Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0677/17
Data do Acordão:05/23/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
FALSIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO
Sumário:A falsidade do título executivo a que se refere a al. c) do nº 1 do art. 204º do CPPT, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, é a falsidade material do próprio título e a sua eventual desconformidade com o original.
Nº Convencional:JSTA000P23318
Nº do Documento:SA2201805230677
Data de Entrada:06/05/2017
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE TORRES NOVAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……… — ………….., S.A., NIPC ……….., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida em 13/02/2017 no TAF de Leiria, na qual se julgou improcedente a oposição que aquela deduziu no processo de execução fiscal n° 562/11, instaurado pelo Município de Torres Novas, para cobrança da quantia total de 67.332,60 Euros, alegadamente respeitante a taxas por ocupação da via pública, do ano de 2010.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. O tribunal a quo interpretou e aplicou de forma incorrecta as normas contidas nos artigos 162°, 163° e 204º, nº 1, alínea c) do CPPT (na redacção dada pela Lei n° 53-A/2006) e no art. 372º, n° 2 do Código Civil (CC).
B. Existe uma divergência entre o título executivo e os instrumentos de cobrança que nele se referem estarem subjacentes, in casu, o aviso de liquidação nº 1189.
C. Assim, a falsidade assenta na “desconformidade entre o título executivo e a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime, as divergências entre o teor do título e os conhecimentos ou outros instrumentos de cobrança que nele se referem lhe estarem subjacentes, por serem esses os factos em relação aos quais ele tem força probatória plena por poderem ser apercebidos pela entidade emissora (arts. 371°, n° 1, e 372°, n.ºs 1 e 2, do CC),” (acórdão do STA de 02.05.2012, processo: 01094/11, 2ª Secção, Relator Francisco Rothes), conforme se exige para a procedência da oposição com fundamento no art. 204°, n° 1, alínea c) do CPPT.
D. Segundo o título executivo, a dívida exequenda tem duas proveniências (a taxa de publicidade e a taxa de ocupação da via pública) enquanto segundo o respectivo instrumento de cobrança (aviso n° 1189) tem só uma proveniência taxa de ocupação da via pública.
E. É o título executivo, a certidão de dívida (art. 162° do CPPT) que deve conter a toda a informação referida no art. 163º do CPPT, não devendo ser necessário recorrer a outros documentos para a obter ou para a corrigir, como é o caso dos autos.
F. A desconformidade não se refere só ao 2º aviso, existe também e em primeiro lugar entre a certidão de dívida e o aviso: desconformidade face ao 2º aviso de citação só vem legitimar e corroborar a conclusão sobre a falsidade do título executivo.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente, a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que julgue procedente a oposição à execução.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP pronuncia-se nos seguintes termos:
«Afigura-se que o recurso é de proceder porquanto existe “desconformidade entre o título e a base fáctico-documental cuja atestação nele se expressa”. Na expressão do acórdão do STA de 02.05.2012 proferido no processo nº 1094/11, na esteira da jurisprudência constante que cita.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. Na sentença julgou-se provada a factualidade seguinte:
A. Em 06/12/2010, o Município de Torres Novas emitiu em nome da Oponente, A……… — ……………., S.A., o aviso n° 1189, que foi recebido por esta a 13/12/2010, nos seguintes termos:

B. Em 25/05/2011, o Município de Torres Novas emitiu em nome da Oponente a certidão de dívida n° 361/11, relativa ao processo n° 562, no valor de € 67.332,60, “(...) respeitante a taxa de Publicidade e Ocupação Via Pública conforme aviso n° 1189 de 09/12/2010.” (cfr. certidão de dívida, a fls. 3 dos autos, que se dá por reproduzida);
C. Em 26/05/2011, foi enviado à Oponente o “AVISO-CITAÇÃO” n° 805, referente ao processo referido na alínea antecedente, “(…) proveniente de Publicidade e/ou Ocupação da Via Pública, do ano de 2010 (...)” - cfr. aviso, a fls. 4 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;
D. Em 05/08/2011, o Município de Torres Novas emitiu em nome da Oponente o “2º AVISO — CITAÇÃO” referente ao processo referido na alínea B supra, para pagar a quantia de € 67.332,60, “(...) proveniente de PUBLICIDADE, do mês de Janeiro, do ano de 2010 (...)” - cfr. oficio, a fls. 6 dos autos, que se dá por reproduzido;
E. Através do ofício OAF/J N° 87/2011, de 05/08/2011, recebido a 08/08/2011, a Oponente foi notificada com o assunto: “2° Aviso de Citação Processo 562/11”, nos seguintes termos:
“Serve o presente para remeter a vossa excelência o documento original de aviso de citação respeitante ao Processo 562/11, enviado a 26 de Maio do presente ano, que foi deixado nos serviços da autarquia.
Mais enviamos, nos termos dos artigos 188° a 191° do Código de Procedimento Tributário, o segundo aviso de citação (...)”.
- cfr. ofício, a fls. 5 dos autos, que se dá por reproduzido.

