Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0942/11
Data do Acordão:04/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
LIQUIDAÇÃO DE CRÉDITOS GRADUADOS
Sumário:I - Nos termos do nº 2 do artº 247º do Código de Procedimento e Processo Tributário, e no regime anterior às alterações introduzidas pela lei nº55-A/2010, de 31 de Dezembro, como é o caso, a liquidação de créditos graduados e verificados é efectuada pelo tribunal onde corre o processo de execução fiscal, quando o processo a ele suba para efectuar a verificação e graduação de créditos.
II - De acordo com aquele normativo no caso de o tribunal tributário de 1.ª instância não poder efectuar a liquidação por não dispor dos elementos necessários, solicitá-los-á ao órgão da execução fiscal para que lhos forneça no prazo que fixar.
Nº Convencional:JSTA00067542
Nº do Documento:SA2201204190942
Data de Entrada:10/24/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:F... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF MIRANDELA DE 2011/02/29 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CCIV66 ART686 N1 ART687 ART822
CPPTRIB99 ART247 N2
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VIV PAG106.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – Banco A……, S.A., com os demais sinais dos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal do despacho do Mº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela proferido em 29.02.2011, despacho esse que indeferiu a reclamação por si apresentada por erro na liquidação dos créditos verificados e graduados por decisão de 31/10/2007 daquele Tribunal Administrativo e Fiscal.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. O B……, S.A. alterou a sua denominação social para Banco A……, S.A., em 22.12.2004, por motivo de fusão e incorporação com transferência global do património das sociedades Banco C……, S.A. e Banco D……, S.A. na Companhia Geral do B……, S.A. que passou a adoptar aquela denominação social, conforme se pode ver pela certidão permanente disponível na Internet sob o código 4532-4371-7056 www.portaldaemoresa.pt).
2. O aqui Recorrente reclamou os seus créditos, garantidos por hipoteca, tendo estes créditos sido liminarmente admitidos, não foram impugnados e foram julgados reconhecidos na sentença de graduação proferida a fls. ..., tal como foram reclamados.
3. Na sentença de graduação decidiu-se, e bem: “[e]m conformidade com o exposto, julgo reconhecer os créditos reclamados e as respectivas garantias reais e graduá-los entre si e com os exequendos para serem pagos pelo produto da venda do bem penhorado, da seguinte forma; [...] em segundo lugar, por ordem dos respectivos registos, os créditos garantidos por penhoras e por hipoteca, nos termos do artigo 868º, nº 1 e 822°, nº 1, do CC”.
4. A sentença proferida está correcta: reconheceu e graduou o crédito do aqui Recorrente em conformidade com a hipoteca que invocou - e que a sentença reconheceu. Esta sentença transitou em julgado e é irrecorrível, devendo, por isso, a liquidação do julgado ser estabelecida em conformidade com a sentença proferida.
5. Ora, o aqui Recorrente tinha hipoteca registada em primeiro lugar sobre a fracção que foi vendida nestes autos (hipoteca essa que, entretanto, foi cancelada nos termos do artigo 824° por força da venda ocorrida).
6. A hipoteca invocada pelo Banco Reclamante foi registada em 26.05.1995 sobre o prédio-mãe e está inscrita na Conservatória do Registo Predial sob a cota C-3, Ap. 05/260595, o que está doutamente reconhecido nos termos atrás descritos na sentença de graduação que transitou em julgado.
7. Se o crédito do aqui Recorrente não tivesse a garantida de hipoteca, nem sequer tinha sido reconhecido e graduado, pois, foi por causa da hipoteca existente que o Recorrente reclamou e o seu crédito foi reconhecido e graduado.
8. Certamente por lapso na interpretação ou leitura da referida certidão não se atendeu à hipoteca existente e anterior à penhora da Fazenda Nacional sobre o “prédio mãe”, uma vez que a referida hipoteca está registada sobre esse prédio-mãe e abrange a fraccão AK que foi vendida na execução fiscal.
9. Ou seja, a invocada hipoteca a favor do ex-B……, incidente sobre o prédio-mãe — é anterior à penhora F-1 da Fazenda Nacional.
10. Resultando da sentença de graduação que os créditos (à excepção da Contribuição Autárquica) são pagos de acordo com a ordem dos respectivos registos, o rateio efectuado assenta num lapso manifesto na leitura / interpretação da referida certidão, pelo que se requer a sua rectificação de forma a que os créditos do aqui Recorrente sejam pagos em segundo lugar, a seguir aos créditos por Contribuição Autárquica, por ser essa a ordem dos respectivos registos.
11. O despacho de que ora se recorre não olhou, simplesmente, para a certidão do prédio principal, tendo-se limitado a analisar a certidão da fracção vendida em execução fiscal.
12. E, por isso, erradamente conclui que não existe qualquer hipoteca a favor do Recorrente que possa ser invocada para fundamentar o pagamento com prioridade em relação às penhoras da Fazenda Nacional.
13. Mais refere o despacho de que se recorre que o Reclamante invoca a hipoteca e que esta se encontra definitivamente registada “mas não diz quando e não junta prova de tal inscrição no registo”, sendo certo que o momento para apreciar a existência da hipoteca do aqui Recorrente está ultrapassado! A hipoteca do aqui Recorrente e os respectivos créditos foram graduados e reconhecidos.
14. Aliás, se a convicção do tribunal fosse a de que o aqui Recorrente não tinha invocado a hipoteca, o crédito deste não deveria ter sido reconhecido - e foi!
15. De qualquer modo, a certidão predial comprovativa do registo da hipoteca a favor do aqui Recorrente já se encontrava junta aos autos de execução fiscal onde o Recorrente reclamou créditos, aliás na sequência de citação de credores que lhe foi dirigida, precisamente por ter hipoteca registada a seu favor.
16. Não está aqui em causa a discussão quanto à sentença de graduação e verificação de créditos, pois essa, de acordo com a lei, embora de uma forma vaga, gradua os créditos “de acordo com a ordem dos respectivos registos”.
17. Ora, o rateio não está de acordo com a sentença de graduação, porquanto não atende à ordem dos respectivos registos: não atende à hipoteca existente sobre o prédio de que faz parte a fracção vendida em execução fiscal.
18. Não se põe, portanto, em causa a sentença de graduação que está correcta e é irrecorrível, atento o trânsito em julgado; o que se põe em causa é a interpretação dessa sentença de graduação feita aquando do rateio elaborada pela secretaria, pois não atende à “ordem das respectivas registos”, desconsiderando a regista da hipoteca da aqui Recorrente.
19. Deve, portanto, o despacho proferido ser substituído por outro que ordene a rectificação da liquidação do julgado, passando a constar, em conformidade com a sentença de graduação, que o crédito do aqui Recorrente deve ser pago em segundo lugar, a seguir aos créditos de contribuição autárquica.»

