Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:080/12
Data do Acordão:02/15/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
ACTO ADMINISTRATIVO
ACTO PROCESSUAL
VENDA NA EXECUÇÃO FISCAL
ADIAMENTO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - No âmbito de execução fiscal, tal como definido no artigo 103º da LGT, os órgãos da administração tributária podem praticar actos administrativos, determinados no quadro duma realidade substantiva que se forma no decurso do processo e que com ele tem uma imediata relação, e actos processuais, que se caracterizam por uma natureza formal ou instrumental, regulados exclusiva ou predominantemente pelo direito processual.
II -A recusa do adiamento de uma diligência processual, no caso a venda judicial, não é um acto administrativo, porque não regula ou define uma posição jurídica subjectiva substantiva do executado, mas um acto processual, cujos efeitos se projectam imediata e exclusivamente no âmbito ou domínio do processo.
III -Embora os artigos 251º e 253º do CPPT não prevejam a possibilidade de adiamento da venda dos bens penhorados feita por meio de propostas em carta fechada, o órgão de execução fiscal tem o poder de adiar a diligência, por motivos imprevistos ou atendíveis.
IV -Mas não constitui violação do princípio da colaboração, o acto que recusa a pretensão dos executados adiarem a data designada para a venda judicial dos bens penhorados, para efeitos de obtenção de financiamento bancário, se tal pedido é feito a escassos dias da venda, quando tinham conhecimento dessa data à mais de três meses.
Nº Convencional:JSTA00067412
Nº do Documento:SA220120215080
Data de Entrada:01/26/2012
Recorrente:A...... E B......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART59 ART95 N2 J ART103 N2 ART30 ART36 N3 ART77 ART99 N2
CPPTRIB99 ART2 ART48 ART97 N1 ART151 N1 ART251 ART253 ART10 N1 F ART85 N3 ART96 N1
CPC96 ART158 ART266 ART155 ART893
CONST76 ART266 N2
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1.1. A……… e B………, identificados nos autos, interpõem recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a reclamação que, ao abrigo do artigo 276.º do CPPT, efectuaram contra o despacho que indeferiu o pedido de adiamento da venda judicial que foi ordenada no processo de execução fiscal nº 1899200901043340, que contra eles reverteu no Serviço de Finanças de Valongo.
Nas respectivas alegações, concluem o seguinte:
1. O indeferimento do requerido corresponde uma clara violação do princípio da colaboração – cujo objectivo será o de promover a colaboração entre Administração Fiscal e os cidadãos.
2. O princípio da colaboração da Administração com os Particulares pressupõe que a Administração Pública deve colaborar estreitamente com os particulares, prestando-lhes as informações e esclarecimentos de que necessitem, mas também recebe as suas sugestões, apoiando e estimulando as suas iniciativas.
3. O artigo 2º do Decreto-Lei nº 129/91 de 2 de Abril dispõe que nas situações em que sejam possíveis procedimentos diferentes para conseguir um mesmo resultado, a Administração Pública deve adoptar o que seja mais favorável ao particular.
4. A actual conjuntura económica afecta o sector bancário, pelo que a obtenção de financiamento bancário é de muito difícil obtenção, pelo que as melhores diligências dos ora recorrentes não permitiram em menor tempo útil obter o sobredito financiamento.
5. O requerido pelos ora recorrentes representa uma diligente iniciativa atinente ao cumprimento da sua obrigação de efectuar o pagamento da dívida exequenda.
6. Nos termos do artigo 7º do CPA é inconcebível que o requerimento apresentado não tenha sido deferido pela Administração tributária.
7. O despacho reclamado enferma de manifesta falta de fundamentação, pelo que está sujeito ao regime de anulabilidade.
8. O despacho reclamado é limitado a uma mera decisão, sem uma cuidada fundamentação fáctica e desprovida de fundamentação jurídica.
9. O aproveitamento do acto administrativo praticado com omissão do dever de fundamentação, no caso dos autos, não pode ser invocado com vista à irrelevância do vício.
10. A recusa do efeito invalidante de preterição do dever de fundamentação só pode ocorrer quando o tribunal puder concluir, sem margem para dúvidas, que a decisão proferida a única concretamente possível, o que manifestamente não sucede no caso vertente, e ainda assim deveria resultar de decisão expressa e fundamentada.
