamento único nos depoimentos dos agentes, uma vez que (i) “o autor insiste, como o fez no procedimento administrativo, que os depoimentos prestados pelos Senhores agentes, sobretudo se confrontados com o que afirmaram no Inquérito Crime nº …...6TRLSB, apresentam várias incongruências e insinuam graves falhas de credibilidade” e (ii) as alegadas “consistência” e “concordância” dos depoimentos dos Senhores agentes carecem de um mínimo de demonstração, sob pena de os factos apenas o serem por vontade de quem detém o domínio do processo”.
E – continuou o Acórdão - se era verdade que Recorrente tinha procurado abalar a credibilidade dos depoimentos dos agentes policiais também o era que não o tinha conseguido uma vez que os seus argumentos foram desmontados, primeiramente, pela Secção Disciplinar do CSMP e, depois, pelo Plenário que afastaram as supostas incongruências que abalariam a credibilidade dos Agentes policiais. E nesta acção “o autor limita-se a reiterar a afirmação, conclusiva, de que os depoimentos dos agentes não são credíveis, porque enfermam de incongruências, sem alegar qualquer facto que suporte a sua conclusão ou razão concreta que convença que aquela pronúncia da Administração está errada.
Deste modo, improcede a alegação do autor, relativamente ao alegado vício de erro nos pressupostos de facto.”

Ora, esta fundamentação é correctíssima, tendo o Recorrente sido incapaz de a desmontar.
E isto porque se limita a reafirmar que, subjacente à deliberação impugnada, estava o apontado preconceito sancionatório o qual não podia não podia ser demonstrado através de “prova factual (impossível de efectuar) da causalidade entre a vontade punitiva manifestada pelo Senhor Vice-Procurador-Geral da República e a sanção que lhe veio a ser aplicada” visto resultar “da convicção (para utilizar a expressão do acórdão) na inevitabilidade do resultado face ao desiderato expressamente manifestado no despacho de abertura do inquérito (e de que a instrução é exemplo eloquente). Deste modo, e “independentemente de quaisquer outras considerações, o recorrente não pode deixar de expressar a convicção de que foi sancionado não por ter incorrido em falta disciplinar mas porque, face ao burburinho que rodeou o incidente em que o recorrente se viu envolvido, o Sr. Vice-Procurador-Geral da República decidiu que devia ser sancionado.”
O que significa que, por um lado, o Recorrente nada acrescentou em relação ao que já havia articulado na petição inicial argumentação essa que o Acórdão recorrido tão bem desmontou e, por outro, que pretende que o Tribunal dê um facto como provado fundado apenas na sua convicção e não nos elementos probatórios carreados para o processo.
Ficou, assim, por provar que, na base da instauração do processo disciplinar e da posterior punição do Recorrente estava o antecipado juízo de culpabilidade que o Sr. Vice PGR formou a seu respeito, juízo esse que tinha sido influenciado pelo burburinho que rodeou o incidente em que aquele se viu envolvido. E isto porque nada resulta do processo disciplinar que possa sugerir e, muito menos, confirmar que o Sr. Vice PGR se deixou influenciar por factores externos sem qualquer relevância jurídico-disciplinar e que foram eles e não os factos constantes do processo disciplinar e a liberdade e a independência do seu juízo a condicionar a sua vontade e a motivar o prosseguimento do inquérito crime, a instauração do processo disciplinar e a consequente punição.
Por outro lado, como bem se acentua no Acórdão, essa convicção não pode ser retirada do modo como os depoimentos das partes envolvidas no incidente foram livremente apreciados e valorados – e da maior credibilidade atribuída aos testemunhos dos agentes policiais – visto que a prova deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (art.º 127.º do CPP).
É, pois, de repudiar a pretensão do Recorrente de ver acolhida a sua versão dos factos como sendo a verdadeira só porque o mesmo é Magistrado do M.P. e tem um passado impoluto. Como é de repudiar a sua convicção de que Sr. Vice PGR agiu de forma parcial e preconceituosa e de que estava pré determinado a puni-lo pondo, assim, em causa a seriedade e a isenção do seu comportamento.
Daí que improceda a conclusão 1.ª.

