Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0101/16
Data do Acordão:12/14/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO
EFEITOS CIVIS
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
ABSOLVIÇÃO EM PROCESSO CÍVEL
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I - É imputável ao autor, a título de culpa, a absolvição da instância, ocorrida em anterior ação, por ter atuado em termos de a sua conduta merecer a reprovação ou a censura do direito, quando, no quadro de um razoável juízo de previsibilidade, fosse de conjeturar uma situação de absolvição da instância.
II - Não estaremos perante uma situação integrante do conceito de “motivo processual imputável ao titular do direito” [cfr. art. 327.º, n.º 3, do CC ex vi do art. 332.º, n.º 1, do mesmo Código] quando, nomeadamente, o litígio envolve questões jurídicas não isentas de dúvidas, que legitimam a existência de divergências hermenêuticas, como é caso do regime jurídico das instituições privadas de solidariedade social e da sua concatenação/compatibilização no e com o demais ordenamento, bem como da natureza, caraterização e qualificação dos atos jurídicos que aqueles entes praticam, dúvidas essas que justificam, assim, a sobrevivência dos efeitos civis decorrentes da propositura atempada da primeira ação e improcedência da exceção de caducidade do direito.
Nº Convencional:JSTA00069955
Nº do Documento:SA1201612140101
Data de Entrada:03/10/2016
Recorrente:A..... - ASSOC DE PROTECÇÃO À INFÃNCIA E JUVENTUDE, IPSS
Recorrido 1:B......, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CPTA02 ART1 ART78 N2 G ART91 N5 N6 ART95 ART140.
CPC96 ART289 N2.
CPC13 ART279 N2 ART608 N2 ART613 N2 ART615 ART616 N2 ART617 ART666.
CCIV66 ART298 ART327 ART328 ART331 N2 ART332 ART483 ART498.
RGEU51 ART1 ART15 ART16 ART23 ART24 ART128.
RJEOP99 ART219 ART226.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC039608 DE 1996/10/15.; AC STA PROC047480 DE 2002/01/17.; AC STA PROC0463/08 DE 2009/03/11.; AC STA PROC0929/12 DE 2013/11/21.; AC STJ PROC06S1732 DE 2006/11/15.; AC STJ PROC566/09.0TBBJA.E1.S1 DE 2012/02/16.; AC STJ PROC797/07.7TBFA.G1.S1 DE 2011/06/30.; AC STJ PROC1010/06.0TBLMG.P1.S1 DE 2015/06/16.; AC TCF 025/05 DE 2006/12/19.; AC TCF 013/11 DE 2011/10/20.; AC TCF 021/12 DE 2013/05/23.; AC TCF 016/11 DE 2013/06/20.; AC TCF 035/15 DE 2016/02/04.; AC TCF 06/15 DE 2016/04/21.
Referência a Doutrina:FERNANDES CADILHA - REGIME DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS - ANOTADO 2ED PAG131.
VAZ SERRA - PRESCRIÇÃO EXTINTIVA E CADUCIDADE LISBOA 1961 PAG460 NOTA1010.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

1.1. “A A…………. - ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA E JUVENTUDE, IPSS”, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [«TAF/P»] a presente ação administrativa comum contra “B……………, SA”, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial, a condenação da R. “a reparar e eliminar os defeitos enunciados e constantes da carta de 19.05.2011, melhor identificados nos artigos 10.º, 14.º, 15.º, 22.º, 23.º, 24.º e 25.º desta P.I., no prédio sito na Rua ………, …………, …………, Maia” e a “executar as obras e serviços que se elencam nos artigos 18.º, 19.º, 20.º, 24.º, 25.º e 26.º desta P.I. no prazo de 60 dias após o trânsito da sentença que os ordenar”, bem como “na sanção compulsória de 250 € dia, por cada dia de atraso no início ou conclusão dos trabalhos que lhe forem determinados”.

1.2. O «TAF/P» veio a prolatar decisão, datada de 17.01.2014, julgando procedente exceção de caducidade e, em consequência, absolveu a R. do pedido [cfr. fls. 142/147].

1.3. A A., inconformada, recorreu para o TCA Norte o qual, por acórdão de 02.07.2015, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida [cfr. fls. 200/211].

