Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01120/12
Data do Acordão:10/01/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO
CONCURSO
PROFESSOR-COORDENADOR
DIVULGAÇÃO DO SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO
Sumário:I - De acordo com o disposto no art. 03.º, n.º 2, do DL n.º 204/98, de 11.06, aos regimes de recrutamento do pessoal dos corpos especiais e das carreiras de regime especial aplicam-se os princípios e garantias consagrados no art. 05.º do mesmo diploma.
II - Tais princípios aplicam-se ao concurso para professor-coordenador regulado pelo [art. 26.º do DL n.º 185/81, de 01.07 - Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP) - na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 207/2009] e daí a necessidade de observância no mesmo da exigência de divulgação atempada dos critérios de seleção e ordenação dos candidatos, do sistema de classificação final [arts. 05.º, n.º 2, 27.º, n.º 1, als. f) e g), do DL n.º 204/98, e 16.º do ECPDESP].
Nº Convencional:JSTA00069356
Nº do Documento:SA12015100101120
Data de Entrada:12/03/2012
Recorrente:A............
Recorrido 1:INSTITUTO POLITÉCNICO DO PORTO - IPP E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL ESTATUÁRIO
Legislação Nacional:DL 204/98 ART5 ART26 ART27 ART2.
DL 185/81 ART16 ART26 ART27 ART28.
DL 207/09 ART29-A ART29-B.
DL 205/09 ART62-A N2.
CONST76 ART76 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC01140/06 DE 2007/11/13.; AC STA PROC0875/11 DE 2012/01/26.; AC TC 248/2010 DE 2010/06/17.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. A…………, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [«TAF/P»] a presente ação administrativa especial contra “INSTITUTO POLITÉCNICO DO PORTO” [«IPP»], “Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo do Porto” [«ESMAE»] e a contrainteressada B…………, todos igualmente identificados nos autos, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial, que fosse anulada a deliberação final de ordenação dos candidatos, tomada em 02.07.2007, pelo júri do concurso de provas públicas para recrutamento de um professor-coordenador do quadro daquela Escola, para a área científica de Música, na especialidade de piano, aberto por edital n.º 129/2006, publicado no DR II Série, n.º 58, de 22.03.2006.

1.2. O «TAF/P», por acórdão de 23.11.2010, julgou a ação procedente, anulou o ato impugnado e condenou os RR. «IPP» e «ESMAE» a procederem à reconstituição do concurso de provimento em referência.

1.3. Aqueles mesmos RR., inconformados, recorreram para o TCA Norte o qual, por acórdão de 10.05.2012, concedeu provimento aos recursos jurisdicionais, revogou a decisão recorrida, julgando a ação totalmente improcedente.

1.4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a A., agora inconformada com o acórdão proferido pelo TCA Norte, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 369 e segs.], no qual peticionou que o seu julgamento se fizesse no quadro do disposto no art. 148.º do CPTA, apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
...
