Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0949/05
Data do Acordão:09/07/2005
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL.
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL.
SUBIDA IMEDIATA.
PROCESSO URGENTE.
Sumário:I – Como decorre do texto do n.º 3 do art. 278.º do C.P.P.T. ao condicionar a aplicação do regime aí previsto às situações em que a «reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável», não basta para que seja aplicado o regime de subida imediata, que se esteja perante uma situação do tipo das aí arroladas, sendo exigível também que, na fundamentação da sua reclamação, o interessado invoque prejuízo irreparável.
II – Não sendo feita essa invocação, a tramitação da reclamação não terá subida imediata nem o processo será considerado urgente, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.
III – Consequentemente, ao recurso jurisdicional que for interposto da sentença não é aplicável o regime dos recursos jurisdicionais urgentes, previsto no art. 283.º do mesmo Código, mas sim o previsto no art. 282.º, em que as alegações do recurso não tem de ser apresentadas com o requerimento de interposição.
Nº Convencional:JSTA00062438
Nº do Documento:SA2200509070949
Data de Entrada:08/24/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF DE LISBOA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT- EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART283 ART276 ART277 ART278 N3 N5 ART282.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC929/03 DE 2003/10/08.; AC STA PROC897/04 DE 2004/09/22.; AC STA PROC10/05 DE 2005/03/02.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A..., executado no processo de execução fiscal 3085-98/102640.2, do Serviço de Finanças de Lisboa – 3, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa reclamação contra a decisão de adjudicação do bem penhorado à proponente, proferida pelo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Sintra – 1, em 14-12-2004, numa carta precatória emitida naquele processo.
O Reclamante imputou à decisão vício de falta de fundamentação e outras ilegalidades, designadamente não se encontrar pago o preço.
A Meritíssima Juíza a quem o processo foi distribuído não atendeu a reclamação.
Inconformado, o ora Recorrente interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, não apresentando alegações com o requerimento de interposição.
A Meritíssima Juíza proferiu despacho nos seguintes termos:
Nos termos do art. 283º do CPPT os recursos jurisdicionais nos processos tributários urgentes são apresentados por meio de requerimento juntamente com as alegações. Assim, não tendo sido cumprida esta exigência legal de apresentação de alegações com o requerimento de interposição do recurso julga-se o mesmo deserto.
Novamente inconformado, o Reclamante interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
a) O nº 5 do art. 278º do CPPT só se aplica nos processos de reclamação contra actos de órgão de execução fiscal quando tal reclamação se funde na alegação da existência ou superveniência de um prejuízo irreparável causado por qualquer das ilegalidades mencionadas no nº 3 do mesmo artigo;
b) Não sendo esse o caso dos autos, não se lhe aplica o nº 5 do art. 278º do CPPT pelo que não lhe são aplicáveis as regras dos processos urgentes, nomeadamente a do art. 283º do mesmo diploma;
c) Não deveria, pois, ter sido julgado deserto o recurso interposto da decisão de fls. 219 e seguintes com o fundamento em que o requerimento de interposição de recurso não foi acompanhado das respectivas alegações;
d) Imputa-se, assim, à decisão ora sob recurso a violação, por erro de interpretação e de aplicação, do disposto nos arts. 277º, 278º e 283º do CPPT, que se espera sejam interpretados e aplicados nos termos ora propugnadas, com as legais consequências.
Assim será julgado procedente o presente recurso e feita a habitual JUSTIÇA!
A Meritíssima Juíza não admitiu este recurso jurisdicional, por entender que do seu transcrito despacho cabia reclamação, nos termos do art. 668.º do C.P.C..
Tendo sido apresentada reclamação do despacho de não admissão deste recurso jurisdicional, o Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, atendendo-a, ordenou que fosse proferido novo despacho sobre a admissão do recurso.
Baixando a reclamação, foi proferido despacho admitindo o recurso.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Está em causa a apreciação por este Supremo Tribunal do recurso jurisdicional interposto do despacho que julgou deserto, por falta de alegações, o primitivo recurso que o Recorrente interpôs da sentença proferida pelo T.A.F. de Lisboa que negou provimento à reclamação da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Sintra que aceitou a única proposta de compra do bem penhorado.
