Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01182/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
VENDA
INCIDENTE
NULIDADE
AUDIÇÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário:O Ministério Público é ouvido nos processos judiciais, antes de ser proferida a decisão final (arts. 14º, nº 2 e 121º, nº 1 do CPPT) incluindo nos incidentes que se suscitem no âmbito da execução fiscal (nº 1 do art. 151º do CPPT).
Nº Convencional:JSTA000P22687
Nº do Documento:SA22017121301182
Data de Entrada:10/27/2017
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. O Ministério Público recorre da sentença que, proferida em 30/07/2017, no TAF de Sintra, no processo que ali corre sob o nº 756/17.1BESNT — “Outros incidentes da execução fiscal” — autorizou «o auxílio das autoridades policiais para proceder ao arrombamento da porta e substituição da fechadura para efectivar a entrega efectiva do bem imóvel com seguinte descrição, constante do auto de adjudicação a fls. 8v dos autos»

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1ª - O presente processo configura um incidente da execução fiscal, previsto no artigo 151°, n° 1 do CPPT.
2ª - O Ministério Público será sempre ouvido nos processos judiciais antes de ser proferida a decisão final, nos termos dos artigos 14°, n° 2 e 121°, n° 1 do CPPT.
3ª - Aliás, o próprio artigo 151°, n° 1 do CPPT reforça tal imposição, ao estabelecer que, “compete ao tribunal tributário de 1ª instância da área do domicílio ou sede do devedor, depois de ouvido o Ministério Público, nos termos do presente Código, decidir os incidentes...”.
4ª - Dificilmente se compreende que se consagre a necessidade de existir um despacho judicial a determinar o arrombamento da porta do imóvel, considerando os direitos e interesses legal e constitucionalmente contemplados e que tal decisão venha a ser proferida de forma tabelar.
5ª - Estando em causa uma fracção autónoma destinada a habitação importa ter presente a tutela conferida pela Constituição da República Portuguesa no seu artigo 34°, n° 2 que impõe a prévia autorização judicial para entrada no domicílio dos cidadãos, devendo esta ser realizada, designadamente cumprindo as formalidades prescritas no n° 5 do artigo 757° do CPC e, se necessário, ainda o disposto no artigo 861°, n° 6 do mesmo diploma.
6ª - A não audição do Ministério Público configura uma nulidade processual, nos termos dos artigos 98° do CPPT e do 195° do CPC e determina a anulação dos termos subsequentes ao acto omitido, nos termos do artigo 98°, n° 3 do CPPT.
7ª - Nestes termos, ao proferir decisão final no presente incidente, sem ordenar a audição do Ministério Público, foi violado, por erro de aplicação e de interpretação do direito, o disposto nos artigos 14°, n° 2 e 151°, n° 1 do CPPT.
8ª - Sendo que o MP pode sempre, para além de emitir parecer, promover diligências de instrução ou suscitar vícios não invocados pelos demais intervenientes processuais;
9ª - Dando provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida e determinando que seja proferida decisão, a fim de os autos prosseguirem os seus regulares trâmites, Vossas Excelências farão a costumada Justiça.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Sendo recorrente o MP, logo se colheram os Vistos dos Ex.mos. Juízes Conselheiros adjuntos, cabendo agora decidir.


FUNDAMENTOS
2. A decisão recorrida assentou nos factos seguintes:
1) Em sede do processo de execução fiscal n° 3549.2009/01227564 e apensos, instaurado contra A………………….., foi vendido, na modalidade de leilão electrónico, o imóvel designado por Fração autónoma designada pela letra V a que corresponde o 2 A para habitação, com a seguinte descrição 3 ASS, COZ, CB, CORRED, ARREC, VAR, com a área bruta privativa total de 110,00 m2, do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ……………… sob o artigo 9769, sito na rua ………….., ……… e ………. e rua ……….. ……., ………….., ………… ………….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o N 1618/19861231 - V, da mesma freguesia, com o valor patrimonial de € 74.790,00, adquirido por BANCO SANTANDER TOTTA, S.A., NIF 500.844.321, em 19 de Janeiro de 2016 - Cfr. fls. 8 e 8v dos autos.
2) Em 12.02.2016 deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra 2, um requerimento do adquirente do imóvel a solicitar a entrega do bem imóvel, recorrendo-se, se necessário, ao arrombamento - Cfr. fls. 9.

