Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01442/21.3BELRA
Data do Acordão:02/02/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:DISPENSA
GARANTIA
DEVER DE COLABORAÇÃO
PROVA DOCUMENTAL
ÓNUS DE PROVA
Sumário:Perante a ausência de quaisquer meios de prova documental a suportar o requerimento de dispensa de garantia, nenhum dever de colaboração impende sobre a AT, podendo esta limitar-se a indeferir tal pedido.
Nº Convencional:JSTA000P28911
Nº do Documento:SA22022020201442/21
Data de Entrada:01/07/2022
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...........UNIPESSOAL, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal interposta por A…………, UNIPESSOAL, LDA, contra o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal n.º 13332019010394312 e outros, instaurados para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas fixadas em processos de contraordenação por falta de pagamento de taxas de portagens.
Apresenta as suas alegações de recurso com o seguinte conteúdo a fls. 151 a 163 do SITAF:
1 - O presente recurso vem interposto contra a douta sentença que julgou procedente por provada, a reclamação de actos do órgão de execução fiscal interposta por A…………, UNIPESSOAL, LDA., contra a decisão do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria, pela qual foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito dos autos.
2 – A douta sentença sustenta tal procedência no entendimento que a Administração Tributária deveria, ao abrigo do seu dever de colaboração e ao abrigo do princípio do inquisitório, solicitar documentação adicional ao contribuinte ou, em alternativa, encetar as diligências necessárias para o efeito, com vista ao cumprimento do défice instrutório de que o requerimento da recorrida padecia.
3 - Com a devida vénia, a Fazenda Pública não se pode conformar com tal decisão, considerando que existiu erro de julgamento em matéria de direito, na interpretação e aplicação do artigo 52º n.º 4 e artigo 74º n.º 1 e 2 da LGT e artigo 170º n.º 1 e 3 do CPPT, na medida em que não aplicou corretamente as regras sobre a distribuição do ónus de alegação e prova constante das referidas normas, pelo que deve a douta sentença ser revogada, e substituída por douto acórdão que negue provimento à reclamação.
4 - Considera a Autoridade Tributária que não está obrigada pelo princípio da colaboração e do inquisitório, ainda que o Contribuinte se disponibilize expressamente para prestar mais informações se solicitadas, a suprir oficiosamente as diligências impostas pela lei ao Contribuinte.
5 - Resulta pois do n.º 3 do artigo 170º do CPPT que o requerimento de dispensa da prestação de garantia deve ser fundamentado de facto e de direito, e instruído com a prova documental necessária
6 - Ora, é manifesto que o requerimento de dispensa de prestação de garantia apresentado pela Reclamante não estava devidamente fundamentado de facto, na medida em que omitiu bens, muito menos estava instruído com a prova documental necessária.
7 - O Tribunal recorrido partiu ainda do pressuposto que a Administração Tributária conhecia a situação patrimonial da Reclamante, por força do PER ou de outros processos, pressuposto que também não tem qualquer sustentação fática nos autos.
8 - É sobre a reclamante que recai o ónus da demonstração da verificação dos pressupostos de dispensa ou isenção de garantia, ficando a AT autorizada, caso logre demonstrar a existência de bens penhoráveis em nome da requerente, suscetíveis de serem oferecidos como garantia, a indeferir o pedido, sem necessidade de mais diligências.
9 – Igual entendimento é perfilhado no acórdão do STA, proferido no proc. 0289/20.9BEALM, datado de 04/11/2020, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
10 - É pois manifesto que a Reclamante não cumpriu com os seus ónus de alegação e prova dos requisitos de que depende a requerida dispensa da prestação de garantia, como não resulta inequivocamente dos autos que o OEF tivesse concreto conhecimento da situação patrimonial da
Reclamante.
11 - Com a devida vénia, contrariamente ao vertido na douta sentença recorrida, considera a Fazenda Pública que não se tratou de uma “mera existência de bens não oferecidos como garantia.”, tratando-se, outro sim, de uma verdadeira ocultação deliberada de parte considerável de bens imobiliários e viaturas automóveis totalmente desoneradas.
12 - Ora, o OEF só pode analisar o pedido de dispensa da prestação da garantia, depois de conhecer a real situação patrimonial da Reclamante, o que implica ter elementos concretos sobre a globalidade do património da Reclamante suscetível de penhora.
13 - Andou pois mal a douta sentença recorrida ao considerar que, para aferir ou não da insuficiência de bens para efeitos de prestação de garantia ou da sua dispensa, competia ao OEF o ónus de quantificar o património da Reclamante, desonerando, na prática, a Reclamante dos seus deveres legais.
14 - Mais errou a douta sentença, ao desvalorizar e desconsiderar a omissão da apresentação de bens por parte da Reclamante e da omissão de qualquer prova, designadamente, documental sobre a situação patrimonial da Reclamante.
15 - Por conseguinte, a douta sentença, ao decidir como decidiu, padece de erro de julgamento, fazendo errónea aplicação do direito, violando as disposições contidas nos artigos 52º n.º 4 e 74º n.º1 e 2 da LGT e 170º n.º 1 e 3 do CPPT, razão pela qual deve ser revogada.
16 - A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP.

