Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0902/13
Data do Acordão:12/04/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IVA
IRC
MÉTODOS INDIRECTOS
REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
IMPUGNAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - Diz o artº 86º, nº 2 da LGT que “A impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”, acrescentando o nº 4 do mesmo artigo que “Na impugnação do ato tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo”.
II - Deste modo, tendo o recorrente imputado à liquidação o vício de inexistência de fato tributário relativamente à sua pessoa, por entender que os fatos em que as liquidações se basearam são imputáveis a uma sociedade identificada nos autos, a impugnação judicial não depende daquela prévia reclamação da matéria tributável.
Nº Convencional:JSTA00068490
Nº do Documento:SA2201312040902
Data de Entrada:05/20/2013
Recorrente:A.....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:LGT98 ART88 A ART87 B ART90 ART91 ART86 N2 N4 N5.
CIRS01 ART39.
CIRC01 ART54.
CIVA08 ART64.
CPPTRIB99 ART117 N1.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A……….., com os demais sinais dos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou por verificada a exceção de inimpugnabilidade das liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios absolvendo consequentemente a Fazenda Publica da instancia, apresentou para o efeito, alegações nas quais conclui:

1ª) O Recorrente intentou impugnação judicial tendo em vista a anulação das liquidações de IVA em causa nos autos, tendo alegado como causa de pedir a sua ilegalidade, designadamente por inexistência de facto tributário.

2ª) Os atos fiscalmente relevantes em que as liquidações se fundaram não são imputáveis ao Recorrente, mas tiveram como sujeito e único beneficiário a sociedade B……., LDA.

3ª) A inexistência de facto tributário quanto ao Recorrente é um vício cujo conhecimento pelo Tribunal não está sujeito à dedução prévia de um pedido de revisão da matéria tributável.

4ª) O Recorrente em momento algum pôs em causa que não se verificassem os pressupostos para que a Fazenda Pública pudesse lançar mão da realização da avaliação indireta, porque, exatamente, não era essa para si a causa de pedir.

5ª) O Recorrente não alegou, também, qualquer erro na quantificação da matéria coletável por métodos indiretos, porque, também, não era esse o fundamento do seu pedido.

6ª) Pelo que a reclamação para a comissão de revisão não é condição de impugnação judicial, atenta a causa de pedir invocada.

7ª) Ao julgar procedente a exceção de inimpugnabilidade e, consequentemente, obstar ao conhecimento do mérito da causa, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do nº 5 do artigo 86° da LGT e do nº 1 do artigo 117º do CPPT.

II. Não houve contra alegações.

III. Neste Tribunal o MP emitiu parecer no sentido que, a decisão impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão, que declare improcedente a exceção de inimpugnabilidade das liquidações de IVA, devendo o processo ser remetido ao tribunal recorrido, para proferimento de sentença que aprecie o mérito da impugnação judicial.

IV. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

V. Com interesse para a decisão, foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

A). O Impugnante A……., NIF …….., foi alvo de uma operação de fiscalização no ano de 2006, com base na Ordem de Serviço n.º 0I 2006 3801, de 25.07.2006 - cfr. Relatório de Inspeção junto a fls. 9 a 50, maxime fls. 14, do processo administrativo;

B). Na sequência da ação de fiscalização, acima referida, os Serviços de Inspeção Tributária elaboraram um relatório, cujo teor ora se dá aqui por integralmente reproduzido, e do qual consta, para além do mais, o seguinte:

“II - OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO INSPETIVA
(…)

B) Motivo, âmbito e incidência temporal

Na sequência das diligências efetuadas ao abrigo da Ordem de Serviço N.° 0I200504279, para o sujeito passivo B…….., Lda. (NIPC: …….), para os anos de 2002, 2003, 2004, não declarante em termos de IRC e IVA, verificou-se através de fotocópias de cheques frente e verso, referentes e pagamentos a clientes, efetuados à B…….., que muitos destes eram emitidos em nome ou depositados na conta de A……. (NIF: ………), que não fazia parte dos órgãos sociais ou dos quadros da empresa.
Assim, no sentido de esclarecer os factos anteriores, foi efetuado o procedimento inspetivo, com âmbito de recolha e cruzamento de informação, (…), para o sujeito passivo A………, para os anos de 2002, 2003 e 2004,
Da análise efetuada, através do acesso às suas contas bancárias, e de elementos recolhidos junto dos seus clientes e fornecedores, verificou-se, para os anos de 2003 e 2004, existirem indícios claros de que foi A………. quem efetivamente prestou os serviços constantes das faturas emitidas pela B…….., relativas a obras efetuadas em restaurantes, não tendo sido declarados pelo sujeito passivo a fiscalizar, quaisquer valores referentes a estes serviços, em termos de IVA e de IRS.
Em conformidade com os pressupostos que determinam a emissão da presente Ordem de Serviço, a ação inspetiva teve caráter geral, para os exercícios de 2003 e 2004,
(...)