3.1. O Representante da Fazenda Pública requereu junto do TAF de Sintra, nos termos do disposto nos arts. 151º e 256º, nºs. 2 e 3 do CPPT, que se determinasse o arrombamento da porta e substituição da fechadura, para efectivar a posse do imóvel que foi vendido na execução fiscal nº 3549200901227564 e apensas, instaurada no 2º Serviço de Finanças de Sintra, e adquirido pelo Banco Santander Totta, S.A.
Alegando, além do mais, que em 13/6/2016 havia sido citada a executada, para no prazo de 30 dias proceder à entrega do dito imóvel, mas a mesma não se veio a concretizar.
A sentença, invocando o disposto nos arts. 256º, nºs. 2 e 3 do CPPT (aditados pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12), no nº 2 do art. 34º da CRP e nos nºs. 3 e 4 do art. 757º do CPC, veio a considerar o seguinte:
«...resultando do processo de execução fiscal apenso, além do mais, que:
- O ADQUIRENTE pediu a entrega do bem, nos termos do artigo 828° do CPC (cf. fls. 9 dos autos);
- Existem dificuldades na concretização da entrega do bem imóvel (fls. 11v dos autos);
- Não há conhecimento da existência de requerimentos de anulação da venda pendentes - facto que se extrai do teor dos documentos constantes dos autos e por consulta ao SITAF.
Conclui-se que nada obsta à requerida autorização para a entrega efectiva do bem adquirido em sede de execução fiscal, com recurso a autoridades policiais que concretizem decisão judicial de arrombamento de portas do imóvel e substituição da fechadura, do prédio urbano designado por (...)
Pelo exposto, e considerando o disposto nos artigos 757°, números 3 e 4, do CPC e 34°, n° 2 da CRP,
Autorizo o auxílio das autoridades policiais para proceder ao arrombamento da porta e substituição da fechadura para efectivar a entrega efectiva do bem imóvel com seguinte descrição, constante do auto de adjudicação a fls. 8v dos autos: Fracção autónoma designada pela letra (...)»

3.2. Discordando do assim decidido, recorre da decisão o Ministério Público, invocando nulidade processual decorrente da sua não audição, em violação do disposto nos arts. 14º, nº 2, 98° e 151º, nº 1 do CPPT e 195° do CPC.
E, adianta-se, desde já, assiste-lhe a razão legal.
Com efeito, conforme se dispõe nos arts. 14º, nº 2 e 121º, nº 1 do CPPT, o Ministério Público será sempre ouvido nos processos judiciais, antes de ser proferida a decisão final, sendo que, segundo o preceituado no nº 1 do art. 151º do CPPT, compete ao TT de 1ª instância, no âmbito da execução fiscal, decidir, além do mais, os incidentes que ali se suscitem, depois de ouvido o Ministério Público nos termos do disposto no CPPT.
E, aliás, como sublinha o recorrente, estando em causa fracção autónoma destinada a habitação sempre importaria, igualmente, ter presente a tutela conferida no nº 2 do art. 34º da CRP, impondo a prévia autorização judicial para entrada no domicílio dos cidadãos, devendo esta ser realizada, designadamente cumprindo as formalidades prescritas no n° 5 do art. 757° do CPC e, se necessário, ainda o disposto no art. 861°, n° 6 do mesmo código, tratando-se, portanto de omissão de formalidade prescrita pela lei e que, claramente, pelas apontadas razões, é susceptível de influir no exame e na decisão da causa, uma vez que o MP pode sempre, para além de emitir parecer, promover diligências de instrução ou suscitar vícios não invocados pelos demais intervenientes processuais.
Assim, no caso, a falta de audição do Ministério Público antes da decisão do presente incidente no âmbito da execução fiscal, consubstancia nulidade processual, nos termos dos citados arts. 14°, n° 2, 98° e 151º, nº 1, do CPPT e 195º do CPC, e tendo sido conhecida apenas com a notificação da sentença, foi tempestivamente invocada (cfr. art. 199º do CPC).
Impondo-se, consequentemente, a anulação dos termos do processo subsequentes ao acto omitido e que dele dependam absolutamente, incluindo, portanto, a sentença e posterior tramitação, bem como a baixa dos autos à instância para prosseguimento, conforme o acima exposto.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, determinar a anulação dos termos do processo subsequentes ao acto omitido, incluindo a sentença e posterior tramitação, bem como a baixa dos autos à instância para prosseguimento, conforme o acima exposto (nº 3 do art. 98° do CPPT).

Sem custas.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.