Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0536/12
Data do Acordão:11/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:MAIS VALIAS
PERMUTA
IRS
Sumário:I - De acordo com o disposto nos artºs 10º, nº 1, alínea a) do CIRS, constituíam mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais…resultassem de: a) alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis…
II - O nº 3, alínea a) do mesmo artigo prescrevia ainda que nos casos de troca se presumia que o ganho era obtido logo que verificada a tradição dos bens ou direitos objeto do contrato, acrescentando o artº 42º, nº 3 do mesmo diploma que no caso de troca por bens futuros, os valores referidos na alínea a) do seu nº 1 (valores de realização), se reportavam à data da celebração do contrato.
III - Tendo os impugnantes celebrado contrato de permuta em 11.04.2001, em que permutavam prédios rústicos com frações autónomas a construir, e tendo as partes procedido posteriormente ao distrate daquele contrato de permuta em consequência do qual deixou de haver mais-valias, até porque as fracções nunca chegaram a ser construídas, não pode haver lugar a tributação de mais valias por inexistência de capacidade contributiva.
Nº Convencional:JSTA00067964
Nº do Documento:SA2201211280536
Data de Entrada:05/15/2012
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - MAIS VALIAS - IRC
Legislação Nacional:CIRC ART10 N1 A N3 A ART42 N3.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – A…… e B……, com os demais sinais dos autos, vêm recorrer da decisão do Tribunal Administrativo do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziram contra a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios no montante de € 20.384,12, referente ao ano de 2001, apresentando para o efeito, alegações nos quais concluem:

Iª). Nas precisas circunstâncias das descritas nos presentes autos, outros comproprietários dos imóveis aqui em causa, irmãos da recorrente, recorreram a igual meio processual, e nesse âmbito, emergiu decisão de procedência das respetivas impugnações judiciais, entretanto transitadas em julgado sem que a administração fiscal viesse sequer a recorrer da decisão desfavorável que entretanto lhe foi notificada e com a qual se conformou, obtendo vencimento o argumentário de que aqui simplesmente inexiste rendimento a tributar.

IIª). Em colisão com o ali decidido, a interpretação efetuada pelo tribunal a quo das disposições legais aqui em causa, viola o disposto no artigo 13° da CRP, porquanto no caso sub judice e perante igual situação de facto, aplica tratamento jurídico distinto relativamente a dois dos herdeiros comproprietários dos prédios em causa;

IIIª). Ademais, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do acervo normativo aqui em equação;

IVª). Os atos de liquidação que aqui estão em causa enfermam de inequívoca ilegalidade, consubstanciada na ausência de rendimento a tributar;

Vª). Os principais efeitos económicos da permuta, para os herdeiros e, em concreto, para os aqui recorrentes, consubstanciar-se-iam na disponibilidade e titularidade dos bens futuros que jamais foram (ou virão a ser) edificados;

VIª). A contraprestação associada à permuta, para os aqui recorrentes, jamais ocorreu ou ocorrerá, ou seja, jamais a receberão, pelo que, assim sendo, não pode haver tributação em sede de mais-valias, que simplesmente inexistiram, porque os efeitos económicos do contrato de permuta nunca se produziram;

VIIª). Com a revogação da permuta, foram destruídos definitivamente os efeitos do negócio, em conformidade com o estatuído no artº 289º do código civil, pelo que não há realidade económica que subsista ou se tenha sequer manifestado, donde não há (nem nunca houve) rendimento a tributar;

VIIIª). Não obstante a relevância fiscal que o contrato de permuta chegou ainda a produzir, materializada nas liquidações sindicadas, sustentamos que os efeitos jurídico-civis que emanaram da celebração do aludido contrato de permuta foram, com o acordo de revogação entretanto firmado inequivocamente destruídos ex tunc, ou seja, com efeito retroativo;

IXª). Sendo que essa destruição se justificou na não edificação dos bens futuros dados em permuta e na sua não expectável edificação, levada ao probatório no seu ponto 17;

