Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0437/15
Data do Acordão:09/24/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO ANULATÓRIO
VENCIMENTOS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00069345
Nº do Documento:SA1201509240437
Data de Entrada:04/13/2015
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCAS DE 2014/12/18.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR ADM GER - ESTATUÁRIO.
EXECUÇÃO DE JULGADO.
Legislação Nacional:CPTA02 ART10 N2 ART173 ART174 N2.
CCIV66 ART804 N1 N2 ART805 N1 N3 ART806 N1 N2.
L 53/06 DE 2006/12/07 ART13 N11.
DL 81-A/96 DE 1996/06/21 ART3 ART4 ART5.
DL 195/97 DE 1997/07/31 ART1 ART3 ART6.
DESP N11803/09 DE 2009/04/29 IN DR IIS N94 DE 2009/05/15.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC041169 DE 2004/06/02.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO

Os recorrentes A…………, B………… e C…………, devidamente identificados nos autos, inconformados com a decisão proferida, em 18 de Dezembro de 2014, no TCA Sul, que [em via de execução do julgado anulatório igualmente no TCAS proferido no rec. nº 11881/03 de 11.10.2006, confirmado pelo acórdão do STA de 03.07.2007 proferido no rec. nº 123/07 no tocante ao despacho de 08.08.2002 do SEAI] decidiu:

A. absolver o Estado Português da presente instância no tocante aos pedidos indemnizatórios deduzidos;

B. em via de execução do julgado anulatório, condenar o Ministério da Administração Interna (MAI) no dever de reconstituição da carreira dos Exequentes A…………, B………… e C………… e no pagamento, conforme discriminação do valor resultante a liquidar em execução de sentença, relativamente aos diferenciais remuneratórios, em valor líquido de impostos e contribuições por retenção na fonte;

Exequente A…………:

Tem direito ao abono das remunerações mensais e do subsídio diário de refeição, bem como à imputação do desconto previdencial obrigatório para a Caixa Geral de Aposentações (CGA):

a Entre 30 de novembro de 1997 e 31 de maio de 2001 os diferenciais remuneratórios entre os montantes pecuniários efetivamente recebidos no âmbito da sua contratação em regime de avença e as remunerações devidas correspondentes a técnico superior de 2.a classe, acrescidos de subsídio de refeição e de subsídios de férias e de Natal, calculados sucessivamente nos termos das Portarias nº 60/97, de 25 de janeiro, 29-A/98, de 16 de janeiro, 147/99, de 27 de fevereiro, 239/2000, de 29 de abril, e 80/2001, de 8 de fevereiro;
b Entre 1 de junho de 2001 e 30 de setembro de 2004, os diferenciais remuneratórios entre os montantes pecuniários efetivamente recebidos no âmbito da sua contratação em regime de avença e as remunerações devidas correspondentes a técnico superior de 1ª classe, acrescidos de subsídio de refeição e de subsídios de férias e de Natal, calculados sucessivamente nos termos das Portarias nºs 80/2001, de 8 de fevereiro, 88/2002, de 28 de janeiro, 303/2003, de 14 de abril, e 205/2004, de 3 de março;
c Entre 1 de outubro de 2004 e 30 de abril de 2009, as remunerações devidas correspondentes a técnico superior de 1.a classe, acrescidas de subsídio de refeição e de subsídios de férias e de Natal, calculados sucessivamente nos termos das Portarias nºs.205/2004 de 3 de março, 42-A/2005, de 17 de janeiro, 229/2006, de 10 de março, 88-A/2007, de 18 de janeiro, 30-A/2008, de 10 de janeiro, 1553-C e 1553-D/2008, de 31 de dezembro;
d A partir de 1 de maio de 2009 até à presente data, os subsídios mensais devidos pelo inerente posicionamento como técnico superior colocado na posição entre a 4a e a 5a posições remuneratórias, entre os níveis remuneratórios 23 e 27, na situação de mobilidade especial/requalificação, calculados nos termos das Portarias nºs. 1553-C e 1553-D/2008, de 31 de dezembro;
e Na presente data, a reintegração na categoria de técnico superior, colocado na posição e nível remuneratório referidos na alínea anterior, do mapa de pessoal da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), com efeitos retroativos na carreira técnica superior reportados a 2 de novembro de 1994.

Exequente B…………:

Tem direito ao abono das remunerações mensais e do subsídio diário de refeição, bem como à imputação do desconto previdencial obrigatório para a CGA:

a Entre 30 de novembro de 1997 e 31 de maio de 2001, os diferenciais remuneratórios entre os montantes pecuniários efetivamente recebidos no âmbito da sua contratação em regime de avença e as remunerações devidas correspondentes a técnico superior de 2.a classe, acrescidos de subsídio de refeição e de subsídios de férias e de Natal, calculados sucessivamente nos termos das Portarias n.ºs 60/97, de 25 de janeiro, 29-A/98, de 16 de janeiro, 147/99, de 27 de fevereiro, 239/2000, de 29 de abril, e 80/2001, de 8 de fevereiro;
b Entre 1 de junho de 2001 e 30 de abril de 2004, os diferenciais remuneratórios entre os montantes pecuniários efetivamente recebidos no âmbito da sua contratação em regime de avença e as remunerações devidas correspondentes a técnico superior de 1ª classe, acrescidos de subsídio de refeição e de subsídios de férias e de Natal, calculados sucessivamente nos termos das Portarias nºs. 80/2001, de 8 de fevereiro, 88/2002, de 28 de janeiro, 303/2003, de 14 de abril, e 205/2004, de 3 de março;
c Entre 1 de maio e 30 junho de 2004, as remunerações devidas correspondentes a técnico superior de 1.a classe, acrescidos de subsídio de refeição e dois duodécimos dos subsídios de férias e de Natal, calculados nos termos da Portaria n.° 205/2004, de 3 de março;
d Entre 1 de julho de 2004 e 30 de junho de 2006, não há dever de abono de diferenciais remuneratórios por lhe terem sido abonados os vencimentos e as prestações sociais, bem como efetuados os devidos descontos obrigatórios, correspondentes à sua condição estatutária de Coordenadora (categoria A) do Centro de Saúde de ……… equivalente ao índice 120 da carreira médica de clínica geral em dedicação exclusiva, ao abrigo do disposto no Anexo-Tabela II do Decreto-Lei n.° 60/2003, de 1 de abril;
e Entre 1 de julho de 2006 até à presente data, os diferenciais remuneratórios entre os montantes pecuniários efetivamente recebidos como técnico superior de 2.a classe pelo seu exercício de funções no posto de atendimento da Loja do Cidadão de ……… da Inspeção-Geral do Trabalho/Autoridade para as Condições de Trabalho, e as remunerações devidas correspondentes a técnico superior de 1ª classe, acrescidos de subsídio de refeição e de subsídios de férias e de Natal, calculados sucessivamente nos termos das Portarias nºs. 229/2006, de 10 de março, 88-A/2007, de 18 de janeiro, 30-A/2008, de 10 de janeiro, 1553-C e 1553-D/2008, de 31 de dezembro;
f Na presente data, a reintegração na categoria de técnico superior colocado na posição entre a 4.a e a 5.a posições remuneratórias, entre os níveis remuneratórios 23 e 27, do mapa de pessoal da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), com efeitos retroativos na carreira técnica superior reportados a 2 de novembro de 1994.

