Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01256/13
Data do Acordão:09/24/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CASO JULGADO FORMAL
Sumário:I - O «erro na forma de processo» consubstancia nulidade processual principal, de conhecimento oficioso que, se não tiver sido antes, é apreciada no despacho saneador ou, não existindo este, até à prolação da sentença final, e só pode ser arguida pelas partes até à contestação, ou então neste articulado;
II - Ainda que a decisão proferida em sede de saneador sobre o «erro na forma do processo» tenha sido tabelar, tal pronúncia constitui «caso julgado formal»;
III - O «erro na forma de processo» não se confunde com a «questão impeditiva do conhecimento do mérito da causa» que integra a proibição do nº2 do artigo 38º do CPTA, e que deverá ser encarada como «excepção dilatória inominada» que impõe a absolvição do réu da instância.
Nº Convencional:JSTA00069349
Nº do Documento:SA12015092401256
Data de Entrada:10/24/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRECÇÃO REGIONAL DE AGRICULTURA DO ALGARVE E OUTRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC REVISTA EXCEPC.
Legislação Nacional:DL 497/99 DE 1999/11/19 ART15.
DL 48051 DE 11/21 ART2 N1.
CPA91 ART61.
CPC96 ART206 N2 ART672 N1 ART199 ART202 ART204 N1 ART467 ART776 ART510 N1 N3 ART660 N1.
CPTA02 ART42 ART43 ART45 ART1 ART35 ART38 N2 ART37 N2 D F.
Jurisprudência Nacional:AC STJ PROC03B067 DE 2003/03/06.; AC STJ PROC08A953 DE 2008/10/09.; AC STJ PROC08B3797 DE 2009/01/08.; AC STA PROC0456/10 DE 2010/09/23.; AC STA PROC0855/04 DE 2005/05/25.; AC STJ DE 1995/06/29 CJ/STJ II PAG144.
Referência a Doutrina:TEIXEIRA DE SOUSA - ESTUDOS SOBRE O NOVO PROCESSO CIVIL 2ED PAG315-316.
ABRANTES GERALDES - TEMAS DA REFORMA DO PROCESSO CIVIL II PAG56-57 PAG126.
RODRIGUES BASTOS - NOTAS AO CPC III PAG69.
LEBRE DE FREITAS E OUTROS - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO 2 PAG370-371.
VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 12ED PAG168-169.
ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO OLIVEIRA - CTPA I PAG268.
AROSO DE ALMEIDA E CARLOS CADILHA - COMENTÁRIO AO CPTA 3ED PAG239.
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A……………., identificada nos autos, vem interpor recurso de revista do acórdão de 07.03.2013 do Tribunal Central Administrativo Sul [TCA] que negou provimento ao recurso de apelação que ela interpôs da sentença de 15.02.2010 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé [TAF].

Nesta sentença, assim mantida pelo TCA, foi decidido «absolver da instância» o MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS [MADRP], bem como B………………., enquanto réus na presente acção administrativa comum [AAC] intentada pela ora recorrente A……………., com fundamento em «erro na forma do processo».

Conclui as suas alegações de revista formulando as seguintes conclusões:

1- A questão que a recorrente pretende ver apreciada no presente recurso de revista - saber até que momento processual poderá ser apreciada a nulidade por erro na forma de processo e que concreta apreciação deverá ser feita, no despacho saneador, da referida questão obstativa do conhecimento do mérito do processo, para que a mesma seja tida como definitivamente julgada e, portanto, susceptível de constituir caso julgado formal - reveste relevância jurídica fundamental, por, designadamente, ser susceptível de colocar-se repetidamente, em variadíssimos processos judiciais, apresentando uma complexidade significativa e, sobretudo, sérias dúvidas de resolução, justificativas da admissão do recurso de revista;

2- Efectivamente, a questão identificada é uma questão jurídica de especial melindre, na medida em que afecta a cabal compreensão dos concretos efeitos e vinculatividade das decisões judiciais proferidas no âmbito de um determinado processo judicial, atingindo, como tal, directamente a garantia dos níveis de segurança e certeza jurídica exigidos pela ordem jurídica, com efeitos nefastos no âmbito da concretização do direito a uma tutela jurisdicional efectiva;

3- A importância da definição do concreto momento processual em que se constitui caso julgado formal relativamente à apreciação da nulidade por erro na forma de processo e dos específicos termos a que deve obedecer a apreciação que a consubstancia, compele a que se imprima, dentro do possível, uma absoluta certeza jurídica à natureza e efeitos das pronúncias judiciais proferidas a esse propósito, que permita conferir, também dentro do possível, a desejável segurança jurídica aos intervenientes processuais;

4- Sendo que a relevância social da questão em apreço reside, essencialmente, na circunstância de os efeitos do caso em concreto, se projectarem muito para além da esfera jurídica da ora recorrente, sendo susceptível de gerar um impacto negativo na comunidade social, por força da redução da segurança jurídica das partes no quadro processual em que se movem e, acima de tudo, por assentarem num juízo de irrelevância de uma afirmação proferida pelo próprio Tribunal;

5- De onde fica evidenciada a necessidade clara de uma melhor aplicação do Direito, que incumbe a este douto Tribunal, uma vez que, para além da demonstrada existência de divisão de correntes jurisprudenciais professadas sobre a matéria, a verdade é que, como adiante melhor se demonstrará, os Tribunais das instâncias inferiores, cometeram clamorosos erros de julgamento, por via de uma incorrecta aplicação do Direito ao caso «sub judice»;

6- Mal andou o douto Tribunal recorrido ao decidir como decidiu julgando verificada a excepção dilatória de «erro na forma de processo», pois que a solução por aquele avançada não resulta, sequer indirectamente, da disposição legal invocada - artigo 206º, nº2, do CPC - nem de qualquer outra disposição legal que, porventura, o Tribunal recorrido se tenha olvidado de invocar;

7- De facto, a interpretação realizada pelo Tribunal recorrido revela-se flagrantemente desrespeitadora do acervo normativo aplicável à matéria em análise, porquanto a norma ínsita no artigo 206º, nº2, do CPTA, quando interpretada no sentido de que é admissível o conhecimento da nulidade por erro na forma de processo em sede de sentença, mesmo quando tenha sido proferido despacho saneador que se pronunciou sobre a mesma questão, em sentido contrário, é ilegal e determina a ofensa do princípio do caso julgado formal previsto e concretizado no artigo 672º, nº1, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1º do CPTA;