Xª). Não há efeito económico que tenha sido obtido com a outorga do contrato de permuta entretanto destruído, já que, inequivocamente, os bens futuros, in casu, inexistem e inexistirão sempre;

XIª). E nem se diga que tais efeitos económicos se verificaram pela existência de garantia bancária;

XIIª). Da prova produzida ficou absolutamente claro que os aqui recorrentes jamais receberam qualquer rendimento tributável em sede de IRS e sem perceção de rendimento não pode haver oneração de imposto

XIIIª). Questão diferente era a de saber se, não obstante a inequívoca destruição dos referidos efeitos jurídico-civis, também os efeitos jurídico-tributários se mostravam destruídos com o aludido efeito retroativo?

XIVª). A Mª Juiz a quo entendeu na douta sentença de que se recorre que esses efeitos tributários não se mostravam extintos com aquele efeito;
XVª). Defendemos que os efeitos jurídico-tributários que emanaram da celebração do aludido contrato de permuta foram, com o acordo de revogação, também destruídos ex tunc;

XVIª). Aliás, interpretação aquela, ancorada no douto entendimento do Dr. António da Gama Lobo Xavier, in “Revista de Direito e de Estudos Sociais”, editora Almedina, Outubro-Dezembro/1992, pp. 275 a 304, que seguimos de perto nos artigos 65º e seguintes da PI de impugnação e aqui se deve considerar reiterada;

XVIIª). Neste caso o distrate tem de produzir, em sede de direito tributário, os mesmos efeitos que em sede de direito privado comum, ou seja, a eficácia retroativa do acordo anulatório que parece decorrer do nº 1 do artº. 289° do código civil e que implica a desconsideração dos “traços materiais” deixados pelo negócio anulado;

XVIIIª). O distrate de um negócio (in casu, uma permuta) induz a necessidade de proceder a correções da situação fiscal dos respetivos intervenientes, atenta a eficácia retroativa do acordo anulatório, mesmo em sede tributária.

XIXª). Adequado se mostrando trazer à colação o disposto no nº 1 do artº 38º da LGT e suportando aí tal hermenêutica;

XXª). Tal como advogávamos na PI de impugnação e seguindo-se as regras hermenêutica jurídica, parece resultar claramente daquele normativo que os negócios jurídicos ineficazes, devendo aqui ser entendida a ineficácia em sentido lato, só não relevam perante o ordenamento jurídico-tributário, se os efeitos económicos pretendidos pelas partes já tiverem ocorrido.

XXIª). Só caso aquelas circunstâncias se não mostrassem verificadas, ou seja, se os efeitos económicos do negócio ineficaz já se tiverem produzido, a fazenda, podia lograr tributar tal negócio jurídico ineficaz ou podia levar em conta os efeitos do facto tributário que emergiu com a celebração do negócio, não obstante entretanto anulado, desconsiderando assim a eficácia retroativa (para efeitos fiscais) do acordo anulatório e, assim, nos conformaríamos com as liquidações aqui em causa e até com a decisão de que se recorre;

XXIIª). Nem mesmo a referência jurisprudencial (acórdão do TCA Sul, de 11.10.2005, Pº 07401/02) que é trazida à colação na douta decisão de que se recorre nos demove da hermenêutica vinda de explicitar;

XXIIIª). É que, bem ao invés do que parece sustentar-se na douta sentença de que se recorre, garantida a não produção dos efeitos económicos pretendidos, a celebração de um acordo anulatório não pode deixar de produzir efeitos (com eficácia retroativa) na situação tributária dos intervenientes do negócio destruído, fazendo assim anular o rendimento que se almejava tributar com as liquidações controvertidas tornando-as enfermas por ausência de capacidade contributiva

XXIVª). Isto dito, não podemos deixar de advogar que as liquidações aqui em causa não podem deixar de estar grosseiramente viciadas;

XXVª). Aceite a eficácia retroativa do acordo anulatório em sede tributária, com a outorga do distrate, inexiste rendimento tributável por ausência de capacidade contributiva e concomitante inexistência de facto tributário.