1.4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a A., de novo inconformada com o acórdão proferido pelo TCA Norte, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 219 e segs. e fls. 376 e segs. após convite ao seu aperfeiçoamento por despacho de fls. 371/372], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
...
I. Por concurso público a ora Recorrente adjudicou à ora Recorrida uma obra para a construção de edifício para acolher crianças e jovens em risco que são retirados por ordem judicial provisoriamente aos pais, tendo sido assinado o contrato em 9/11/2005, com o prazo de conclusão de 365 dias.
II. A receção provisória da obra só veio a suceder em 30 de março de 2007.
III. Com o decurso do tempo foram surgindo diversos defeitos que foram sendo reparados pela Recorrida.
IV. Em 19/5/2011, por carta registada, a Recorrente denunciou à Recorrida diversos defeitos que esta, apesar de os ter reconhecido, não os reparou, tendo, em 21/3/2012 a Recorrente intentado uma ação judicial contra a Recorrida no Tribunal Cível da Maia, por defeitos na construção do edifício, que correu termos sob o n.º 1927/12.2TBMAI, no 2.º Juízo daquele Tribunal.
V. Por sentença notificada via CITIUS em 16/4/2013, aquele Tribunal declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer do litígio e absolveu a Ré da instância.
VI. Em 17/5/2013 foi intentada ação administrativa comum perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
VII. Este Tribunal sentenciou que o direito já havia caducado porquanto «o direito que se pretende reivindicar nos presentes autos teria de respeitar o prazo de 5 anos a contar da receção provisória da empreitada, sob pena de caducidade, o que aconteceu no caso dos autos».
VIII. A ação foi instaurada no Tribunal Cível em 21/3/2012, ou seja, antes de decorrido o prazo de 5 anos após a receção provisória da obra que ocorreu em 30/3/2007.
IX. A sentença que se declarou materialmente incompetente foi proferida em 16/4/2013 e transitou em julgado em 20/5/2013.
X. Os presentes autos tiveram início por ação instaurada pela Autora em 17/5/2013, ou seja, antes de decorrido o prazo de 30 dias após o trânsito em julgado pelo que se mantém os efeitos civis da interposição da primeira ação, nomeadamente, impedindo a verificação da caducidade (art. 331.º CC).
XI. Ora, o Autor pode aproveitar os efeitos civis da 1.ª ação (para efeitos de contagem do prazo de prescrição e caducidade) por mais 30 dias após o trânsito em julgado, interpondo nova ação, independentemente de lhe ser imputável ou não a absolvição da instância.
XII. Com efeito, o n.º 2 do artigo 289.º do CPC não prejudica os preceitos da lei civil, aos quais se adiciona, e aplica-se seja ou não imputável ao autor o motivo da absolvição da instância. Proposta nova ação dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão, o efeito impeditivo da caducidade decorrente da propositura da primeira ação mantém-se.
XIII. De facto, a interpretação literal da norma do art. 279.º, n.º 2 do Código do Processo Civil impõe que se mantenham os efeitos civis por mais 30 dias desde que seja intentada nova ação nesse prazo!
XIV. No caso dos autos não se verificou qualquer inércia ou conduta negligente da Autora/Recorrente, mas antes a dúbia interpretação de uma regra processual que delimita a competência dos tribunais pelas várias jurisdições.
XV. Por outro lado, com a reforma do Código de Processo Civil em 2013 (antes de ter sido intentada a ação dos presentes autos) o legislador consagrou no art. 99.º, n.º 2 do CPC, em caso de incompetência absoluta, a possibilidade de se requerer a remessa ao tribunal competente até 10 dias após o trânsito em julgado.
XVI. O que vem reiterar que o legislador pretende fazer prevalecer a justiça material sobre a justiça formal, tanto que o preceito normativo do art. 279.º, n.º 2 do CPC (antigo 289.º, n.º 2) surgiu posteriormente ao artigo 327.º, n.º 3 do Código Civil, pelo que a norma mais recente prevalece sobre a norma mais antiga!
XVII. Outro entendimento seria inconstitucional por denegar o acesso à justiça consagrado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
XVIII. Daqui se vislumbra que esta é uma questão deveras controversa e de particular relevância jurídica que merece melhor aplicação do Direito, pelo que se afigura essencial melhor clarificação jurisprudencial da aplicação das normas previstas no artigo 327.º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil e no artigo 279.º, n.º 2 do Código do Processo Civil (antigo 289.º, n.º 2), especialmente pela importância que assume para a segurança das relações jurídicas.
XIX. Devendo, consequentemente, decidir-se que o prazo previsto no artigo 279.º, n.º 2 do Código do Processo Civil é sempre aplicável, independentemente da atuação do Autor que levou à decisão de absolvição da instância.
XX. Por outro lado, foi alegado que a Ré reconheceu a existência de defeitos e a sua responsabilidade (vd. arts. 30.º e 40.º da contestação), admitindo a realização das reparações necessárias, como até então, aliás, vinha fazendo, assim como, admitiu o incumprimento do caderno de encargos, aplicando material substancialmente diferente nos vãos exteriores.
XXI. Sendo o reconhecimento da sua responsabilidade causa de impedimento de verificação da caducidade ao abrigo do art. 331.º, n.º 2 do Código Civil a partir desse momento seria aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos (e não um novo prazo de caducidade), ao abrigo do art. 309.º do Código Civil.
XXII. Para tal apreciação judicial e, admitindo que nalgumas partes e nalguns defeitos, da leitura dos articulados resultaria ser matéria controversa, impunha-se a produção de prova.
XXIII. Porém, o Douto Aresto de que se recorre, entendeu que a Recorrida não teria reconhecido a responsabilidade dos defeitos, ou seja, pronunciou-se sobre matéria de facto sem que para tal tivesse havido recurso, pois este apenas estava limitado a questões de Direito, o que configura nulidade por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, ao abrigo do disposto no art. 95.º CPTA e 615.º, n.º 1, d) CPC.
XXIV. Também, foi invocado além da responsabilidade contratual, que a atuação da Ré configura ato ilícito por violação culposa de normas de proteção, nomeadamente, arts. 1.º, 15.º, 16.º, 23.º, 24.º e 128.º do Regime Geral das Edificações Urbanas, o que importaria a análise da sua conduta ao abrigo da responsabilidade aquiliana e respetivo regime que, como é consabido, diverge no que diz respeito aos prazos de prescrição e caducidade.
XXV. Por outro lado, omitiu pronunciar-se sobre a questão da responsabilidade aquiliana que tem regime diverso da responsabilidade contratual, porquanto aquela consagra um prazo prescricional de 3 anos após o conhecimento dos defeitos, que ocorreu em maio de 2011 e a presente ação foi instaurada em 17 de maio de 2013.
XXVI. Tudo isto configura nulidade do Acórdão nos termos do disposto do art. 95.º, n.º 1 do CPTA e 615.º, n.º 1, d) CPC (ex vi 674.º, n.º 1, c), CPC) …”.
Termina pugnando pelo provimento do recurso com revogação do acórdão recorrido e “substituição por outro que julgue a ação tempestivamente intentada”, ordenando “o prosseguimento dos autos com prolação de despacho saneador, com vista à realização de julgamento”.