8- É, aliás, por demais evidente a confusão que impera no raciocínio seguido pelo Tribunal recorrido, ao considerar como momento oportuno e próprio para o conhecimento da nulidade por erro na forma de processo, a sentença, independentemente do facto de já ter existido despacho saneador e, mais, este se ter pronunciado quanto à verificação de tal pressuposto processual;

9- A verdade é que, a análise conjugada do normativo vigente sobre o tema em apreço permite, sem margem de dúvidas, concluir que a nulidade por erro na forma de processo tem o seu momento oportuno e preferencial de conhecimento no despacho saneador, sendo, aliás, por esta razão que a sua arguição só poderá ser feita até à contestação ou neste articulado. Sendo que, somente no caso de não ter existido despacho saneador e não ter sido conhecida tal nulidade até àquele concreto momento, poderá, ainda, o Tribunal dela conhecer até à sentença final;

10- Sendo certo que, não se poderá pretender determinar a aplicação, in casu, do disposto no artigo 510º, nº3, do CPC, quanto à exigência da «apreciação concreta» da questão processual em causa, para obviar à constituição do caso julgado formal sobre tal aspecto da relação processual, desde logo, atenta a autonomização do regime legal de conhecimento da nulidade por erro na forma de processo, plasmada no artigo 206º, nº2, do CPC, que - ditam as regras subjacentes ao exercício da actividade interpretativa da lei - afasta a aplicação daquele requisito para efeitos de constituição de caso julgado formal;

11- Para além de que, sempre se diga, ainda que se entendesse ser aplicável, no todo, tal preceito, o mesmo jamais seria susceptível de impedir que o despacho saneador proferido detivesse, quanto a essa questão, força obrigatória dentro do processo, na medida em que o referido despacho se pronunciou, concreta e especificadamente, sobre a adequação da forma de processo adoptada pela recorrente;

12- Donde, sem necessidade de maiores delongas, podemos, seguramente, concluir que, mal andou o douto Tribunal a quo ao julgar procedente a excepção dilatória de nulidade por erro na forma de processo, em violação frontal do caso julgado formal constituído, em fase de saneador, sobre aquele aspecto da relação processual em causa;

13- Razão pela qual, deverá ser revogado o acórdão recorrido, determinando-se o prosseguimento dos presentes autos, em 1ª instância, nos termos e de acordo com a tramitação da acção administrativa comum, em cumprimento e integral observância do caso julgado formal constituído relativamente à adequação da forma de processo adoptada pela autora, ora recorrente;

14- Sendo certo que, cumpre salientar, inexistem quaisquer obstáculos, no seio do ordenamento jurídico vigente, ao regular e válido prosseguimento da acção proposta pela autora, ora recorrente, nos termos previstos para obter o reconhecimento do seu direito à reclassificação profissional e à condenação da ré a adoptar um comportamento necessário ao restabelecimento do direito violado, sendo, para esse efeito, manifestamente adequada a forma processual adoptada correspondente à acção administrativa comum.

Termina pedindo a admissão deste «recurso de revista», o seu provimento, a consequente revogação do acórdão recorrido bem como o prosseguimento da AAC em 1ª instância.

2. O, ora denominado, MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO MAR, DO AMBIENTE E DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO [MAOT], apresentou as suas contra-alegações, que conclui assim:

1- Sem prejuízo de outro e diverso entendimento, ao invés do expendido nas conclusões 1 a 6, afigura-se-nos não se verificar nenhuma das circunstâncias que, nos termos do nº1 do artigo 150º do CPTA, permitem o recurso de revista;

2- Atenta a fundamentação desenvolvida supra [II e III] têm-se por improcedentes todas e cada uma das conclusões 7 a 14, bem como o expendido em suporte das mesmas, no recurso agora em apreciação.

Termina pedindo a não admissão do recurso de revista, ou, caso assim não seja entendido, o seu não provimento com a consequente manutenção do decidido.

3. A recorrida particular, B……………, não contra-alegou.

4. O «recurso de revista» foi admitido, por acórdão de 26.09.2013 [formação do STA a que alude o nº5 do artigo 150º do CPTA], nos termos seguintes:

[…]

«3. O acórdão recorrido, confirmou a decisão do TAF que julgou verificada a excepção dilatória de erro na forma do processo, por considerar que a forma processual que se adequa às pretensões cumuladas da autora [pedido de integração em determinada categoria e pagamento de indemnização decorrente da omissão ilegal] é a acção administrativa especial e não a acção administrativa comum. E considerou que isso poderia ser decidido na sentença final, apesar de no despacho saneador se ter declarado, tabelarmente, que o processo era o próprio.

A recorrente alega desenvolvidamente razões para que, no seu entender, se devam considerar preenchidos os conceitos de relevância jurídica, de relevância social e de clara necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito.

Efectivamente, a questão de saber até que momento processual pode ser apreciada, no âmbito de uma acção administrativa comum, a nulidade por erro na forma de processo e que concreta apreciação dessa questão no despacho saneador é pressuposto de que a mesma se tenha por definitivamente julgada, como se compatibiliza o regime processual geral com a prescrição do nº2 do artigo 38º do CPTA que proíbe o uso da acção administrativa comum para obter o efeito que resultaria da anulação de um acto inimpugnável e se releva, como e com que consequências, a eventual constituição de caso resolvido sobre actos administrativos conexos com a pretensão do autor, é questão que suscita dúvidas sérias, contendendo com a segurança e certeza jurídicas. E tem evidente virtualidade de repetir-se frequentemente nos tribunais administrativos, dada a complexidade do regime legal relativamente à própria delimitação entre o uso da acção administrativa comum e da acção administrativa especial.

Tanto basta para que se considere a questão de importância jurídica fundamental para efeito do disposto no nº1 do artigo 150º do CPTA.»