Da fundamentação para a apreciação preliminar sumária de admissão do recurso (art. 150.º, n.º 5, do CPTA)
A) Podemos fixar como motivos de admissão dos recursos de revista excecional aceites, os seguintes (i) a evidência da existência de erro patente, manifesto, que inquine o Acórdão recorrido, (ii) as questões a dirimir envolvam a realização de operações exegéticas de particular dificuldades e (iii) o seu relevo social ultrapasse o caso concreto;
B) A questão dos autos trata da aplicação a um concurso por provas públicas para provimento de vaga para professor-coordenador no quadro de pessoal docente do Instituto Politécnico do Porto, regulado pelos arts. 26.º a 28.º do Decreto-lei n.º 185/81, de 1 de julho, das garantias (i) do exercício do direito de audiência prévia (art. 100.º e segs. do CPA), (ii) da atempada divulgação de (todos os) critérios de seleção e classificação final (art. 5.º do DL n.º 204/98, de 11/7) e (iii) do exercício do dever de fundamentação da deliberação final (art. 28.º do DL n.º 185/81, de 1 de julho e dos art. 124.º e 125.º do CPA);
C) O douto acórdão recorrido decidiu que nas provas públicas em juízo nos autos (provas públicas para provimento de vaga de professor coordenador (DL n.º 185/81, de 1/7), não se exige a aplicação dos princípios normativos da audiência de interessados, da atempada divulgação de (todos) os critérios de seleção e classificação final e do dever de fundamentação;
D) Quanto à audiência de interessados, tal entendimento colide com jurisprudência assente das instâncias superiores (v. por todos o Acórdão do TCA Norte, de 22/10/2009, Proc. n.º 1314/04.6BEBRG (www.dgsi.pt), Acs. STA de 02.06.2004 (Pleno) - Proc. n.º 01591/03, de 11.10.2007 - Proc. n.º 0274/07, de 10.09.2008 - Proc. n.º 065/08, 10.09.2009 - Proc. n.º 0940/08 (www.dgsi.pt/jsta)
E) No que concerne com a aplicação do princípio da atempada divulgação (de todos) os critérios de seleção e classificação final, o entendimento do douto acórdão recorrido colide com a jurisprudência mais recente exarada deste Supremo Tribunal, v. Acórdão de 26/1/2012, proferido no Proc. n.º 875/1l, e a muita jurisprudência, que nele se referencia;
F) Relativamente à questão do cumprimento do dever de fundamentação, mais do que divergência jurisprudencial, releva o erro patente, manifesto sobre a qualidade da fundamentação da nota designada por «justificativa» anexa à ata n.º 3, ata da 3.ª reunião do júri (cf. Doc. n.º 6 junto à p.i);
G) Pela divergência jurisprudencial, que ressalta das referências nos autos invocadas pelas partes e pelas próprias decisões tiradas nas duas instâncias, quanto às três questões de direito, (i) a audiência de interessados, (ii) a obrigação da atempada divulgação dos critérios de seleção e classificação final, e (iii) o grau, a densificação e a qualidade de fundamentação, no âmbito de provas públicas em cumprimento do art. 28.º do DL n.º 185/81, não parece permitir dúvidas sobre a pertinência da admissão deste recurso de revista, pelos critérios ínsitos à dificuldade intrínseca das operações de interpretação e aplicação de direito;
H) Tratando-se, de resto, de questão que pode vir a ser colocada, nos seus contornos mais genéricos, noutros casos em que se esteja perante concursos com prestação de provas públicas para provimento de lugares, quer no âmbito da carreira docente politécnica (v. ex. art. 5.º, n.ºs 9 e 10 do Decreto-lei n.º 207/2009, de 31/8, Decreto-Lei n.º 206/2009 - regime do título de especialista), quer no âmbito mais alargado na Administração Pública, o que tudo evidencia a relevância jurídica da questão em apreço;
I) Acresce, como se demonstrará o erro patente, manifesto, quanto à apreciação do douto acórdão recorrido sobre a suficiência da fundamentação contida na nota justificativa;
J) Concluindo-se pela verificação dos três pressupostos exigidos e aceites pelo STA para admissão do recurso de revista excecional (art. 150.º do CPTA), nas três concretas questões de direito supra enunciadas;
Das questões de Direito
Quanto à falta de audiência prévia