Exequente C…………:

Tem direito ao abono das remunerações mensais e do subsídio diário de refeição, bem como à imputação do desconto previdencial obrigatório para a CGA:

a Entre 30 de novembro de 1997 e 31 de maio de 2001, os diferenciais remuneratórios entre os montantes pecuniários efetivamente recebidos no âmbito da sua contratação em regime de avença e as remunerações devidas correspondentes a técnico superior de 2ª classe, acrescidos de subsídio de refeição e de subsídios de férias e de Natal, calculados sucessivamente nos termos das Portarias nºs. 60/97, de 25 de janeiro, 29-A/98, de 16 de janeiro, 147/99, de 27 de fevereiro, 239/2000, de 29 de abril, e 80/2001, de 8 de fevereiro;
b Entre 1 de junho de 2001 e 31 de outubro de 2003, os diferenciais remuneratórios entre os montantes pecuniários efetivamente recebidos no âmbito da sua contratação em regime de avença e as remunerações devidas correspondentes a técnico superior de 1.a classe, acrescidos de subsídio de refeição e de subsídios de férias e de Natal, calculados sucessivamente nos termos das Portarias nºs. 80/2001, de 8 de fevereiro, 88/2002, de 28 de janeiro, e 303/2003, de 14 de abril;
c Entre 1 de novembro de 2003 e 30 de junho de 2005, não há dever de abono de diferenciais remuneratórios por lhe terem sido abonados os vencimentos e as prestações sociais, bem como efetuados os devidos descontos obrigatórios, correspondentes à sua condição estatutária de Vogal executivo do Conselho de Administração do Hospital de ……… - ………;
d Entre 1 de julho de 2005 até 30 de abril de 2009, as remunerações devidas correspondentes a técnico superior de 1.a classe, acrescidas de subsídio de refeição e de subsídios de férias e de Natal, calculados sucessivamente nos termos das Portarias nºs. 42-A/2005, de 17 de janeiro, 229/2006, de 10 de março, 88-A/2007, de 18 de janeiro, 30-A/2008, de 10 de janeiro, 1553-C e 1553-D/2008, de 31 de dezembro;
e A partir de 1 de maio de 2009 até à presente data, os subsídios mensais devidos pelo inerente posicionamento como técnico superior colocado na posição entre a 4.a e a 5.a posições remuneratórias, entre os níveis remuneratórios 23 e 27, na situação de mobilidade especial/ requalificação;
f Na presente data, a reintegração na categoria de técnico superior, colocado na posição e nível remuneratório referidos na alínea anterior, do mapa de pessoal da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), com efeitos retroativos na carreira técnica superior reportados a 2 de novembro de 1994.

C. relativamente ao ordenado em B. fixa-se o prazo corrido de 60 (sessenta) dias, contado do trânsito em julgado da presente decisão»,

interpuseram o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

Apresentaram, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

I. «Ao entender que “o estado da causa permite desde já conhecer de mérito, não sendo necessário proceder às diligências instrutórias requeridas na réplica” o Tribunal a quo incorreu em erro na identificação e selecção da matéria de facto relevante para a solução da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, baseado num censurável pré-juízo sobre aquela que viria a ser a sua decisão final sobre a questão sub judicie, o que impõe a revogação dessa decisão e inquina os seus termos subsequentes, pois deve ser substituída por outra que admita a produção dos meios de prova assim oferecidos pelos exequentes;

II. A matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido é insuficiente para a decisão de mérito nele contida e houve erro na apreciação e valoração da prova já produzida, pois considerando os factos admitidos ou confessados pelo MAI nos arts. 15º, 18º e 19º da sua contestação, bem como nos arts. 24º e 27º da “resposta” à réplica, e ainda o teor dos documentos por este juntos aos autos e dos docs. nºs 1 a 3 juntos com a réplica, teria, e terá agora, de considerar-se como assente ou provada a factualidade vertida nos arts. 21º a 24º da réplica e no art. 23º do contraditório subsequente;

III. Uma vez que os autos revelam que, desde 1998 e até à sua extinção por fusão, a ex-DGV sempre abriu concursos para permitir a promoção dos técnicos superiores colocados em posição idêntica à dos ora recorrentes, o Tribunal a quo fez errada aplicação e/ou interpretação do disposto no art. 266º, nº 1, da CRP e nos arts. 4º, 6º-A, 9º e 11º do CPA, e violou o preceituado no art. 173º, nº 1, do CPTA, quando entendeu que apenas podia atender às “promoções automáticas” para efeitos de reconstituição da carreira virtual dos exequentes, o que acarreta a revogação do indeferimento parcial da pretensão executória destes, por erro de julgamento;