I.2 – Contra-alegações
Não foram proferidas contra alegações no âmbito da instância.

I.3 – Parecer do Ministério Público
O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
“A Fazenda Pública vem interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 23 de Novembro de 2021, que julgou procedente a reclamação deduzida por A………… Unipessoal, Lda, ao abrigo do disposto no artigo 276º, do CPPT do despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Leiria que, no âmbito do processos de execução fiscal nº 1333201901901039423 e outros devidamente identificados.
Contra si instaurados para cobrança coerciva de dívidas de coimas fixadas em processos de contraordenação fiscal, no montante de €3.212.535,18, lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia (cf. fls. 117 a 139 do SITAF.
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, a Recorrente, invocando, erro de julgamento da matéria de direito, pretende com o presente recurso jurisdicional a revogação por este tribunal ad quem da, aliás, douta sentença proferida pelo tribunal a quo por entender haver errada interpretação e aplicação dos artigos 52º, nº 4 e 74º, nºs 1 e 2, da LGT e 170º, nºs 1 e 3, do CPPT.
Ora resulta expressamente da lei e é univocamente reconhecido pela jurisprudência que o âmbito do presente recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº 5 a 7 do CPPT e 635º, nº 4, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281º do CPPT.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer.
DO MÉRITO DO RECURSO
Está em causa nestes autos a douta sentença que deu provimento à reclamação apresentada pela Reclamante, ora Recorrida, contra o acto do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Leiria, que indeferiu o seu pedido de dispensa de prestação de garantia.
O pedido de dispensa de garantia deve ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do CPPT, que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT,
Pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido.
Isto, sem prejuízo de o tribunal tributário competente poder ser chamado, mediante solicitação de qualquer interessado, a sindicar a legalidade da actuação da Administração no âmbito desse pedido (cf. artigos 151.º, n.º 1, e 286.º, ambos do CPPT).
In casu, a Reclamante, ora Recorrida pediu a dispensa da prestação de garantia com fundamento na manifesta falta de meios económicos por não possuir bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido,
Alegando, em síntese, a inexistência de bens que possa oferecer em garantia.
Não apresentou quaisquer elementos de prova que fundamentassem a alegada insuficiência de bens.
A AT indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia com o fundamento de que a Executada, contrariamente ao que alegou, possuía bens que podiam servir o desígnio da prestação de garantia, Designadamente, cinco (5) artigos rústicos e um (1) urbano, trinta (30) veículos automóveis em regime de propriedade e onze (11) em locação financeira.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em sede de reclamação judicial, entendeu que essa decisão é ilegal, por violação dos princípios do inquisitório e da boa cooperação entre administração e contribuinte,
Já que se lhe impunha que, previamente à decisão, efectuasse diligências em ordem ao esclarecimento sobre o real valor desses bens, designadamente mediante solicitação de esclarecimentos à Reclamante, ora Recorrida.
Ora, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por melhor opinião, que o Tribunal a quo incorreu numa menos correcta interpretação da decisão por que a AT indeferiu o pedido:
Uma vez que tal decisão assentou não na falta de prova sobre o valor dos bens que integram o activo da Reclamante, ora Recorrida,
Mas sim da falta de prova por parte da mesma de uma situação de insuficiência de bens, reveladora de manifesta falta de meios económicos que lhe permitam garantir a dívida exequenda e o acrescido, nos termos do n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
Na verdade, a AT considerou que não ocorre a situação de manifesta falta de meios económicos porque a Executada pode oferecer como garantia os bens acima indicados.
Consequentemente, impor à AT que, em sede do procedimento de dispensa de prestação de garantia, diligencie oficiosamente no sentido de apurar o real valor de bens que a Executada não se propôs oferecer em garantia,
É fazer tábua rasa da obrigação de alegação e prova que o legislador pôs a cargo do executado que, em ordem à suspensão da execução fiscal, pretenda ser dispensado da prestação de garantia mediante a invocação de falta de condições económicas para a prestar.
Nesta conformidade, afigura-se-nos que o recurso merece provimento.
CONCLUSÃO
Termos em que, com os fundamentos expostos, deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida, julgando-se improcedente a reclamação.”
I.4 - Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
O tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
A. Em 11/11/2019 foi homologado o plano de revitalização da Reclamante, aprovado pelos respetivos credores, por decisão judicial proferida no âmbito do processo especial de revitalização que correu termos no Juízo do Comércio de Leiria sob o n.º 1150/19.5T8ACB. - (cf. doc. de fls. 22 a 26 dos autos).