1.5. A R., aqui ora recorrida, notificada não produziu contra-alegações [cfr. fls. 294 e segs. e fls. 389 e segs.].

1.6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal que se mostra prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 18.02.2016, veio a ser admitido o recurso de revista, considerando-se, nomeadamente, que “[a] questão do recurso centra-se na conjugação do disposto dos artigos 332.º, n.º 1, e 327.º, n.º 3 do CC, com o artigo 289.º, n.º 2, do CPC (agora 279.º do CPC 2013). (…) Trata-se de saber se está certo o acórdão recorrido quando entendeu não ser aproveitável para a contagem do prazo prescricional a propositura anterior de ação nos tribunais comuns, que se julgaram incompetentes materialmente. (…) E o acórdão recorrido entendeu não ser aproveitável essa primitiva ação por ter resultado de indevida opção da autora de instaurá-la nos tribunais judiciais. (…) O acórdão recorrido citou diversa jurisprudência a seu favor. Deve ter-se em atenção, porém, que não se pode considerar o problema isento de dificuldades. (…) Na verdade, e por exemplo, no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 15.5.2013, proc. 01260/12, disse-se, nomeadamente: «Em suma: independentemente do que se prescreve no art. 327.º do Código Civil, o artigo 289.º, n.º 2, do CPC é explícito de que a interrupção da prescrição obtida mediante a citação na primeira causa (‘ex vi’ do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil) mantém-se na seguinte se o réu voltar aí a ser citado dentro de trinta dias contados do trânsito da decisão que antes o absolvera da instância». (…) E já o acórdão de 15.10.1996, recurso 39608, deste mesmo Supremo Tribunal concluíra: «os motivos ou razões processuais a que esse inciso normativo se reporta [Nota - o n.º 3 do art. 327.º] terão que ser respeitantes a qualquer atitude de inércia ou a qualquer conduta inconsiderada ou negligente no seio do processo judicial em curso, que não os fundados em razões consistentes na interpretação de uma dada norma ou regra de direito, como sejam as que delimitam as competências entre os tribunais de diversas ordens ou jurisdições». (…) Estes exemplos ilustram a necessidade de clarificação da matéria”.