Do pedido:

Termos em que, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Ex.ª, se requer seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que declare a procedência do pedido que sustentava ilegal as liquidações controvertidas, fundamentando-se, tal ilegalidade, em violação de lei, incluindo a violação de princípios constitucionalmente consagrados, tudo com as legais consequências, assim fazendo V Exªs, Venerandos Conselheiros, a tão costumada Justiça!

II. O Mº Pº emitiu o parecer que consta de fls. 222/224 no qual defende a procedência do recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida e anular-se o ato tributário impugnado.

III. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

IV. Com interesse para a decisão, foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

1º) Por escritura pública de 11/04/2001, A……, aqui impugnante, C…, D……, E…… e F…… e marido declararam ser, juntamente com o marido da impugnante, também aqui impugnante, os únicos interessados na herança aberta por óbito de G…, que foi casado com C…., bem como declararam ceder à sociedade “H……, SA”, no valor de Esc. 200.000.000.00 os prédios sitos na freguesia de Apúlia, concelho de Esposende, inscritos na matriz rústica sob os nºs 1437, 1484, 1529, 3613 - Cfr. fls. 60 e ss do PA apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

2º) Por sua vez, a “H……” declarou no mesmo instrumento notarial que, em troca cedia oito frações autónomas a construir no lote de terreno designado por lote sete, a C……; uma fração autónoma a construir no lote de terreno designado por lote treze a D……; uma fração autónoma a construir no lote de terreno designado por lote treze a F……; uma fração autónoma a construir no lote de terreno designado por lote treze a E……, uma fração autónoma a construir no lote de terreno designado por lote treze a A……, tendo atribuído às frações para efeitos de permuta a cada uma das frações de C……. Esc. 16.500.000.00 e a cada uma das frações dos demais Esc. 17.000.000.00.

3º) Mais declararam que os aludidos lotes de terreno sete e treze fazem parte do loteamento aprovado pela Câmara Municipal de Esposende em 21/10/1999, loteamento esse do prédio rústico sito em ……, Marinhas, Esposende, inscrito na matriz sob o artigo 334.

4º) Mais declararam (cláusula seis) que “os primeiros outorgantes reservam para eles a propriedade dos bens que deram de permuta, apenas até ser prestada por parte da H…… SA uma garantia bancária no valor de duzentos milhões de escudos para o cumprimento desta escritura; esta cláusula de reserva de propriedade será cancelada mediante documento autêntico outorgado pelos primeiros outorgantes, autorizando tal cancelamento”.

5º) Em 03/08/2001, a “H……” prestou aos primeiros outorgantes garantia bancária no valor de Esc. 200.000.000.00 destinada a garantir o cancelamento da cláusula de reserva de propriedade dos bens constantes no contrato de permuta cuja escritura foi realizada no dia 11 de abril de 2001 - Cfr. fls. 64 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

6º) Por instrumentos notariais de 12/07/2001 e 01/08/2001, aqueles herdeiros declararam prescindir da reserva de propriedade constante da cláusula sexta da escritura outorgada em 11/04/2001, uma vez que foi prestada a garantia bancária prevista nessa mesma cláusula pela sociedade “H……” - Cfr. fls. 66 a 70 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

7º) Em 03/05/2005, os impugnantes entregaram declaração de IRS de substituição, modelo 3, relativa ao ano de 2001, acompanhada do anexo G, onde fizeram constar:
Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis
Realização - 04 -2001
Valor total de realização - € 93.524,60
Aquisição - 11-1998
Valor de aquisição - € 305,32
Artigos 1437, 1484, 1529 e 3613 - Cfr. fls. 47 a 52 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

8º) Em 09/07/2005 foi emitida a liquidação de IRS n.º 5531044270 relativa ao ano de 2001 no montante de € 14.312,83 - Cfr. fls. 51 do PA apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

9º) Em 09/07/2005 foi emitida a liquidação adicional de juros compensatórios nº 2005 791909 relativa ao ano de 2001 no montante de € 2.628,80 - Cfr. fls. 51 do PA apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