2.2. Enunciando como questão a decidir a de aferir se ocorre a alegada falsidade do título, invocada como fundamento de oposição à execução, a sentença recorrida veio a julgar improcedente a oposição com fundamentação que, no essencial, é a seguinte:
— A oponente defendeu que se está perante a falsidade do título executivo, por falta de correspondência entre o seu teor e a realidade que visa retratar, pois que nele há uma indicação excessiva de factos tributários e no aviso de citação consta que a dívida é “proveniente de PUBLICIDADE, do mês de Janeiro, do ano de 2010”, quando é certo que desconhece qualquer liquidação de taxas provenientes de publicidade, no valor total de 67.332,60 €, por não ter sido notificada de qualquer liquidação e que apenas tem conhecimento do aviso de pagamento n° 1189, de 06/12/2010, no qual constam quantias provenientes de ocupação da via pública.
— Por sua vez a entidade exequente sustenta que a menção “Publicidade e Ocupação de Via Pública” na certidão de dívida se deve à extracção informática da certidão cujo programa assim a faz emitir, mas que a própria Oponente reconhece que o aviso de pagamento 1189 explicita unicamente “ocupação de via pública”, pelo que, pela citação, ficou a saber a natureza e proveniência da dívida.
— Os requisitos essenciais do título executivo constam do art. 163º do CPPT e a falsidade do título executivo (prevista na al. o) do n° 1 do art. 204° do CPPT), refere-se exclusivamente à falsidade material do próprio título, à eventual desconformidade entre o título e a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime.
— No caso dos autos, analisando a factualidade provada é de concluir que tal não sucede, sendo que, como reconheceu a Oponente, ela foi notificada do acto de liquidação referente às taxas de ocupação de via pública consubstanciado no aviso de pagamento nº 1189 de 09/12/2010 e a certidão de dívida n° 361/11 indica, para além das menções previstas nas als. a) a d) do n° 1 do art. 163° do CPPT, o valor — de € 67.332,60 — e a proveniência da divida na formulação “taxa de Publicidade e Ocupação de Via Pública, conforme aviso n° 1189 de 09/12/2010” — remetendo, claramente, para o teor do mencionado acto de liquidação.
— Ou seja, a certidão de dívida emitida pelo Município de Torres Novas não contém qualquer desconformidade com a realidade que visa certificar, pelo que não se verifica o alegado vício de falsidade do título executivo.
— A eventual desconformidade, neste caso, refere-se apenas ao 2° aviso-citação [cfr. al. O) dos factos provados], sendo que o acto — neste caso, o título executivo — e o acto de notificação são realidades diferentes, projectando-se eventuais vícios dos mesmos de forma diversa, sendo que as irregularidades deste apenas relevam para efeitos de eficácia do acto notificado: e assim a indicação feita no aviso-citação à “taxa de publicidade”, para além de resultar de um mero lapso, nunca teria a virtualidade de afectar o próprio título executivo — muito menos — como se referiu —, projectando nele qualquer vício de falsidade.

2.3. Do assim decidido discorda a recorrente sustentando, como se viu, que a sentença enferma de erro de julgamento por ter interpretado e aplicado incorrectamente o disposto nos arts. 162°, 163° e 204º, nº 1, al. c) do CPPT, bem como no nº 2 do art. 372º do CCivil, dado que há uma divergência entre o título executivo e os instrumentos de cobrança que nele se referem estarem subjacentes [o aviso de liquidação nº 1189: e segundo o título executivo, a dívida exequenda tem duas proveniências (a taxa de publicidade e a taxa de ocupação da via pública) enquanto que, segundo o respectivo instrumento de cobrança (aviso n° 1189) tem só uma proveniência, a taxa de ocupação da via pública], quando é certo que é o título executivo/certidão de dívida (art. 162° do CPPT) que deve conter a toda a informação referida no art. 163º do CPPT, não devendo ser necessário recorrer a outros documentos para a obter ou a corrigir.
Além de que, no caso, a desconformidade não se refere só ao 2º aviso, mas existe também e em primeiro lugar entre a certidão de dívida e o aviso: a desconformidade face ao 2º aviso de citação só vem legitimar e corroborar a conclusão sobre a falsidade do título executivo.
A questão a decidir no presente recurso reconduz-se, portanto, à de saber se ocorre a alegada falsidade do título executivo que determinou a execução.
Vejamos.