[…]

5. O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º, nº1, do CPTA].

6. Colhidos que foram os «vistos» legais, importa apreciar e decidir o objecto do recurso de revista.

II. De Facto

Das instâncias chega-nos provada a seguinte matéria de facto:

1- A autora é funcionária pública, estando integrada nos quadros da «Direcção Regional de Agricultura do Algarve» [DRAA], desde 4 de Maio de 1981 [artigo 1º da petição inicial];

2- A autora está enquadrada na categoria profissional de «auxiliar técnico de laboratório», da «carreira auxiliar técnico de laboratório», de acordo com a Tabela Anexa ao DR nº54/86, de 8 de Outubro [Lei Orgânica da DRRA em vigor à data dos factos aqui descritos] [artigo 2º da petição inicial];

3- Muito embora a autora esteja enquadrada na categoria profissional de «auxiliar técnico de laboratório» há mais de 20 anos, nunca foi promovida para o escalão profissional acima do seu [artigo 5º da petição inicial];

4- Em Abril de 2005 a autora endereçou carta ao Secretário de Estado Adjunto da Agricultura e Pescas da 1ª ré, solicitando informações respeitantes à sua reclassificação profissional [artigo 24º da petição inicial e documento nº15];

5- Em resposta a esse pedido, foi a autora informada, em carta datada de 02.09.2005, que o pedido de reclassificação profissional se encontrava na Secretaria Geral do MADRP para apreciação [artigo 25º da petição inicial e documento nº16];

6- A resposta final da 2ª ré foi recebida pela autora, por carta datada de 19.10.2005 [artigo 26º da petição inicial e documento nº17];

7- A autora teve acesso à Circular nº40/2000 [emitida pela Secretaria Geral da Entidade Demandada, como resposta a um pedido de esclarecimento por parte da DRAA], na qual «os funcionários integrados na carreira de auxiliar técnico que foram aprovados em concurso de habilitação com vista a posterior candidatura a concurso de provimento de lugares de técnico auxiliar de 2ª classe [...] que, até à presente data não ingressaram na carreira de técnico profissional mas que desempenham efectivamente funções correspondentes a esta carreira poderão ser reclassificados nos termos do artigo 15º do DL nº479/99, 19.11» [artigos 29º a 31º da petição inicial e documento nº18];

8. Concluindo que: A DRRA, ao não promover a autora praticou um acto ilícito por omissão – [artigo 51º da petição inicial, e articulados imediatamente anteriores];

9. Actualmente, a autora encontra-se em situação de mobilidade especial [artigo 56º da petição inicial];

10- A 2ª ré, ao não promover a autora, violando por essa via normas jurídicas destinadas a proteger os interesses da autora, praticou um acto ilícito e doloso [artigo 73º da petição inicial];

11- A autora tem conhecimento que duas funcionárias do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, que estavam em 1998 integradas na mesma categoria profissional que a autora, e que foram reclassificadas no âmbito do artigo 15º do DL nº497/99, de 19.11, se encontram actualmente integradas na categoria profissional de auxiliar técnico de 1ª classe, na carreira de técnico auxiliar de laboratório [artigo 81º da petição inicial];

12- Tendo, por conseguinte, subido para o escalão profissional seguinte, facto que ocorreu em 2003, e que resultou das regras gerais de progressão de carreira da função pública [artigo 82º da petição inicial];

13- A omissão de reclassificação da autora pela entidade pública demandada consubstanciou uma clara violação ao princípio da igualdade, previsto nos artigos 13º e 266º da CRP [artigo 84º da petição inicial];

14- A autora intentou a presente acção em 15.03.2006 [ver carimbo de entrada, nos autos].

A esta «factualidade» o TCAS aditou o seguinte facto:

15- Pelo menos desde o fim de Outubro de 2005, a autora teve conhecimento formal do acto administrativo que lhe indeferiu a pretensão de reclassificação.

III. De Direito

1. Enquadramento do objecto do recurso de revista.

A ora recorrente, A……………, intentou «acção administrativa comum» no TAF de Loulé, pedindo a condenação do então MADRP, e de B……………., a pagar-lhe a quantia de 30.500,00€ a título de gastos com mandatário judicial [5.500,00€] e de indemnização por danos não patrimoniais [25.000,00€], bem como a condenação do MADRP a reconstituir a situação real hipotética que existiria caso a lei tivesse sido cumprida, ou seja, a proceder à sua reclassificação profissional integrando-a na categoria de «técnico profissional de 1ª classe» da «carreira laboratorial».

Alega, para tal efeito, que os réus são os responsáveis pela estagnação da sua carreira profissional, pois que, apesar de actualmente se encontrar na «situação de mobilidade especial», continua a pertencer ao quadro da DRAA na categoria profissional de «auxiliar técnico de laboratório», da carreira do mesmo nome, quando, se tivesse sido devidamente cumprida a lei, deveria estar na categoria e carreira ora reivindicadas.

Diz que tudo se deve à actuação ilícita e culposa dos réus, pois que o primeiro, através da sua DRAA, e a segunda, como responsável da Direcção de Recursos Humanos desta última, negligenciaram a sua reclassificação ao abrigo do artigo 15º do DL nº497/99, de 19.11, porquanto essa reclassificação foi «indeferida», em Outubro de 2005, por a respectiva proposta apresentada pela DRAA ter sido extemporânea, uma vez que a outra razão apresentada, diz, a da «insuficiência financeira da DRAA», não releva, em concreto, por a sua «reclassificação» como técnica auxiliar de 2ª classe não acarretar maiores despesas a esta entidade.

Entende que tendo sido considerada habilitada, por concurso ocorrido em 1998, para se poder candidatar a concurso para provimento de lugares de «técnico auxiliar de 2ª classe», e estando preenchidas, no seu caso, todas as condições cumulativamente exigidas nas alíneas do nº1 do artigo 15º do DL nº497/99, de 19.11, os demandados estavam obrigados a diligenciar, e atempadamente, pela sua reclassificação nessa categoria, sendo responsáveis pelas consequências de não o terem feito.

Alegando que duas colegas suas, funcionárias do Laboratório de Investigação Veterinária, que se encontravam em 1998 na mesma categoria profissional que ela, e que foram reclassificadas nos termos do artigo 15º do DL nº497/99, de 19.11, estão hoje integradas, face às regras gerais de progressão na carreira, na categoria de «técnico profissional de 1ª classe» da «carreira laboratorial», é essa situação que para si mesma reivindica como decorrente do cumprimento integral da lei no que respeita a reclassificação e a progressão, e dos princípios da igualdade, legalidade e justiça.

Juridicamente, e atendendo à data dos factos, enquadra a responsabilidade que imputa aos réus no âmbito do artigo 6º, e do artigo 3º, nº1, do DL nº48051, de 21.11.1967, e verte o respectivo pedido indemnizatório em acção administrativa comum ao abrigo da alínea f), do nº2 do artigo 37º, do CPTA.