1.7. A Digna Magistrada do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificada nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu pronúncia através de parecer no qual sustenta o provimento do recurso [cfr. fls. 393].

1.8. Notificadas as partes do referido parecer nenhuma resposta foi produzida [cfr. fls. 394 e segs.].

1.9. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir em Conferência.


2. DAS QUESTÕES A DECIDIR
Constitui objeto de apreciação nesta sede o determinar se o julgado ao improceder o recurso de apelação deduzido pela A. incorreu, por um lado, em nulidade [cfr. arts. 95.º, n.º 1 do CPTA e 615.º, n.º 1, d) do CPC/2013 (tal como as referências posteriores ao CPC salvo expressa indicação em contrário) «ex vi» do art. 674.º, n.º 1, al. c), do CPC] e, por outro lado, em errada interpretação e aplicação do disposto, mormente, nos arts. 327.º, n.º 3, 331.º, 332.º, n.º 1, 483.º e 498.º todos do CC, 05.º, n.º 3 e 279.º, n.º 2, do CPC, art. 20.º da CRP, 01º do CPTA, 01.º, 15.º, 16.º, 23.º, 24.º e 128.º do RGEU [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) A A. é uma instituição particular de solidariedade social, cujo escopo é a proteção de crianças e jovens que por decisão judicial são retiradas, provisoriamente, aos pais e que ficam acolhidas temporariamente junto da instituição - facto que resulta admitido em face do posicionamento exarado nos respetivos articulados.
II) Para o exercício desse fim, sentiu a A. a necessidade de construção dum edifício, onde acolhe, dá alojamento e sustenta essas crianças por períodos variáveis até serem entregues aos seus progenitores - facto que resulta admitido em face do posicionamento exarado nos respetivos articulados.
III) Assim, depois do respetivo concurso, a A. adjudicou à R. a construção do edifício de rés-do-chão e andar destinado ao seu fim específico, sito na Rua ……….., ……….., Maia - facto que resulta admitido em face do posicionamento exarado nos respetivos articulados.
IV) O contrato de empreitada foi assinado em 09.11.2005 - facto que resulta admitido em face do posicionamento exarado nos respetivos articulados.
V) Pelo valor global de 420.288,88 €, tendo-se a R. comprometido na execução de toda a obra de construção civil atinente a todas as artes, ou seja empreitada geral - facto que resulta admitido em face do posicionamento exarado nos respetivos articulados.
VI) Tendo sido estabelecido um prazo de conclusão de 365 dias e tendo-se a R. obrigado a dar um prazo de garantia dessas obras realizadas de cinco anos - facto que resulta admitido em face do posicionamento exarado nos respetivos articulados.
VII) A receção provisória da obra ocorreu em 30 de março de 2007 - facto que resulta admitido em face do posicionamento exarado nos respetivos articulados.
VIII) Dá-se por reproduzido o teor de todos os documentos que integram os autos, ademais e especialmente o contrato de empreitada que faz fls. 10 a 13 dos autos.
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3.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões que se mostram supra enunciadas e que constituem o objeto deste recurso de revista.
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3.2.1. DAS NULIDADES DE DECISÃO

I. Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, 617.º e 666.º do CPC ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA os acórdãos são suscetíveis da imputação não apenas de erros materiais, mas, também, de nulidades.

II. Estipula-se no art. 615.º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade” e na parte que ora releva, que as decisões judiciais são nulas “quando: … d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” [n.º 1], derivando ainda do mesmo preceito que as “… nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença/«acórdão» - [cfr. n.º 1 do art. 666.º CPC] - se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades ...” [n.º 4].

III. Caraterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC].

IV. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.

V. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio.

VI. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que não incorrerá na nulidade em referência o julgador que, apreciando na decisão todos os problemas/questões fundamentais objeto do litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes.

VII. Só existe omissão de pronúncia e, consequente, nulidade [art. 615.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte, do CPC] se o tribunal na decisão, contrariando o disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objetos e fundamentos por ela alegados, visto que a ação/pretensão ou a exceção só podem ser julgadas improcedentes se nenhum dos objetos ou dos fundamentos puder proceder.

VIII. E só existe excesso de pronúncia e decorrente nulidade [art. 615.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte, do CPC] se o tribunal na decisão, contrariando também o disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC mas agora na segunda parte do dispositivo, conheça de questão que, não sendo de conhecimento oficioso, não haja sido suscitada pelas partes.

IX. Presentes os considerandos caraterizadores do fundamento de nulidade de decisão invocado temos que, no caso, não se descortina que a pronúncia do tribunal a quo enferme de qualquer excesso ou de omissão e que, como tal, infrinja o disposto nos arts. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC e 95.º, n.º 1, do CPTA.

