Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01036/12
Data do Acordão:01/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
RGIT
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - Atento a que o juízo do Tribunal Constitucional de não inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT se assume hoje como a orientação jurisprudencial mais recentemente consolidada, que da decisão de não aplicação do artigo 8.º do RGIT com fundamento em inconstitucionalidade cabe recurso obrigatório do Ministério Público para aquele Tribunal e ainda em face ao disposto no artigo 8.º n.º 3 do Código Civil justifica-se que não se reitere o juízo de inconstitucionalidade do artigo 8.º n.º 1 do RGIT.
II - O recurso jurisdicional tem necessariamente de improceder quando nele não se impugna um dos vários fundamentos em que se alicerça a decisão recorrida.
Nº Convencional:JSTA000P15208
Nº do Documento:SA22013013001036
Data de Entrada:10/04/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 27 de Janeiro de 2012, na parte em que julgou procedente a oposição deduzida por A……… e B………, com os sinais dos autos, à execução fiscal n.º 3166200501022628 e apensos, originariamente instaurada contra a Sociedade C………, Lda., e contra eles revertida, para cobrança coerciva de dívidas por coimas fiscais, IVA e IRS referentes aos anos de 2006 e 2007, no valor de 117.485,94 euros, para o que apresentou as conclusões seguintes:
I – Não pode a Fazenda Pública conformar-se com a douta sentença proferida em primeira instância que declarou a inconstitucionalidade material da responsabilidade subsidiária em matéria de coimas.
II – Pois na esteira da mais recente jurisprudência emanada do Plenário do Tribunal Constitucional, que decidiu, no seu Acórdão n.º 437/11 de 3 de Outubro, não julgar inconstitucional a norma do art. 8.º n.º 1 do RGIT, quando interpretado no sentido que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora;
III – Entendimento, esse entretanto perfilhado pela Jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo, da qual podem referir-se, a título de exemplo, o Acórdão de 23/11/2011, proferido no Proc. 0122/11, e o Acórdão de 14/12/2011, proferido no Proc. n.º 0797/10.
IV – Face ao exposto, consideramos, salvo o devido respeito, que não poderá ser recusada a aplicação da norma contida no n.º 1 do art. 8.º do RGIT com fundamento na sua inconstitucionalidade.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
A recorrente acima identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, exarada a fls. 77/86, em 27 de Janeiro de 2012.
A sentença recorrida julgou parcialmente procedente oposição deduzida contra a execução fiscal instaurada, por reversão, tendo em vista a cobrança coerciva de, nomeadamente, dívidas de coimas, no entendimento de que os recorridos são parte ilegítima na execução fiscal, uma vez que a recorrente não provou que foi por culpa daqueles que o património da devedora originária se tornou insuficiente para pagar as coimas (fls. 84 – linhas 12 a 16) e face à inconstitucionalidade material do artigo 8.º do RGIT, por violação do princípio constitucional da intransmissibilidade das penas.
A recorrente termina as suas alegações de recurso com as conclusões de fls. 103, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.º/3 e 685.º-A/1º do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
Os recorridos não contra-alegaram.
É de realçar que a recorrente, apenas, sindica a sentença recorrida quanto à questão da inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT.
A sentença recorrida, invocando jurisprudência do STA e do Tribunal Constitucional, considerou a inconstitucionalidade material (violação dos artigos 30.º/3 e 32.º/2/10 da CRP), do artigo 8.º do RGIT, no sentido de que ali se prevê a responsabilidade subsidiária por coimas, efectivada através do PEF contra as pessoas aí mencionadas, por violação do princípio da intransmissibilidade das penas, da presunção de inocência e da violação dos direitos de audiência e defesa, concluindo que o PEF não é o meio processual adequado para a cobrança de dívidas emergentes de responsabilidade civil extra-contratual nem é possível a reversão para a cobrança de dívidas não tributárias com esse fundamento.
O tribunal Constitucional, em PLENÁRIO (Acórdão 437/2011, de 3 de Outubro, disponível no sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt), já ultrapassou esta questão, decidindo que o artigo 7.º-A do RJIFNA (equivalente ao actual artigo 8.º da LGT), aprovado pelo DL 20-A/90, de 15 de Janeiro não sofre de inconstitucionalidade, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação.
A possibilidade de execução fiscal por coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do RGIT está, agora, prevista no artigo 148.º/1/c) do CPPT, na redacção introduzida pela Lei 3-B/2010, de 24 de Abril (neste sentido ver Acórdão do STA, de 11 de Julho de 2012 – P. 0824/11, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Trata-se norma de natureza processual.
Nos termos do disposto no artigo 12.º/3 da LGT as normas processuais são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.
A responsabilidade subsidiária regulada no artigo 24.º da LGT efectiva-se por via do mecanismo de reversão no processo inicialmente instaurado contra o devedor originário/principal, nos termos do artigo 23.º da citada LGT.