1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, com fundamento que “a suspensão da execução fiscal e da consequente venda em execução só seria então possível, nos casos previstos na lei, segundo resulta do disposto nos arts. 36º n.º 3 da L.G.T. e 85° n.º 3 do C.P.P.T., nomeadamente, mediante pagamento em prestações que, nos termos do art. 52° da LGI, tivesse sido requerida”, sendo ainda de considerar “que a dita fundamentação de direito se reconduzia, afinal, à da norma com base na qual a execução prosseguia, a qual tinha já sido indicada, parece que é de julgar o recurso improcedente, sendo de manter o decidido”.
2. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
a) Por despacho de 5/4/2011 foi designado o dia 3/10/2011, pelas 10H 00M, para abertura das propostas, da venda por meio de propostas em carta fechada, do prédio penhorado nestes autos (fls. 67).
b) Os reclamantes foram notificados deste despacho no dia 8/4/2011, data em que foi assinado o aviso de recepção da respectiva notificação (fls. 69 a 71).
c) Em 20/9/2011 os reclamantes requereram ao órgão de execução fiscal o adiamento da venda judicial, mediante a abertura de propostas em carta fechada, designada para o dia 3/10/2011, pelas 10H 00M, por um prazo nunca inferior a 60 dias, alegando que o prédio em causa é a casa de morada de família e que estão a tentar obter o financiamento necessário ao pagamento da dívida (fls. 91).
d) Este requerimento foi indeferido pelo seguinte despacho proferido pelo órgão de execução fiscal em 20/9/2011: “Visto que já decorreu um período prolongado de tempo desde a marcação da venda e respectiva notificação da mesma sem que tivesse efectuado qualquer pagamento, indefiro o pedido de adiamento da venda.” (fls. 93 verso).
e) Este despacho foi notificado aos reclamantes por carta registada em 27/9/2011 (fls. 95).
f) A reclamação foi apresentada em 28/9/2011 (fls. 96).
3. Os recorrentes, contra quem reverteu a execução fiscal, pretendiam o adiamento da venda judicial do imóvel penhorado, alegando que estavam a tentar obter financiamento bancário para pagar a dívida exequenda. Mas o órgão de execução fiscal indeferiu-lhes a pretensão invocando que “já decorreu um período prolongado de tempo desde a marcação da venda e respectiva notificação da mesma sem que tivessem efectuado qualquer pagamento”.
Inconformados com essa decisão reclamaram para o tribunal, sustentando a ilegitimidade do acto, por violação do princípio da colaboração previsto no artigo 59º da LGT e por falta de fundamentação de facto e de direito, dever imposto pelos artigos 123º, nº 2 e 125º, nº 1 do CPA.
A sentença recorrida julgou improcedente a reclamação com os seguintes argumentos: (i) a lei não prevê a possibilidade do adiamento da venda judicial; (ii) os princípios da estabilidade da instância, da celeridade e da economia processuais obstam a que se altere a data da venda; (iii) os artigos 36º, nº 3 da LGT e 85º, nº 3 e 4 do CPPT proíbem a concessão de moratórias no pagamento das obrigações tributárias; (iv) não se pode falar de violação do princípio da colaboração, porque, entre a data em que foi marcada a venda judicial e a data em que solicitaram o adiamento, os reclamantes tiveram muito tempo para diligenciarem pelo financiamento bancário; (v) o despacho reclamado, ao invocar que os executados tiveram tempo bastante para solicitar o financiamento, contém fundamentação de facto; (vi) não contém fundamentação de direito, mas tal ilegalidade degrada-se em “formalidade não essencial”, em obediência ao princípio do aproveitamento do acto administrativo.
Os recorrentes insistem que o despacho reclamado viola o dever de colaboração, constante dos artigos 59º da LGT, 7º da CPA e 2º do DL nº 129/91 de 2/4, porque na conjuntura actual “são latentes” as dificuldades de financiamento, mesmo no prazo de seis meses, e que também viola o dever de fundamentação, sem que possa ser invocado o princípio do aproveitamento do acto.
Apesar da pretensão do adiamento da venda executiva ter sido conseguida pelo efeito suspensivo da reclamação, sem que de resto se demonstre que medio tempore os executados tenham adquirido financiamento para pagarem a dívida exequenda, vejamos a justeza da sua argumentação.
Antes de mais, cumpre dizer que para a resolução do caso parece ser indiferente determinar se o acto reclamado é um “acto materialmente administrativo” ou um “acto processual”, uma vez que, qualquer que seja a sua natureza jurídica, sempre será um acto colimado pelos princípios da colaboração e da fundamentação.