X. É que, independentemente do acerto ou não do decidido, que não se mostra abarcado pela nulidade de decisão arguida, temos que a pronúncia firmada pelo TCA não envolveu qualquer excesso de pronúncia quando, analisando invocado erro de julgamento relativo à violação do disposto no art. 331.º, n.º 2, do CC, mercê de alegada ocorrência de reconhecimento da existência de defeitos e responsabilidade por parte do R., procedeu ao conhecimento daquilo que constituía fundamento do recurso de apelação.

XI. Fê-lo, pois, no quadro e no âmbito ou limites daquilo que eram os seus deveres e poderes de pronúncia, sendo que a concreta discordância com o juízo firmado por parte da Recorrente será suscetível de gerar não a nulidade da decisão mas quando muito o erro de julgamento.

XII. De igual modo, inexiste qualquer omissão de pronúncia quanto à alegação do alegado erro de julgamento por infração dos arts. 483.º, 498.º do CC, 01.º, 15.º, 16.º, 23.º, 24.º e 128.º do RGEU decorrente de alegada responsabilidade extracontratual em que teria fundado a sua pretensão na ação e do qual derivaria também diverso regime em matéria prescricional, porquanto, acertadamente ou não, foi o conhecimento de tal fundamento recursivo considerado prejudicado e, como tal, existiu pronúncia, na certeza, refira-se, de que sempre seria de soçobrar um tal fundamento recursivo tanto mais que, analisada a petição inicial e aquilo que constitui a causa de pedir ali invocada [responsabilidade civil contratual emergente de alegados defeitos da obra executada pela R.] na qual a A. fez assentar o seu pedido [de condenação na reparação e eliminação dos defeitos ali discriminados e que havia denunciado e de execução das obras e serviços elencados no prazo de 60 dias após trânsito da sentença, bem como na sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no início e conclusão dos trabalhos que vierem a ser determinados], a alegação em questão corporiza uma nova causa de pedir que apenas veio a ser invocada em sede de alegações de recurso jurisdicional de apelação e, como tal, em total desrespeito do disposto, nomeadamente, nos arts. 78.º, n.º 2, al. g), e 91.º, n.ºs 5 e 6, do CPTA, não suscetível ou passível de ser cognoscível no quadro dos limites e poderes de pronúncia definidos no art. 95.º do mesmo Código, que por isso também não resulta infringido.

XIII. De harmonia com o exposto não ocorrem as nulidades assacadas ao acórdão recorrido.
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3.2.2. DO ERRO DE JULGAMENTO

XIV. O dissídio objeto de recurso prende-se com o aferir se ocorreu ou não a caducidade do direito de denúncia por parte da A., aqui Recorrente, dos defeitos de obra que para a mesma foi realizada pela R. considerando o que constitui o regime concatenado inserto nos arts. 219.º e 226.º do DL n.º 59/99, de 02.03 [doravante «RJEOP/99«], 289.º, n.º 2 do CPC - atual art. 279.º, n.º 2 do CP/2013, 327.º e 332.º do CC.

XV. As instâncias concluíram ambas pela procedência da referida exceção de caducidade, sustentando-se no acórdão recorrido, em suma, que os efeitos civis da propositura da primeira ação mantêm-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância desde que essa absolvição, por motivo processual, não seja imputável a culpa do titular do direito quanto ao modo como propôs e fundamentou a ação em juízo, o que não ocorreu já que é imputável à A. a absolvição da instância fundada na procedência de exceção de incompetência em razão da matéria, termos em que, sobrepondo-se o regime da caducidade de direitos exercidos em juízo estatuído nas normas civilísticas [arts. 327.º e 332.º, n.º 1, do CC] ao que consta do art. 279.º, n.º 2, do CPC/2013 [anterior art. 289.º, n.º 2], deve ler-se à luz daquelas a faculdade de manutenção dos efeitos civis de propositura da primeira, ação terminada por decisão de forma, no prazo de 30 dias contados do trânsito da decisão absolutória.

XVI. Analisando do acerto deste juízo importa que atentemos naquilo que, para a aferição da procedência ou não da exceção deduzida, é o quadro normativo relevante à data e do qual, desde logo, cumpre considerar que, nos termos do n.º 1 do art. 219.º do «RJEOP/99» “efetuada a receção provisória em toda a extensão da obra que não seja objeto de deficiência”, se conta “desde então, para os trabalhos recebidos, o prazo de garantia fixado no contrato”, sendo que deriva do art. 226.º do mesmo diploma que “[o] prazo de garantia é de cinco anos, podendo o caderno de encargos estabelecer prazo inferior, desde que a natureza dos trabalhos ou o prazo previsto de utilização da obra o justifiquem”.

