Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02762/17.7BELSB
Data do Acordão:03/22/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO
URGÊNCIA
Sumário:Por recair sobre uma «quaestio juris» controversa e repetível, é de admitir a revista do aresto que denegou um pedido de intimação — submetido ao art. 109° do CPTA e tendente à emissão e entrega de um cartão de cidadão — simplesmente porque o autor se demorara a instaurar o pleito e isso, por si só, revelaria a falta da urgência que subjaz a este tipo de processos.
Nº Convencional:JSTA000P24381
Nº do Documento:SA12019032202762/17
Data de Entrada:03/01/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A…………., identificado nos autos, interpôs a presente revista do acórdão do TCA Sul confirmativo — salvo quanto a um dos factos provados — da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente o pedido de intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias intentado pelo ora recorrente contra o Instituto dos Registos e do Notariado, IP, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros a fim de que lhe fosse emitido e entregue o cartão de cidadão.

O recorrente pugna pelo recebimento da sua revista por ela recair sobre uma questão relevante, expansível e erradamente decidida.
O IRN contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade da revista.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150°, n.° 1, do CPTA).
O aqui recorrente, que se identifica como cidadão português, intentou o processo dos autos (nos termos do art. 109° e ss. do CPTA) para que o IRN e o MNE fossem judicialmente intimados a emitir e entregar-lhe o cartão de cidadão.
O TAC julgou a acção improcedente por razões de fundo e de forma. Quanto às primeiras, as demoras administrativas na emissão do documento teriam razão de ser, já que se fundaram em dúvidas sobre o modo, porventura fraudulento, como o autor adquiriu a nacionalidade portuguesa; e, ainda, na desconfiança sobre se o autor não estaria a usurpar a identidade de um cidadão nacional registado com o mesmo nome. A seguir, o TAC entendeu que o meio adjectivo usado não era indispensável, já que a pretensão enunciada na intimação era atingível mediante o normal jogo das acções administrativas e dos seus procedimentos cautelares.

O TCA cingiu-se a este derradeiro ponto. E, ponderando que o autor veio intimar quando já caducara o direito de propor uma acção que condenasse os demandados à prática do acto devido — ou seja, a emissão e entrega do cartão de cidadão — o acórdão «sub specie» concluiu que não existia a urgência decisória que é requisito das intimações previstas no art. 109° do CPTA. Razão por que o aresto confirmou o juízo de improcedência da 1ª instância.
Na presente revista — e para além de dizer que o acórdão é nulo por ter absolvido do pedido e não da instância, como exigiria o seu «iter» discursivo — o recorrente insurge-se contra a tese de que não haveria, «in casu» e objectivamente, uma urgência justificativa do uso da intimação.
Portanto, o acórdão recorrido centrou-se nesta última «quaestio juris», de índole adjectiva; e o essencial da revista incide sobre tal matéria.
«Prima facie», o processo previsto no art. 109° do CPTA — ordenado à imposição de condutas — ajusta-se melhor ao pedido do autor do que as protecções típicas das acções administrativas comuns.
Aliás, isso não foi negado pelo TCA, que meramente recusou a necessidade da «célere emissão de uma decisão de mérito» — tomada como requisito deste género de intimações.
Mas a posição do TCA é controversa. Não parece que, da demora do autor em intimar, se possa logicamente inferir que não seja urgente a adopção da conduta pretendida — pois é mesmo concebível que uma tal urgência se tenha entretanto avolumado.
Este assunto — que coloca a urgência como «condicio sine qua non» da intimação e, sobretudo, que a encara sob o exclusivo prisma do que se passou «ante judicium» — merece ser reavaliado pelo Supremo. Com efeito, subsiste alguma incerteza sobre os pressupostos de utilização do meio previsto no art. 109° — aliás, espuriamente usado inúmeras vezes. E esta questão da urgência representa um novo problema nesse domínio e, ademais, um problema susceptível de repetida recolocação.
Convém, portanto, que o STA esclareça esta problemática, justificando-se o recebimento do recurso.

Nestes termos, acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 22 de Março de 2019. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.