IV. Mercê disso, terá de decidir-se agora pela integral procedência da pretensão executória formulada nesta acção ou, no mínimo, condenar-se o MAI no dever de reconstituir a carreira dos ora exequentes de acordo com o reconhecimento do seu direito à reintegração em 30/11/2007 na categoria de Técnico Superior de 2ª Classe, 1.º escalão, promoção à categoria de Técnico Superior de 1.ª Classe, 1.º escalão, com efeitos a 01/01/1998 e à categoria de Técnico Superior Principal, 1.º escalão, com efeitos a 01/01/2001, progressão para o 2.º escalão em 01/01/2004 e para o 3.º escalão em 01/01/2007, transitando em 01/01/2009 para a 6.ª posição remuneratória, nível remuneratório 31, da grelha salarial da TRU, com o inerente pagamento das remunerações e subsídios correspondentes ou dos diferenciais remuneratórios que deveriam ter auferido, e demais efeitos legais;

V. Por se ter demonstrado que nenhum dos técnicos superiores que se encontravam em posição idêntica à dos ora recorrentes foi colocado em mobilidade especial e que todos foram reafectados ao IMTT após a extinção da DGV, o Tribunal a quo incorreu em novo erro de julgamento, com violação dos normativos indicados na conclusão terceira, quando entendeu que a reconstituição da situação actual hipotética dos exequentes implica considerar que a partir de 01/05/2009 e até à presente seriam colocados na situação de mobilidade especial/requalificação, razão pela qual também deve revogar-se este segmento decisório e substituí-lo pelo reconhecimento do seu direito, na presente data, à reintegração na categoria de Técnico Superior do mapa de pessoal do IMTT, colocado na 6ª posição remuneratória, nível remuneratório 31, da grelha salarial da TRU, com efeitos retroactivos na carreira técnica superior reportados a 02/11/1994, condenando o MAI em conformidade;

VI. Se assim não for entendido, terá de reconhecer-se que é impossível executar integral-mente o efeito repristinatório da sentença anulatória, repondo in natura a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, seja por não ter havido decisão expressa de reafectação dos exequentes ao IMTT e não ser hoje possível tomá-la, seja por não poder abrir-se agora os concursos que teriam sido abertos para os promover até à categoria de Assessor Principal ou, no mínimo, de Assessor, ou por estar irremediavelmente perdida a oportunidade que tinham de, antes da extinção da DGV, obterem mobilidade para outros institutos ou organismos públicos e aí fazerem carreira, com essas mesmas promoções, adoptando-se os trâmites previstos nos arts. 176º, nº 7, 178º e 166º do CPTA;

VII. O Tribunal a quo fez errada aplicação e/ou interpretação do disposto no art. 805º, nºs 1 e 3, do CCiv., além de ter violado o preceituado no art. 173º, nº 1, do CPTA, e nos arts. 804º e 805º, nº 2 - alínea a) ou b), do CCiv., quando decidiu que "não são devidos juros de mora a partir da citação por a falta de liquidez não ser imputável ao MAI",o que acarreta a revogação desse segmento decisório, por erro de julgamento;

VIII. Em sua substituição, porque as prestações pecuniárias em causa tinham um prazo certo de vencimento e não foram efectuadas no tempo devido por causa imputável ao MAI, deve julgar-se procedente a peticionada condenação deste no pagamento de juros de mora, à taxa legal e até efectivo e integral pagamento, contados desde a data em que cada vencimento ou subsídio teria sido pago aos exequentes no caso de o acto anulado não ter sido praticado;

IX. Caso assim não se entenda, e porque o MAI tinha acesso a todos os elementos indispensáveis para aferir o montante a pagar a esse título, deve ser condenado a pagar juros de mora contados desde a data do trânsito em julgado da sentença anulatória (20/07/2007) ou desde o termo do prazo de 3 meses para executar espontaneamente o julgado anulatório (20/10/2007) ou, pelo menos, desde a sua citação para a presente execução».


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Notificados os recorridos, da admissão do recurso, apenas o R/recorrido Estado Português contra alegou no sentido da improcedência do recurso, formulando as seguintes contra alegações:
«1º. No presente recurso está em causa a decisão contida no douto Acórdão do TCA Sul que em via de execução do julgado anulatório do TCA Sul proferido no rec. nº 11881/03 de 11.02.2006, confirmado pelo Ac. do STA de 03.02.2007 proferido no rec. nº 123/07 no tocante ao despacho de 08.08.2002 do SEAI, decidiu absolver o Estado Português da presente instância no tocante aos pedidos indemnizatórios deduzidos e, em via de execução do julgado anulatório, condenou o Ministério da Administração Interna no dever de reconstituição da carreira dos exequentes e no pagamento, conforme discriminação efetuada no Acórdão, do valor resultante a liquidar em execução de sentença, relativamente aos diferenciais remuneratórios, em valor líquido de impostos e contribuições por retenção na fonte;

2º O recurso de apelação para o STA interposto pelos recorrentes é legalmente inadmissível porquanto dispõe o artº 150º nº 1 do CPTA que “- Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo”.

3º Por outro lado, os recorrentes não invocam, nem fundamentam, verificar-se qualquer dos requisitos ínsitos no nº 1 do artigo 150º do CPTA.

4º Sendo que é sobre os requerentes/recorrentes que recai o ónus de alegar e demonstrar a verificação dos requisitos legais de admissibilidade deste extraordinário meio processual de sindicância jurisdicional, alegações e demonstração a efetuar no requerimento de interposição de recurso, conforme fundamentos constantes do douto Ac. do STA de 16.01.2013, 01060/13, para os quais remetemos;

5º Não alegando nem demonstrando os recorrentes, no requerimento de interposição de recurso, que as questões por si suscitadas se assumem de relevância jurídica ou social ou que exista qualquer erro clamoroso de aplicação da lei aos factos que implique uma decisão diferente da que foi tomada por este TCA Sul, não se verificam os requisitos legais da admissibilidade do recurso de revista previsto no artigo 150º do CPTA;

6º Entendemos, em consequência, que o presente recurso de apelação não é legalmente admissível e, no caso, se operar a convolação em recurso de revista, este não deverá ser conhecido, por não preencher os requisitos do art.º 150º nº 1 do CPTA mas, V. Exªs decidirão;

Caso assim se não entenda,

7º Da análise dos termos conclusivos do recurso verifica-se que não há qualquer alusão ao segmento do acórdão, ora recorrido, que decidiu a absolvição da instância do Estado Português;

8º Com efeito, não são invocados pelos recorrentes quaisquer fundamentos que permitam concluir que pretendem impugnar a decidida absolvição da instância do Estado Português, alicerçada na sua ilegitimidade passiva e cumulação de pretensões não consentida pelo objeto do processo;

9º Nem sequer a invocada ilegalidade da rejeição dos meios de prova oferecidos pelos exequentes/ora recorrentes poderá constituir fundamento de recurso de tal segmento da decisão recorrida ou ser suscetível de abalar os fundamentos, exclusivamente de direito, em que assentou a decisão que determinou a absolvição da instância do Estrado Português.