Cumula com este pedido o pedido de condenação do réu MADRP a reconstituir a situação real hipotética, procedendo à sua reclassificação profissional de forma a ser actualmente integrada na categoria de «técnico profissional de 1ª classe» da «carreira laboratorial», fazendo-o ao abrigo da alínea d), do nº2 do artigo 37º, do CPTA [segundo o qual «Seguem, designadamente, a forma de acção administrativa comum os processos que tenham por objecto litígios relativos a: […] d) Condenação da Administração à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados»].

O TAF de Loulé proferiu «despacho saneador» em que diz, expressamente, que «a petição inicial não é inepta, e a forma do processo é a adequada» [folha 143 dos autos], e que terminou julgando procedente a questão da «caducidade do direito de acção».

Todavia, na sequência de um recurso de apelação provido pelo TCAS quanto à procedência da questão da caducidade do direito de acção, o TAF de Loulé veio a proferir sentença na qual suscitou como questão prévia, e julgou procedente, a questão do «erro na forma de processo», pondo assim termo à instância.

Fê-lo com o arrazoado seguinte:

[…]

«Nos termos do disposto no artigo 5º do CPTA:

1- Não obsta à cumulação de pedidos a circunstância de aos pedidos cumulados corresponderem diferentes formas de processo, adoptando-se, nesse caso, a forma da acção administrativa especial, com as adaptações que se revelem necessárias;

2- Quando algum dos pedidos cumulados não pertença ao âmbito da jurisdição administrativa, há lugar à absolvição da instância relativamente a esse pedido.

É notário que, em sede de contencioso administrativo, prevalece a forma de acção administrativa especial e não a comum.

Ora, a autora intentou a presente acção sob a forma comum ordinária, sendo que, ao pedido de: Ser a 1ª ré condenada a reconstituir a situação real hipotética que existiria, caso não tivesse agido em desconformidade com a lei, nos termos do artigo 37º nº2 alínea d) do CPTA, e, por conseguinte, reclassificar profissionalmente a autora, integrando-a na categoria de técnico profissional de 1ª classe, da carreira laboratorial, corresponde a forma de processo especial [artigo 46º nº2 alínea b) do CPTA].

Porém, a autora intentou a presente acção sob a forma comum e não especial, por ter deixado passar os prazos consignados no artigo 58º e 69º nº2 do CPTA, sendo que a forma adequada aos pedidos formulados pela autora seria a forma especial e não a comum [eventualmente, indicando como contra interessadas as funcionárias supra referidas em 11 e 12].

Tal seria irrelevante se fosse corrigível, nos termos do artigo 88º do CPTA e 508º do CPC, devendo o tribunal promover o princípio pro actione, em cumprimento do princípio de adequação formal [artigo 265º-A do CPC, aplicável também ao contencioso administrativo por força da reforma do CPTA que privilegiou a relação material em detrimento das questões formais, como até então].

Porém, in casu, afigura-se que tal não se mostra viável, porquanto a autora, conscientemente, deixou de articular factos e datas precisas quanto ao conhecimento da omissão da entidade e da pessoa singular demandadas, prevalecendo-se da forma comum, a fim de obter por esta via o que deixou de impugnar atempadamente, sendo que, actualmente, em situação de mobilidade especial [supra, nº9], a forma de processo comum utilizada pela autora [é exclusivamente para os pedidos indicados no artigo 37º do CPTA, prevalecendo, em caso de cumulação, a forma especial, por força do disposto no art. 5º do CPTA], não permite ao tribunal [atento o tempo decorrido e a situação profissional actual da autora, como consequência de posterior legislação] apreciar os factos ilícitos articulados pela autora, e que, afinal, se resumem à impugnação de actos administrativos ou condenação à prática do acto devido por omissões praticadas, […].

Verifica-se, assim, erro na forma de processo [artigo 199º do CPC], mostrando-se indicado o presente momento para apreciar tal nulidade [artigo 206º, nº2, do CPC].

O erro na forma de processo, no caso em apreciação, configura a excepção dilatória prevista na alínea b) do artigo 494º do CPC [ex vi 193º nº1] que é de conhecimento oficioso, como esclarece o artigo 495º do CPC, o que acarreta a sanção de absolvição da instância.»

[…]

Conhecendo de recurso de apelação para ele interposto desta sentença, o TCAS manteve o decidido pelo TAF de Loulé, e fê-lo com este fundamento:

[…]

«A recorrente A…………… discorda deste entendimento, alegando ser sua pretensão que a Direcção Regional de Agricultura do Algarve, e a titular daquela entidade, B……………., fossem condenadas no pagamento de uma indemnização pelo prejuízo decorrente do seu acto lesivo, bem como na reconstituição da situação real hipotética que existiria caso aquele acto lesivo por parte das recorridas nunca tivesse tido lugar, tudo nos termos das alíneas d) e f) do artigo 37º do CPTA.

Alega a recorrente que o seu pedido incidiu, não sobre a condenação da Administração à prática de acto devido, mas antes sobre a condenação a Administração à adopção das condutas necessárias ao estabelecimento de direitos e interesses violados, nos termos da alínea d), do nº2, do artigo 37º do CPTA, ao qual corresponde a forma de processo da acção administrativa comum.

Salvo o devido respeito, a recorrente não tem razão.

Com efeito, os pedidos formulados pela autora foram: 1) A condenação dos réus ao pagamento da indemnização no âmbito de responsabilidade civil extracontratual; e 2) A condenação do MADRP na reconstituição da situação real hipotética que existiria caso não tivesse agido em desconformidade com a lei, nos termos do artigo 37º, nº2, alínea d), do CPTA, e, por conseguinte, reclassificar profissionalmente a recorrente, integrando-a na categoria de técnico profissional de 1ª classe, da carreira laboratorial.

Embora no artigo 5º, nº1, do CPTA, não obste à cumulação de pedidos a circunstância de aos pedidos cumulados corresponderem diferentes formas de processo, em tal situação deve adoptar-se a forma de acção administrativa especial, com as adaptações que se revelem necessárias.

Ou seja, sempre que estejam em causa pedidos que, quando formulados autonomamente, devessem seguir diferente tramitação processual, a lei impõe a adopção da forma processual correspondente à acção administrativa especial, devendo o juiz introduzir as adaptações que sejam necessárias […].