10º) Em 05/10/2005 foi instaurado contra os impugnantes o processo de execução fiscal n.º 1872200501060120, para cobrança da quantia exequenda de € 20.384,12, certidão de dívida n.º 2005/292803 (IRS 2001) – Cfr. fls. 1 e 2 processo de execução fiscal (PEF) apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

11º) Em 15/11/2005, por escritura pública designada “distrate de contrato de permuta”, D……, C……., A……. e marido, E…… e F…… declararam que não obstante os lotes de terreno sete e treze mencionados no contrato de permuta a que se alude nos pontos antecedentes fazerem parte do loteamento aprovado pela Câmara Municipal de Esposende em 21/10/1999 não foram ali edificadas por motivos que só podem ser imputados à permutante “H……” as frações autónomas descritas nos pontos antecedentes e que foram objeto de permuta, pelo que declaram revogar, com efeitos imediatos o contrato de permuta de 11/04/2001, com a restituição aos respetivos outorgantes dos imóveis identificados supra e objeto do contrato que agora se revoga - Cfr. fls. 70 e ss do PA apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

12º) D……, C……, A…… e marido, E…… e F…… declaram no mesmo instrumento notarial aceitar a caducidade da garantia bancária oferecida pela “H……” que suportava o cumprimento da permuta agora revogada.

13º) Todos os outorgantes declararam que nada mais tinham a exigir da respetiva contra parte por nada lhes ser devido em virtude da celebração do contrato de permuta agora revogado.

14º) Em 15/11/2005, por escritura pública designada “contrato-promessa de permuta com eficácia real” D…… e mulher, C……., A……e marido, E…… e mulher, F…… e marido declararam prometer permutar com a sociedade “H……, SA” os prédios rústicos inscritos na matriz sob o n.º 1437, 1484, 1529 e 3613, todos da freguesia de Apúlia, concelho de Esposende, pelo valor de € 2.443.000,00 por vinte unidades habitacionais apartamentos do tipo T-dois, simples, nos edifícios que vierem a ser construídos e localizados em condomínio fechado, exclusivamente naqueles mesmos prédios, devendo aqueles e estes encontrar-se livres de ónus, encargos ou quaisquer limitações do direito de propriedade, apartamentos esses aos quais atribuem o valor global de € 2.443.000.00 — Cfr. fls. 81 e ss do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

15º) A presente impugnação deu entrada em 18/11/2005 – Cfr. fls. 1 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

16º) Entre 18/11/2005 e 31/01/2008 não foram promovidos quaisquer atos no âmbito da impugnação judicial, sendo que em 01/02/2008 foi admitida liminarmente – Cfr. fls. 76 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

17º) Por certidão de 14/12/2005, a Câmara Municipal de Esposende atestou que “para o processo de licenciamento n.º 544/99 em nome da H……, SA verifica-se que nunca foi emitido nenhum alvará de loteamento, uma vez que o requerente nunca o solicitou. Por outro lado verifica-se que o requerente nunca solicitou em devido tempo o licenciamento das obras de urbanização. Mais certifico que face ao exposto e de acordo com o definido no artº 14.º do Decreto-Lei nº 448/91 com a redação dada pelo Decreto-Lei 334/95 de 28 de dezembro considera-se que a deliberação de aprovação da operação de loteamento encontra-se caducada” – Cfr. fls. 94 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

18º) Em 16/02/2006 foi o impugnante notificado para constituir garantia no valor de € 34.921,94, de forma a suspender a execução fiscal vinda a referenciar, em virtude de ter apresentado impugnação judicial - Cfr. fls. 46 e verso do processo de execução fiscal (PEF) apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

19º) Em 22/02/2006, os impugnantes indicaram como garantia o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 1204, da freguesia de Aguçadoura, Póvoa de Varzim - Cfr. fls. 54 e ss do processo de execução fiscal (PEF) apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