2. O Recorrente sustenta, também, que o Acórdão errou ao não ter anulado o acto impugnado com fundamento na ilegal inversão do ónus da prova visto ser visível que a actividade instrutória desenvolvida no processo disciplinar supôs que a prova dos factos cabia ao Autor violando, por essa via, o princípio da presunção da inocência (conclusão 2.ª).

O Acórdão rejeitou essa crítica pela seguinte ordem de razões:
“Cumpre, antes de mais, fixar o alcance da argumentação do autor, quanto à alegada inversão do ónus da prova.
Não vemos nela a afirmação de que a actividade instrutória desenvolvida no processo culminou numa situação de non liquet probatório que a Administração resolveu contra o arguido, caso que apelaria à violação do princípio in dubio pro reo.
A crítica que faz ao acto administrativo, a partir da exegese do trecho transcrito, reporta-se, toda ela, ao processo de formação da convicção da entidade decidente, lendo naquele texto o reconhecimento implícito de que a entidade demandada, nessa tarefa, partiu do princípio de que o arguido era culpado e lhe cabia demonstrar o inverso.
Esta alegada inversão do denominado “ónus da prova” em detrimento do arguido, equivaleria, então, à ofensa da vinculação que o princípio da presunção de inocência projecta no processo de formação da convicção e da descoberta da verdade, no âmbito da apreciação “livre” da prova. (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 3ª ed., p. 54)
Mas não assiste razão ao autor.
É certo que a decisão sobre a prova teve como elemento chave a credibilidade concedida aos testemunhos dos agentes policiais. Para o autor essa é a mácula original do processo, pois que essa credibilidade foi, à partida, o padrão de avaliação, previamente fixado, num juízo antecipado de culpa, afeiçoado à vontade manifestada pelo Senhor Vice - Procurador-Geral da República quanto à punição do arguido, sendo o arguido ab initio reputado de culpado impendendo sobre ele o ónus de afastar a pressuposta credibilidade dos agentes.
A ideia central desta alegação é, pois, a de que o Senhor Vice-Procurador Geral manifestou uma vontade punitiva e que essa vontade inquinou todo o processo de formação de convicção na determinação da verdade material.
Ora, como já dissemos no ponto anterior e pelas razões aí explanadas, para as quais remetemos, por economia processual, esta tese do arguido não tem fundamento.
O que se passou foi que, no processo de formação da sua convicção, a entidade demandada, apreciando livremente a prova, porque teve por consistentes e credíveis os testemunhos dos agentes, ficou, desde logo, persuadida de que a respectiva versão dos factos correspondia à realidade e, depois, porque o arguido não logrou abalar a credibilidade daqueles depoimentos, arredou incertezas e convenceu-se, para além de toda a dúvida razoável, que aquela era a verdade material.
Não é, pois, exacto, que a entidade demandada haja partido do princípio de que o arguido tinha praticado os factos e era culpado e que lhe cabia provar o inverso, demonstrando a sua inocência.”

Esta fundamentação é inteiramente correcta e tanto assim que, neste recurso, o Recorrente se limitou a afirmar que, não tendo a deliberação impugnada nem o Acórdão ousado negar que o seu depoimento era credível e consistente, não se compreendia que o tivessem desvalorizado em desfavor dos testemunhos dos Agentes da PSP e com base neles tivesse sido punido. Se o seu depoimento era credível e consistente não lhe cumpria abalar a credibilidade e consistência dos depoimentos dos agentes já que, a não ser assim, se estava perante uma inversão do ónus da prova, com violação do princípio da presunção de inocência.
Mas não tem razão.
Com efeito, como se vê da apreciação da prova feita pelo Sr. Instrutor a qual veio a ser aceite e incorporada, por remissão, na deliberação punitiva esta considerou que eram vários e importantes os factos que eram comuns a todos os testemunhos - designadamente a circunstância deste ir a conduzir fazendo uso do telemóvel e de tal ter motivado a ordem de parar o veículo, do mesmo se encontrar em estado de exaltação ao ser interrogado pelos Agentes, de ter exibido o seu cartão profissional ao mesmo tempo que dizia “eu não gosto nada de me identificar com este cartão mas eu sou Procurador” e na recusa de pagamento da multa e da assinatura do auto de contra ordenação levantado – o que desmente a argumentação de que a entidade demandada ignorou o seu depoimento e que só se ateve aos testemunhos policiais. É certo que, quando houve divergência, o acto impugnado atribuiu maior credibilidade às declarações dos Agentes da PSP mas também o é que tal não significa que não tivesse ponderado o que o Recorrente declarara nem que tivesse considerado que era a este que cabia a prova dos factos, com isso invertendo o ónus da prova e violando princípio da presunção de inocência.
Se assim é, e se feita a ponderação de todos os elementos probatórios recolhidos o Conselho se convenceu que os depoimentos prestados pelos Agentes da PSP eram mais consistentes do que o prestado pelo Recorrente e, por isso, se lhes devia dar maior credibilidade e se com base neles proferiu a sua decisão punitiva não se pode atacar essa liberdade decisória com a alegação de que o mesmo estava a inverter o ónus da prova e a ferir o princípio da presunção de inocência.