É verdade que não é fácil depurar de certa ambiguidade a fórmula normativa “actos materialmente administrativos” (cfr. art. 103º. nº 2 da LGT e art. 151º nº 1 do CPPT) quando confrontada com outras não menos indefinidas, como “actos praticados na execução fiscal” (al. j) do nº 2 do art. 95º da LGT e al. n) do nº 1 do art. 97º do CPPT). Quando praticados na execução fiscal pelo órgão da administração tributária seguramente que todos são “actos que não têm natureza jurisdicional” (cfr. nº 1 do art. 103º da LGT); mas já será mais difícil determinar se dentro dos actos que a Administração pode legalmente praticar no processo executivo é possível autonomizar as categorias de “actos materialmente administrativos” e de “actos processuais” ou se todos eles, salvo os de mero expediente, têm aquela natureza.
O relevo da distinção é bom de ver: se os actos forem materialmente administrativos, a sua validade deve ser aferida pelos princípios e regras do procedimento tributário e supletivamente do procedimento administrativo; se forem actos processuais, então deve-se aplicar as regras do processo tributário e supletivamente do processo civil (cfr. art. 2º do CPPT).
Este é o dilema de quem pretenda definir a verdadeira natureza do processo de execução fiscal. E a verdade é que, apesar do nº 1 do artigo 103º da LGT dizer que a execução fiscal tem «natureza judicial», muitos são os actos praticados pela administração fiscal, no exercício de competência própria, que correspondem ao exercício de uma função tributária e não de uma função jurisdicional. A natureza “mista” da execução fiscal traduz-se na distinção entre momentos procedimentais, da competência da administração tributária, e momentos processuais, da competência do juiz, de resto bem patente no artigo 151º do CPPT. Mas já não permite uma resposta tão segura quanto a de saber se os actos praticados pelo órgão de execução fiscal são todos actos administrativos em sentido estrito e preciso ou se há outro tipo de actos que, apesar de organicamente administrativos, são actos próprios de um processo judicial.
O imperativo do nº 1 do artigo 103º, ao dizer que «o processo de execução fiscal tem natureza judicial», aponta para um esquema formal de ordenação dos actos do órgão de execução fiscal que se inclui na categoria jurídica de processo, cujo modelo de ordenação é muito mais rígido do aquele que normalmente se prevê para o procedimento. Apesar disso, as normas daquele artigo não excluem que para esse processo a administração tributária possa praticar actos administrativos no âmbito de um procedimento autónomo e funcionalmente diferente. O quid identificador desse procedimento é dado através da qualificação dos actos como «materialmente» administrativos. Este enunciado normativo significa que se trata de actos de direito material substantivo, cujos efeitos se projectam em posições substantivas de fundo do executado, e que por conseguinte, devem ser produzidos no âmbito de um procedimento específico. Neste sentido, pode dizer-se que no âmbito de execução fiscal os órgãos da administração tributária podem praticar actos administrativos, determinados no quadro duma realidade substantiva que se forma no decurso do processo e que com ele tem uma imediata relação, e actos processuais, que se caracterizam por uma natureza formal ou instrumental, regulados exclusiva ou predominantemente pelo direito processual.
A admitir-se que o artigo 103º da LGT faz a distinção entre estes dois tipos de actos praticados no processo de execução fiscal, depressa se apercebe que o acto que recusa o adiamento de uma diligência processual, no caso a venda judicial, é um acto que releva exclusivamente do processo e não de pressupostos regidos por normas substantivas. Não é um acto administrativo, porque não regula ou define uma posição jurídica subjectiva substantiva do executado, mas um acto processual, cujos efeitos se projectam imediata e exclusivamente no âmbito ou domínio do processo.
Seja como for, a verdade é que o órgão da administração tributária está sujeita ao dever de colaboração e ao dever de fundamentação: enquanto acto de procedimento, o dever de colaboração resulta dos artigos 59º da LGT e 48º do CPPT, e o dever de fundamentação do artigo 77º da LGT; enquanto acto processual, o dever de colaboração está previsto no artigo 99º nº 2 da LGT, que remete para o artigo 266º do CPC, e o dever de fundamentação no artigo 158º do CPC.
Acontece, porém, que o acto reclamado não peca pelo incumprimento de qualquer um desses deveres procedimentais ou processuais.
Pelo que respeita ao dever de colaboração, entendemos que a recusa em adiar uma diligência processual com o fim de obter financiamento para pagamento da dívida exequenda não consubstancia violação do dever auxílio ao executado. O dever de auxílio, previsto no nº 4 do artigo 266º do CPC, é o único dever funcional que em abstracto poderia fundamentar a pretensão de adiamento da venda judicial, pois as demais concretizações do dever de colaboração, nomeadamente o dever de esclarecimento, o dever de prevenção e o dever de consulta, nada têm a ver com os interesses que moveram os recorrentes na pretensão de adiar a venda judicial.