10º Pelo que o douto acórdão, ora em recurso, pelos fundamentos nele aduzidos e para os quais remetemos, não mereça qualquer censura, devendo ser mantido no que respeita à absolvição da instância do Estado Português dos pedidos indemnizatórios peticionados».
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A fls. 623 dos autos foi proferido despacho pela relatora a determinar a apreciação do recurso, como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos, que aqui se reproduzem:

1. «Em sede de recurso contencioso nº 11881/03 que correu termos neste TCAS, os ora exequentes A…………, B………… e C………… peticionaram a anulação do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna datado de 08.08.2002, exarado sobre o Parecer nº 447-R/02 de 23.07.2002 relativo ao “Pedido de integração no quadro da Direcção Geral de Viação formulado por D………… e Outros”, entre os quais os ora Exequentes – probatório, itens 25 e 26 do acórdão de 11.10.2006 a fls. 483-509 do rec. nº 11881/03 apenso.

2. O despacho de 08.08.2002 é do seguinte teor “(...) Concordo. Nos termos e com os fundamentos do presente parecer e do parecer 223-R/01, indefiro os pedidos de D………… e outros, id. na Inf. 261/GJC, de 15-7-02, PP.89/02 da DGV. Comunique-se à DGV, que notificará os interessados. Lisboa, 08-08-2002. O Secretário de Estado da Administração Interna (assinatura) (...)” - probatório, itens 25 e 26 do acórdão de 11.10.2006 a fls. 483-509 do rec. nº 11881/03 apenso.

3. Por acórdão de 11.10.2006 proferido no rec. nº 11881/03 foi anulado o despacho de 08.08.2002 proferido pelo Secretário de Estado da Administração Interna com o fundamento que, em síntese, se transcreve:

“(...) Em face do discurso jurídico fundamentador do transcrito Acórdão de 23.MAR.2006 deste Tribunal proferido no rec. n° 6613/02 que a presente formação também sufraga sem nenhuma declaração de voto contrária, conclui-se que o despacho de 08.08.2002 de Sua Exª. o Secretário de Estado da Administração Interna, ora impugnado, é inválido por incorrer em erro de facto sobre os pressupostos evidenciado no segmento da fundamentação constituída pelo Parecer nº 447-R/02 de 23.07.2002, em remissão expressa para o parecer nº 223-R/02 de 08.04.2002 - cfr. pontos 18, 25 e 26 do probatório - no sentido de que “(…) resulta do mencionado Decreto-Lei n° 81-A/96 (..) com vista à regularização das situações de pessoal nele previstas, que os prestadores de serviço, dele destinatários, desempenhem funções que correspondam a necessidades permanentes dos serviços (cfr., designadamente, arts. 3° e 4° do referido diploma legal) (..)” sendo que “(..) a actividade prestada pelos requerentes não satisfaz necessidades permanentes daquele Serviço (..)” - acórdão de 11.10.2006 a fls. 483-509 do rec. nº 11881/03 apenso.

4. Interposto recurso para o STA, por acórdão de 03.07.2007 proferido no rec. nº 123/07 foi o mesmo julgado improcedente e confirmado o acórdão recorrido - acórdão de 03.07.2007 a fls. 551-579 do rec. nº 11881/03 apenso.

5. A 2ª exequente B…………, foi nomeada para o exercício do cargo de Coordenadora (categoria A) do Centro de Saúde de ………, ao abrigo do DL 60/2003 de 01.04, actividade essa que exerceu desde Julho de 2004 até Junho de 2006, em regime de comissão de serviço – artº 69 da p.i. e docs. 14 e 15 ali referidos e juntos aos autos.

6. Após o que a 2ª exequente celebrou com a Inspecção-Geral do Trabalho, em 3 de Julho de 2006, um contrato administrativo de provimento para exercício de “funções correspondentes à categoria de técnico superior de 2ª classe … no posto de atendimento da IGT integrado na Loja do Cidadão em ………” - artº 69 da p.i. e docs. 14 e 15 ali referidos e juntos aos autos.

7. O 3º exequente foi nomeado por despacho do Ministro da Saúde datado de 23.10.2003 para o exercício de funções inerentes ao cargo de vogal executivo do Conselho de Administração do Hospital de ……… – ………, que exerceu no período compreendido entre Novembro de 2003 e Junho de 2005 – artº 71 da p.i. e doc. 16 ali referido e junto aos autos»
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2.2. O DIREITO

Visa-se com a instauração dos presentes autos, a execução do julgado anulatório do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna datado de 08.08.2002 proferido no rec. nº 11881/03 por Acórdão do TCAS de 11 de Outubro de 2006, confirmado por Acórdão do STA de 03 de Julho de 2007.

Com efeito, por acórdão do TCAS de 11/10/2006 foi declarada a ilegalidade do despacho proferido em 08/08/2002 pelo Secretário de Estado da Administração Interna exarado no Parecer nº 447-R/2002 que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelos RR/ora exequentes, por estar inquinado de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, ao não ter reconhecido as funções desempenhadas por aqueles como satisfazendo necessidades permanentes dos serviços, designadamente por força das competências cometidas à Direcção Geral de Viação pelo Código da Estrada aprovado pelo DL nº 114/94 de 03/05 e, por consequência, os mesmos poderem ser abrangidos pelo processo excepcional de regularização dos recursos humanos com vinculação precária à Administração Pública determinado pelos DL’s 81-A/96 de 21/06 e 195/87 de 31/07.