Daí que improceda a conclusão segunda.

3. O Recorrente sustenta, ainda, que a conduta objecto de punição se circunscrevia à sua vida privada pelo que nunca poderia traduzir em infracção de qualquer dever disciplinar. Daí que a imposição de uma sanção (qualquer que ela fosse) era inválida e não podia subsistir na ordem jurídica.
A este propósito o Acórdão recorrido ponderou:
“No caso em apreço, a entidade demandada considerou que os factos descritos na acusação (vide nº 6 do probatório supra) consubstanciam a violação do dever geral de correcção previsto no art. 3º/2/h)/10 do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9/09, e são incompatíveis com o decoro e dignidade exigíveis ao exercício das funções de magistrado do Ministério Público.

Em relação à primeira parte, pronunciar-nos-emos no ponto seguinte.

Quanto ao segundo juízo – conduta incompatível com o decoro e dignidade exigível ao exercício das funções de Magistrado do Ministério Público - não lhe descortinamos qualquer erro.
Decoro e dignidade exigíveis ao exercício das funções são palavras que transportam uma indeterminação conceitual que é preciso preencher, caso a caso. Na circunstância, a Administração considerou que o comportamento descrito era enquadrável na previsão legal. E não há razão para repudiar o seu entendimento. Corresponde ao sentimento geral a ideia de que se afasta das boas maneiras, da compostura e da nobreza devidas, o cidadão que, quando é detectado a infringir as regras da circulação rodoviária, reage à fiscalização do modo descrito na acusação. Sentimento social reprovador que, seguramente, se aprofunda quando tal comportamento provém de um magistrado, pessoa que tem o especial dever de promover o cumprimento da lei e de quem se espera e a quem se exige que na situação descrita, sem abdicar das medidas legítimas que reputar necessárias e adequadas à sua defesa, se relacione, com serenidade e elevação com os agentes policiais, sem criar qualquer constrangimento injustificado ao cumprimento da sua missão fiscalizadora.
A conduta em causa é, sem dúvida, relativa à sua vida privada. Mas fora de portas e em local público. E se, nessa situação da sua vida privada, o arguido traz à conversa a sua condição de magistrado, essa invocação faz com que, para o bem e para o mal, o seu comportamento circunstancial se projecte na sua vida pública e na imagem da função. No caso para o mal, dado que, tal como a avaliou a entidade demandada, sem que se descortine erro nessa ponderação, a conduta descrita na acusação e pela qual o arguido foi punido, não combina com a elevação que deve caracterizar o seu relacionamento com os agentes policiais em acção de fiscalização, para estar de acordo com o respeito e apreço devidos ao exercício da sua função de Magistrado do Ministério Público.
Portanto, contra a tese do autor, entendemos que está preenchido o pressuposto da relevância disciplinar estabelecido no art. 163º do Estatuto do Ministério Público.”

O Recorrente considera que a apreciação feita no Acórdão era errada na medida em que, por um lado, exprimia “um juízo puramente valorativo abstracto sem ligar sequer às justificações (distintas) da entidade demandada”, por outro, a conduta sancionada integrava apenas a esfera privada da sua vida e, por isso, não poderia assumir relevância disciplinar e, finalmente, por ter agido de forma correcta e adequada. Daí ser errado afirmar-se que o seu comportamento tinha sido incompatível com o decoro e dignidade exigíveis ao exercício das funções de Magistrado do Ministério Público.