XVII. Resulta, por sua vez e no que para a questão em discussão releva, do art. 289.º do CPC [na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 41/2013], sob a epígrafe de “alcance e efeitos da absolvição da instância”, que “[a] absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto” [n.º 1] e que “[s]em prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância” [n.º 2].

XVIII. Tal redação mostra-se idêntica à dos n.ºs 1 e 2 do art. 279.º do CPC/2013 atualmente vigente.

XIX. Presente o teor do art. 226.º do «RJEOP/99» e o que se disciplina no n.º 2 do art. 298.º do CC importa, então, cuidar do que se disciplina neste último Código em matéria de regras sobre caducidade [cfr. arts. 328.º e segs. do CC].

XX. Assim, se a regra enunciada no referido art. 328.º do CC é a de que o prazo de caducidade não se suspende, nem se interrompe, temos, contudo, que importa, como deriva do teor do próprio normativo, atentar no que possa mostrar-se definido na lei noutros preceitos disciplinadores da matéria, na certeza ainda de que, na falta de dispositivo legal em contrário, o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido [cfr. art. 329.º do CC].

XXI. Ora, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 332.º do CC, sob a epígrafe de “absolvição e interrupção da instância e ineficácia do compromisso arbitral”, decorre que “[q]uando a caducidade se referir ao direito de propor certa ação em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 327.º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito”, sendo que “[n]os casos previstos na primeira parte do artigo anterior, se a instância se tiver interrompido, não se conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a proposição da ação e a interrupção da instância” [cfr. n.º 2 do mesmo preceito].

XXII. E extrai-se do citado n.º 3 do art. 327.º do mesmo Código que “[s]e, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses”.

XXIII. Munidos do quadro normativo tido por relevante e, contrariamente ao sustentado no acórdão recorrido, entende-se que estão reunidos, in casu, os requisitos exigidos pelo n.º 3 do art. 327.º do CC ex vi do n.º 1 do art. 332.º do mesmo diploma, devendo considerar-se que a absolvição da instância, operada na ação declarativa instaurada no tribunal comum em 21.03.2012 por decisão de 16.04.2013 [transitada em julgado em 20.05.2013], se deve a motivo processual não imputável à A., e que, tendo a presente ação sido interposta no «TAF/P», em 17.05.2013, o foi tempestivamente [cfr., ainda, n.º VII) dos factos apurados e fls. 01 dos autos], dado dever beneficiar desse regime face ao que decorre também do atual art. 279.º, n.º 2, do CPC [anterior art. 289.º, n.º 2, do CPC na redação anterior à Lei n.º 41/2013].

XXIV. Com efeito, não poderemos ter como acertado o juízo firmado no acórdão recorrido quer se aceite o entendimento deste Supremo Tribunal [cfr., nomeadamente, os Acs. de 15.10.1996 - Proc. n.º 039608 (consultável in: «www.dgsi.pt/jsta» e Apêndice ao DR, de 15.04.1999, págs. 6811 e segs.), e de 17.01.2002 - Proc. n.º 047480 (consultável no mesmo endereço)] de que os motivos processuais a que se reporta o n.º 3 do art. 327.º do CC, aplicável ex vi do art. 332.º, n.º 1, do mesmo diploma [absolvição da instância por motivos imputáveis ao autor], terão que ser os respeitantes a qualquer atitude de inércia ou conduta processual negligente, que não os fundados em razões consistentes na interpretação de uma dada norma ou regra de direito, designadamente das que delimitam as competências entre os tribunais de diversas ordens ou jurisdições [cfr., também neste mesmo sentido, Carlos Alberto F. Cadilha, in: “Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas - Anotado”, 2.ª edição, pág. 131], ou se opte pelo entendimento deste mesmo Supremo Tribunal [cfr., nomeadamente, os Acs. de 11.03.2009 - Proc. n.º 0463/08, e de 21.11.2013 - Proc. n.º 0929/12 consultáveis também no mesmo endereço; vide, ainda, Ac. do STJ de 15.11.2006 - Proc. n.º 06S1732 in: «www.dgsi.pt/jstj»] de que nem sempre é evidente a culpa do A. na absolvição do R. da instância fundada na exceção de incompetência, mormente, quando a questão da competência possa revestir, por vezes, de grande complexidade e que, como tal, pode não ser imputável a negligência do titular do direito o facto de se ter proposto a ação num tribunal incompetente, por exemplo, “por ser difícil a interpretação da lei sobre a competência” [cfr. A. Vaz Serra, in: “Prescrição Extintiva e Caducidade”, Lisboa 1961, pág. 460, nota 1010].