B. Correm termos no Serviço de Finanças da Batalha contra a ora Reclamante, entre outros, os PEF n.º 1333201901039423, 1333201901039431, 1333201901039440, 1333201901039458, 1333201901039466, 1333201901039474, 1333201901039482, 1333201901039490, 1333201901039504, 1333201901039512, 1333201901039520, 1333201901039539, 1333201901039547, 1333201901039555, 1333201901039563, 1333201901039571, 1333201901039580, 1333201901039598, 1333201901039601, 1333201901039610, 3333201901039628, 1333201901039636, 1333201901052934, 1333201901052942, 1333201901052950, 1333201901052969, 1333201901052977, 1333201901052985, 1333201901052993, 1333201901053000, 1333201901053019, 1333201901053027, 1333201901053035, 1333201901053043, 1333201901053051, 1333201901053060, 1333201901053078, 1333201901053085, 1333201901053094, 1333201901053108, 1333201901053116, 1333201901053124, 1333201901053132, 1333201901053140, 1333201901053159, 1333201901053167, 1333201901053175, 1333201901052853, 1333201901052861, 1333201901052870, 1333201901052888, 1333201901052896, 1333201901052900, 1333201901052918, 1333203901052926, 1333202001000497, 1333202001000500, 1333202001000519, 1333202001000527, 1333202001000535, 1333202001000543, 1333202003000551, 1333202001000560, 1333202001000578, 1333202001000586,1333202001000594,1333202001000608,133320200100066,133320200100064, 1333202001000632,1333202001000640, 1333202001000659, 1333202001000667, 1333202001000675, 1333202001000691, 1333202001000047, 1333202001000063, 1333202001000071, 1333202001000080, 1333202001000098, 1333202001000101, 1333202001000110, 1333202001000128, 1333202001000136, 1333202001000144, 1333202001000152, 1333202001000160, 1333202001000179, 1333202001000187, 1333202001000195, 1333202001000209, 1333202001000217, 1333202001000225,1333202001000233,1333202001000241,1333202001000250,1333202001000268, 1333202001000276,1333202001000284, 1333202001000292, 1333202001000306, 1333202001000314, 1333202001000322, 1333202001000330, 1333202001000349, 1333202001000357, 1333202001000365, 1333202001000373, 1333202001000381, 1333202001000390, 1333202001000403, 1333202001000411, 1333202001000420, 1333202001000438, 1333202001000446, 1333202001000454, 1333202001000462, 1333202001000470, 1333202001000489, 1333202001000918, 1333202001002716, 1333202001002724, 1333202001002732, 1333202001002740, 1333202001002759, 1333202001002767, 1333202001002775, 1333202001002783, 1333202001002791, 1333202001002805, 1333202001002813, 1333202001002821, 1333202001002830, 1333202001002848, 1333202001002856, 1333202001002864, 1333202001002872, 1333202001002880, 1333202001002899, 1333202001002902, 1333202001002910, 1333202001002929, 1333202001002937, 1333202001002945, 1333202001002953, 1333202001002961, 1333202001002970, 1333202001002988, 1333202001002996, 1333202001003003, 1333202001003011, 1333202001003020, 1333202001003038, 1333202001003046, 1333202001003054, 1333202001003062, 1333202001007050, 1333202001007068, 1333202001007076, 1333202001007084, 1333202001007092, 1333202001007106, 1333202001007114, 1333202001007122, 1333202001007130, 1333202001007149, 1333202001007157, 1333202001007181, 1333202001007335, 1333202001007343, 1333202001007351, 1333202001007360, 1333202001007378, 1333202001007386, 1333202001007394, 1333202001009117, 1333202001009273, 1333202001010328, 1333202001010468, 1333202001010476, 1333202001010484, 1333202001010492, 1333202001010506, 1333202001010514, 1333202001010522, 1333202001010530, 1333202001022547, 1333202001022555, 1333202001022563, 1333202001022571, 1333202001022580, 1333202001022598, 1333202001022601, 1333202001022610, 1333202001022628, 1333202001022636, 1333202001022644, 1333202001022652, 1333202001022660, 1333202001022679, 1333202001022687, 1333202001022695, 1333202001022709, 1333202001022717, 1333202001022725, 1333202001022733, 1333202001022741, 1333202001022750, 1333202001022768, 1333202001022776, 1333202001022784, 1333202001022792, 1333202001022806, 1333202001033700, 1333202001033719, 1333202001033727, 1333202001033735, 1333202001033743, 1333202001033751, 1333202001033760, 1333202001033778, 1333202001033786, 1333202001040910, 1333202001040928, 1333202001040901, 1333202001040944, 1333202001040952, 1333202001040960, 1333202001040979, 1333202001040987, 1333202001040995, 1333202001041002, 1333202001041010, 1333202001041029, 1333202001041037, 1333202001041045, 1333202001041053, 1333202001041061, 1333202001041070, 1333202001041088, 1333202001041096, 1333202001041100, 1333202001041118, 1333202001041126, 1333202001041134, 1333202001041142, 1333202001041401, 1333202001041410, 1333202001041428, 1333202001041436, 1333202001041444, 1333202001041452, 1333202001041460, 1333202001041479, 1333202001041487, 1333202001041495, 1333202001041509, 1333202001041517, 1333202001041525, 1333202001041533, 1333202001041541, 1333202001041550, 1333202001041568, 1333202001041576, 1333202001041584, 1333202001041592, 1333202001041606, 1333202001041614, 1333202001041622, 1333202001041630, 1333202001041835, 1333202001041843, 1333202001041851, 1333202001041860, 1333202001041878, 1333202001041886, 1333202001041894, 1333202001040908, 1333202001041916, 1333202001040924, 1333202001041932, 1333202001041940, 1333202001041959, 1333202001041967, 1333202001041975, 1333202001041983, 1333202001041991, 1333202001042009, 1333202001042017, 1333202001042025, 1333202001042033, 1333202001042041, 1333202001042050, 1333202001042068, 1333202001042076, 1333202001042084, 1333202001042092, 1333202001042106, 1333202001042122, 1333202001042114, 1333202001042130, 1333202001042149, 1333202001042157, 1333202001042165, 1333202001042173 e 1333202001042181, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas fixadas em processos de contraordenação, com a quantia exequenda total de € 3.212.535,18. – (cfr. docs. de fls. 15 a 17 dos autos).