II – Não foram apresentadas contra alegações.

III-O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido do provimento do recurso, argumentando, em síntese, que a invocação na decisão de indeferimento da reclamação de inexistência de prova de inscrição do registo da hipoteca é improcedente, na medida em que:
a) a graduação do crédito hipotecário pressupõe o seu registo sob pena de ineficácia, mesmo em relação às partes (art.687° CCivil)
b) a petição de reclamação do crédito vem acompanhada de cópia de contrato de abertura de crédito onde se identifica o registo da hipoteca (fls. 34)
c) do processo de execução fiscal apenso igualmente consta o registo da hipoteca, em cópia conforme ao original de todas as inscrições e averbamentos respeitantes à fracção autónoma penhorada (fls. 199)

IV – É o seguinte o teor do despacho recorrido (fls.123-124): «Notificado da conta de custas e liquidação do julgado vem Banco A……, SA - designação que resulta da fusão e incorporação, de entre outros, do B…… (B……) - deduzir a reclamação que consta a fls. 101ss dos presentes autos.
Mas não se afigura que tendo em consideração os elementos constantes dos autos, nomeadamente as certidões de registos de penhoras e de hipotecas, e é com esses que o juiz tem de decidir, que a liquidação do julgado pudesse ter sido outra. Veja-se que a certidão de fls 18 e 19 tem registos de duas penhoras a favor da FP em 16/05/00, registo de hipoteca a favor do CDSS de 09/03/01, registo de penhora a favor do E…… de 04/07/01 e registo de penhora a favor da FP de 12/10/01. Nada mais. Aliás, na sua reclamação de crédito, o B……, agora A……, invoca que a hipoteca se encontra definitivamente registada a favor do reclamante, mas não diz quando e não junta prova de tal inscrição no registo.
Pelo que se não afigura ter havido erro na elaboração da liquidação do julgado. Atender a reclamação do aqui reclamante Banco A…… seria atender a novos elementos de prova extemporaneamente apresentados e depois de se ter esgotado o poder jurisdicional do juiz. Seria reabrir a discussão da fase de verificação e graduação de créditos. Por isso, esgotado que está o poder jurisdicional do juiz e tendo em conta que inexiste erro na elaboração de julgado, impõe-se indeferir a reclamação deduzida, o que determino.
Em conformidade com o exposto, julgo indeferir a reclamação deduzida.
Notifique. D.N. »


V- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

A questão objecto do recurso consiste em saber se houve (ou não) erro na liquidação do julgado, resultante da verificação e graduação de créditos.
A recorrente não põe em causa a sentença de graduação e verificação de créditos (fls. 77 e segts), pois considera que está correcta sendo esta irrecorrível, atento ao trânsito em julgado, o que põe em causa é a liquidação dos créditos verificados e graduados. Isto porque, segundo alega, não atende “à ordem dos respectivos registos”, nomeadamente à hipoteca existente sobre o prédio de que faz parte a fracção vendida em execução fiscal.
Com efeito a recorrente, notificada da conta de custas e da liquidação de julgado subsequente à sentença de graduação de créditos proferida nos autos de reclamação de créditos nº 22/03, reclamou da mesma invocando que tinha hipoteca registada em primeiro lugar sobre a fracção vendida nos autos de processo de execução fiscal apensos, hipoteca essa registada em 26.05.1995 sobre o prédio-mãe, e portanto muito anterior ao registo da penhora da Fazenda Pública sobre a mesma fracção.
Juntou para o efeito certidão da Conservatória do Registo Predial de Vila Pouca de Aguiar (fls. 103 e segs).