[…]

Não pode, assim, como resulta do artigo 38º, nº2, do CPTA, a acção administrativa comum ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto impugnável, sendo certo que no caso dos autos a forma processual que se adequa às pretensões da recorrente […] é a da acção administrativa especial.

Nada há, pois, que censurar à sentença recorrida.»

[…]

É deste acórdão do TCAS que vem interposto o presente recurso de revista, no qual se ataca a «possibilidade» da prolação da respectiva decisão por ocorrer «caso julgado formal» sobre a adequação da forma processual usada, uma vez que a mesma foi assim considerada no despacho saneador, e se ataca, ainda, o «mérito» da mesma, por se ter como certo o uso, no caso, da forma processual de «acção administrativa comum».

Sendo verdade que no acórdão do TCAS não se aborda directamente a questão do «caso julgado formal», apesar de suscitada nas conclusões da aí recorrente, certo é que a improcedência de tal questão constitui pressuposto necessário da apreciação efectuada pelo TCAS, e, nessa precisa medida, tal como parece ter sido entendimento quer das partes quer da formação preliminar do artigo 150º, nº5, do CPTA, o «erro de julgamento de direito» sobre a mesma tem suficiente consistência factual e jurídica.

2. Efectivamente, este recurso de revista foi «admitido», como referimos, por se ter entendido de importância jurídica fundamental, face à virtualidade da sua repetição noutros processos e à complexidade do regime legal, a «questão» de saber «[…] até que momento processual pode ser apreciada, no âmbito de uma acção administrativa comum, a nulidade por erro na forma de processo, e que concreta apreciação dessa questão no despacho saneador é pressuposto de que a mesma se tenha por definitivamente julgada, e como se compatibiliza o regime processual geral com a prescrição do nº2 do artigo 38º do CPTA que proíbe o uso da acção administrativa comum para obter o efeito que resultaria da anulação de acto inimpugnável e se releva, como e com que consequências, a eventual constituição de caso resolvido sobre actos administrativos conexos com a pretensão do autor […]».

3. Segundo a recorrente, o acórdão recorrido, proferido pelo TCAS, ao manter na ordem jurídica a sentença do TAF de Loulé, que «absolveu da instância» os réus com fundamento em «erro na forma de processo», viola o «caso julgado formal» formado sobre a decisão judicial anteriormente proferida no processo, aquando do saneador, segundo a qual «a petição inicial não é inepta, e a forma do processo é a adequada», e desta forma procede a uma errada interpretação e aplicação dos artigos 206º, nº2, e 672º, nº1, do CPC aplicável [ver artigos 200º, nº2, e 620º, nº1, respectivamente, do actual CPC].

De acordo com as normas processuais em vigor na altura da propositura desta acção comum, 15.03.2006, o «erro na forma do processo» consubstancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso [artigos 199º e 202º do CPC, ex vi 1º do CPTA], que só pode ser arguida até à contestação ou neste articulado [artigo 204º, nº1, CPC, ex vi 1º CPTA], e é conhecida no despacho saneador, se antes o juiz a não houver apreciado, e, caso não haja saneador, pode ser conhecida até à sentença final [artigo 206º, nº2, do CPC, ex vi 35º, nº1, do CPTA].

4. A «acção administrativa comum» segue, diz a lei, os termos do processo civil de declaração nas formas ordinária, sumária e sumaríssima [CPC/1961, aqui aplicável], tudo sem prejuízo das regras específicas consignadas nos artigos 43º a 45º do CPTA [ver artigo 42º, do CPTA].

A presente acção foi interposta como «acção administrativa comum» na «forma ordinária», seguindo assim, e à partida, a forma do processo civil de declaração na forma ordinária [artigos 467º a 776º do CPC aplicável], com as necessárias adaptações e conformação às pertinentes normas do contencioso administrativo [artigos 1º e 35º, nº1, do CPTA].

Deste quadro legal adjectivo, aplicável, infere-se que a fase de saneamento do processo, consubstanciada no despacho saneador, constitui o momento próprio para a apreciação das «excepções dilatórias e nulidades processuais» invocadas pelas partes e de conhecimento oficioso, caso não o tenham sido anteriormente [artigo 510º, nº1, do CPC aplicável; Miguel Teixeira de Sousa, «Estudos Sobre o Novo Processo Civil», 2ª edição, LEX, 1997, páginas 315-316].

Como adverte António Abrantes Geraldes, apenas excepcionalmente as excepções dilatórias devem deixar de ser decididas no despacho saneador. É que, tratando-se de uma peça processual que se destina a filtrar as questões que impedem o conhecimento de mérito, é de toda a conveniência para o tribunal e as partes que os impedimentos a esse conhecimento fiquem definitivamente afastados nesse momento, sob pena de se correr o risco de toda a actividade posterior se revelar inútil [in «Temas da Reforma do Processo Civil», II volume, 4ª edição, página 126].

A controvérsia acerca do alcance e amplitude da «pronúncia» feita no despacho saneador sobre as excepções dilatórias e nulidades processuais [ver, sobre a mesma, Assento do STJ de 01.02.1963, in I série do DR de 21.02.1963, e Assento do STJ de 27.11.1991, processo nº02964; Castro Mendes, in Direito Processual Civil, volume III, Lições de 1978-79, página 165; Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código do Processo Civil, volume III, páginas 77-78; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 4ª edição, volume III, páginas 199-200; e Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, páginas 394 e 395], veio a ser dirimida com a reforma do CPC feita em 1995 e 1996 [DL nº329-A/95 de 12.12, e DL nº180/96 de 25.09], passando a ser inequívoco, e consensual, à luz do artigo 510º, dela resultante, que a pronúncia operada no saneador sobre as excepções dilatórias e as nulidades processuais apenas constitui caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas, pelo que a declaração genérica, tabelar, feita nessa sede a tal propósito, não faz caso julgado formal [ver, entre outros, AC STJ de 06.03.2003, processo nº03B067; AC STJ de 09.10.2008, processo nº08A953; AC STJ de 08.01.2009, processo nº08B3797; AC STJ de 25.06.2009, processo nº08S2463; AC STA de 25.05.2005, processo nº0855/04; AC STA de 23.09.2010, processo nº0456/10; AC Tribunal de Conflitos de 02.11.2006, processo nº06/06].