Vejamos:

Em resposta às conclusões 1ª a 6ª das contra alegações apresentadas pelo R. Estado Português, foi proferido despacho a fls. 623, que decidiu que o presente recurso assume a natureza de apelação, sendo despiciendos os considerandos tecidos quanto à questão prévia suscitada relativa à não admissão do recurso [de revista].

Peticiona-se na presente execução [pedido múltiplo]:

a. condenar-se o Ministério da Administração Interna a integrar os aqui AA. nos quadros de pessoal da Au­toridade Nacional de Segurança Rodoviária;
b. condenar-se o mesmo R. a reconhecer e a tomar em consideração todo o tempo de serviço prestado pelos aqui AA. em situação irregular, desde a data em que iniciaram funções (02.11.1994) e até que seja reposta a legalidade, como se fossem funcionários públicos, para todos os efeitos atendíveis e direitos inerentes, retirando-se as devidas consequências em termos de promoção na carreira e incluindo-se aqueles profissionais nas listas de antiguidade posteriores ao DL nº 195/97, de 31 de Julho;
c. condenar-se o Estado Português/Ministério da Administração Interna a pagar à aqui 1.a A. a quantia de € 51.220,13, à 2.a A. a quantia de € 46.618,72 e ao 3.° A. a quantia de € 39.388,33, correspondente à diferença entre aquilo que cada um deles recebeu desde Janeiro de 1998 até à data em que dei­xaram de prestar serviço na Delegação Distrital de ……… da DGV e aquilo que deveriam ter recebido, caso tivessem sido integrados no respectivo quadro de pessoal de acordo com a calendarização imposta pelos diplomas legais aplicáveis;
d. condenar-se também o Estado Português/Ministério da Administração Interna a pagar à 1.a A. a quantia de €59.702,99, à 2.a A. a quantia de € 19.411,90 e ao 3.° A. a quantia de € 37.343,51, correspondente ao aforro do qual foram privados mercê do acto ilegal praticado, por a tanto ascender a diferença entre os rendimentos que auferiram desde Janeiro de 2005 até à data mais actual possível e aqueles que aufeririam caso tivessem sido integrados na função pública;
e. condenar-se o Estado Português/Ministério da Administração Interna a pagar os juros moratórios legais vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento sobre cada uma das cifras peticionadas na al. c) supra, ascendendo os já vencidos até esta data (27.05.2008) ao montante de € 9.427,45 com referência às diferenças salariais devidas à aqui 1a A., ao montante de € 8.800,64 no tocante à 2.a A e ao montante de € 7.702,84 quanto ao 3.° A.;
f. condenar-se o Estado Português/Minis­tério da Administração Interna a pagar os juros moratórios legais vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento sobre cada uma das cifras peticionadas na al. d) supra, ascendendo os já vencidos até esta data (27.05.2008) ao montante de € 3.022,36 com referência às diferenças salariais devidas à aqui 1.a A., ao montante de € 230,98 no tocante à 2.a A e ao montante de € 1.189,35 quanto ao 3.° A.;
g. condenar-se ainda o Estado Português/Ministério da Administração Interna a indemnizar os AA. pelos danos de natureza não patrimonial causados pela actuação ilegal da Administração, cujo montante deve ser fixado em quantia nunca inferior a € 15.000,00 para cada um deles;
h. fixar-se em trinta dias, ou noutro que se repute adequado, o prazo para o cumprimento do dever de executar;
i. condenar-se o Secretário de Estado da Administração Interna a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, quantitativo diário nunca inferior a 5% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor por cada dia que ultrapasse o prazo-limite que vier a ser estabelecido para o cumprimento do dever de executar, (..)”».

O acórdão recorrido indeferiu o pedido formulado pelos exequentes em sede de réplica, no que respeita aos meios de prova requeridos, respeitantes a prova testemunhal, bem como a prova documental [no sentido de se oficiar ao R. MAI para que informe nos autos quantos quadros técnicos superiores licenciados em Direito exerciam funções na Delegação Distrital de Viação de ……… da ex-DGV no período compreendido entre 30/11/1997 e 01/05/2009, explicitando a evolução na carreira de cada um deles (mencionando as sucessivas categorias e/ou escalões) e mais esclarecendo se algum foi colocado em situação de mobilidade especial] por entender que o estado da causa permite desde já conhecer de mérito, não sendo necessário proceder às diligências requeridas.

Por outro lado, por (i) ilegitimidade passiva [por, atento o disposto nos artºs 10º, nº 2 e 174º, nº 2 do CPTA, a legitimidade processual passiva em linha com o dever de executar competir apenas ao R. Ministério da Administração Interna], e (ii) cumulação de pretensões não consentida pelo objecto do processo, absolveu da instância o Estado Português quanto aos pedidos indemnizatórios contra este deduzidos [pedidos indemnizatórios consubstanciados em responsabilidade civil extra contratual que não podem ser conhecidos no âmbito de um processo de execução de sentença regulado nos artºs 173º a 179º do CPTA, devem ser peticionados através de uma acção autónoma de responsabilidade civil por acto lícito], o mesmo sucedendo em relação ao pedido referente a danos morais no quadro da responsabilidade civil extra contratual que não cabem no regime substantivo delimitado pelo artº 173º do CPTA.

Finalmente, no que toca à execução do julgado anulatório propriamente dita, o acórdão recorrido condenou o R Ministério da Administração Interna (MAI) no dever de reconstituição da carreira dos exequentes e no pagamento, conforme discriminação dele constante, do valor resultante a liquidar em execução de sentença, relativamente aos diferenciais remuneratórios, em valor líquido de impostos e contribuições por retenção na fonte, tudo no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da decisão.