C. Em 20/01/2021 a Reclamante, com referência ao PEF n.º 1333202001032348, apresentou no Serviço de Finanças da Batalha requerimento com o seguinte teor:
(…)
Como é do V. conhecimento a A……… apresentou no juízo de comércio de Leiria um Plano Especial de Revitalização - PER (proc. N.º 1150/19.5T8ACB - juízo de comércio de Leiria-J1)
Apresentado o plano de recuperação e decorridas as negociações o mesmo veio a ser homologado por sentença de 11/11/2019 transitada em julgado em 3/12/2019.
No plano de recuperação aprovado encontra-se previsto um regime especial de pagamentos relativo aos créditos da Autoridade Tributária. (pagamento em 150 prestações mensais), plano que a A……… se encontra a cumprir.
Em janeiro de 2020 para cumprimento daquele PER a executada vai iniciar os pagamentos aos seus fornecedores o que irá sobrecarregar a sua tesouraria.
Ora, a executada pretende proceder ao pagamento daquela dívida mas não o consegue fazer de forma imediata.
Ora, o pagamento em prestações pode ser autorizado desde que se verifique que o executado, pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, como é o presente caso.
Nos termos do n.º 5 do art. 196.º do CPPT nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser deferido um plano prestacional de 60 prestações mensais, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta.
Ora, encontrando-se a executada em fase de recuperação, face ao PER, aprovado pela maioria dos seus credores e não tendo a mesma condições para o pagamento da divida em prazo inferior requer-se que seja aceite o pagamento da mesma em 50 prestações.
Sucede que a executada tem todo o seu património imobiliário já hipotecado, bem como a quase totalidade da sua frota onerada a favor da AT ou com reserva de propriedade.
E os poucos veículos que se encontram livres de ónus e encargos encontram-se atualmente parados, obsoletos e necessitam de ser desmantelados para sucata para que deixem de gerar encargos nomeadamente com o IUC.
Acresce que encontrando-se a executada em fase de implementação de PER é inviável a prestação de garantia bancária ou seguro caução porquanto não tem acesso a crédito bancário vindo-se assim impossibilitada de prestar garantia idónea.
No entanto nos termos do art.º 52.º n.º 4 da LGT a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
A actuação da executada no cumprimento dos planos prestacionais em curso permite concluir pela boa fé da mesma e do seu comprometimento com os pagamentos prestacionais, possibilitando igualmente um juízo de prognose favorável quanto ao cumprimento do plano prestacional que agora se requer.
Assim a elaboração de um plano prestacional relativo à divida exigível em processo executivo nos termos supra expostos torna-se indispensável para a continuidade da viabilibidade da empresa.
Termos em que se requer a V. exa. que seja deferido um plano de pagamentos em 60 prestações mensais com dispensa de prestação de garantia. (…).”. - (cfr. doc. de fls. 34 a 36 dos autos).
D. Em 19/01/2021 a Direção de Finanças de Leiria prestou a seguinte informação:
“(…) Requerido à luz do n.º 7 do artigo 196.º, o pagamento em prestações, da divida que se encontra a ser exigida no processo 1333202001032348 determinou o despacho proferido a 18.12.2020, pelo Chefe Divisão da Justiça Tributária o seguinte: "Face à informação que antecede e com os fundamentos nela aduzidos que se dão como integralmente reproduzidos, indefiro o pedido apreço, sem prejuízo, no entanto de ser requerido novo pedido de pagamento em prestações nos termos do n.º 5 do art.º 196.º do CPPT”.
Em 06.01.2021 do sobredito despacho notificada, em email de 15.01.2021 veio a executado aos autos, requerer o pagamento da divida em prestações, nos termos do n.º 5 do 196.º , e a isenção da prestação de garantia ao abrigo do n.º 4 do 52.º da LGT.
QUANTO AO PEDIDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES:
Prescreve o citado n.º 5 “Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta (Anterior n.º 6 - Renumeração da Lei n.º 534/2006, de 29/12)".
Como alega, a executada encontra-se em PER homologado em 11.11.2016, plano em que obteve a concordância da AT. E, assim, em reconhecidas dificuldades financeiras.
O valor em divida no processo de 103.357,33, excede as 500 unidades de conta.
E, autorizado que seja o seu pagamento em 60 prestações, de nenhuma delas resultará valor inferior a 10 unidades de conta.
Concomitantemente, quanto ao pedido de pagamento em prestações, reunidos os legais pressupostos para a sua autorização.
QUANTO AO PEDIDO DE ISENÇÃO DA PRESTAÇÃO DE GARANTIA:
Prescreve o n.º 4 do 52.º "A administração tributária pode, a requerimento do executado isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da divida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.” (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
A requerente/executada encontra-se em PER, manifestação clara da falta de meios económicos.
