Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0824/11.3BEPRT
Data do Acordão:11/19/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
FARMÁCIAS
TRANSFERÊNCIA
PROPRIEDADE
Sumário:É de admitir a revista do acórdão confirmativo da sentença que julgou improcedente a acção dos autos – onde as recorrentes, «inter alia», impugnaram o acto do Infarmed que cancelou o alvará de uma farmácia e impôs o seu encerramento por considerar nulo o negócio que a transmitiu – visto que as «quaestiones juris» em torno do referido assunto são árduas, repetíveis e reclamam directrizes por parte do Supremo.
Nº Convencional:JSTA000P26823
Nº do Documento:SA1202011190824/11
Data de Entrada:11/10/2020
Recorrente:A............, S.A. E OUTROS
Recorrido 1:INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A……………….., SA, e Farmácia B…………., SA, interpuseram a presente revista do aresto do TCA Norte confirmativo da sentença do TAF do Porto que julgara improcedente a acção deduzida pelas recorrentes contra o Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, a fim de impugnar actos desta entidade e condená-la a promover condutas reconstitutivas e indemnizatórias.

As recorrentes pugnam pela admissão da sua revista porque esta respeita a matéria relevante, susceptível de recolocação noutras situações e incorrectamente julgada.
O Infarmed contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade da revista.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
As autoras e aqui recorrentes – que haviam celebrado entre si um negócio translativo de uma certa farmácia – impugnaram «in judicio» dois actos provenientes do Infarmed e radicados na suposta nulidade daquela transmissão: o que ordenou o cancelamento do alvará e o encerramento da farmácia; e o que, por via da inutilidade induzida pelo acto anterior, extinguiu o procedimento de transferência da localização da mesma farmácia. Para além disso, as autoras formularam pedidos de condenação do réu – reconstitutivos da situação actual hipotética e indemnizatórios dos prejuízos sofridos.
As instâncias pronunciaram-se unanimemente pela improcedência total da acção.
E a presente revista insurge-se contra essa pronúncia, colocando essencialmente duas questões.
A primeira liga-se ao facto das instâncias terem avaliado a legalidade do acto de cancelamento (do alvará) e de encerramento (da farmácia) à luz de uma «lex posterior» (a nova redacção do art. 14º, n.º 2, do DL n.º 307/2007, de 31/8, introduzida pela Lei n.º 16/2013, de 8/2). Segundo as recorrentes, essa «lex nova», embora assumidamente interpretativa (como consta do art. 4º da Lei n.º 16/2013), foi realmente inovadora – e inaplicável «ex ante». Assim, elas defendem a inconstitucionalidade desse art. 4º – enquanto apto a causar a invalidade de negócios porventura válidos segundo a «lex temporis» – pormenor que logo privaria o referido acto administrativo do suporte que as instâncias unanimemente lhe reconheceram.
Esta «quaestio juris» encerra as dificuldades técnicas inerentes às tentativas de distinção entre leis interpretativas e inovadoras. Mas essa questão, só por si ou «a se», não justificaria a admissão da revista. Não só porque respeita a legislação pretérita, donde dificilmente brotarão casos similares, mas também, e sobretudo, porque se reconduz a um problema de inconstitucionalidade – que não integra o objecto próprio dos recursos de revista.
No entanto, o mesmo não ocorre com a segunda questão, colocada pelas recorrentes.
Admitindo que o sobredito negócio, translativo da propriedade da farmácia, fosse nulo (art. 53º, n.º 1, do DL n.º 307/2007) – por violação das regras sobre acções nominativas (art. 14º, n.º 2, do diploma) ou sobre incompatibilidades (art. 16º) – as recorrentes questionam as consequências disso. No fundo, trata-se de apurar duas coisas: se o Infarmed, nesse género de situações, tem a prerrogativa de reconhecer a nulidade – em vez de meramente instar o MºPº a propor a acção prevista no art. 53º, n.º 2, do DL n.º 307/2007; e, sendo a nulidade do negócio translativo reconhecível pelo Infarmed, se isso traz o cancelamento do alvará e o encerramento da farmácia – em vez de apenas acarretar a permanência dela na titularidade do transmitente.
Aliás, este último problema parece constituir o ponto mais frágil da argumentação expendida pelas instâncias, que filiaram os poderes do Infarmed de cancelar o alvará e encerrar a farmácia apenas no art. 5º, n.º 2, al. m), do DL n.º 269/2007, de 26/7, sem explicações acrescentes. Trata-se, aliás, de um ponto que contrasta com a solidez geral dos discursos enunciados pelo TAF e pelo TCA.
Ora, essa matéria reclama maior indagação. Por via de regra, a não produção de efeitos inerente à nulidade dos negócios conduz as situações ao seu «statu quo ante» – o que, «in casu», significaria a permanência do alvará na esfera jurídica da recorrente que invalidamente alienou.
Já se antevê que os «themata» ligados a esta segunda «quaestio juris» são árduos, repetíveis e credores da atenção do Supremo. Não apenas para o estabelecimento de directrizes «in futurum», mas ainda para garantir uma resolução exacta do presente dissídio.
E, recebido o recurso, o âmbito do seu conhecimento estender-se-á, como é óbvio, a todas as conclusões da respectiva minuta.

Nestes termos, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/3, o relator atesta que os Exms.º Juízes Adjuntos – a Sr.ª Conselheira Teresa de Sousa e o Sr. Conselheiro Carlos Carvalho – têm voto de conformidade.

Lisboa, 19 de Novembro de 2020