Insurgem-se os recorrentes contra o assim decidido, relativamente aos seguintes segmentos:

(i) da decisão inserta no corpo do acórdão, segundo a qual “o estado da causa permite desde já conhecer de mérito, não sendo necessário proceder às diligências instrutórias requeridas na réplica”;

(ii) do segmento decisório que julgou parcialmente improcedente a pretensão de execução do julgado anulatório deduzida pelos exequentes, não condenando o executado a reconstituir a sua carreira nos termos por eles defendidos, com o pagamento dos correspectivos diferenciais remuneratórios, e mais decidindo que “não são devidos juros de mora a partir da citação por a falta de liquidez não ser imputável ao MAI».

Cumpre apreciar:

Relativamente a primeiro segmento recurso, entendem os exequentes/recorrentes que deveria ter sido produzida prova testemunhal e documental, nos termos supra referenciados, com vista a permitir-lhes provar a seguinte factualidade alegada:

a) a ex-DGV sempre abriu concursos para permitir a promoção dos técnicos superiores do seu quadro de pessoal que prestavam serviço na Delegação Distrital de Viação de ………, pelo menos até à categoria de Assessor (art. 20º da réplica);

b) Sr. Dr. E………… e a Sr.ª Dr.ª F………… eram, juntamente com os exequentes e, mais tarde, com o Sr. Dr. G…………, os únicos juristas/técnicos superiores licenciados em Direito ao serviço da Delegação Distrital de Viação de ………, enquanto serviço desconcentrado da ex-DGV (art. 23º da réplica);

c) o Sr. Dr. G………… aí exercia as mesmas funções que os exequentes, no processamento de contra-ordenações rodoviárias, e não foi colocado em situação de mobilidade especial (arts. 23.º e 25.º da réplica);

d) caso a sua situação profissional tivesse sido regularizada nos idos de 1997, nada os impediria de obter mobilidade para outros institutos ou organismos públicos, antes da extinção da DGV, seguindo então um percurso com as promoções alegadas no art. 56º da petição (art. 29º da réplica);

e) vivem angustiados, ansiosos e deprimidos, com noites intranquilas e sobressaltadas, o que os traz em permanente estado de tensão, tornando-os irritadiços (arts. 112º e 113º da p. i.);

f) a permanente insegurança laboral causa-lhes um profundo abalo psíquico e moral (art. 114.º da p. i.); e,

g) o agregado familiar de qualquer um dos exequentes depende também do vencimento que auferem, permitindo-lhes viver com o mínimo de dignidade e conforto (art. 115º da pi)».

Ora, a matéria que os recorrentes pretendem seja objecto de prova, não tem qualquer relevância para a solução da causa, face a qualquer das soluções jurídicas plausíveis de aplicação ao caso concreto, atenta a causa de pedir, o pedido e o direito aplicáveis.

Alias, diga-se inclusivé que, mesmo que a factualidade constante das alíneas a) a d) viesse a ser dada como provada, tal não abalaria a solução jurídica que será dada ao caso, constituindo, por isso, matéria completamente irrelevante, não se justificando a abertura de qualquer período probatório.

Quanto aos factos constantes das alíneas e) a g) também nunca poderiam ser objecto de prova, uma vez que o acórdão recorrido decidiu que o pedido respeitante aos danos não patrimoniais não cabe no regime substantivo delimitado no artº 173º do CPTA, pelo que, independentemente da bondade do assim decidido, e porque tal decisão não foi objecto do recurso interposto pelos recorrentes, não cabe apreciar de tal questão, que exorbita o objecto do recurso.

Quanto ao mais, há que analisar os termos em que se processa o cumprimento do dever de executar previsto no artº 173º do CPTA, ou seja, o dever de reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado pela Administração, traduzido na vertente integrativa e reparatória.

E como se refere na decisão recorrida, nesta vertente reparatória, os exequentes e o executado Ministério da Administração Interna, divergem quer quanto à categoria que dá início ao dever de reconstituição da situação actual hipotética, quer quanto ao modo de concretização do desenvolvimento hipotético subsequente.

Na verdade, o MAI procede à reconstituição da carreira em 30/11/1997 fixando-a na categoria de técnico superior de 2ª classe, 1º escalão, índice 380 do quadro de pessoal não dirigente da ex-DGV, com efeitos retroactivos a 02/11/1994 [cfr. artºs 15, 18 e 19 da oposição à execução deduzida pelo MAI]; por seu turno, os exequentes fixam a reconstituição da carreira na categoria de técnico superior de 1ª classe, 1º escalão ainda antes de terminar o ano de 1997.

Porém, o que se impõe é repristinar, em concreto, uma relação laboral que estava a ser exercida de forma irregular na Delegação Distrital de ……… da ex-DGV, com início em 02/11/1994, irregularidade mantida até à data da decisão judicial que agora se visa executar; ora, a anulação do despacho proferido em 08/08/2002 por esta decisão judicial do TCAS destrói, ex tunc todos os efeitos impeditivos de regularização laboral determinados pelo referido despacho, quer quanto aos meios de regularização excepcional previstos na lei, primeiro, de celebração de contratos a termo certo (DL 81-A/96) e, a seguir, no quadro da integração do pessoal em situação precária, do concurso externo geral para admissão a estágio para ingresso na carreira de jurista (DL 195/97 e concurso em aviso do DR, II Série, nº 270 de 21.11.97).

Ou seja, a anulação do despacho de 08/08/2002 pelo TCAS implica, por um lado, a reconfiguração das relações jurídicas existentes sob a forma de “avença” para um quadro pertencente à relação jurídica de emprego público, através da aplicação do quadro normativo que disciplina a carreira técnica superior do pessoal não dirigente da ex-DGV e, por outro lado, a modificação da situação de facto dos exequentes por aplicação do regime de carreira e remuneratório, desenvolvido ao longo do tempo com início a 02/11/1994, data do início de funções dos ora exequentes na Delegação Distrital de ……… da ex-DGV.