K) Na tramitação procedimental desta modalidade de concurso, está consignada no n.º 3 do art. 28.º que: Da reunião do júri (para decisão final) será elaborada ata, donde constarão, obrigatoriamente, um resumo das provas realizadas, os pareceres fundamentados dos respetivos arguentes e o resultado da votação efetuada;
L) Não havendo audiência prévia dos interessados, estes não podem, antes da decisão final tomar posição sobre a idoneidade do resumo das provas realizadas, nem contraditar o teor dos pareceres fundamentados dos respetivos arguentes, que necessariamente condicionaram a votação de cada membro do júri e consequentemente o resultado final;
M) O tribunal só pode recusar efeito invalidante à omissão da formalidade prevista no art. 100.º do CPA se o ato tiver sido proferido no uso ou exercício de poderes vinculados e se puder, num juízo de prognose póstuma, concluir, com total segurança, que a decisão administrativa impugnada era a única concretamente possível;
N) A audiência dos interessados prevista no CPA não será aplicável aos procedimentos especiais formalizados preexistentes a título subsidiário mas sim diretamente em virtude de a mesma corporizar um princípio jurídico geral;
O) Estando em causa um princípio constitucionalmente vinculante, não se entende por que o concurso de provas públicas está dispensado de tal exigência procedimental, devendo-se, ao contrário do decidido no douto acórdão recorrido considerar-se procedente a alegação do vício de forma de preterição de audiência dos interessados;
Quanto à falta de atempada divulgação de todos os critérios de seleção e classificação final (art. 5.º do DL n.º 204/98, de 11/7)
P) As teses que se digladiam neste recurso têm a ver, com a aplicação ou não, aos concursos de provas públicas para recrutamento de professores coordenadores, previstos no ECDESP, das garantias prescritas no artigo 5.º, n.º 2, do DL n.º 204/98 de 11.07;
Q) A tese do acórdão recorrido foi construída à volta da teoria de que o tipo de concurso dos autos, um chamado concurso de provas públicas, não permitia qualquer objetivação prévia que consentisse o estabelecimento de critérios de avaliação e um sistema de classificação final;
R) O concurso (art. 26.º do Estatuto) obrigava à apresentação de uma lição (a), de uma dissertação (b) e à Apreciação e discussão do currículo científico e pedagógico do candidato (c);
S) Não se trata, portanto, de um puro concurso de provas públicas, mas antes de um concurso misto: de provas públicas (apresentação da lição e da dissertação), por um lado, e documental (apreciação e discussão dos curricula dos candidatos), por outro (v. Acórdão do STA, de 26/1/2012, Proc. n.º 875/11, que a seguir se segue muito de perto);
T) À luz do art. 27.º, n.º 1 do DL n.º 204/98, de 11 de junho, e sob pena de violação do princípio da imparcialidade administrativa, a fixação dos critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular, bem como do sistema de avaliação final, incluindo a respetiva fórmula classificativa, deve ser feita em momento anterior ao conhecimento (real ou possível), pelo júri, da identidade dos candidatos e, consequentemente à abordagem dos respetivos currículos;
U) O princípio da divulgação atempada dos métodos de seleção a utilizar e do sistema de classificação final não foi respeitado no concurso em apreço nos autos, porquanto já muito após o termo do prazo de apresentação de candidaturas, o júri, entretanto na posse de todos os elementos exigidos no Edital, apresentados pelos candidatos, na 2.ª reunião de 28 de maio de 2007, estabelece um conjunto de critérios, para além dos que estão na lei e no edital, pontuando a Análise do Currículo, A Prova de Defesa do Currículo e a Lição;
V) Mas, não se bastando com a imposição destas novas regras de avaliação e classificação, o júri alterou, também nesta reunião, o método de apresentação da lição e da apreciação e discussão do currículo científico e pedagógico;
W) Deve assim ser revogado o douto acórdão recorrido, procedendo o entendimento aqui alegado, com suporte em ampla jurisprudência deste douto Supremo Tribunal, no sentido de que a introdução de critérios e a alteração de métodos de avaliação e classificação após o conhecimento dos curricula dos candidatos, é violador dos princípios da imparcialidade e da igualdade de oportunidades constantes no art. 5.º do DL n.º 204/98, de 11 de julho, aplicável ao concurso em causa, considerando que tais princípios e normativo são aplicáveis por inteiro no concurso por provas públicas como o prescrito e regulado nos art. 26.º a 28.º do ECPDESP (versão de 1981);