Por sua vez, o tribunal a quo, no despacho recorrido, desconsiderou a certidão predial do prédio do qual faz parte a fracção vendida, apresentada pela recorrente na sua reclamação, por julgar tratar-se de um novo elemento de prova extemporaneamente apresentado.

Contra o assim decidido insurge-se a recorrente alegando que a certidão predial comprovativa do registo da hipoteca a seu favor já se encontrava junta aos autos de execução fiscal onde reclamou créditos, aliás na sequência de citação de credores que lhe foi dirigida, precisamente por ter hipoteca registada a seu favor. E que, consequentemente, o rateio não está de acordo com a sentença de graduação, porquanto não atende à ordem dos respectivos registos.

Vejamos.
Nos termos do nº 2 do artº 247º do Código de Procedimento e Processo Tributário, e no regime anterior às alterações introduzidas pela lei nº55-A/2010, de 31 de Dezembro, como é o caso, a liquidação de créditos graduados e verificados é efectuada pelo tribunal onde corre o processo de execução fiscal, quando o processo a ele suba para efectuar a verificação e graduação de créditos.
De acordo com aquele normativo no caso de o tribunal tributário de 1.ª instância não poder efectuar a liquidação por não dispor dos elementos necessários, solicitá-los-á ao órgão da execução fiscal para que lhos forneça no prazo que fixar.
Do exposto resulta que o tribunal, a quem incumbe fazer a conta do processo de verificação e graduação de créditos, bem como a liquidação destes, deverá solicitar à Administração Tributária, o envio dos elementos para tanto necessários (Vide, neste sentido, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. IV, pag. 106. ) .
No caso concreto, como vimos, o despacho objecto de recurso desconsiderou a certidão predial do prédio do qual faz parte a fracção vendida, apresentada pela recorrente na sua reclamação, por julgar tratar-se de um novo elemento de prova extemporaneamente apresentado.
Mas não andou bem aqui a decisão recorrida, incorrendo em manifesto equívoco, porque esses elementos já se encontravam juntos ao processo de execução fiscal, não havendo sequer necessidade de os solicitar.
Como salienta o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, a petição de reclamação do crédito vem acompanhada de cópia de contrato de abertura de crédito onde se identifica o registo da hipoteca (fls. 34), e, para além do mais, a graduação do crédito hipotecário pressupõe o seu registo sob pena de ineficácia, mesmo em relação às partes (art.687° CCivil)
Por outro lado, como também atentamente notam o Ministério Público e a recorrente, do processo de execução fiscal apenso constava já o registo da hipoteca, em cópia conforme ao original de todas as inscrições e averbamentos respeitantes à fracção autónoma penhorada (fls. 199)
Assim, constata-se da referida certidão, junta a fls. 196 e segs., que a hipoteca invocada pelo banco recorrente foi registada em 26.05.1995 sobre o prédio-mãe e inscrita na Conservatória do Registo Predial sob a cota C-3, Ap. 05/260595 (cf. fls. 199).
Por sua vez o registo das penhoras efectuadas pela Fazenda Nacional e incidentes sobre a fracção consta das quotas F-1 e F-2, naquela certidão, e data de 16.05.2000 (cf. fls. 197 v.)
Haverá, pois, que dar provimento ao recurso, já que o crédito da recorrente garantido por hipoteca registada em 26.05.1995 (inscrição C-3 Ap.05/260595- certidão fls. 105 e de fls. 196 e segs. do processo de execução fiscal) tem preferência no pagamento sobre o crédito da Fazenda Pública garantido por penhora registada em 16.05.2000 (inscrição F-1 Ap.03/160500- certidão fls.18/19 de fls. 196 e segs. do processo de execução fiscal), em conformidade com a graduação de créditos efectuada por sentença transitada em julgado e com o regime legal aplicável (arts.686° n°1 e 822° Código Civil)
O despacho recorrido, que assim não entendeu não pode, portanto, manter-se.

VI. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, e ordenar a reforma da liquidação do julgado, dando preferência no pagamento ao crédito hipotecário da recorrente, nos termos acima indicados.
Sem custas.
Lisboa, 19 de Abril de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Dulce Neto - Francisco Rothes.