XXV. É que, desde logo, à luz do primeiro entendimento, os motivos ou razões processuais a que se reporta o inciso do n.º 3 do art. 327.º do CC [“motivo processual não imputável ao titular do direito”] “terão que ser respeitantes a qualquer atitude de inércia ou a qualquer conduta inconsiderada ou negligente no seio do processo judicial em curso, que não os fundados em razões consistentes na interpretação de uma dada norma ou regra de direito, como sejam as que delimitam as competências entre os tribunais de diversas ordens ou jurisdições” e, como tal, nunca a situação em causa seria suscetível de integrar o referido inciso e, em consequência, no que à caducidade do direito diz respeito, os efeitos civis da propositura da ação manter-se-iam pelo que improcederia a exceção.

XXVI. Mas mesmo à luz do segundo entendimento, que crê-se acolhido no acórdão recorrido, que passa pelo apelo a um juízo de culpa ou censurabilidade quanto ao motivo que ditou a absolvição da instância e que integraria, nomeadamente, situações derivadas da procedência de exceção de incompetência do tribunal quando esta conduza à absolvição da instância [bem como, também, por exemplo, das situações de “desistência da instância” (cfr. Ac. do STJ de 16.02.2012 - Proc. n.º 566/09.0TBBJA.E1.S1), de “falta de junção de contrato arrendamento rural escrito” (cfr. Ac. do STJ de 30.06.2011 - Proc. n.º 797/07.7TBFA.G1.S1), de “preterição de litisconsórcio necessário ativo/ilegitimidade ativa” (cfr. Ac. do STJ de 16.06.2015 - Proc. n.º 1010/06.0TBLMG.P1.S1) todos consultáveis no referido endereço], ainda assim, a situação em presença não é de molde a poder considerar-se que a procedência da exceção de incompetência em razão da matéria seja no caso imputável a conduta culposa da A..

XXVII. À luz deste entendimento a absolvição da instância ocorrida em anterior ação será imputável ao autor, a título de culpa, dado ter atuado em termos da sua conduta merecer a censura do direito, quando, “no quadro de um razoável juízo de previsibilidade, fosse de conjeturar uma situação de absolvição da instância, como acontece quando, na condução da ação, a parte, representada pelo seu advogado, não adota um paradigma de proficiência, zelo, atenção e diligência na elaboração das respetivas peças processuais, sendo certo que, face às circunstâncias do caso, poderia e deveria ter agido de outro modo” [cfr. o citado Ac. do STJ de 16.06.2015 - Proc. n.º 1010/06.0TBLMG.P1.S1].

XXVIII. Daí que não estaremos perante uma situação que se possa caraterizar por integrante de “motivo processual imputável ao titular do direito” quando, por exemplo, o litígio envolve questões jurídicas não isentas de dúvidas, que legitimem a existência de divergências hermenêuticas, dúvidas essas que justificam, então, a sobrevivência dos efeitos civis decorrentes da propositura atempada da primeira ação.

XXIX. É que numa tal situação, em que o autor agiu com a diligência devida, será justificado que a prolação de mera decisão de forma geradora da absolvição da instância não lhe seja imputável, mas que se deva atribuir às contingências de funcionamento do sistema judiciário, nomeadamente a dúvida razoável e fundada sobre determinado pressuposto processual, e que, por isso, sejam de manter os efeitos civis dado inexistir fundamento bastante para sancionar o titular do direito.

XXX. Ora, na situação em presença, se é certo que, como se refere no acórdão recorrido, havia sido prolatado um acórdão pelo Tribunal de Conflitos [cfr. Ac. de 19.12.2006 - Proc. n.º 25/05 (proferido no quadro de conflito dirimido à luz do ETAF/84 e do «RJEOP/99») disponível in: «www.dgsi.pt/jcon»] no sentido de que “são competentes os tribunais administrativos para apreciar ação respeitante a questão/ões derivada/s da execução de um contrato de empreitada (regulada pelo DL 59/99 …) para a construção de um Centro Social e Paroquial, celebrado entre uma Instituição Particular de Solidariedade Social e um Empreiteiro”, tal não se mostra, todavia, como suficiente e idóneo para sem mais se poder concluir pela conduta culposa ou de negligência grosseira da A. no caso.