Quanto à falta de fundamentação
X) Determina o art. 28.º do DL n.º 185/81, de 1 de julho que da reunião do júri para decisão final será elaborada ata, donde constarão, um resumo das provas realizadas, os pareceres fundamentados dos respetivos arguentes e o resultado da votação efetuada;
Y) Julgou bem o Tribunal de 1.ª instância e andou mal o douto acórdão recorrido que ao invocar em defesa da sua decisão, incorreu num erro manifesto ao não ter em devida conta que tal fundamentação além de nada explicitar sobre a motivação e o concreto processo lógico-dedutivo e comparativo entre os candidatos dos membros do júri para chegar a tal apreciação, desrespeitou os próprios parâmetros de pontuação, quantificação e fundamentação a que se tinham vinculado na 2.ª reunião;
Z) Parece evidente, patente, que a fundamentação constante da Nota Justificativa, não cumpriu minimamente o desiderato exigido em termos da qualidade e densidade da fundamentação exigíveis;
AA) É assim, ao contrário do decidido no douto acórdão recorrido, a fundamentação, deficiente e como tal equivalente a falta de fundamentação, estando assim o ato impugnado inquinado de vício de forma (art. 124.º e 125.º do CPA e art. 28.º do DL n.º 185/81);
BB) Está assim inquinando o douto acórdão recorrido de erro de julgamento sobre os vícios invocados pela recorrente - falta de audiência prévia, falta atempada de divulgação de todos os critérios de avaliação e classificação dos candidatos e falta de fundamentação, pelo que deve ser revogado procedendo o presente recurso, nas três questões de direito suscitadas …”.

1.5. Devidamente notificados apenas os RR., «IPP» e a contrainteressada supra identificada, aqui ora recorridos, vieram produzir contra-alegações [cfr., respetivamente, fls. 445 e segs. e fls. 449 e segs.] nas quais pugnaram pela inadmissibilidade do recurso ou se assim não for julgado, então, pela sua improcedência, sendo que apenas o R. «IPP» apresentou quadro conclusivo nos termos seguintes:

A) Não malbaratando o tempo de Ilustres Juízes Conselheiros importará ser breve claro e conciso na presente contra-alegação.
B) Salvo melhor entendimento, a Recorrente esgrime a mesma argumentação apresentada já ao Tribunal Central Administrativo do Norte, nada apresentando de novidade.
C) Por falta de reunião das condições necessárias ao Recurso de Revista, estará em crise a admissibilidade do presente Recurso interposto, pelo que a Recorrente terá feito uma má interpretação e aplicação do disposto no art. 150.º CPTA.
D) Na tramitação seguida (DL 185/81, de 01.07) no ajuizado concurso de provas públicas (com similitudes com uma prova de exame) não há violação da lei substantiva ou processual aplicada ao concurso de provas públicas para professor coordenador.
E) Ainda, e por outro lado, na decisão objeto de recurso e proferida pela segunda instância, não está em causa a apreciação de uma questão que se revista de uma importância fundamental.
F) Tão pouco é claramente necessária a admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, no caso sub judice (com similitudes com uma prova de exame).
G) Sem prescindir, a aqui Recorrente não alega factos aos quais seja aplicável as conclusões que alega, antes discutindo o direito e omitindo factos.
H) O ajuizado concurso de provas públicas (com similitudes com uma prova de exame), tem regulamentação própria (DL 185/81), específica e especial, não sendo aplicável o art. 100.º do CPA nem o DL 204/98.
I) O Ac. do TCA Norte de 22.10.2009, no proc.º 1314/04.6BEBRG, citado pela Recorrente, diz respeito ao «indeferimento de pedido de licenciamento do aditamento apresentado do prolongamento do beiral do telhado».
J) O Ac. do STA de 02.06.2004 (Pleno), no proc.º 01591/03, citado pela Recorrente, diz respeito a concurso internacional de execução de trabalhos no âmbito da emergência, busca e salvamento, socorro e apoio a populações e de combate a incêndios florestais, a efetuar por meios aéreos.