Tem o seu património já hipotecado ou onerado e adstrito à execução do PER, e inviabilizada a prestação das garantias bancárias ou seguro caução, a que alude o n.º 1 do 199.º.
Ao que acresce, o facto do legislador no intuito de viabilizar a recuperação dos devedores em dificuldades financeiras, ter pela Lei n.º 100/2017, de 28 de agosto) aditado ao artigo 199.º do CPPT, os seus nos 13, 14 e 15, com a ratio legis, da não criação de dificuldades acrescidas à recuperação dos devedores em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente. E nesses termos, por verificados quanto à requerente os requisitos do n.º 4 do 52.º, legalmente nada obsta, à concessão da isenção requerida isenção, que nos termos do n.º 5 do mesmo preceito, será valida durante o período em que esteja a ser cumprido o plano prestacional autorizado, o que proponho. (…).”. – (cf. fls. 40 dos autos).
E. Na mesma data, o Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Leiria sobre a informação descrita no ponto anterior proferiu despacho com o seguinte teor: “Concordo. Proceda-se conforme o proposto.”. – (cfr. fls. 38 dos autos).
F. Em 20/01/2021 a Direção de Finanças de Leiria endereçou à reclamante notificação do teor do despacho de deferimento do pedido de pagamento em prestações e da dispensa de prestação de garantia. – (cfr. doc. de fls. 37 dos autos).
G. Em 05/04/2021 deu entrada no Serviço de Finanças da Batalha requerimento da Reclamante no qual solicitava a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão dos PEF identificados no ponto anterior, no qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…) Os processos executivos supra identificados foram instaurados para cobrança de coimas, fixadas por alegada infração ocorrida em infraestruturas rodoviárias concessionadas, por falta de pagamento de taxas de portagem, prevista na Lei n.º 25/2006 de 30 de junho, cuja quantia exequenda e demais acrescidos ascende ao total de € 3.212.535,18.
A executada deduziu, nesta data, recursos judiciais contra as decisões de aplicação de coimas em cobrança coerciva, sendo que, nos termos do n.º 2 do art° 79° do RGIT, não pode haver lugar à cobrança coerciva se a decisão que aplicou a coima ainda não transitou em julgado, e havendo
recurso judicial, não poderá ser instaurada e tramitada a execução até à decisão final a proferir pelo tribunal de 1ª instância.
Acresce que a executada deduziu também nesta data oposição judicial com fundamento em inexigibilidade da dívida e demais acrescidos legais.
Oposição que constitui fundamento de suspensão da execução mediante a prestação de garantia, ou dispensa da sua prestação, nos termos dos art°s 169°, n ° 1 a 7 e 10, 170.° do CPPT e art.º 52º da LGT.
Como é do conhecimento do Serviço de Finanças, a executada apresentou no juízo de comércio de Leiria um Plano Especial de Revitalização - PER (proc. N° 1150/19.5T8ACB - juízo de comércio de Leiria- J1).
Apresentado o plano de recuperação e decorridas as negociações o mesmo veio a ser homologado por sentença de 11/11/2019, transitada em julgado em 3/12/2019.
No plano de recuperação aprovado encontra-se previsto um regime especial de pagamentos relativo aos créditos da Autoridade Tributária, (pagamento em 150 prestações mensais), plano este que a executada se encontra a cumprir desde janeiro de 2020.
Ora, sucede que a executada tem todo o seu património imobiliário já hipotecado, bem como a quase totalidade da sua frota onerada a favor da AT ou com reserva de propriedade. Acresce que, os poucos veículos que se encontram livres de ónus e encargos encontram-se atualmente parados, obsoletos e necessitam de ser desmantelados para sucata para que deixem de gerar encargos, nomeadamente com o IUC.
Por outro lado, encontrando-se a executada em fase de implementação de PER, é inviável a prestação de garantia bancária ou seguro caução, porquanto não tem acesso a crédito bancário, logo, está impossibilitada de prestar garantia bancária.
Em suma, os bens de que é possuidora já se encontram onerados ou o seu estado de uso e valor comercial não são idóneos e suficientes para constituir garantia, a que acresce o facto de a executada não ter acesso a crédito e garantias bancárias.
Nos termos do art.° 52°, n.º 4 da LGT a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
A atuação da executada no cumprimento dos planos prestacionais em curso permite concluir pela boa fé da mesma e do seu comprometimento com os pagamentos prestacionais. Os bens idóneos existentes já se encontram onerados e os que não estão onerados revelam-se inidóneos, sendo que a AT já é beneficiária dos ónus que impendem sobre o ativo da sociedade.
Por último, é de referir que à executada tem sido concedida dispensa de prestação de garantia solicitada em processos executivos cujo pagamento em prestações foi deferido. Ora, as condições económicas e patrimoniais da executada não se alteraram, mantendo-se as condições e pressupostos que presidiram às decisões anteriores que concederam dispensa de prestação de garantia. Pelo que, se encontram preenchidos os requisitos para proceder o pedido ora formulado.
Face ao exposto R. a V. Excia, com vista à suspensão dos processos executivos, até ao trânsito em julgado da oposição deduzida, requer-se a dispensa de prestação de garantia, nos termos do art.º 170.º do CPPT e art.º 52.º n.º 4 da LGT.