IV- MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

IV. 1 - Caracterização geral do Sujeito Passivo

O Sujeito Passivo está coletado como empresário em nome individual, exercendo a atividade de carpintaria desde 03/02/1997, com a designação comercial de “C……… ”,
No entanto, e conforme será demonstrado em pontos posteriores, a atividade de carpintaria assumiu o caráter de atividade acessória, nos anos de 2003 e 2004, pois o Sujeito Passivo desenvolveu essencialmente atividades na área da construção civil que não foram declaradas para efeitos fiscais.

IV.2-IRS

O Sujeito Passivo encontra-se enquadrado no regime simplificado de IRS, tendo declarado nos anos em análise, os seguintes volumes de negócios (valores em Euros):


Os valores originalmente declarados pelo contribuinte, não refletem de forma alguma, os rendimentos realmente auferidos em resultado da atividade desenvolvida por este, nos anos em análise, conforme será oportunamente apresentado.

IV.3 - IVA

Está enquadrado no regime normal de IVA, periodicidade trimestral, tendo apurado os seguintes valores de impostos nos anos em causa (valores em Euros):





Também em termos de IVA, os valores declarados pelo contribuinte não se afiguram corretos, tendo em conta a real atividade desenvolvida por este.


IV.4 - Reembolsos de IVA solicitados por restaurantes com base em faturas da empresa B……..
(...)

As empresas D………, Lda. (NIPC: ………), E…….., Lda. (NIPC: ……..), e F…….., Lda. (NIPC: ……), solicitaram reembolsos de IVA, sendo que da análise efetuada verificou-se que em todas elas, parte significativa do IVA deduzido dizia respeito a faturas emitidas pela B………, Lda., conforme dados constantes no seguinte quadro (valores em Euros):



Verificou-se contudo que a empresa B……... apresentava indícios de comportamento fraudulento, nomeadamente por apresentar situações de pagamentos em falta de IVA e não cumprimento das suas obrigações declarativas em termos de IVA (a última declaração periódica entregue diz respeito ao 4º trimestre de 1998) e de IRC (a última declaração de rendimentos Modelo 22 entregue refere-se ao ano de 1993).
Das diligências efetuadas, junto da empresa B……., não foi possível contactar o seu gerente, estando este supostamente ausente do país. Também não foi possível obter qualquer elemento contabilístico desta empresa, apesar das notificações efetuadas para o efeito.
Também se verificou que o pessoal afeto é B………. foi transferido de forma gradual para a sociedade O………., Lda.” (NIPC ………) (…)
Assim, a B…….., de acordo com os elementos recolhidos junto da Segurança Social, através das folhas de contribuições entregues pela empresa, possuía os seguintes funcionários, e que durante o ano de 2002 foram transferidos para a O…….. (com exceção do gerente, em que a transferência só se verificou em novembro de 2003, ou então abandonaram e empresa por vontade própria:
(…)
Como tal, na data da emissão das faturas em causa, a B…….. não possuía qualquer pessoal afeto à empresa.
Ouvidos em Auto da declarações, em 06/07/2006, os funcionários da B……., P…….., com a função de encarregado das obras, e Q………., com a função de empregada de escritório, afirmaram que o pessoal afeto à empresa (seja B…….. ou O…….) não prestou qualquer serviço nas obras constantes das faturas emitidas em nome das empresas anteriores, com exceção da firma D…….., em que reconheceram que o pessoal afeto à O…….. (a que antes pertencia à B………) tinha prestado serviços de pedreiro na obra desse restaurante, em Paços de Ferreira. Neste caso, deveria ter sido a O……. a faturar os serviços prestados a A…….. (responsável pela totalidade da obra conforme será demonstrado posteriormente), ou sendo a B……. a faturar (deveria ser também em nome de A……. e não em nome do restaurante em causa) teria que existir uma fatura da O……. para a B…….. pela utilização do seu pessoal, o que não aconteceu.
Apurou-se assim que as faturas em causa não titulam operações realizadas entre a empresa emitente e os adquirentes, tendo-se verificado a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
Conforme os factos que serão expostos posteriormente, quem contratou as obras a efetuar com as empresas mencionadas foi A……… e não a B……...
Também será demonstrado que quem recebeu a contrapartida financeira pelos serviços realizados foi A……., tendo mesmo alguns dos pagamentos sido efetuados com cheques emitidos em seu nome e não da B……...