Ora, o despacho de reversão foi exarado em 30 de Março de 2011, tendo os oponentes/recorridos sido citados em 26 de Maio de 2011 e 4 de Abril de 2011, sendo certo que a Lei 3-B/2010 entrou em vigor em 29 de Abril de 2010.
Portanto, antes da efectivação da responsabilidade subsidiária por via da reversão não existiam quaisquer garantias ou interesses legítimos na esfera jurídica do recorrido, que só surgem com a efectivação daquela.
Assim sendo, como nos parece ser, à data da reversão, o PEF era o meio processual adequado para a Administração Fiscal proceder à cobrança coerciva do montante das coimas decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do artigo 8.º do RGIT (não se desconhece posição contrária sustentada pelo ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado, 6.ª edição – 2011, III volume, página 41, no sentido de que a alínea c) do artigo 148.º do CPPT, na redacção introduzida pela Lei 3-B/2010, não prevê a cobrança de dívidas de responsabilidade civil através do processo de execução fiscal e, bem assim, os acórdãos do STA de 2012.02.23 – P. 01147/09 e de 2012.04.19 – P. 01216/09, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt)
A sentença recorrida merece, assim, censura, na parte sindicada.
Não obstante é de manter a sentença recorrida, quando julga procedente a oposição na parte relativa às dívidas de coimas, uma vez que a recorrente não logrou demonstrar que foi por culpa dos recorridos que o património da devedora originária se tornou insuficiente para pagar a dívida.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que recusa a aplicação da norma do artigo 8.º/1 do RGIT, por alegada inconstitucionalidade material.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se é de confirmar o julgado recorrido quanto à inconstitucionalidade material do artigo 8.º do regime Geral das Infracções Tributárias, atento a que o Tribunal Constitucional, em plenário, já decidiu no sentido na não inconstitucionalidade da norma.

5 – Matéria de facto:
A) No Serviço de Finanças de Sintra – 4, foi instaurado contra a sociedade «C………, Lda.» o processo de execução fiscal n.º 1562201107000081 e aps. para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA, IRS e Coimas Fiscais, referentes aos anos de 2006 e 2007, no montante de € 117.485,94. (Doc. fls. 301 e 303 do processo de execução fiscal apenso)
B) Os Oponentes foram nomeados gerentes da sociedade executada originária no contrato de constituição desta, facto registado pela Ap. 01/19890829, obrigando-se a sociedade de qualquer gerente com a assinatura daqueles. (Doc. fls. 292/293 do processo de execução fiscal apenso)
C) No dia 04.03.2011, no âmbito do processo de execução fiscal a que alude a al. A) do probatório foi emitida informação da qual se extrai designadamente o seguinte:
“Conforme diligências efectuadas após ter sido extraído mandado de penhora e consultadas as várias aplicações informáticas de consulta a Bens penhoráveis (CEAP), verifiquei não existirem bens susceptíveis de penhora, com excepção de 5 veículos que já se encontram penhorados neste processo, cujas datas de matrículas levam a considerar que tenham um valor comercial bastante reduzido. Mais informo que os documentos nunca foram entregues, não tendo este Serviço conhecimento do estado e do paradeiro desses veículos.
Pela consulta à “visão do contribuinte”, situação cadastral do IVA, verifica-se que a sociedade não está cessada em sede de IVA.
Pela consulta à certidão da Conservatória do Registo Comercial de Sintra, verifica-se que ao tempo que se verificou os factos tributários/nascimento das dívidas, como também ao período de cobrança voluntária em que os impostos deveriam ter sido pagos, foram sócios gerentes:
IVA, IRS e Coimas Fiscais dos anos de 2004 a 2007 Período de Gerência
B……… 1989-07-19 até à presente
A……… 1989-07-19 até à presente»
(Doc. fls. 294 do processo de execução fiscal apenso)
D) No dia 04.03.2011. o Chefe do serviço de Finanças de Sintra – 4 com base na informação a que alude a al. C) do probatório determinou a preparação dos processos para efeitos de reversão das execuções contra os oponentes. (Doc. fls. 294 do processo de execução fiscal apenso)
E) No dia 30.03.2011, foi elaborada informação, na qual se dá nota “Por se verificar que não existirem bens susceptíveis de penhora, julgo de se prosseguir a reversão contra os responsáveis subsidiários.” (Doc. fls. 310 do processo de execução fiscal apenso)
F) No dia 30.03.2011, o chefe do serviço de Finanças de Sintra – 4 proferiu o seguinte despacho: ”Estando concretizada a audição dos gerentes, prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra A……..., nif ……… e B………, NIF ………, na qualidade de responsáveis subsidiários. Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação dos executados por reversão nos termos do art. 160.º do Código de Procedimento e de processo Tributário, com fundamento prescrito no art. 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, para pagar no prazo de trinta (30) dias a quantia que contra um reverteu.» (Doc. fls. 310 do processo de execução fiscal apenso)
G) No dia 26.05.2011, o Oponente A……… foi citado no âmbito do processo de execução fiscal identificado na al. A) do probatório (Doc. fls. 338/340 e fls. 341 junta ao processo de execução fiscal apenso)
H) No dia 04.04.2011, o Oponente B……… foi citado no âmbito do processo de execução fiscal identificado na al. A) do probatório (Doc. fls. 321/325 do processo de execução fiscal apenso)
I) A devedora originária continua a exercer a sua actividade e possui equipamentos e bens em stock no valor de €30.000.00. (Depoimento da testemunha ………)

6 – Apreciando.