A este respeito, e depois de considerandos vários acerca da concretização do efeito repristinatório da anulação [que naturalmente se concretiza na recolocação do interessado na posição que deveria ocupar, não fosse o acto anulado, restabelecendo deste modo a situação que existiria no momento em que esse acto foi praticado], escreveu-se no acórdão recorrido:

«O cumprimento do dever de executar o efeito repristinatório da anulação circunscreve-se, deste modo, à reconstituição do statu quo ante, isto é, da situação inicial que existia no momento da intervenção ilegal, e concretiza-se na remoção da situação de agressão que a alterou no plano dos factos.

Por este motivo já não se enquadra aqui a pretensão de quem foi, por exemplo, ilegalmente impedido de ingressar na função pública, assim como, de uma maneira geral, quaisquer pretensões que se dirijam à obtenção de vantagens não auferidas por causa do acto ilegal (...) a tutela de conteúdo repristinatório, pressupondo a existência de uma situação prévia cuja integridade se trata de restabelecer, não tem a função de reparar eventuais lucros não produzidos, efeitos que não integravam a situação inicial e que só com o decurso do tempo e o desenvolvimento da situação inicial se teriam formado. (...)

É que em situações deste tipo, a reintegração das posições jurídicas individuais não passa pela mera recolocação na situação anterior, mas pela constituição de uma situação nova, diferente daquela que inicialmente existia (...) poderá dizer-se que [nos deveres de conteúdo repristinatório nos quais a Administração pode ficar automaticamente constituída por efeito da anulação] do que se trata é de remover as consequências “directas ou imediatas” do acto anulado, no sentido de que, desde o início, se apresentavam como efeitos típicos da prática desse acto, por ele estatuídos como efeitos próprios decorrentes do seu “conteúdo regulador” – nisso se distinguindo das consequências “indirectas ou mediatas”, das quais a modificação que o acto introduziu também tenha sido causa adequada, mas cuja produção não se apresentava, à partida, como efeito típico desse acto, nem, por isso, a respectiva remoção como consequência automática da sua anulação. (...)”

Nesta matéria, como refere a doutrina, em primeiro plano cabe responder à pergunta “(…) Em que é que consiste a operação intelectual de reconstituição da carreira do funcionário? Na tentativa de apurar de que maneira a carreira teria evoluído sem o acto anulado, para o que se deve atender às circunstâncias que existiam e às normas que se encontravam em vigor em cada momento a que teria correspondido cada passo dessa evolução. (...)”; em segundo plano cabe concretizar “(…) a satisfação dos direitos que por efeito da repristinação, assistem ao funcionário, quanto ao período intercorrente, no quadro da relação (complexa) de emprego público (…) [pela] adopção efectiva por parte da Administração dos actos e medidas que, durante todo esse tempo, ela deveria ter adoptado em relação ao funcionário (...) “se a intervenção da decisão ilegal anulada não tivesse perturbado o curso provável dos acontecimentos” (...)”.

Para depois se concluir que, no caso concreto, atenta a factualidade assente e relevante, a reconstituição da situação actual hipotética dos exequentes mediante integração na carreira técnica superior do pessoal não dirigente da ex-DGV, deve ter-se em conta:

(i) o período de exercício de funções em situação irregular de 02/11/1994 a 30/11/1997 para efeito de promoções automáticas e,

(ii) a data de 30/11/1997 para termo a quo de integração a título definitivo no quadro de pessoal da ex-DGV, na categoria de técnico superior de 2ª classe, por referência ao concurso externo geral para admissão a estágio de ingresso na carreira de jurista publicitado por aviso no DR, II Série, nº 270 de 21/11/97 em execução do DL 195/97 (regime de integração do pessoal em situação precária).

Trata-se, na verdade, e apenas de promoções automáticas, precisamente porque no âmbito do efeito repristinatório apenas se incluem os deveres de actuação reportado ao passado que traduzam posições jurídicas e fácticas cuja reconstituição emerge directamente da destruição dos efeitos impeditivos produzidos pelo acto anulado [categorias e correspondentes índices remuneratórios], e de efeitos repristinatórios no estrito cumprimento do regime consagrado no DL nº 195/97 de 31/07, quer em termos de categoria de integração, quer de contagem do tempo de serviço.

Com efeito, prevê-se no DL nº 195/97 de 31/07:

Artº 3º, nº 1 sob a epígrafe Categoria de Integração [na redacção dada pelo DL nº 256/98 de 14 de Agosto]

A integração de pessoal nos quadros dos serviços e organismos da Administração Pública faz-se no escalão 1 da categoria de ingresso das carreiras que correspondam às funções efectivamente desempenhadas, constantes dos contratos a termo certo autorizados nos termos dos artigos 3.º, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 81-A/96, de 21 de Junho, e do n.º 3 do artigo 2.º do presente diploma, sem prejuízo das habilitações literárias e profissionais exigidas».

E no artº 6º, nº 1, sob a epígrafe: Contagem de tempo de serviço

O tempo de serviço efectivamente prestado em situação irregular pelo pessoal aprovado nos concursos a que se refere o presente diploma releva na categoria de integração para efeitos de promoção, de aposentação e sobrevivência.

Ora, porque no caso concreto dos exequentes não se realizaram quaisquer concursos [não podendo o Tribunal ficcionar a sua existência, designadamente nos termos pretendidos pelos exequentes/recorrentes], precisamente porque a Administração entendia que os mesmos não exerciam funções correspondentes a necessidades dos serviços, mostra-se inviável a aplicação do disposto no artº 1º do DL 195/97.

E não é pelo facto de, segundo alegam os RR, a ex-DGV sempre ter aberto concursos para permitir a promoção dos técnicos superiores colocados em idêntica situação à dos RR que altera o enquadramento do regime jurídico, que é apenas e só o da promoção automática para efeitos de reconstituição da carreira virtual dos RR.

Ou seja, ficam, efectivamente excluídas todas as perdas de chance de progressão na carreira que não configurem efeitos automáticos ex lege (subidas no interior da categoria e nos índices remuneratórios por mero decurso do tempo).

E como bem se refere no acórdão recorrido, de molde a justificar esta decisão, embora tais perdas de progressão na carreira sejam consequência do acto inválido praticado e anulado, a verdade é que a decisão de abertura de concursos pressupõe o exercício de um poder de direcção, em matéria de recursos humanos, que no caso não existiu e que o tribunal não pode ficcionar.