K) O Ac. de 11.10.2007, no proc.º 0274/07, citado pela Recorrente, respeita ao encerramento de oficina automóvel.
L) O Ac. de 10.09.2008, no proc.º 065/08, citado pela Recorrente, diz respeito a pedido de licenciamento da operação de loteamento do prédio misto, sito na Quinta da Fonte, Câmara Municipal de Loures.
M) O Ac. de 10.09.2009, no proc.º 0940/08, citado pela Recorrente, diz respeito a licenciamento de «Regularização de troço de um afluente da Ribeira de Outorela para a construção da Via Longitudinal Norte - Carnaxide - Oeiras».
N) Termos em que bem andou o Douto Tribunal «a quo» cuja decisão não merecerá reprimenda.
O) Efetivamente, com similitudes com uma prova de exame não haverá forma mais direta e profunda de a Recorrente participar na formação da decisão sobre a sua classificação, do que as provas públicas (pág. 10 do recorrido Acórdão).
P) Termos em que bem terá andado a recorrida decisão, sustentando-se em fundamentação já publicada pelo TCAN - Ac. 00062/04, de 10.03.2005 (cfr. pág. 9 do Acórdão recorrido).
Q) Antes de mais importará notar nos FACTOS FIXADOS EM 1ª INSTÂNCIA (e com interesse para os autos) - cfr. pág. 4 e ss. do recorrido Acórdão:
«1. No dia 28 de maio de 2007, teve lugar a primeira reunião do júri para análise das candidaturas apresentadas tendo deliberado a admissão de todas - cfr. Doc. n.º 3 junto com a p.i..
2. No mesmo dia, teve lugar a segunda reunião do júri para definição da metodologia e calendarização das provas, bem como dos critérios para a apreciação das mesmas - cfr. Doc. n.º 4 junto com a p.i., que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. Com data, também de 28 de maio, o júri deu conhecimento aos candidatos de uma nota de esclarecimento sobre o modo como seria apresentada a lição e de como se efetuaria a apreciação e discussão do currículo científico e pedagógico do candidato - cfr. doc. 5 junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - cfr. pág. 5 do recorrido Acórdão».
R) Fica, assim e salvo melhor opinião, patenteada a falta de razão da alegação da Recorrente (conclusões P, Q, R, S, T, U, V, W).
S) Sem prescindir, a Recorrente não alega factos dos quais seja possível extrair a maioria das conclusões que deduz, não tendo havido violação do disposto no art. 16.º, n.º 3 do ECPDESP.
T) De notar, ainda, que «é da apresentação e discussão pública das respetivas provas que emergem os fundamentos da avaliação e os argumentos para a ordenação» - cfr. Acórdão do TCAN de 14.9.07, proc. 339/02, pág. 14 do recorrido Acórdão.
U) Ainda, «entre os métodos de seleção previstos no âmbito do DL 204/98, não se encontra nenhum capaz de propiciar a discussão ampla, solene, transparente, diversificada e profunda que caracteriza as ‘provas públicas’» - cfr. Acórdão do TCAN 00062/04, de 10.03.2005, citado na decisão recorrida, pág. 9 e 10.
V) Tão pouco, a Recorrente estabelece a causalidade direta necessária e adequada entre os factos e as conclusões que enumera de forma insustentável, atendendo a que as provas públicas foram efetuadas de forma aberta, exposta e contraditória.
W) Conclusivamente, no concurso de provas públicas com similitudes com uma prova de exame, foi o próprio legislador que regulou e previu um quadro legal específico e que, prosseguindo tais princípios e garantias, o fez adequando-se às necessidades particulares do recrutamento deste tipo de docentes - cfr. Ac. TCAN de 30.06.2005, Rec. 76/02, Coimbra e Ac. TCAN de 04.01.07, Rec. 739/04.1 BEPRT.