Contudo e caso se entenda que é exigível à executada juntar prova adicional da sua impossibilidade de prestação de garantia ou caso seja necessário aperfeiçoar os termos do pedido, desde já se requer, que ao abrigo do princípio da colaboração, venha a ser ordenada a sua notificação para, num prazo não inferior a 10 dias, apresentar e/ou aperfeiçoar o pedido.”. – (cf. doc. de fls. 27 a 31 dos autos).
H. Em 01/04/2021 deu entrada no Serviço de Finanças da Batalha petição inicial de oposição aos PEF n.º identificados em B., instaurada neste Tribunal com o n.º 439/21.8BELRA. - (cf. fls. 4 do processo n.º 430/21.4BELRA, facto alegado e do conhecimento oficioso do Tribunal).
I. Em 29/06/2021 a Direção de Finanças de Leiria elaborou informação no âmbito dos PEF identificados no ponto B, com o assunto Pedido de dispensa de prestação de garantia, e com o seguinte teor “(…)
Em 2021.04.05, pelo mandatário constituído nos autos, veio a executada A………., UNIPESSOAL - LDA - NIPC ……….., requerer a dispensa de prestação de garantia ao abrigo do 52° n° 4 da LGT e 170° do CPPT.
O requerimento, desacompanhado de qualquer prova, traz na essencialidade os fundamentos:
* Dos processos terem sido instaurados para cobrança de coimas;
* Da executada ter deduzido recursos judiciais contra as decisões de aplicação de coimas em cobrança coerciva, e também oposição judicial com o fundamento da inexigibilidade da divida, oposição que constitui fundamento de suspensão da execução mediante a prestação de garantia ou dispensa da sua prestação nos termos do 169° n° 1 a 7 e 10, 170° do CPPT e artigo 52° da LGT;
* De ter apresentado no Juízo de Comércio de Leiria um Plano Especial de Revitalização (PER), já homologado por sentença de 11.11.2019, com pagamento em 150 prestações mensais, que esta a cumprir;
* De ter todo o seu património imobiliário já hipotecado;
* A quase totalidade da sua frota se encontrar onerada a favor da AT, ou com reserva de propriedade;
* Dos poucos veículos livres de ónus ou encargos se encontrarem atualmente parados, obsoletos e a necessitarem de ser desmantelados, e de os idóneos existentes, já se encontrarem onerados;
* E de lhe ser inviável a prestação de garantia bancária ou seguro caução, por se encontrar em PER e não ter acesso a credito bancário.
- Requerimento concluído com os pedidos:
I. Da suspensão dos processos executivos, até ao trânsito em julgado da oposição deduzida, requer-se a dispensa de prestação de garantia nos termos do artigo 170° do CPPT e 52° n° 4 da LGT;
II. Contudo e caso se entenda que é exigível à executada juntar prova adicional da sua impossibilidade de prestação de garantia ou da seja necessário aperfeiçoar os termos de pedido, desde já se requer, que ao abrigo do princípio da colaboração venha a ser ordenada a sua notificação para, num prazo não inferior a 10 dias, apresentar provas e/ou aperfeiçoar o pedido.
DO PEDIDO E DO DIREITO APLICÁVEL:
Dispõe o n° 4 do 52° da LGT «A administração tributária, a requerimento da executada pode isentá-la da prestação de garantia, nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado».
A executada, doravante oponente, invoca o direito à isenção da prestação de garantia, pedido, que à luz do citado preceito, carece da objetiva verificação dos seguintes pressupostos:
a) que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável traduzida na diminuição dos proveitos resultantes da atividade desenvolvida peia executada, sendo este provocado pelos encargos financeiros impostos pela sua prestação;
Ou
b) a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis;
E, face à nova redação dada pelo artigo 225.° da Lei n° 42/2016 de 28 de dezembro, ao n.º 4 do artigo 52.° da LGT, quer o pedido se baseie no pressuposto a) ou b), desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, este sempre um pressuposto, de verificação necessária.
No caso em apreço:
O pedido vem com as alegações de ter todo o seu património imobiliário já hipotecado, a quase totalidade da sua frota onerada a favor da AT ou com reserva de propriedade, que os poucos veículos livres de ónus ou encargos estão atualmente parados, obsoletos e necessitam de ser desmantelados, de não ter acesso a crédito bancário, sendo-lhe inviável a prestação de garantia bancária ou seguro caução, por se encontrar em PER, e que os bens idóneos existentes já se encontram onerados.
A oponente:
Tem nas bases dados da AT, registados em seu nome, 5 artigos rústicos e 1 urbano, 30 veículos em regime de propriedade e 11 em locação, tudo património penhorável, e passível de constituir garantia.
Alega a existência de garantias já constituídas sobre parte do seu património, facto irrelevante, face à legal imposição, de todo o seu património constituir garantia da divida, no caso com o fito da suspensão de 565 processos executivos, sob escrutínio de oposição judicial.
Reconhece no seu pedido possuir património, ainda não dado em garantia.
E sem que previamente, sobre todo o seu património, haja constituído garantias, invoca o direito à isenção da sua prestação (74° n° 1 da LGT 342° do Civil), sem junção ao pedido, da prova necessária à verificação dos pressupostos de que depende o reconhecimento do seu direito (CPPT 170° n° 3).