XXXI. Desde logo, dos próprios termos do citado Acórdão do Tribunal de Conflitos, das decisões judiciais contraditórias que motivaram a necessidade da sua emissão, ressalta a controvérsia e dificuldade da questão e que se prende muito com as dúvidas e complexidades que derivam do regime jurídico das instituições privadas de solidariedade social e da sua concatenação/compatibilização no e com o demais ordenamento, ou da natureza, caraterização e qualificação dos atos jurídicos que praticam.

XXXII. Dúvidas e complexidades essas que têm e continuam a alimentar muitos litígios nos tribunais e em ambas as jurisdições, alguns dos quais geradores de conflitos negativos de competência a terem de ser resolvidos pelo referido Tribunal, numa demonstração de que não é isenta de dificuldades e de incertezas a matéria e o seu contencioso [cfr., sem quaisquer preocupações exaustivas, os litígios que foram objeto de decisão nos Acs. do Tribunal de Conflitos de 20.10.2011 - Proc. n.º 013/11, de 23.05.2013 - Proc. n.º 021/12, de 20.06.2013 - Proc. n.º 016/11 (este relativo a conflito quanto ao tribunal competente para julgar ação para cumprimento/execução de contrato de empreitada celebrado entre privados - uma «IPSS» e empresa empreiteira), de 04.02.2016 - Proc. n.º 035/15, de 21.04.2016 - Proc. n.º 06/15, todos disponíveis no mesmo sítio].

XXXIII. Tem sido, aliás, questão recorrente a discussão em torno da sujeição e da aplicação de um regime de direito público à contratação realizada pelas «IPSS», com as consequentes questões, mormente, em torno da natureza das empreitadas de obras celebradas, ou seja, se são contratos civis sujeitos a regime civilístico ou, ao invés, se se trata de contratos de “empreitada de obras públicas” sujeitos ao «RJEOP» ou, atualmente, ao «CCP», e implicações daí advenientes sobre quais os tribunais materialmente competentes para dirimirem esse litígios.

XXXIV. Nessa medida, envolvendo a matéria controvérsia e continuando, aliás, a ser controvertida como se comprova pela necessidade de resolução de conflitos negativos de competência que veio a ser feita pelos acórdãos recentes do Tribunal de Conflitos citados, em especial, o de 20.06.2013 [Proc. n.º 016/11], até pelas questões e implicações aportadas pelas alterações operadas no âmbito da jurisdição administrativa pelo CPTA/ETAF-2002/2004 e em termos substantivos pelo «CCP», não poderemos concluir, como foi feito no acórdão recorrido, que a absolvição da instância fundada no juízo do tribunal comum de procedência da exceção de incompetência em razão da matéria possa considerar-se como constituindo um erro técnico na aferição dos pressupostos processuais, envolvendo culpa da parte da A. e seu mandatário, dado ter agido sem o zelo e diligência devidos.

XXXV. No contexto dos elementos vertidos e disponíveis nos autos temos que numa interpretação razoável e funcionalmente adequada do conceito de culpa no desencadear da decisão de absolvição da instância, não poderemos minimamente concluir pela imputabilidade de culpa à A. já que a falta do pressuposto processual que ditou a absolvição da instância decorre de dúvida fundada e razoável e não dum erro indesculpável daquela, mercê de, injustificadamente, haver deduzido ação que bem sabia - ou devia saber - que era inviável, em termos de virtualidade para nela se obter uma decisão de mérito por parte do tribunal onde foi instaurada.

XXXVI. Há, assim, que concluir que, à data da propositura desta ação no «TAF/P», não se havia ainda completado o prazo de caducidade do direito em que a A. funda a sua pretensão, pelo que a decisão sob recurso, ao haver mantido o julgamento de procedência daquela exceção, absolvendo a R. da instância, fez errada aplicação do disposto, nomeadamente, nos arts. 327.º, n.º 3, do CC ex vi do art. 332.º, n.º 1 do mesmo Código, e 279.º, n.º 2 do CPC [anterior art. 289.º, n.º 2], não podendo ser mantida.

XXXVII. Em face do acabado de concluir mostra-se prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos/questões aduzidos pela A. na presente revista.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento do recurso sub specie e, em consequência, revogar o acórdão recorrido nos termos da motivação antecedente, determinando a baixa dos autos e prossecução dos seus ulteriores termos se nada mais a tal obstar.
Não são devidas custas neste Supremo, sendo que na 2ª instância as mesmas são a cargo da R., aqui e ali recorrida.

D.N..



Lisboa, 14 de dezembro de 2016. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Vítor Manuel Gonçalves Gomes.