Na verdade, segundo o nº1 desse artigo 510º, o despacho saneador destina-se a «conhecer das excepções dilatórias e das nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos [o juiz] deva apreciar oficiosamente» [alínea a)]. E, quando tal ocorra, «…o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas» [nº3].

«Concretamente» quer dizer, neste caso, e como adverte Rodrigues Bastos, «que se tenha apreciado alguma dúvida que dessas questões suscitasse, resolvendo-a num sentido ou noutro» [in «Notas ao Código de Processo Civil», volume III, Lisboa, 2001, página 69).

Nesta conformidade, e na esteira do que tem sido firmado pela jurisprudência, quando o juiz se limita a exarar a fórmula genérica segundo a qual «o tribunal é competente, as partes são legítimas, não há nulidades ou questões prévias que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa», ele apenas emite um juízo abstracto de mero conteúdo geral e negativo, não se pronunciando, de forma positiva e concreta, sobre questão alguma. Deste modo, a sua pronúncia não constitui «caso julgado formal» [ver neste sentido AC STA de 09.11.95, processo nº37.590; AC STA de 10.12.2003, processo nº864/03; AC STA de 25.09.2005, processo nº0855/04; AC STA de 23.09.2010, processo nº0456/10; José Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, Coimbra Editora, 2001, páginas 370-371].

E, neste contexto, resulta hoje consensual, na doutrina e na jurisprudência, que o despacho saneador produzirá «caso julgado formal» quando tenha havido a concreta apreciação de pressupostos processuais, ou de nulidades processuais, de modo elaborado e fundamentado, caso em que, transitada em julgado, essa decisão será vinculativa, precludindo a possibilidade de, mais tarde, vir a ser reapreciada.

5. Importará saber se esta tese geral é válida, também, no caso específico da nulidade processual derivada do «erro na forma de processo».

Anteriormente à reforma do CPC de 1995 e 1996 [DL nº329-A/95 de 12.12, e DL nº180/96 de 25.09], esta questão não suscitava sérias dúvidas, pois vinha sendo considerada «definitiva» a apreciação, no despacho saneador, das nulidades processuais atinentes à ineptidão da petição inicial e ao erro na forma do processo mesmo que o juiz não as tivesse concretamente apreciado, dado que se entendia que, depois de proferido tal despacho já não era admissível a reclamação das partes, necessariamente precludida com a apresentação da contestação [entre outros, e neste sentido, AC STJ de 02.04.1992, in BMJ, 416/642; AC STJ de 15.04.1993, in CJ/STJ, tomo II, página 62; e AC STJ de 29.06.1995, in CJ/STJ, Tomo II, página 144].

Com a alteração introduzida pelo DL 180/96, de 25.09, ao artigo 206º do CPC, o nº2 deste passou a dispor assim: «As nulidades a que se referem os artigos 193º [trata-se da ineptidão da petição inicial] e 199º [trata-se do erro na forma de processo] são apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado. Se não houver despacho saneador pode conhecer delas até à sentença final».

Assim, da conjugação desta norma processual aqui aplicável, com o preceituado no também aplicável artigo 510º nº3 [citado no parágrafo 6º do ponto 4], resultará que a nulidade decorrente do «erro na forma de processo» pode ser conhecida até à sentença final no caso de não ser «concretamente» apreciada no saneador?

Pensamos que não.

A letra da lei [mens legis] e a intenção do legislador [mens legislatoris] vão no sentido de autonomizar o regime das excepções dilatórias inclusas naquele nº2 do artigo 206º do CPC aplicável, e arredá-las do regime legal estatuído no nº3 do artigo 510º e do artigo 660º, nº1, do mesmo CPC [o artigo 660º é sobre as «questões» a resolver na «sentença»].

Caso contrário, tudo indica que a consagração expressa do comando do nº2, do artigo 206º, seria inútil, por desnecessária e supérflua, dado que o conteúdo da alínea a) do nº1 do artigo 510º, teria a abrangência e alcance suficientes para tutelar o conhecimento dessas questões aquando do despacho saneador.

Neste sentido, e a propósito desta alteração introduzida ao artigo 206º do CPC, refere Abrantes Geraldes o seguinte:

«Pretenderá isto significar que tais nulidades não apreciadas em concreto no despacho saneador podem agora ser conhecidas até à sentença final?

A questão não é isenta de dúvidas, mas cremos que a resposta negativa é a que melhor corresponde à letra da lei e ao espírito do legislador. O artigo 206º, nº2, na linha da solução consagrada na versão original, continua a impor ao juiz, sob pena de preclusão, a obrigação de conhecer de tais nulidades no despacho saneador, tal como, para a competência material, emerge do disposto no artigo 102º, nº2. Em apoio desta solução poderá invocar-se a dispensabilidade da norma do nº2 do artigo 206º, face ao que já resultaria do disposto nos artigos 510º, nº1, alínea a), e 660º, nº1, ou ainda o facto de a alteração de redacção da norma ter simplesmente visado adequá-la às novas regras sobre a citação e não tanto modificar o regime anteriormente estabilizado dos efeitos preclusivos emergentes da prolação do despacho saneador» [Temas da Reforma do Processo Civil, volume II, Almedina, 4ª edição, páginas 56-57].

Também José Lebre de Freitas, e em sentido convergente, adverte que «Com a excepção do caso em que, por nada se aproveitar do processado [nomeadamente porque tal representaria diminuição das garantias do réu], constitui a excepção dilatória do artigo 288º, nº1, alínea a), o erro na forma do processo deve também ser conhecido no despacho saneador, sob pena de sanação, se não o tiver sido anteriormente, em momento em que o processo seja concluso ao juiz, nomeadamente no fim dos articulados [artigo 206º nº2]. O juiz anulará então aí os actos que tenham de ser anulados, praticará e mandará praticar aqueles que forem necessários para que o processo se aproxime da forma estabelecida na lei e fará seguir, para o futuro, a forma adequada [artigo 199º nº1]» [Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, 2000, páginas 25 e 158, e Código de Processo Civil Anotado, 1999, volume I, página 357; também neste sentido, AC STJ de 18.02.1998, CJ/STJ, tomo I, página 114].