20º) Em 30/08/2007 foi efetuada a penhora do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 1204, da freguesia de Aguçadoura, Póvoa de Varzim - Cfr. fls. 77 do processo de execução fiscal (PEF) apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

21º) A penhora mencionada no ponto antecedente foi registada na CRP de Póvoa de Varzim sob o n.º Ap 42 de 04/09/2007 - Cfr. fls. 84 e 85 do processo de execução fiscal (PEF) apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

22º) O processo de execução fiscal encontra-se suspenso por prestação de garantia - Cfr. fls. 73 do processo de execução fiscal (PEF) apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

23º) A aquisição dos prédios rústicos artigos 1437, 1484, 1529 e 3613 a favor da “H……, SA” encontra-se cancelada (G-2, Av. 4 - Ap. 11/20070208, G2-Av. 04-Ap.15/20070222, G2-Av. 04-Ap.15/20070222) – Cfr. fls. 104 a 116 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

24) Por informação prestada pela AF em 05/04/2010 e relativamente “o valor de realização foi calculado pelo impugnante na declaração de substituição entregue espontaneamente, em 03/05/2005. Contudo, tal valor foi corretamente determinado, em obediência ao disposto no artº 44° do CIRS, por ser o valor acordado entre as partes intervenientes no contrato de permuta. (...) terá de se concluir ser correto o valor de realização, o valor expresso no contrato de permuta (…)” – Cfr. fls. 97 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

V. A decisão recorrida julgou improcedente a impugnação deduzida pelos recorrentes, louvando-se nos seguintes argumentos:
Por força do disposto no artº 10º, nº 1 do CIRS, constituem mais valias os ganhos resultantes da alienação de direitos reais sobre imóveis. O seu nº 3 dispõe ainda que no caso de troca de bens se presume que o ganho é obtido logo que verificada a tradição de bens. Tratando-se de bens futuros, o artº 42º, nº 3 do mesmo diploma estabelece que os valores recebidos em troca se reportam à data da celebração do contrato. Deste modo, os ganhos de mais valias relevarão desde o momento em que for efetuada a alienação onerosa ou seja, à data da celebração da escritura pública de permuta.
Resulta dos autos que os impugnantes celebraram em 11.04.2001 um contrato de permuta, através do qual cediam três prédios rústicos à Sociedade “H……, SA”, recebendo em contrapartida frações autónomas a construir naqueles prédios rústicos.
Ora, revestindo estes bens natureza de bens futuros, a transferência operou-se por mero efeito do contrato, sendo que a partir da celebração deste o ganho passou a estar à disposição dos impugnantes.
A liquidação em causa nos autos respeitou, por isso, o disposto no artº 10º, nº 1, alínea a) e 3 do CIRS, sendo certo que o distrate não extinguiu os efeitos tributários produzidos pelo contrato.

Os recorrentes, por sua vez, entendem que não tendo existido efeito económico do contrato de permuta por eles celebrado com a “H……”, inexiste rendimento tributável e por isso inexistência de facto tributário.
Deste modo, deve ser conferida eficácia retroativa ao acordo anulatório em sede tributária por inexistência de rendimento tributável, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva.

Vejamos então.

VI. Conforme resulta do probatório supra, por escritura pública de 11/04/2001, os impugnantes declararam ceder à sociedade “H……, SA”, pelo valor de Esc. 200.000.000.00 os prédios sitos na freguesia de Apúlia, concelho de Esposende, inscritos na matriz rústica sob os nºs 1437, 1484, 1529, 3613, tendo a “H……” declarado no mesmo instrumento notarial que, em troca cedia oito frações autónomas a construir no lote de terreno designado por lote sete, a C…….; uma fração autónoma a construir no lote de terreno designado por lote treze a D……; uma fração autónoma a construir no lote de terreno designado por lote treze a F……; uma fração autónoma a construir no lote de terreno designado por lote treze a E……, uma fração autónoma a construir no lote de terreno designado por lote treze a A……, tendo atribuído às frações para efeitos de permuta a cada uma das frações de C…… Esc. 16.500.000.00 e a cada uma das frações dos demais Esc. 17.000.000.00.