IV.5 -Relacionamento com a B……….

Dos elementos recolhidos junto dos restaurantes anteriormente referidos relativamente às faturas emitidas pela B…….., verificou-se que:
- um dos restaurantes (F……….) possuía orçamentos efetuados com as designações de “A……. Construções’ e “A……. - Empresa de Construções”, relativos a obras faturadas pela B…….;
- da informação constante na frente e/ou no verso dos cheques para pagamento das faturas em causa, verificou-se que a maioria deles foram depositados em contas bancárias em que A…… é titular (conta do BCP n.º …….. e conta do CPP nº ……..), ou então em contas pertencentes a entidades que posteriormente se averiguou terem sido seus fornecedores:
- existem 3 recibos emitidos em papel da “C………”, referentes a 3 pagamentos efetuados pelo restaurante D………, (...)
- a empresa F…….. aceitou 3 letras no montante de 20.000,00€ cada, para o pagamento dos valores ainda em dívida, sendo que em todas elas figura como entidade sacadora A……., e não e empresa B…….. .
Ora, de acordo com os elementos existentes na Conservatória do Registo Comercial, os sócios da empresa B……. são R……. e S………, sendo gerente da mesma o já identificado sócio R……...
Da consulta das folhas da Segurança Social da B……., cujas cópias foram remetidas a este Serviço, também se verifica que o nome A……… não consta do quadro de pessoal, pelo que os factos anteriormente descritos careciam de explicação por parte do mesmo.
Confrontado com as situações anteriores, A…….., ouvido em auto de declarações, afirmou apenas que era o encarregado geral da obra, o que se traduzia na angariação de clientes e a coordenação das obras a efetuar, nomeadamente de pintura, carpintaria, eletricista, pastelaria, serviços estes que eram realizados pela B……... Mais afirmou que pelos serviços por si prestados de angariação e coordenação não emitiu qualquer fatura ou recibo porque nunca recebeu qualquer dinheiro da B……...
Nesse mesmo auto declarou que era ele que recebia e depositava os cheques para pagar as faturas da B……., por esta empresa e o seu sócio-gerente terem problemas legais com as instituições bancárias, estando inibidos de passar cheques.
Ora, como se irá provar pelos dados bancários entretanto facultados pelo contribuinte, este realmente nunca recebeu dinheiro da B…….., nem teria de receber, pois recebia os pagamentos diretamente dos seus clientes.
Assim, se o serviço por si realizado se tratasse de uma mera intermediação, os valores em causa seriam devolvidos à B………, eventualmente deduzidos de uma comissão, o que não se verifica da análise dos movimentos financeiros das suas contas bancárias.
Também já foi demonstrado no ponto anterior que com exceção da obra do restaurante D………, os trabalhadores da B……. não tiveram qualquer intervenção nas obras faturadas por esta empresa.
Para além disso, e conforme será aprofundado posteriormente, os seus fornecedores afirmaram que era A……. o responsável pelas obras, sendo ele quem subcontratou as entidades que efetuaram essas obras e tratou das aquisições dos materiais, e não a B……… ou o seu sócio-gerente, pelo que a justificação apresentada por este de que seria um mero intermediário não tem qualquer fundamento.