Em suma, e repetindo o já dito, o «erro na forma de processo» consubstancia nulidade processual principal de conhecimento oficioso [artigos 199º e 202º CPC aplicável], que, se não o tiver sido antes, é apreciada no despacho saneador [artigo 510º, nº1, alínea a), do CPC] ou, não existindo este, até à prolação da sentença final [artigo 206º, nº2, do CPC], e só pode ser arguida pelas partes até à contestação, ou então neste articulado [artigo 204º, nº1, do CPC] - [neste sentido, AC STJ de 22.09.2005, processo nº04B2649].

E, de harmonia com o nº2, do artigo 206º, do CPC aqui aplicável, devidamente adaptado às regras próprias do contencioso administrativo, no âmbito de acção administrativa comum, como sucede nos autos em presença, o conhecimento oficioso do erro na forma do processo deve ocorrer até à prolação do despacho saneador, pelo que, uma vez proferido este, o conhecimento dessa questão fica precludido, inviabilizando que a mesma venha a ser conhecida mais tarde, em sede de sentença.

Deste modo, ainda que a decisão proferida em sede de saneador sobre o «erro na forma do processo» tenha sido tabelar, tal pronúncia constitui «caso julgado formal» na medida em que fica precludida a possibilidade de ulteriormente vir a ser reapreciada essa questão.

No presente caso, tendo a acção administrativa sido proposta na forma comum, e tendo no despacho saneador sido declarado, além do mais, que «a forma de processo é a adequada», uma vez ultrapassada esta fase de saneamento ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz voltar a pronunciar-se sobre essa matéria [artigos 666º, nºs 1 e 3, e 672º, nº1, CPC em referência], ficando cerceada a possibilidade da sua reapreciação.

Deverá, portanto, ser julgado procedente este «erro de julgamento de direito» apontado pela ora recorrente ao acórdão recorrido que manteve a sentença de 1ª instância.

6. Acontece, porém, que o acórdão do TCAS, aqui recorrido, acabou por manter a sentença proferida pelo TAF de Loulé com base no disposto no artigo 38º nº2 do CPTA. Como nele expressamente se diz, nada há que censurar à sentença aí recorrida, porque, como resulta do artigo 38º, nº2, do CPTA, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável […].

Ora, o erro na forma de processo, que consubstancia uma nulidade processual principal, como deixamos dito, e cujos efeitos estão estritamente delimitados pelo princípio do favorecimento da acção [ver artigo 199º do CPC aplicável ex vi 1º CPTA], não se confunde com a «questão impeditiva do conhecimento do mérito da causa» que integra a proibição vertida no nº2 do artigo 38º do CPTA, e que deverá ser encarada, ao que tudo indica, como «excepção dilatória inominada» que impõe a absolvição do réu da instância [assim poderão ser entendidas, cremos, as considerações tecidas pelo Professor Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa - Lições, Almedina, 12ª edição, página 272].

Estamos perante uma norma especial, que prevalece sobre qualquer outra que disponha em sentido contrário, muito mais se for de aplicação supletiva como o são as normas do CPC.

Embora imbricadas pelo assunto, o da forma do processo, trata-se de questões diferentes: na referida excepção dilatória inominada a forma processual comum até poderá estar formalmente correcta, só que não pode ser usada para o fim aí pretendido por isso se traduzir no contorno da lei processual e no desrespeito do caso julgado administrativo atinente a actos administrativos conexos com a pretensão do respectivo autor.

Temos, assim, que a constituição de caso julgado formal, no que tange à forma processual usada na presente acção, restará desvanecida, e superada, por esta realidade jurídico-administrativa insofismável: a de estar expressamente vedado o uso da «acção administrativa comum» para se obter o efeito que resultaria da anulação de acto administrativo já inimpugnável.

7. Dos autos resulta que a recorrente A…………… dirigiu ao Secretário de Estado Adjunto da Agricultura e Pescas, em 26.04.2005, pedido de informações que incorpora pedido de reclassificação profissional ao abrigo do artigo 15º do DL nº497/99, de 19.11. Na verdade, muito embora essa solicitação tenha sido formulada ao abrigo do direito à informação [artigo 61º do CPA], certo é que culmina num pedido de reclassificação profissional, de cujo teor, aliás, se conclui que a aí requerente terá precedentemente formulado, sobre o assunto e com idêntica pretensão, dois requerimentos dirigidos à Direcção Regional de Agricultura do Algarve [ver documento nº15, a folhas 53 a 55 dos autos, levado ao ponto 4 do provado].

Resulta ainda dos autos que, em resposta, o Gabinete do Secretário de Estado, através do ofício nº02252, de 02.09.2005, e sobre o assunto «Reclassificação Profissional», informou a ora recorrente de que o seu pedido «…se encontra na Secretaria-Geral deste Ministério, para apreciação» [ver documento nº16, a folha 56 dos autos, levado ao ponto 5 do provado]. Note-se que a Secretaria-Geral do MADRP era a entidade com competência «…para coordenar e promover a execução da política de recursos humanos, financeiros e patrimoniais, de modernização administrativa, informática e de documentação, divulgação e relações públicas» [conforme artigo 7º, nº1 alínea d), da Lei Orgânica do MADRP então em vigor, aprovada pelo DL nº74/96, de 18.06].

Resulta, por fim, que a recorrente, pelo menos desde o final de Outubro de 2005, teve conhecimento da decisão da Administração que lhe indeferiu a pretensão de reclassificação, através do ofício nº09045, de 19.10.2005, da Direcção Regional de Agricultura do Algarve, e estribada na fundamentação constante do ofício nº02363, de 03.10.2005, da Secretaria-Geral do MADRP [ver documento nº17, a folhas 57 a 59 dos autos, levado ao ponto 6 do provado, e, ainda, ponto 15 do provado].

Não consta que este acto administrativo, negativo da pretensão formulada pela ora recorrente, tenha sido por ela devidamente impugnado, uma vez que tinha efeitos lesivos da sua esfera jurídica, coarctando, pelo menos, as sua legítima pretensão à reclassificação ao abrigo do artigo 15º do DL nº497/99, de 19.11, por entender que se encontrava numa situação funcionalmente desajustada e que se verificavam, a seu ver, todas as condições exigidas nessa norma [estipula esse artigo 15º que «Os serviços e organismos abrangidos pelo presente diploma procederão, no prazo máximo de 180 dias a contar da data da entrada em vigor do presente diploma, à reclassificação obrigatória dos funcionários que vêm exercendo funções correspondentes a carreira distinta daquela em que estão integrados, desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições: a) Exerçam funções há mais de um ano até final do prazo acima estabelecido; b) Possuam os requisitos habilitacionais e profissionais exigidos para o provimento na nova carreira; c) As funções que vêm assegurando correspondam a necessidades permanentes do serviço; d) Exista disponibilidade orçamental»].