Mais declararam os impugnantes que reservavam para eles a propriedade dos bens que deram de permuta, apenas até ser prestada por parte da H…… SA uma garantia bancária no valor de duzentos milhões de escudos para o cumprimento desta escritura; esta cláusula de reserva de propriedade seria cancelada mediante documento autêntico outorgado pelos primeiros outorgantes, autorizando tal cancelamento.

Em 03/08/2001, a “H……” prestou aos primeiros outorgantes garantia bancária no valor de Esc. 200.000.000.00 destinada a garantir o cancelamento da cláusula de reserva de propriedade dos bens constantes do contrato de permuta, tendo os impugnantes declarado prescindir da reserva de propriedade acima referida, por instrumentos notariais de 12.07.2001 e 01.08.2001 (factos 1º, 2º, 4º e 5º e 6º do probatório).

Daqui resulta então que estamos juridicamente perante um contrato de permuta de bens imóveis, sendo certo que quanto aos impugnantes receberiam bens futuros - frações autónomas a construir nos prédios rústicos cedidos à “H……”.

VI.1. O contrato de permuta não tem regulação autónoma no Código Civil, pelo que lhe são aplicáveis as disposições do contrato de compra e venda (artº 939º do Código Civil).

O artº 408º do Código Civil estabelece o seguinte:
“1. A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei.
2. Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto em matéria de obrigações genéricas e do contrato de empreitada; se, porém, respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou separação”.

No caso dos autos temos então que, com o contrato de permuta, a “H……” adquiriu o direito de propriedade sobre os prédios rústicos; quanto aos impugnantes, estando em causa bens futuros, a constituição ou transferência do direito real, operando embora por efeito do contrato, só se verifica quando for construído o bem.
Porém, a natureza de bem futuro não impede a produção de efeitos jurídicos, nomeadamente os de natureza obrigacional, bem como o de o adquirente poder ceder o seu direito a terceiros sobre esse bem.

Aqui chegados, vejamos agora o que dispõe a lei tributária para o caso dos autos.

VI.2. O artº 10º, nº 1, alínea a) do CIRS estipulava que constituíam mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais…resultassem de: a) alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis…
O nº 3, alínea a) do mesmo artigo prescrevia ainda que nos casos de troca se presumia que o ganho era obtido logo que verificada a tradição dos bens ou direitos objeto do contrato, acrescentando o artº 42º, nº 3 do mesmo diploma que no caso de troca por bens futuros, os valores referidos na alínea a) do seu nº 1 (valores de realização), se reportavam à data da celebração do contrato.

Ora, conforme resulta do probatório, o contrato de permuta foi celebrado em 11.04.2001, pelo que nessa data estava verificado o facto tributário (facto 1º). As liquidações tiveram lugar em 09.07.2005 (factos 8º e 9º), sendo que os impugnantes só em 03.05.2005 entregaram a declaração de substituição, modelo 3, relativa ao ano de 2001 (facto 7º).

VI.3. Porém, de acordo com o facto 11º do probatório, por escritura pública de 15.11.2005 os impugnantes declararam revogar, com efeitos imediatos, o contrato de permuta celebrado em 11.04.2001 acima referido, tendo igualmente aceitado a caducidade da garantia bancária oferecida pela “H……”.

É também certo, de acordo com o facto 17º que a Câmara Municipal de Esposende atestou que “para o processo de licenciamento n.º 544/99 em nome da H……, SA verifica-se que nunca foi emitido nenhum alvará de loteamento, uma vez que o requerente nunca o solicitou. Por outro lado verifica-se que o requerente nunca solicitou em devido tempo o licenciamento das obras de urbanização. Mais certifico que face ao exposto e de acordo com o definido no artº 14.º do Decreto-Lei nº 448/91 com a redação dada pelo Decreto-Lei 334/95 de 28 de dezembro considera-se que a deliberação de aprovação da operação de loteamento encontra-se caducada”.