O despacho ora em recurso terá entendido que os presentes autos de reclamação de acto do órgão da execução fiscal têm natureza urgente e que, por isso, as alegações do recurso interposto da sentença deveriam ter sido apresentadas com o requerimento da sua interposição.
O recorrente sustenta que a decisão em apreciação violou, por erro de interpretação, o disposto nos arts. 277.º, 278, e 283 do C.P.P.T., alegando, em síntese, que o n.º 5 do art. 278.º do C.P.P.T. «só se aplica nos processos de reclamação contra actos de órgão da execução fiscal quando tal reclamação se funde na alegação da existência ou superveniência de um prejuízo irreparável causado por qualquer das ilegalidades mencionadas no n.º 3 do mesmo artigo»; mas, «não sendo esse o caso, não se aplica o n.º 5 do art. 278.º do C.P.P.T., pelo que não lhe são aplicáveis as regras dos processos urgentes, nomeadamente a do art. 283.º do mesmo diploma».
E, a meu ver, tem razão o recorrente.
Vejamos.
Efectivamente, o art. 278.º, n.º 1, do C.P.P.T. dispõe que «o tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final».
Contudo, o n.º 3 deste preceito legal estabelece uma excepção a esta regra geral ao determinar que «o disposto no n.º 1 não se aplica quando a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades» que enuncia nas suas diversas alíneas.
E, no n.º 5, a mesma disposição legal prescreve que «a reclamação referida no presente artigo segue as regras dos processos urgentes, tendo a sua apreciação prioridade sobre quaisquer processos que devam ser apreciados no tribunal que não tenham esse carácter».
Assim, como resulta do teor literal deste n.º 5, a atribuição do carácter urgente às reclamações restringe-se às que se fundamentarem em prejuízo irreparável quando por alguma das ilegalidades previstas no seu n.º 3.
Aliás, neste sentido se tem pronunciado este Supremo Tribunal (cf. Acs. de 4/6/03 – Rec. 644/03 e de 8/10/03 – Rec. 929/03).
Ora, no caso em análise, o ora recorrente «reclamou» do referido despacho do Chefe do Serviço de Finanças, alegando que não foi demonstrada a identidade e qualidade e os poderes de representação do presumível subscritor da proposta, pelo que, arguiu, no acto, a irregularidade, nos termos do disposto no art. 895.º n.º 1 do C.P.C.. Alegou ainda irregularidade na adjudicação que invoca ter sido efectuada pela autoridade administrativa.
No entanto, não decorre dos autos que o recorrente tenha «reclamado» de tal decisão, com fundamento em prejuízo irreparável provocado por qualquer das ilegalidades enunciadas no n.º 3 do art. 278.º do C.P.P.T.
Assim sendo, creio não se mostrarem preenchidos mos pressupostos do n.º 5 do art. 278.º do C.P.P.T., não devendo, consequentemente, a reclamação em causa ser qualificada como urgente, nem lhe sendo aplicável a regra constante do art. 283.º do C.P.P.T.
Pelo que sou de parecer que o recurso merece provimento.
Sem vistos legais, vem os autos à conferência para decidir.
3 – O art. 283.º do C.P.P.T. estabelece que os recursos jurisdicionais nos processos urgentes serão apresentados por meio de requerimento juntamente com as alegações no prazo de 10 dias.
Nos processos não urgentes, as alegações dos recursos jurisdicionais podem ser apresentadas na sequência da notificação do despacho de admissão do recurso (n.º 3 do art. 282.º do mesmo Código).
No caso em apreço, o ora Recorrente interpôs recurso da sentença que não atendeu a sua reclamação de acto praticado pela administração tributária no processo de execução fiscal, não apresentando as respectivas alegações com o requerimento de interposição, o que levou a Meritíssima Juíza a julgar deserto o recurso.