IV. 6- Acesso às contas bancárias

(...) da informação constante nos elementos remetidos pelas entidades bancárias em causa, nomeadamente da cópia frente e verso dos cheques emitidos pelo contribuinte, e dos talões de depósito efetuados, elaborou-se os quadros resumo que se juntam como anexo ao presente relatório, relativos aos cheques emitidos ordenados por data (anexo 1) e por entidade beneficiária (anexo 2), onde se discrimina o seu n.º, a sua data de saída, o seu valor e o seu beneficiário (identificação e respetiva conta de depósito do cheque) quando foi possível fazer a sua identificação, bem como aos depósitos efetuados pelo contribuinte nas suas contas bancárias no 8CR e CPP, também ordenados por data do depósito, o seu valor, e se identifica a origem deste (entidade e n.º de conta bancária).
Assim, da análise dos depósitos efetuados por A……., em 2003 e 2004, nas contas bancárias do BCP n.º ……. e CPP n.º …….., podemos constatar a entrada dos seguintes valores provenientes de entidades utilizadores das faturas da B…….:
D………, Lda. (...)
E………., Lda. (...)
F………., Lda. (...)
G………., Lda. (…)
H………., Lda. (...)
I……….., Lda. (Fact. Imoleasing (...)
N………, Lda. (...)
M………, Lda. (...)
L………., Lda. (...)
Verifica-se assim, que de grande parte dos valores faturados pela empresa B……, quem recebeu a contrapartida financeira pelos serviços realizados foi A……... .

IV. 7- Subcontratados

Da análise dos cheques emitidos por A……., resultaram os seguintes procedimentos inspetivos aos seus fornecedores: (...)
Das diligências efetuadas verificou-se que os cheques emitidos para as entidades acima identificadas, diziam respeito a pagamentos de serviços ou de venda de materiais, relacionados com as obras constantes nas faturas da B………..,
(...) Verifica-se assim, de acordo com as declarações dos seus fornecedores que A…… era o real responsável pelas obras realizadas nos restaurantes e não a empresa B……., ou qualquer outro seu representante legal.
Também se pode comprovar através das afirmações dos subcontratados que na generalidade dos pagamentos efetuados por A……., nunca chegou a haver a correspondente emissão de faturas pelas entidades em causa, por supostamente este não pretender a emissão de faturas ou por não fornecer os seus dados pessoais completos.

IV. 8- Conclusões

Do exposto nos pontos anteriores, verifica-se que A…….. desenvolveu atividades na área da construção civil, não se encontrando coletado para tal, nem tendo declarado os proveitos inerentes decorrentes do exercício da mesma, entregando aos contratantes faturas emitidas pela empresa B…….., sociedade não declarante em termos tributários.
Atendendo à situação de incumprimento fiscal da B……., o IVA liquidado nestas faturas e os eventuais proveitos resultantes a nível de IRC, não seriam entregues nos cofres do Estado, sendo que os valores faturados reverteriam a favor de A………, sem que este tenha emitido qualquer documento ou tenha declarado esses valores para efeitos fiscais.
Em resumo a empresa B……….., Lda., não prestou os serviços, nem forneceu os materiais constantes nas suas faturas relacionadas nos pontos anteriores, de acordo com os seguintes factos:
- as obras foram contratadas com A…….., e não com a B…….;
- as obras foram pagas a A…….. e não à B……….;
- os recibos emitidos por alguns pagamentos efetuados por clientes são da C……’, e não da B…….;
- na data da realização das obras em causa, a empresa B…….. não tinha qualquer trabalhador afeto ao seu quadro de pessoal;
- foi A……. que subcontratou as entidades que efetuaram as obras em causa e tratou das aquisições dos materiais, e não a B……;
- os valores faturados reverteram a favor de A……., sem que este tenha emitido qualquer documento ou tenha declarado esses valores para efeitos fiscais.
Para além disso, da análise dos movimentos constantes das suas contas bancárias, verificam-se depósitos de outras entidades para quem não foram emitidas faturas da B……. e a que também não correspondem faturas da “C……..”, o que indicia a existência de mais prestações de serviços e vendas de materiais efetuadas por A……. em que não se verificou a correta emissão de fatura, e o seu consequente registo contabilístico e posterior consideração para efeitos fiscais.
Em conclusão, os aspetos referidos nos pontos anteriores constituem indícios fundados de que os elementos de escrituração do sujeito passivo e os valores declarados fiscalmente, não refletem a sua exata situação patrimonial nem o resultado efetivamente obtido nos anos de 2003 e 2004.
O facto de não se conhecerem os reais valores das obras realizadas, bem como a totalidade dos custos suportados com a compra de materiais de construção e a subcontratação de serviços e pessoal, conduz a que não seja possível comprovar e quantificar, direta e exatamente a matéria tributável em face das irregularidades descritas.
Assim, e de acordo com os elementos já expostos, existem anomalias e incorreções na contabilidade do sujeito passivo, que preenchem os requisitos estabelecidos na alínea a) do artigo 88º da Lei Geral Tributária (LGT), nomeadamente pela inexistência ou insuficiência dos elementos da contabilidade, face aos reais movimentos financeiros efetuados pelo contribuinte, e correspondentes proveitos e custos omitidos,
Desta forma, e de acordo com o artigo 87º, alínea b) da LGT, verificam-se os pressupostos para a utilização de métodos indiretos para a determinação do volume de negócios e do lucro tributável, a aplicar nos termos dos artigos 90° da LGT, 39º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), 54º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), e 64º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).

V- CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

Atendendo aos factos descritos nos Capítulos anteriores, a determinação do Volume de Negócios vai ser feita com base nos seguintes elementos;
a) valores originalmente declarados pelo contribuinte, relacionados com a atividade de carpintaria;
b) valores das faturas emitidas pela empresa B……., relativas a obras efetuadas em restaurantes, onde se demonstrou a intervenção direta de A……..;
c) montantes depositados nas contas bancárias de A…….., que não se incluem nos valores constantes nas alíneas a) e b), e de que o contribuinte não justificou a sua origem, apesar de solicitado para tal.
(...)
Refira-se que por diversas vezes durante o procedimento inspetivo, foi solicitada a colaboração do sujeito passivo, no sentido de proceder à identificação do tipo de relacionamento deste com as entidades que se encontram por reconhecer, constantes do Anexo 5, mas o contribuinte não efetuou essa identificação.
Agregando os valores anteriormente apresentados, vamos obter os seguintes proveitos/volume de negócios totais (valores em Euros):




No ano de 2003, o contribuinte encontrava-se enquadrado no regime simplificado de IRS, pelo que para a determinação do seu lucro tributável não é necessário calcular os custos associados ao desenvolvimento da sua atividade, já que o rendimento liquido da sua atividade empresarial vai resultar da aplicação de um coeficiente legalmente estabelecido, ao valor das vendas e das prestações de serviços apuradas.
Já para o exercício de 2004, o contribuinte vai passar a estar enquadrado no regime de contabilidade organizada, para efeitos de determinação dos rendimentos empresariais, atendendo a que em 2003, este ultrapassa o valor do volume de negócios estabelecido para a aplicação do regime simplificado.
(…)
Assim, e atendendo ao anteriormente exposto, o valor total de custos presumidos para 2004 é de:


V.1 - IRS
(…)
V.2-IVA

Atendendo a que apenas foram objeto de declaração e tributação em IVA, os montantes de 19.120,31€ e 13.500,00€, referentes a vendas, para os anos de 2003 e 2004, respetivamente, e que se determinou como os valores totais de Volume de negócios sujeitos a IVA os montantes de 664.217,94€ e 703.708,04€, conforme cálculos efetuados anteriormente, falta pois tributar 645.097,63€ (2003) e 690.208,04€ (2004), nos termos previstos no artigo 87º e 88º da LGT e artigos 82° e 84° do CIVA.
Atendendo à atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, as operações por ele efetuadas estão sujeitas á taxa normal de tributação, conforme disposto na alínea c), do n. 1º do artigo 18° do CIVA.
Para efetuar a afetação dos montantes em falta de liquidação pelos diversos períodos de tributação de IVA, tomou-se em consideração a data conhecida das operações em causa (a data de emissão das faturas da B……, ou então a data da realização dos depósitos).
Assim, e com base nos valores omitidos apurados, foi efetuado um mapa que se junta ao presente relatório (anexo 7), discriminado por operação sujeita a imposto, apresentando-se de seguida um quadro resumo do imposto adicional apurado, por ano e trimestre:


2003


C). O Impugnante foi notificado do Relatório de Inspeção Tributária, por ofício datado de 11.01.2007, expedido por carta registada com aviso de receção para o Impugnante, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:

“Fica(m) V.ª (s) Ex.ª(s), por este meio notificado(s) nos termos do artigo 77° da LGT e do artigo 62° do RCPIT, do Relatório de Inspeção Tributária e do teor do despacho que sobre ele recaiu, que se anexa como parte integrante desta notificação, (...)
A decisão de avaliação indireta tem por base os factos, motivos e fundamentos constantes do Relatório de Inspeção, tendo os valores sido fixados de acordo com os critérios e cálculos mencionados no referido Relatório.
Poderá V. Ex.ª solicitar a revisão da matéria tributável ou do imposto, fixado por métodos indiretos, numa única petição devidamente fundamentada, dirigida ao Diretor de Finanças da área do seu domicilio fiscal, a apresentar no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da assinatura do aviso de receção que acompanha esta notificação, com a indicação o perito que o representa e, eventualmente, o pedido de nomeação de perito independente, nos termos do artigo 91º da LGT, (…)” - cfr. fls. 8 a l0 do processo administrativo;

D). Em 2708.2007 foi apresentada em juízo a presente petição de impugnação - cfr. registo de entrada aposto a fls. 2 dos autos.

VI. A única questão a apreciar nos presentes autos, de acordo com as conclusões das alegações do recorrente, é a de saber se, no caso concreto, e porque o apuramento da matéria tributável ocorreu através do uso de métodos indiretos, o recorrente deveria, antes de deduzir a respetiva impugnação judicial, pedir a revisão da matéria tributável por força do disposto no artº 86º, nº 2 da LGT.

A sentença recorrida entendeu que a invocação das ilegalidades suscitadas pelo recorrente integrava o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de fato que determinaram o recurso à avaliação indireta. Sendo assim, impunha-se que tivesse havido apresentação prévia da reclamação a que se referem os artºs 86º, nº 5 e 91º da LGT e 117º, nº 1 do CPPT.

O recorrente, por sua vez, entende, que tendo alegado como causa de pedir a ilegalidade da liquidação, designadamente por inexistência de facto tributário no que a si respeita, pois que os atos em que as liquidações se fundaram não lhe são imputáveis, mas sim à sociedade B……., Ldª, a impugnação não está sujeita à dedução prévia de um pedido de revisão da matéria tributável.

Aliás, o Recorrente em momento algum pôs em causa que não se verificassem os pressupostos para que a Fazenda Pública pudesse lançar mão da realização da avaliação indireta, porque não era essa para si a causa de pedir, como também, não alegou qualquer erro na quantificação da matéria coletável por métodos indiretos, porque, também, não era esse o fundamento do seu pedido.

Assim, a reclamação para a comissão de revisão não é condição de impugnação judicial, atenta a causa de pedir invocada.

O MºPº, conforme resulta do parecer acima referido, pronuncia-se também pela desnecessidade prévia do pedido de revisão da matéria tributável.

Vejamos então qual destes entendimentos colhe o apoio legal.

VI.1. Conforme resulta do probatório supra, a matéria tributável que deu origem às liquidações impugnadas foi apurada por métodos indiretos (v. fatos das alíneas B) e C) do probatório).

Diz o artº 86º, nº 2 da LGT que “ A impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”

Acrescenta o nº 4 do mesmo artigo que “Na impugnação do ato tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo”.

Ora, conforme bem salienta o MºPº no seu parecer de fls. 702/703, a obrigatoriedade da prévia reclamação da matéria tributável, nos termos dos artºs 91º e segs. da LGT, depende da invocação de erro na quantificação ou nos pressupostos de determinação da mesma matéria tributável.

No caso dos autos, resulta da petição inicial que o recorrente não invocou qualquer erro na quantificação ou nos pressupostos de determinação da matéria tributável, antes a inexistência de fato tributário no que lhe diz respeito, uma vez que os atos fiscalmente relevantes em que se fundaram as liquidações tiveram como único sujeito e beneficiário a sociedade B…….., Ldª.

Assim sendo, parece que nada impede o recorrente de provar a inexistência do facto tributário que alega, sem necessidade do pedido de revisão da matéria tributável.

Pelo exposto, a decisão recorrida não pode manter-se.

VII. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido.

Sem custas.
Lisboa, 4 de dezembro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.