Daqui resulta então que os recorrentes acabaram por reaver os prédios rústicos objeto do contrato de permuta e não receberam as frações que originavam as mais- valias que determinaram as liquidações. Quer dizer, posteriormente às liquidações ocorreu um facto superveniente - a revogação do contrato de permuta – que conduziu à inexistência de facto tributário.

Nos termos do artº 38º, nº 1 da Lei Geral Tributária a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, mas isto apenas se se tiverem produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.

Este artigo 38 .°, tal como o artigo 39.°, integra-se numa certa vertente do chamado "realismo" do Direito fiscal. Determina-se a tributação dos efeitos económicos dos actos e negócios jurídicos, independentemente da eficácia ou validade dos negócios jurídicos que os visarem.

Porém, para ser tributados, os efeitos económicos que se tenham produzido e subsistirem, têm de caber na previsão de uma norma tributária.

Há que ter em atenção, nomeadamente, se essa norma tributa a realidade económica, ou a realidade jurídica, em termos de, por ex., exigir uma certa forma do negócio – cfr. neste sentido Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, pág. 301.

Em suma, nos termos do artº 38º, nº 1 a tributação só ocorrerá se, e na medida em que, tais efeitos económicos existam e recaiam na previsão de um tipo legal de imposto (Diogo Leite de Campos – Princípios Fundamentais do Direito Tributário, pág. 18).

Ora como refere Xavier de Basto (IRS, Incidência real…, pág. 385) a imposição de mais valias está subordinada ao princípio da realização, segundo o qual estão excluídas da tributação as valorizações dos activos que não tenham sido objecto de alienação oneroso apelo respectivo titular.

Acrescenta aquele autor na ob. citada, em comentário ao artº 10º, nº3, al. b) do CIRS, que “ a lei quer (….) que o imposto só seja exigível quando os bens afectos forem transmitidos onerosamente, isto é, haja uma efectiva realização no sentido corrente”.

Quer dizer, na prática no nosso sistema fiscal só há lugar a tributação quando a mais valia é realizada, ou seja quando o activo é transaccionado, o que não acontece no caso subjudice.

Assim sendo, considerando que não existiu efeito económico do contrato de celebrado entre os recorrentes e a “H……”, forçoso é concluir que ocorre inexistência de facto tributável em sede de IRS (artº 38º, nº 1 da Lei Geral Tributária).

Ainda sobre a relevância da “destruição” de um negócio jurídico e suas consequências em matéria fiscal, escreveu António Lobo Xavier – Efeitos de um acordo anulatório em impostos periódicos – Revista de Direito e Estudos Sociais, Out/Dez 1992, Ano XXXIV, nº 4, págs. 275 e segs.: “ … as leis fiscais não exigem que a celebração de um negócio seja considerada como “caso julgado”, para efeitos tributários, admitindo antes que a posterior ocorrência de acidentes jurídico-civilísticos possa ser acompanhada das correspondentes correcções do imposto. E o princípio que justifica este razoável funcionamento do sistema não pode ser outro senão o princípio da capacidade contributiva.
Na verdade, um negócio jurídico pode traduzir-se na manifestação de capacidade contributiva, que merece a incidência de um imposto ou vários impostos; mas, tornado ineficaz esse negócio, o sistema é forçado a admitir que, também em termos fiscais, se regresse ao statu quo ante: destruída a manifestação da capacidade contributiva, fica desprovido de causa o imposto que lhe correspondia”.

Então, tendo ficado provado que o impugnante nada chegaram a receber relativamente ao negócio em causa nos autos e gerador de mais-valias, até porque o outro contraente nem sequer chegou a pedir o licenciamento das obras de urbanização e muito menos realizou a construção das fracções, temos de concluir que com o distrate do negócio inexistiu a referida capacidade contributiva.

VII. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida com a consequente anulação das liquidações impugnadas.

Custas pela Fazenda Pública apenas em 1ª instância.
Lisboa, 28 de novembro de 2012. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.