Mas não tem razão e não a tem porque, como bem explicou o Acórdão, os comportamentos da vida privada poderão ser sancionados disciplinarmente se forem publicamente conhecidos e se se projectarem negativamente na imagem da entidade onde os infractores prestam serviço ou na função que desempenham. Não sendo possível considerar que se circunscreve unicamente à sua vida pessoal a conduta de um Magistrado se esta tiver consistido em se dirigir de uma forma deseducada e desabrida aos Agentes da autoridade que, numa missão de fiscalização, o mandaram parar por, simultaneamente, conduzir e falar ao telemóvel. E, muito menos, quando nessa situação se procurar influenciar e condicionar a atitude daqueles Agentes invocando sua qualidade de Magistrado. E isto porque um tal comportamento não só é incompatível com o decoro e dignidade exigíveis ao exercício de funções de Magistrado do M.P. como atinge negativamente o prestígio da Instituição que representa e as funções que desempenha.

Improcede, assim, a conclusão terceira.

4. Sobre a violação do dever geral de correcção o Acórdão ponderou:
“O dever de correcção, previsto no art. 3º/2/h) do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9/09, é um dos deveres gerais dos trabalhadores, inerente à função que exercem e “consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos”. É, pois, um dever profissional, ligado ao exercício da função e que, por definição respeita à prestação do serviço, não existindo desligado dela. (Marcelo Caetano, Manual, Tomo II, p. 705 e seg.s)
É certo que também fora do serviço, dependendo da sua gravidade, o tratamento desrespeitoso e a impropriedade de maneiras para com colegas, superiores hierárquicos e/ou terceiros, poderá, igualmente, ter relevância disciplinar [vide, por exemplo, art. 17º/j) do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei nº 58/2008). Mas, então, consubstanciará a violação de um distinto dever extra-funcional, que se prende com o comportamento do trabalhador na sua vida privada e que se não confunde com o dever profissional de correcção.
Portanto, no caso concreto, estando o autor fora do serviço, o seu comportamento não é disciplinarmente censurável por infracção do dever profissional previsto no art. 3º/2/h) do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei nº 58/2008.
O mesmo é dizer que a entidade demandada procedeu a um errado enquadramento jurídico enquanto considerou que o arguido, de acordo com o previsto na primeira parte do art. 163º do Estatuto do Ministério Público, cometeu infracção disciplinar por ter violado o dever profissional – dever geral de correcção – a que alude o art. 3º/2/h) do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei 58/2008.
Todavia, esse erro acabou por ser irrelevante para a decisão final do processo.
O arguido não foi acusado e punido por uma pluralidade de infracções, em concurso homogéneo, por ter infringido, mais do que uma vez, a norma do artigo 163º do EMP. Foi acusado e punido por ter cometido apenas uma única infracção. Como vimos atrás, no número anterior, a despeito de não ter ocorrido a violação do dever profissional, essa infracção existiu mesmo por estarem preenchidos os pressupostos previstos na segunda parte do artigo 163.º do EMP.
E, como ao arguido foi aplicada a pena de advertência, que é a menos gravosa de todas as penas disciplinares a que os Magistrados do Ministério Público estão sujeitos (vide art. 166º/1 do EMP), aplicável “a faltas leves que não devam passar sem reparo” (art. 180º EMP), consistindo em mera repreensão destinada a prevenir o magistrado “de que a acção ou omissão é de molde a causar perturbação no exercício das funções ou de nele se repercutir de forma incompatível com a dignidade que lhe é exigível” (art. 167º EMP), aquele erro jurídico acabou por nenhuma influência ter na decisão punitiva e na medida da pena e por consequência, não há razão para, por causa dele, anular o acto impugnado.”

O Recorrente rejeita este julgamento por considerar que “só poderia ser sancionado na estrita medida (formal, expressa e textual) da fundamentação de direito invocada” e porque assim era e porque o seu comportamento não infringira o disposto no art.º 3.º/2/h) do ED a deliberação impugnada era ilegal pelo que não podia deixar de ser anulada.
Mas não é assim.
E não o é porque como se afirmou no Acórdão recorrido, muito embora seja certo que o Recorrente não violou o dever profissional de correcção também o é que existiu infracção, visto estarem preenchidos os pressupostos previstos na segunda parte do artigo 163.º do EMP, e, se assim é, o erro imputado à deliberação impugnada circunscreveu-se a uma incorrecta identificação na norma violada o que nenhuma influência teve na decisão punitiva. Deste modo, e tendo a pena aplicada sido a mais leve das sanções legais, a mencionada incorrecção não pode justificar a anulação deliberação impugnada.
Daí que improceda a conclusão quarta.