8. O primeiro pedido deduzido pela autora, o pedido de condenação dos réus no pagamento de uma indemnização de 30.500,00€ [25.000,00€ a título de danos não patrimoniais e 5.500,00€ a título de gastos com advogado], foi feito com base na responsabilidade civil extracontratual dos réus [artigo 2º, nº1, do DL nº48 051, de 21.11], e nos termos do artigo 37º, nº2 alínea f), do CPTA, segundo o qual «2. Seguem, designadamente, a forma de acção administrativa comum os processos que tenham por objecto litígios relativos a: […] f) Responsabilidade civil das pessoas colectivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, incluindo acções de regresso».

Quanto a este pedido não restam dúvidas, pois, que está correctamente vertido na forma processual de acção administrativa comum, e de que o uso da mesma não está proibido pelo disposto no artigo 38º, nº2, do CPTA. De facto, embora a apreciação e julgamento da ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil invocada, passe não só pela qualificação jurídica da conduta administrativa no tocante ao tratamento da reclassificação profissional da autora, mas, ainda, pela apreciação da legalidade do acto administrativo supra assinalado, e que é actualmente inimpugnável, o certo é que esta apreciação incidental é permitida pelo nº1 desse artigo 38º do CPTA [segundo este nº1, «Nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado»].

Efectivamente, não se trata aqui de «obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável», que negou a reclassificação profissional à autora, pois que não se pede nem a sua neutralização jurídica nem a sua substituição pelo acto eventualmente devido, mas apenas de ver indemnizados os prejuízos que estão conexionados subjectiva e objectivamente com a actuação ilegal.

9. Não assim quanto ao segundo pedido formulado na AAC, deduzido ao abrigo do artigo 37º, nº2 alínea d), do CPTA, norma essa que reza assim: «2. Seguem, designadamente, a forma de acção administrativa comum os processos que tenham por objecto litígios relativos a: […] d) Condenação da Administração à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados».

Da indispensável compatibilização desta norma com a proibição expressa ínsita no artigo 38º, nº2, do CPTA, decorre que a «adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados» [artigo 37º, nº2 alínea d)] não poderá traduzir-se na obtenção do «efeito que resultaria da anulação do acto inimpugável» [artigo 38º, nº2], e cuja apreciação jurídica, ainda que incidental, tenha sido feita no âmbito do objecto da acção administrativa comum.

Isto significa, além do mais, que as acções comuns de «restabelecimento» que são previstas no artigo 37º, nº2 alínea d), do CPTA, visam obter a condenação da Administração nas condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados desde que esta violação não decorra da prática de um acto administrativo ilegal ou o respectivo restabelecimento não envolva a emissão de um acto administrativo impugnável, pois que, nestes casos, ter-se-á de lançar mão da acção administrativa especial [ver, a respeito, Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 12ª edição, páginas 168 e 169; Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, Almedina, página 268; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, página 239].

No presente caso, e com o segundo pedido formulado, a autora da acção, ora recorrente, quer que a entidade administrativa demandada seja condenada a restituir-lhe a «situação actual hipotética», ou seja, nas suas próprias palavras, a «reclassificá-la profissionalmente integrando-a na categoria de técnico profissional de 1ª classe da carreira laboratorial».

Ora, a reconstituição da «situação actual hipotética», pretendida pela autora, passará, e necessariamente, pela neutralização do acto administrativo que lhe negou a reclassificação ao abrigo do artigo 15º do DL nº497/99, de 19.11, bem como pela emissão de eventual acto de reclassificação, que sempre teria de ser emitido pelo órgão administrativo competente para apreciar as condições que, cumulativamente, são impostas pelas alíneas do referido artigo legal.

Ou seja, através desta AAC pretendia a autora obter o efeito que resultaria da «anulação» do acto administrativo de Outubro de 2005, já inimpugnável, e sua respectiva execução, intento este que colide com proibição ínsita no artigo 38º, nº2, do CPTA.

10. Ressuma do que fica exposto, portanto, que a AAC deverá continuar a sua tramitação em 1ª instância relativamente ao pedido de indemnização formulado contra os réus, porque, sendo certo que está fixada a «forma processual», a tal não se opõe o preceituado no artigo 38º, nº2, do CPTA. Porém, e precisamente com fundamento nesta oposição, deverá o Ministério demandado ser absolvido da instância por verificação da respectiva «excepção dilatória inominada» [artigos 288º, nº1 alínea e), do CPC aplicável, ex vi 1º e 35º, nº1, do CPTA].

O que significa o provimento parcial deste recurso de revista, dado que apenas quanto ao pedido indemnizatório formulado na AAC, contra os dois réus, deverá ser revogado o acórdão recorrido.

IV. Decisão

Nos termos do exposto, decidimos conceder parcial provimento ao recurso de revista, e, em conformidade, revogar o acórdão recorrido no tocante ao «pedido de indemnização» formulado na acção, cuja tramitação, quanto a ele, deve continuar em 1ª instância, caso nada mais obste a tal, e mantendo-se no restante.

Custas pela recorrente, na proporção de metade das devidas [dada a isenção da entidade recorrida – artigo 8º, nº4, da Lei nº7/2012, de 13.02, e 3º, nº1 alínea a), do CCJ].

Lisboa, 24 de Setembro de 2015. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (vencido pelas razões que indico) – António Bento São Pedro.

Voto vencido por entender que inexistem obstáculos jurídicos ao prosseguimento da acção relativamente ao pedido de reconstituição da sua situação profissional hipotética.
Com efeito, e muito embora seja certo que o n.°2 do art.° 38.° do CPTA impede que a acção administrativa comum seja utilizada para obter efeitos que só seriam suscetíveis de obter na acção administrativa especial, também o é a reconstituição da situação hipotética não implica necessariamente a anulação do ato impugnado, visto a questão dessa anulação ser meramente incidental em relação à reconstituição da carreira.
Alberto Acácio de Sá Costa Reis