Simplesmente, ainda que se pudesse considerar o adiamento da venda judicial como uma providência destinada a remover obstáculos ao exercício de direitos ou ao cumprimento de deveres ou ónus processuais, o que parece não ser o caso, só perante motivos sérios e relevantes poderia ser tomada uma tal medida.
Embora os artigos 251º e 253º do CPPT não prevejam a possibilidade de adiamento da venda dos bens penhorados feita por meio de propostas em carta fechada, o órgão de execução fiscal tem o poder de adiar a diligência, por motivos imprevistos ou atendíveis, poder que lhe advém quer da alínea f) do nº 1 do artigo 10º do CPPT, que enuncia uma permissão geral da pratica de actos processuais, quer do artigo 155º do CPC, que prescreve sobre a possibilidade de marcação e adiamento de diligências. De resto, o nº 4 do artigo 893º do CPC, relativo à venda mediante propostas em carta fechada, prevê a possibilidade de adiamento da abertura das propostas.
E não se diga que tal adiamento representaria a concessão de uma moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, o que seria ilegal e contrário ao princípio da indisponibilidade dos créditos tributários (cfr. arts. 30º e 36º, nº 3 da LGT e 85º, nº 3 do CPPT). É que o adiamento da realização de uma diligência processual não consubstancia qualquer moratória, que apenas releva negativamente na fase de pagamento voluntário, nem suspende a execução, dado que a diligência adiada fica marcada para nova data.
A especial natureza da execução fiscal, em que é o próprio exequente, a administração tributária, quem pratica a maioria dos actos processuais, leva a que se aceite facilmente a prorrogação da venda judicial da casa de habitação do executado durante o tempo estritamente necessário à obtenção de fundos que lhe permitam pagar a quantia exequenda. Sem se pôr em causa o princípio da indisponibilidade dos créditos, já que daí não resultaria qualquer redução ou extinção, e sem se comprometer seriamente o princípio da celeridade processual, cuja acção se projecta sobretudo nos interesses do executado (cfr. 96º, nº 1 do CPPT), aceita-se que a cooperação da administração tributária com o executado possa ser concretizada através da prorrogação da venda judicial. É que, sendo a venda um acto executivo com características de direito público, pelo menos pelo lado de quem vende, não pode deixar de ser medido pelos parâmetros jurídicos do princípio da proporcionalidade, devendo constituir um meio adequado, indispensável e razoável ao fim último da execução fiscal (cfr. art. 266º nº 2 da CRP). Ora, se aquele acto de autoridade atinge irreversivelmente o direito de propriedade e a habitação do executado, havendo possibilidade do crédito tributário ser satisfeito através de um meio menos oneroso, não pode deixar de se lhe dar oportunidade de pagar a dívida através desse meio.
É evidente que medidas desse género só podem ser tomadas quando haja garantia bastante de que o crédito pode ser satisfeito através de meios que assegurem um mínimo de prejuízo ao executado. O executado deve assim alegar e especificar elementos de facto demonstrativos de que a breve prazo obterá meios financeiros que lhe permitem pagar a dívida exequenda. Só perante factos objectivos, minimamente concretizáveis, dos quais se possa concluir, com um certo grau de certeza, que o executado irá pagar a dívida exequenda com meios diferentes dos bens penhorados, é que órgão de execução fiscal estará em condições de avaliar se deve ou não adiar a venda dos bens penhorados.
Mas não foi isso que se verificou no caso dos autos.
Os recorrentes pediram em 20/9/2011 o adiamento da venda judicial alegando que: (i) “têm vindo a empreender todas as diligências possíveis no sentido de obter o financiamento necessário ao pagamento da dívida”; (ii) “somente agora prezaram obter um feedback favorável sobre o que possuem boas perspectivas e positivas expectativas de resolução”; (iii) mas “para cuja efectivação careceriam de um maior lapso de tempo” (cfr. doc. de fls. 91 dos autos).
Ora, perante esta argumentação, de modo algum o órgão de execução fiscal estava em condições de adiar a venda judicial marcada para o dia 3/10/2011. Para além de não terem dado uma justificação razoável e convincente para o facto de pediram o adiamento a menos de 15 dias da data designada, quando dela tinham conhecimento desde 8/4/2011, não concretizam, e muito menos provam, que diligências fizeram para obtiver o mútuo bancário. As afirmações genéricas que fazem não revelam uma probabilidade séria ou verosímil de que o referido mútuo certamente poderia ser obtido. E a prova está no facto de já terem decorrido mais do que os 60 dias pretendidos e a dívida ainda não ter sido paga, se bem que o propósito de adiamento da venda acabou por ser conseguido pelo efeito suspensivo da reclamação, que deste modo aparenta ser meramente dilatório.