5. O Recorrente sustenta que o acto impugnado era nulo por ter sido recusada a inquirição das testemunhas que havia arrolado visto seus depoimentos serem essenciais para descoberta da verdade, nomeadamente para demonstrar, por um lado, que, na data dos factos, o seu divórcio não constituía preocupação para si e, por isso, não poderia ter influenciado a sua exaltação nem motivado a frase que os agentes policiais lhe imputam e, por outro, para evidenciar o tipo de relacionamento que existia entre os agentes de polícia do ……….. e a generalidade da comunidade jurídica que com eles contactava.
Recusa que o Acórdão considerou não merecer reprovação pela seguinte ordem de razões:
“Testemunhas Dr.ª G……….. e H………..
Foram apresentadas sobre a matéria constante da resposta ao artigo 6º da acusação.
Com este ponto da sua defesa o arguido visava pôr em crise a exactidão da matéria do art. 6º da acusação. Nega ter proferido as expressões que dele constam. E como tudo se passou apenas entre ele próprio e os agentes, sem ter sido visto por qualquer outra pessoa, pretende abalar a credibilidade dos testemunhos dos polícias alegando que não havia razão para ter proferido a expressão mencionada na acusação quando «estava divorciado desde o ano anterior, concretamente desde Setembro, portanto havia já 6 meses à data dos factos, encontrando-se até os bens comuns partilhados, regulado o poder paternal e mantendo uma relação cordial e correcta com a ex-esposa e até com os sogros».
As testemunhas eram a ex-esposa e a sogra. E a sua inquirição era pertinente em relação a esta matéria. Porém o sr. Instrutor recusou a inquirição, por desnecessária, consignando o seguinte (fls. 225/226 do processo disciplinar):
«É matéria, contudo, que se considera provada desde logo pela junção do documento de fls. 208, a acta de conferência realizada na Conservatória do Registo Civil de Palmela realizada em 19 de Setembro de 2008 no processo de divórcio por mútuo consentimento em que são requerentes o arguido e a sua esposa G……………. Tal documento confirma que o arguido e sua esposa se divorciaram em 19 de Setembro de 2008 por mútuo consentimento o que permite concluir pelo carácter consensual da separação, bem como da regulação do poder paternal e partilha de bens, e da relação cordial que se refere manter com a ex-esposa e até com os sogros, pelo que desnecessário se torna a requerida audição das testemunhas indicadas sobre tais factos».
Neste quadro não se descortina qualquer vício na recusa da inquirição que, seguramente, não comprometeu a descoberta da verdade.

Testemunhas I…………… e Professora J……………:
O autor indicou estas testemunhas e requereu a sua inquirição ao ponto III da sua defesa.
Contudo, nesse ponto, o arguido limita-se a defender a inexistência de ilícito disciplinar, apresentando a sua leitura da situação. Não introduz qualquer facto novo a provar com a inquirição das testemunhas. Também não indica algum facto da acusação sobre o qual se proponha fazer contra - prova ou prova do contrário, através dos depoimentos das citadas testemunhas.
Ora, as testemunhas são oferecidas para prova de factos (art.ºs 201º/2 do EMP e 53º/2 do ED aprovado pela Lei nº 58/2008). Sem alegação de factos relativamente aos quais devem ser ouvidas, a sua inquirição não tem razão de ser e não deve ser admitida.
Deste modo, não merece censura a decisão de recusar a inquirição destas duas testemunhas.