E nesses termos, por ela não carreada para analise diferente prova, e constatando-se da informação disponível:
I. A existência de património registado em nome da oponente não dado em garantia;
II. O termino de contratos (locação), seguido de recente alienação de património, com inerente subtração de garantias.
Por não provados os pressupostos, nem preenchidas as condições, para a total dispensa da garantia, proponho, o indeferimento do pedido. (…)”. – (cf. fls. 20 a 23 dos autos).
J. Em 07/07/2021 o Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria apôs na informação referida no ponto antecedente despacho com o seguinte teor: “Face à informação e parecer que antecedem, constata-se que o executado possui outros bens, além daqueles que ofereceu como garantia. Neste contexto, a suficiência da garantia com eventual dispensa de parte só pode ser aferida, depois do executado apresentar como garantia a totalidade dos bens que fazem parte do seu património. Notifique-se.”. - (cf. fls. 20 dos autos).
K. Com data de 09/07/2021 a Direção de Finanças de Leiria remeteu à Reclamante notificação do teor do despacho descrito no ponto que antecede, rececionada em 13/07/2021. - (cfr. docs. de fls. 52 a 61 dos autos).
L. Em 26/07/2021 deu entrada no Serviço de Finanças da Batalha a petição inicial da presente reclamação. – (cfr. carimbo aposto na folha de rosto da petição inicial a fls. 3 dos autos).
Encontra-se ainda provado com interesse que:
M. Consta da nota de cobrança de Imposto Municipal sobre Imóveis remetida pela Autoridade Tributária e Aduaneira à Reclamante referente ao ano de 2020 a titularidade dos seguintes bens imóveis:


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II.2 – De Direito
I. Vem o presente Recurso interposto da douta sentença proferida pelo TAF de Leiria, a qual julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal interposta pela reclamante, ora recorrida – A…………, UNIPESSOAL, LDA - contra o indeferimento de pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 13332019010394312 e outros, instaurados para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas por falta de pagamento de taxas de portagem

II. A douta sentença recorrida julgou procedente a reclamação, determinando a anulação do despacho reclamado por ter considerado que “… compete à Administração a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa da Reclamante.”, tendo entendido que o despacho sindicado se encontrava substancialmente infundado, incorrendo em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ao interpretar de forma inadequada o regime previsto no artigo 52.º, n.º 4 da LGT.

III. Com a decisão judicial ora recorrida não se conforma a Fazenda Pública, ora Recorrente, considerando, em síntese, que “… mal andou a douta sentença recorrida ao considerar que, para aferir ou não da insuficiência de bens para efeitos de prestação de garantia ou da sua dispensa, competia ao OEF o ónus de quantificar o património da Reclamante, desonerando, na prática, a Reclamante dos seus deveres legais.”, e que, por conseguinte, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 52.º, n.º 4 e 74.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e o artigo 170.º n.º 3 do CPPT.

IV. Vejamos, então, se assiste ou não razão à Recorrente.
Olhando à seguinte passagem da sentença recorrida, a resposta pareceria, ao menos à primeira vista, claramente negativa: “Em termos de ónus probatório, quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente da dispensa de garantia que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa (Vide, designadamente, Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 05/07/2012, no âmbito do processo n.º 0286/12.)” (sublinhados nossos).
Tal aparência e correcção decorre do reconhecimento da jurisprudência dominante (arriscaríamos dizer, unívoca) que, a este respeito, se tem reiteradamente pronunciado; como se depreende, inter alia, dos seguintes acórdãos: - do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16 de Setembro de 2019, no âmbito do Processo n.º 254/19 (aliás, citado pela própria sentença recorrida) – “Considerando a nova redação do art.º 52º/4 LGT, o benefício da isenção fica dependente de dois pressupostos, a provar pelo Requerente, em alternativa: (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) falta de bens económicos para a prestar.” – da 2.ª Seção deste Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Novembro de 2020, no âmbito do Processo n.º 289/20 – “Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência.” - ou do Pleno da Secção Tributária deste Supremo Tribunal, de 17 de Dezembro de 2008, no Processo n.º 327/08 – “É sobre o executado que pretende a dispensa de garantia, invocando explícita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.” (disponíveis em www.dgsi.pt).
Trata-se, pois, de jurisprudência assente e uniforme nas várias instâncias da jurisdição fiscal, pelo que nada há a apontar à sentença recorrida neste segmento em que subscreve a mesma.

V. Porém, à medida que se progride na sentença, constata-se que, apesar da imaculada formulação teórica acima referida, verificam-se erros inultrapassáveis no ulterior processo subsuntivo, os quais vão inquinar irremediavelmente a mesma.
Com efeito, na leitura realizada pelo Tribunal a quo, conclui-se (se bem interpretamos a sentença recorrida) que a mera alegação da dispensa de garantia, acompanhada de uma solicitação à própria AT para que esta promova a junção ou solicite a junção pelo executado dos “elementos probatórios que considerasse relevantes” seria quanto bastava para cumprir o ónus probatório que impende sobre o executado (aqui Recorrido). E isto seria assim, mesmo num caso como o dos autos em que o executado (então Reclamante) “não junte quaisquer documentos” (sic). Donde, conclui a sentença: “contrariamente ao que lhe competia, a Administração Tributária não solicitou quaisquer informações à Reclamante a este respeito nem promoveu quaisquer diligências para apurar o valor de tais bens para efeitos de garantia”, pelo que decidiu julgar “procedente a reclamação e, em consequência, anul(ar) o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia impugnado”.