O ora Recorrente sustenta que não se trata de reclamação com tramitação urgente, designadamente por não se tratar de situação enquadrável no n.º 3 do art. 278.º.
A questão que é objecto do presente é recurso jurisdicional reconduz-se a saber se tem tramitação como processo urgente um recurso jurisdicional interposto de sentença proferida em reclamação deduzida ao abrigo dos arts. 276.º a 278.º do C.P.P.T., fora das situações indicadas no n.º 3 deste último artigo.
4 – No n.º 5 do art. 278.º estabelece-se que «a reclamação referida no presente artigo segue as regras dos processos urgentes, tendo a sua apreciação prioridade sobre quaisquer processos que devam ser apreciados no tribunal que não tenham esse carácter».
Apesar de alguma falta de rigor, resulta do teor literal deste n.º 5, a atribuição do carácter urgente restringe-se à «reclamação referida no presente artigo», que é a que tem por objecto alguma das situações indicadas no n.º 3.
Por outro lado, como evidencia a subida das restantes reclamações apenas a final, nos termos do n.º 1 deste artigo, nessas outras situações entende-se não haver urgência na decisão da reclamação, o que, naturalmente, não se compagina com a atribuição tramitação de processo urgente. (Neste sentido, pode ver-se o acórdão do S.T.A. de 8-10-2003, proferido no recurso n.º 929/03.)
De harmonia com o preceituado no n.º 3 deste art. 278.º, o regime de subida imediata, com a consequente atribuição de urgência, só é aplicável se «a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades».
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;
b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;
d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida.
É certo que a indicação das situações de subida imediata não pode considerar-se taxativa, pois, em face do direito de impugnação contenciosa de todos os actos lesivos, assegurado pelo n.º 4 do art. 268.º da C.R.P., seria materialmente inconstitucional o afastamento da subida imediata em relação a actos materialmente administrativos praticados no processo de execução fiscal que sejam imediatamente lesivos (Aceitando este entendimento, podem ver-se os acórdãos do S.T.A. de 22-9-2004. proferido no recurso n.º 897/04, e de 2-3-2005, proferido no recurso n.º 10/05.). Por outro lado, deverão também considerar-se de subida imediata os casos em que com a subida diferida a reclamação perca qualquer utilidade, pois, se assim não fosse, estar-se-ia perante situações em que, na prática, não haveria a possibilidade de reclamar. (Como se entendeu também no referido acórdão proferido no recurso n.º 10/05.)
No entanto, como decorre daquela referência feita no n.º 3, a aplicação do regime aí previsto depende de a «reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável».
Por isso, não basta para que seja aplicado o regime de subida imediata que se esteja perante uma situação do tipo das aí arroladas, sendo exigível também que, na fundamentação da sua reclamação, o interessado invoque prejuízo irreparável.
Assim, trate-se ou não de uma situação daquele tipo, é imprescindível, para se aplicar o regime previsto no art. 278.º, n.ºs 3 e 5, que o reclamante invoque prejuízo irreparável. No caso dos autos, ora Recorrente não invocou, na sua reclamação, que consta de fls. 55 e 56, que o acto reclamado lhe provocasse prejuízos irreparável, nem fez qualquer referência ao art. 278.º do C.P.P.T., pelo que tem de concluir-se não se verifica o pressuposto de que a lei faz depender a aplicação do regime previsto neste artigo.
Consequentemente, não há fundamento para considerar aplicável o regime de urgência à reclamação nem para aplicar o regime do art. 283.º do C.P.P.T. ao recurso jurisdicional interposto da sentença.
Por isso, o recurso jurisdicional dela interposto, a fls. 238, não podia ser considerado deserto por o requerimento de interposição não ser acompanhado de alegações.
Termos em que acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto a fls. 250 e seguintes, em revogar o despacho recorrido (de fls. 241) e ordenar que os autos baixem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa a fim de ser proferido despacho que não seja no sentido de julgar deserto o recurso por falta de alegações.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Setembro de 2005.
Jorge de Sousa – (relator) – Rui Botelho – Cândido Pinho.