Quanto ao dever de fundamentação, também não se comprova que o órgão de execução fiscal não o tenha cumprido. Os recorrentes pediram o adiamento da venda judicial e foi-lhes respondido que “já decorreu um período prolongado de tempo desde a marcação da venda e respectiva notificação da mesma sem que tivesse efectuado qualquer pagamento”. Embora de forma sucinta, não deixa de esclarecer, na perspectiva de um destinatário normal ou razoável, qual foi o motivo que determinou a recusa do adiamento da venda judicial. Uma pessoa normal sabe que a recusa do adiamento foi motivada pelo facto dos executados terem tido muito tempo para pedirem o financiamento após terem conhecimento da data designada para a venda e só pedirem o adiamento a menos de 15 dias dessa data.
A sentença recorrida diz que a decisão carece de falta de fundamentação de direito, mas “a irregularidade formal da falta de indicação da disposição legal pode degradar-se em irregularidade não essencial e não invalidante do despacho reclamado”, pois não existindo norma legal que permitisse o deferimento outra não podia ser a decisão.
Há aqui alguma confusão entre o poder de não anular o acto em virtude da irrelevância do vício da falta de fundamentação com o poder de o aproveitar em virtude da convicção de que, se for anulado, virá a ser praticado outro com conteúdo idêntico. Não deixa de ser curioso que se diga que não há norma legal que preveja o adiamento da venda judicial e depois se conclua que o acto deve ser aproveitado porque o indeferimento é a solução imposta pela lei.
O problema não pode ser colocado em sede de relevância limitada dos vícios de forma, porque o facto do despacho não indicar a norma legal ao abrigo da qual foi produzido o indeferimento, não representa incumprimento do dever de fundamentação. É sabido que o conteúdo da fundamentação é variável conforme a matéria em causa, o tipo de acto e o modo como se apresenta a situação concreta a decidir.
Ora, no caso dos autos está-se perante um acto processual que decide a pretensão de se adiar uma diligência processual, e por conseguinte, o dever de fundamentação não tem as mesmas exigências que se colocam quando se toma decisão sobre uma posição jurídica substantiva do destinatário. Não é um acto orientado por critérios de legalidade estrita, já que a lei não refere especificamente quando é que a venda judicial pode ser adiada, mas sim por padrões de conveniência ou oportunidade, mesmo quando se imponha a cooperação com o executado. Exige-se motivação sim (cfr. art. 158º do CPC), mas a sua justificação encontra-se sobretudo na necessidade do órgão decisor expor o raciocínio lógico que o levou a determinada conclusão, de modo a evitar o puro arbítrio, a convencer que é conforme a justiça e a permitir um reexame dos factos em sede de recurso. Assim sendo, perante o pedido efectuado pelos executados, que também não indicava a norma ao abrigo da qual foi feito, a resposta que foi dada através do acto reclamado contém uma motivação racional e lógica, dispensando a indicação das normas processuais que atribuem ao órgão de execução fiscal o poder de decidir tal matéria.
4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) - Dulce Neto (com declaração de voto em anexo) – Ascensão Lopes.

Concordo com a decisão proferida, com a singela declaração de que, na minha perspectiva, todos os actos praticados pelo Órgão de Execução no processo de execução fiscal – independentemente de produzirem apenas efeitos internos a nível da ordenação e tramitação do rito processual ou de produzirem efeitos jurídicos externos numa relação individual e concreta e de afectarem direitos e interesses legalmente protegidos – estão subordinados exclusivamente aos princípios e regras que regem a actividade processual, previstas nas normas do processo tributário e, subsidiariamente, nas normas de processo civil, por se inscreverem num processo judicial ou procedimento processual. Só assim não será naqueles casos em que dentro do processo judicial ou paralelamente a ele surge um procedimento administrativo/tributário, gerador de um acto materialmente administrativo em matéria tributária, este sim, sujeito aos princípios gerais da actividade administrativa (como acontece, por exemplo, com o acto de reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários pelo pagamento da dívida exequenda, pedido de dação em pagamento, pedido de pagamento em prestações).
No caso vertente, sendo inquestionável que se trata de um acto inscrito no procedimento processual pelo órgão que auxilia o juiz no exercício da actividade judicial, e independente da qualificação que se lhe dê, nunca poderiam ser aplicados os princípios invocados pelo recorrente, que têm aplicação apenas aos procedimentos tributários.
Dulce Neto.