Ora, estas ilações não podem deixar de se considerar fundamentalmente erradas.

VI. É que, como este Supremo Tribunal já teve ocasião de esclarecer, o ónus probatório, mesmo quando de difícil concretização, não deixa de impender sobre quem invoca um direito, in casu, sobre o executado que invoca o direito à dispensa de prestação de garantia. E, assim, alguma espécie de prova documental a demonstrar os alegados requisitos de que depende a dispensa de garantia deveria ser, forçosamente, carreada para o requerimento então apresentado. Ora, como se reconhece na sentença recorrida, não foram juntos quaisquer documentos.
Perante isto, entendeu a sentença recorrida que ”Quer dizer, caso a AT entendesse que o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela Reclamante necessitava de ser instruído com documentação relativa aos imóveis e móveis existentes, deveria, ao abrigo do seu dever de colaboração com os contribuintes para a descoberta da verdade material, ao abrigo do princípio do inquisitório, por um lado, solicitar tal documentação adicional ao contribuinte ou, em alternativa, encetar as diligências necessárias para o efeito.” (sublinhados nossos). Assim, entendeu o Tribunal a quo que, por força de um dever de colaboração supostamente exigível no caso, o ónus probatório como que se transferia para os serviços da Administração Tributária, a quem caberia diligenciar a instrução do procedimento.
Mas entendeu incorrectamente.

VII. Quando, em tais circunstâncias, aquele sobre quem incumbe o ónus probatório não promove as devidas diligências probatórias suficientes – por muito rudimentares que sejam – tal não implica que passe a incumbir à Administração Tributária promover tais diligências ou complementar (ou promover que seja complementada) quaisquer provas, à luz do dever de colaboração a que está adstrita - até porque tal dever sempre seria recíproco e não se vê como possa ser exigido à AT colaborar com o executado quando este nem se digna a sustentar o requerimento de dispensa de garantia com “quaisquer documentos”.
Questão diferente, mas que apenas seria aquilatável casuisticamente, é a de indagar se a prova a exigir deve ser mais rudimentar ou mais robusta – entre outros, vd. o acórdão do Pleno da Seção deste Supremo Tribunal: “II – A eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, pois essa dificuldade de prova dos factos negativos em relação à dos factos positivos não foi legislativamente considerada relevante para determinar uma inversão do ónus da prova, como se conclui das regras do art. 344.º do CC. IV – Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes…” (disponível em www.dgsi.pt); mas esta questão – o grau de exigência da prova – é questão que aqui não se coloca: o requerimento em causa, pura e simplesmente, não se estribou “em quaisquer documentos”.

VIII. Assim, cabe esclarecer como importaria a AT atuar diante as características do caso concreto. E para responder às consequências decorrentes da absoluta ausência de suporte probatório documental no requerimento de dispensa de garantia, este Tribunal já se pronunciou, por mais do que uma vez, em termos que aqui importa recordar.
É o que sucede, cristalinamente, no Acórdão proferido no Processo n.º 718/14, de 3 de Setembro de 2014, onde se pode ler: “I - O art. 170º nº 3 do CPPT exige que com requerimento seja apresentada a prova que suporta o pedido de dispensa da prestação de garantia, pelo que, no caso de completa omissão de prova, a administração não está obrigada a chamar o requerente para a apresentar, seguindo-se o imediato indeferimento do pedido.
II - Já no caso de a parte ter cumprido, no momento próprio, o ónus de instrução, juntando os meios de prova que entendeu suficientes, a administração deve, no caso de entender o contrário, isto é, de entender que faltam documentos que na sua perspectiva são essenciais, convidar o requerente a juntar prova adicional ou complementar, isto é, convidá-lo a carrear para o procedimento os elementos de prova que considera em falta para o fim em vista.” ou, igualmente, no Acórdão lavrado no Processo n.º 1298/12, de 19 de Dezembro de 2012: “A lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o n.º 3 do artigo 170.º do CPPT), norma esta que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória, obriga, contudo, a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.” (disponíveis em www.dgsi.pt).
Em conclusão, importaria concluir, perante os dados do presente caso, que na ausência de quaisquer meios de prova documental a suportar o requerimento de dispensa de garantia, nenhum dever de colaboração impende sobre a AT, podendo esta limitar-se a indeferir tal pedido. Foi o que fez, muito correctamente.


III. CONCLUSÕES
Perante a ausência de quaisquer meios de prova documental a suportar o requerimento de dispensa de garantia, nenhum dever de colaboração impende sobre a AT, podendo esta limitar-se a indeferir tal pedido.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgar, consequentemente, totalmente improcedente a reclamação objecto dos autos, mantendo na ordem jurídica o despacho reclamado.

Custas pela Recorrida, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.


Lisboa, 2 de Fevereiro de 2022. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.