6.1 Da julgada inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT.
A sentença recorrida, a fls. 77 a 86 dos autos, julgou procedente a oposição deduzida pelo ora recorridos quanto às coimas tributárias objecto da execução e improcedente quanto às demais dívidas exequendas, fundamentando a ilegitimidade dos oponentes quanto às dívidas por coimas na falta de demonstração, por parte da Administração tributária, da culpa dos gerentes na insuficiência do património da sociedade para pagamento daquelas dívidas, sendo que, nos termos do artigo 8.º do RGIT, o ónus de tal prova impendia sobre a Administração tributária, e bem assim na inconstitucionalidade material da responsabilidade subsidiária em matéria de coimas, por ofensa do princípio constitucional da intransmissibilidade das penas, como decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 24/2011, de 12/01/2011 (cfr. sentença recorrida a fls. 84 e 85 dos autos).
Discorda do decido quanto à inconstitucionalidade material da responsabilidade subsidiária em matéria de coimas a Fazenda Pública, alegando que na esteira da mais recente jurisprudência emanada do Plenário do Tribunal Constitucional, que decidiu, no seu Acórdão n.º 437/11 de 3 de Outubro, não julgar inconstitucional a norma do art. 8.º n.º 1 do RGIT, quando interpretado no sentido que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora, entendimento esse entretanto perfilhado pela Jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo, da qual podem referir-se, a título de exemplo, o Acórdão de 23/11/2011, proferido no Proc. 0122/11, e o Acórdão de 14/12/2011, proferido no Proc. n.º 0797/10, não poderá ser recusada a aplicação da norma contida no n.º 1 do art. 8.º do RGIT com fundamento na sua inconstitucionalidade (cfr. as conclusões das alegações de recurso supra transcritas).
Tem razão a Fazenda Pública na sua alegação.
Como se disse no recente Acórdão deste Supremo Tribunal de 9 de Janeiro de 2013, proferido no recurso n.º 1187/12, a posição maioritária deste Supremo Tribunal sempre foi em sentido divergente do entendimento agora sufragado pelo Tribunal Constitucional. Não obstante, atento a que o juízo do Tribunal Constitucional de não inconstitucionalidade do artigo 8.º do RGIT, tomado em formação plenária, se assume hoje como a orientação jurisprudencial mais recentemente consolidada e a decisão de não aplicação do artigo 8.º do RGIT com fundamento em inconstitucionalidade obriga a recurso obrigatório do Ministério Público para aquele Tribunal, deve decidir-se, atento ao disposto no artigo 8.º n.º 3 do Código Civil, em conformidade com essa jurisprudência constitucional e pelos fundamentos constantes do seu acórdão plenário n.º 561/2011 (proferido no rec. n.º 506/09 e publicado em DR, 2.ª série, n.º 243, 21 de Dezembro de 2011, pp. 49547 e ss), julgar não inconstitucional a norma do artigo 8.º n.º 1 do RGIT, havendo, nesta parte, que censurar a sentença recorrida, que perfilhou orientação diversa no que à inconstitucionalidade material do artigo 8.º n.º 1 do RGIT respeita.
Não obstante, a improcedência deste fundamento não determina o provimento do recurso da Fazenda Pública, pois que o juízo de ilegitimidade dos oponentes quanto às coimas assentou igualmente no facto de a Administração tributária não ter demonstrado a culpa destes na insuficiência do património societário, sendo certo que, ao contrário do que se passa em relação às dívidas abrangidas pela alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da lei Geral Tributária, o artigo 8.º n.º 1 do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa dos administradores ou gerentes, cabendo, pois, à administração tributária o ónus da prova de tal culpa como pressuposto necessário da efectivação dessa responsabilidade.
Ora, em relação a este outro fundamento autónomo de ilegitimidade os oponentes, a decisão recorrida nem foi sindicada, nem merece qualquer censura, sendo, pois de manter.
É que tendo a sentença dois fundamentos autónomos, qualquer deles suficiente para justificar a decisão de procedência da oposição, o recorrente teria de sindicar com êxito ambos os fundamentos para obter êxito no recurso, pois que se atacar apenas um deles – como no caso dos autos -, subsiste o outro fundamento que, por si só, é suficiente para suportar a decisão tomada, razão pela qual o recurso tem necessariamente de improceder.

O recurso não merece, pois, provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.