E assim, contrariamente ao pretendido pelos RR [que pretendem a progressão à categoria de técnico superior de 1ª classe ainda antes de terminar o ano de 1997, com fundamento na eventual abertura de concursos] mostra-se acertada a decisão que reportou o dever de execução do julgado apenas na integração referente à categoria de técnico superior de 2ª classe, escalão 1, temporalmente fixada em 30/11/1997, com efeitos retroagidos para efeitos de promoção na carreira a 02/11/1994, por força do disposto nos artºs 3º, nº 1 (categoria de integração) e 6º, nº 1 (contagem do tempo de serviço) do DL nº 195/97 de 31/07.

Improcede, pois, o argumento aduzido pelos RR no sentido de ser tido em linha de conta na reconstituição de carreiras, a progressão à categoria de técnico superior de 1ª classe ainda antes de terminar o ano de 1997 em virtude de eventuais concursos de promoção e, consequentemente, de pretenderem daqui derivar todas as progressões subsequentes que consubstanciam o pedido, designadamente em sede de réplica.

O acórdão recorrido pronunciou-se ainda quanto ao direito aos vencimentos intercalares, tendo-se aí consignado que «no tocante à questão do direito aos vencimentos com desconto de vantagens auferidas em razão da impossibilidade de prestar (compensatio lucri cum damni) no quadro da reconstituição da situação que existiria se o despacho 08.08.2002 não tivesse sido praticado (artº 173º, nº 1 CPTA), conclui-se que os exequentes são credores dos diferenciais remuneratórios, com as deduções relativas aos períodos em que os 2º e 3º exequentes prestaram funções públicas mas não ao serviço da ex-DGV, conforme itens 5 a 7 do probatório, de acordo com o enquadramento jurídico apresentado nos autos pelo Ministério da Administração Interna», sendo que os RR não se insurgem quanto a este segmento decisório, pelo que o mesmo não será objecto de apreciação.

Ao invés, já se insurgem no tocante ao regime da mobilidade, no sentido de não ser aplicável o regime previsto no artº 13º, nº 11 da lei nº 53/2006 de 07/12, invocando para o efeito, situações de alegada paridade com colegas que se encontravam em situação idêntica aos RR.

Mas, não lhes assiste razão, pois, inexistem fundamentos válidos que justifiquem tal argumentação, face à extinção, por fusão, da ex-DGV, que obrigatoriamente impõe a aplicabilidade do regime de mobilidade especial, bem como, face ao teor do despacho nº 11803/2009 de 29/04/2009, publicado no DR, 2ª série, nº 94, em 15/05/2009; e tal conclusão, apenas significa apenas que a execução não se fará nos moldes pretendidos pelos exequentes, mas já não que se verifica uma situação de impossibilidade de execução integral do julgado anulatório, como querem fazer crer os RR; na verdade a execução é viável, pese embora, não obedecer aos trâmites queridos e alegados pelos RR.

Por último, quanto ao segmento recursivo relativo aos juros de mora, em que se decidiu «não há lugar, nesta fase declarativa, à condenação de juros indemnizatórios por mora a partir da citação, na medida em que a iliquidez da obrigação indemnizatória não é imputável ao Ministério da Administração Interna - vd. artº 805º nºs. 1 e 3 C. Civil», entendem os RR que existe erro de julgamento no que concerne à aplicação do disposto nos artºs 805º do CC e 173º, nº 1 do CPTA, pois, consideram que as prestações pecuniárias tinham prazo certo.

Dispõe o artº 805º do CC sob a epígrafe “Momento da constituição em mora”:

1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a) Se a obrigação tiver prazo certo;

b) Se a obrigação provier de facto ilícito;

c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.

3.Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.

Ora, neste segmento de recurso, cremos assistir parcial razão aos recorrentes, por força do disposto no citado nº 3 deste normativo legal [e não força da al. a) do nº 2, pois a obrigação não tem prazo certo].

Na verdade, estamos perante uma situação em que o crédito não era líquido; mas só não era líquido porque importava apurar em concreto as consequências derivadas da ilegalidade do acto que subjaz à presente execução e respectivos montantes em dívida.

Ou seja, as indemnizações ora atribuídas aos RR exequentes, só o são, em resultado da prática de um acto pelo R. que veio a ser declarado ilegal, impondo-se a reintegração na medida do possível na ordem jurídica, sendo a falta de liquidez apenas imputável ao devedor.

E como é jurisprudência unânime neste Supremo Tribunal Administrativo, como efeito da anulação do acto administrativo, a Administração fica obrigada a reintegrar a ordem jurídica violada pelo acto considerado ilegal, reconstituindo a situação actual hipotética que presumivelmente existiria se a ilegalidade não tivesse sido praticada, aqui se incluindo os juros de mora sobre os montantes devidos: «No caso de estar em causa, em execução de julgado, o pagamento de quantias que deviam ser pagas em momentos determinados, entre os actos praticados e operações materiais necessários para a plena reintegração da ordem jurídica violada inclui-se o pagamento de juros de mora (arts. 804 nºs 1, e 2, 805, nº 2, alíneas a) e b), e 806º, nºs 1 e 2, do Código Civil), que é necessário para corrigir não só a falta do pagamento mas a falta da sua tempestividade» - neste sentido cfr. por todos o Acórdão deste STA, proferido em 02/06/2004, proc. nº 041169.
*

3. DECISÃO

Atento o exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, consequentemente:
- revoga-se o acórdão recorrido apenas no segmento respeitante à não condenação do R. Ministério da Administração Interna, no pagamento dos juros legais desde a citação, mantendo o demais decidido.
- condena-se o R. Ministério da Administração Interna, a pagar aos RR/exequentes as quantias discriminadas no acórdão recorrido, acrescidas de juros desde a citação.
Custas a cargo dos recorrentes, na proporção do decaimento.

Lisboa, 24 de Setembro de 2015. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Jorge Artur Madeira dos SantosTeresa Maria Sena Ferreira de Sousa.