Testemunhas Dr. K…………, Dr. L…………. e Dr.ª M…………:
Também a inquirição destas testemunhas foi recusada.
As testemunhas foram apresentadas para responder à matéria do ponto 1.2 da defesa.
Nessa parte da sua defesa, o arguido alega não ser exacta a versão do agente C……………, relativamente à suposta postura menos correcta do autor para com aquele no decurso da audiência de julgamento no processo comum 2494/07.4TA....., na qual o arguido teria dito ao agente C………… que ele «se devia preocupar mais com aquilo que o traz cá e com aquilo que nós sabemos». A utilidade da inquirição residiria na possibilidade de provar que o agente mentiu, em relação a esse episódio, para, a partir desse «flagrante menor apego à verdade», ponderar o que «o motivava a tanto e retirar as necessárias conclusões quanto às suas declarações, pondo-os legitimamente em causa», sopesando nos autos tal mentira, com a verdade das declarações do autor.
Em suma: a inquirição visava, a partir do comportamento do Agente C…………. naquela audiência, abalar a credibilidade do seu depoimento no procedimento disciplinar.
Ora, a audiência foi gravada e o Sr. Instrutor ouviu a respectiva gravação (vide fls. 126 a 130 do processo disciplinar), tendo concluído que a mesma não confirma que o arguido tenha proferido a citada expressão. Isto sem embargo de consignar, igualmente, que o arguido fez uma subtil referência ao episódio vivido entre ambos, «quando a dada altura, após a testemunha admitir que o Lic. A………….. tinha razão na crítica ao modo como não se preparara para o julgamento, este diz «pois tenho, nisso e noutras coisas como o senhor sabe».
Portanto, o sr. Instrutor considerou provado o facto alegado pelo arguido. Este, discorda, é certo, das ilações que dele retiraram o sr. Instrutor e a entidade demandada. Mas, como aquele bem diz, a inquirição das testemunhas não tem por objecto apreciar as divergências de interpretação de factos que ninguém põe em causa.
O mesmo é dizer que a recusa de inquirição destas outras testemunhas também ocorreu em harmonia com os parâmetros legais, sem qualquer compressão à descoberta da verdade.”

Ora, o Recorrente não conseguiu demonstrar que o Acórdão tivesse errado no juízo que fez acerca da indispensabilidade dos depoimentos das testemunhas arroladas já que se limitou a afirmar, genericamente, a necessidade dos requeridos depoimentos sem concretizar porque razão eram indispensáveis ou de que forma é que poderiam abalar a prova já recolhida nos autos.
Daí se julgue improcedente a conclusão quinta.

5. Finalmente, o Recorrente censura o Acórdão por este não ter anulado a deliberação impugnada com fundamento na violação do prazo estabelecido no art.º 55.º/4 do ED, aprovado pela Lei 58/2008, de 9/09.
Nesta matéria o Aresto mais não fez do que apelar à jurisprudência deste Supremo - Acórdão de 8/07/2010 (proc.º n.º 1106/09) – onde se decidiu que “cabe ao CSMP, órgão colegial, a competência para proferir deliberações em matéria disciplinar (arts. 15º e 27º, al. a), do EMP). Segundo o art. 28º do mesmo diploma, as reuniões ordinárias do CSMP têm lugar «de dois em dois meses»; e o art. 30º do EMP diz-nos que os processos são distribuídos por sorteio a um relator (n.º 1), que estão em regra sujeitos a vistos (n.º 6, «a contrario») e que o relator pode ficar vencido, caso em que se designará um outro, diferindo-se no tempo a tomada da deliberação (n.º 5). É evidente que este «modus operandi» não se coaduna com a previsão de um «prazo máximo de 30 dias» para se decidir – conforme prevê o art. 55º, n.º 4, do novo ED. Aliás, mais do que desarmonia entre as previsões do EMP e deste ED, há ali uma efectiva contrariedade, pois um funcionamento do CSMP nos termos tidos pelo EMP como normais torna impossível – seja pela colheita de vistos, seja pelo hiato entre as reuniões – que simultaneamente se observe o referido prazo de caducidade.
Assim, conclui-se que o prazo de caducidade introduzido no art. 55º do actual ED não se aplica, nem sequer subsidiariamente, aos processos disciplinares movidos a magistrados do Mº Pº. Pelo que o acto ora impugnado não sofre do vício decorrente de, por via daquele artigo, haver caducado o direito de aplicar a pena. Improcede, pois, o vício em apreço.”
Decisão que foi confirmada pelo Acórdão do Pleno de 16/06/2011.

Ora, o Recorrente foi incapaz de demonstrar que esta jurisprudência fosse errada, o que conduz a que se julgue improcedente a conclusão sexta.
São, assim, improcedentes todas as conclusões do recurso.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento do recurso e em confirmar o Acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 2 de Julho de 2015. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.