3.1. Nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do art. 204º do CPPT, constitui fundamento de oposição à execução fiscal a falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução.
Ora, como se refere no acórdão deste STA, de 26/4/2012, no proc. nº 01058/11, citado na sentença ( Cfr., igualmente, o acórdão de 2/5/2012, no proc. nº 01094/11, citado, aliás, pelo MP.), “... esta falsidade consiste, na desconformidade do conteúdo do título face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. Ou seja, a falsidade do título executivo a que se refere o citado normativo legal, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, é tão só a falsidade material do próprio título, a sua eventual desconformidade com o original, e não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na atestada desconformidade entre a realidade e o teor do título executivo.
Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação.
«A falsidade do título executivo, que se refere nesta alínea c) como fundamento de oposição à execução, é, segundo o entendimento que vem sendo feito pela jurisprudência do STA, apenas a que resulta da desconformidade entre o título executivo e os conhecimentos ou outros instrumentos de cobrança que nele se referem lhe estarem subjacentes, por serem esses os factos em relação aos quais ele tem força probatória plena, por poderem ser apercebidos pela entidade emissora (arts. 371º, nº 1, e 372º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).
Estará, assim, fora do conceito de falsidade a eventual divergência entre o teor do título e factos que não são objecto da percepção da entidade emitente.
A divergência entre o conteúdo do título e os referidos instrumentos que são a sua base fáctica, para além dos casos em que a entidade emitente não relata fielmente os factos de que se apercebe, poderá resultar também da falta de genuinidade do título (falsidade material), designadamente por o título não ter sido emitido por quem nele é indicado como emitente, ou por ter ocorrido alteração do conteúdo de um título originariamente genuíno, por aditamento, supressão ou substituição do seu teor levada a cabo por quem não é o seu emitente (Jorge Sousa, in CPPT anotado, Vol. II, págs. 357 e 358).
Neste sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos desta Secção do STA de 15/1/03, in rec. nº 1.696/02; de 4/6/03, in rec. nº 596/03 e de 22/11/06, in rec. nº 825/05).» (acs. deste STA, de 16/11/2011, rec. nº 0662/11 e de 21/3/2012, rec. nº 01119/11, supra mencionados)” (fim de citação).

3.2. No caso presente, a falsidade do título executivo decorre, segundo a alegação da recorrente, da falta de correspondência entre o seu teor e a realidade que visa retratar, pois que no título há uma indicação excessiva de factos tributários (indica-se que a dívida é respeitante «à taxa de Publicidade e Ocupação Via Pública, conforme aviso nº 1189 de 09/12/2010», sendo que também no 2º aviso-citação se refere que a dívida é «proveniente de PUBLICIDADE, do mês de Janeiro, do ano de 2010...», quando é certo que ela (oponente) desconhece qualquer liquidação de taxas provenientes de publicidade, no dito valor total de 67.332,60 €, por não ter sido notificada de qualquer liquidação, apenas tendo conhecimento do aviso de pagamento n° 1189, de 06/12/2010, no qual constam quantias provenientes de ocupação da via pública.
Ora, como bem refere a sentença, a eventual desconformidade apenas poderia ocorrer com referência ao 2° aviso-citação [no qual se menciona dívida a pagar na quantia de € 67.332,60 “(...) proveniente de PUBLICIDADE, do mês de Janeiro, do ano de 2010 (...)]” mas, mesmo neste caso, uma vez que são distintos o acto de citação/notificação e o acto que substancia a emissão do título executivo, projectando-se eventuais vícios dos mesmos de forma diversa (as irregularidades do acto de notificação apenas relevam para efeitos de eficácia do acto notificado), a errada referência (no aviso-citação) à “taxa de publicidade” e ao mês de Janeiro não teria a virtualidade de afectar o próprio título executivo, nomeadamente repercutindo nele a invocada falsidade.
Todavia, quanto à própria certidão de dívida/título executivo, atentando no mencionado aviso nº 1189, de 09/12/2010 (e sendo certo que da certidão consta que é emitida em conformidade com aquele aviso) constata-se que também neste, referenciando a cobrança, se utiliza a expressão «RECEITA: PUBLICIDADE E OCUPAÇÃO VIA PÚBLICA Validade da licença: 31-12-2010» e se exara que «Este é o aviso para pagamento do serviço abaixo discriminado», mas especificando em seguida apenas valores por serviços atinentes à ocupação da via pública [cfr. al. A) do Probatório, bem como a cópia do aviso a fls. 27].
Daí que, no caso, e considerando, até, a jurisprudência dos apontados acórdãos do STA, de 26/04/2012 e 01/05/2012, respectivamente, nos procs. nº 01058/11 e nº 01094/11), igualmente não se verifique um quadro fáctico-legal susceptível de enquadrar desconformidade entre o título e a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime.
Concorda-se, assim, com a fundamentação da sentença recorrida, no sentido de que a certidão de dívida aqui em causa, indicando, para além das menções previstas nas als. a) a d) do n° 1 do art. 163° do CPPT, o valor e a proveniência da dívida na formulação “taxa de Publicidade e Ocupação Via Pública, conforme aviso n° 1189 de 09/12/2010” e remetendo para o teor do acto de liquidação, não contém, por isso, desconformidade com a realidade que visa certificar e não ocorre, portanto, a alegada falsidade do título executivo.
A sentença recorrida não enferma, pois, do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa (nomeadamente por incorrecta interpretação e aplicação dos arts. 162°, 163° e 204º, nº 1, al. c) do CPPT e do art. 372º, n° 2 do CCivil), pelo que improcedem todas as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Maio de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.