X) Dispõe o art. 18.º do ECPDESP: «Dos editais dos concursos de provas públicas para recrutamento de Professores-adjuntos nos termos do n.º 2 do artigo 7.º deverá constar, além dos elementos referidos nas alíneas a,), b) e c) do número anterior e de outros julgados pertinentes pelos conselhos científicos das escolas interessadas, a indicação do número de exemplares do estudo a propor pelo candidato, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 25.º».
Y) Legalmente, não é aplicável ao concurso de provas públicas o art. 5.º do DL 204/98, sobre o regime de recrutamento e seleção do funcionalismo público, em geral.
Z) A disposição legal do ECPDESP - art. 18.º -, vem omitida pela, aqui, Recorrente, cuja intencionalidade não estará fora de alcance.
AA) O ECPDESP é lei especial relativamente à Lei-Quadro da Função Pública, isto é, o DL 184/89, bem como é lei especial relativamente ao diploma para a seleção, em geral, do pessoal para a função pública, isto é, o DL 204/98.
BB) «Assim, não podem, em tese, ser considerados violados os princípios da imparcialidade, legalidade e transparência da atuação administrativa pelo facto de o júri ter deliberado sobre a ordenação dos candidatos admitidos sem prévia divulgação de métodos de seleção e critérios de avaliação objetivos» - cfr. pág. 14 do recorrido Acórdão.
CC) «Esses princípios impõem ao júri do concurso de provas públicas para a categoria de professor-coordenador do ESP uma atuação legal pautada pela igualdade e imparcialidade no tratamento dos diversos candidatos admitidos, mas a observância de tais princípios terá de ser por ele realizada dentro dos parâmetros do poder que lhe é conferido por lei» - cfr. pág. 14 do recorrido Acórdão.
DD) «E perante o poder discricionário de avaliação que lhe é atribuído, a reserva da função judicial não poderá ir muito além da sindicância de eventual erro manifesto de apreciação, de aplicação de critério manifestamente inadequado, ou de desvio de poder - pendendo sobre o Recorrente o ónus de aduzir factos concretos que permitam o controlo excecional dos juízos de valor formulados» - cfr. pág. 14 do recorrido Acórdão.
EE) No que à falta de fundamentação se refere e salvo o devido respeito, a Recorrente não alega factos dos quais seja suscetível extrair as conclusões que produz.
FF) Em boa verdade, limita-se a invocar «frases vagas, genéricas … juízos de valor” às quais não é suscetível de ser aplicado o direito.
GG) À míngua de inexistente factualidade, fica prejudicado o direito do Recorrente impugnar ou rebater o entendimento que da mesma decorre para a Recorrente.
HH) Sem prescindir e nos termos do recorrido Acórdão, «atentos os contornos da regulação deste concurso, resulta que a fundamentação da classificação final dos candidatos ter-se-á de circunscrever aos pareceres fundamentados dos respetivos arguentes (art. 28.º, n.º 3 do ECDESP)» - pág. 17.
II) Ora, «analisando esses pareceres (ver pontos 3 e 4 do provado, e folhas 9 a 11, 14 a 16 e 20 a 25 do P.A.), impõe-se concluir que, tanto quanto se mostra ser possível neste tipo de concurso de provas públicas, com temas de lição e dissertação muito variáveis, eles se mostram fundamentados de forma suficiente. Os qualificativos utilizados são praticamente incontornáveis neste domínio» - pág. 17.
JJ) Termos em que, salvo melhor e Douta opinião, não merecerá reprimenda o recorrido Acórdão que deverá manter-se, assim se fazendo JUSTIÇA …”.

1.6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 08.11.2012, veio a ser admitido o recurso de revista, considerando-se, nomeadamente, que o acórdão recorrido entendeu que “… é de concluir que as questões que a Recorrente pretende ver tratadas implicam operações exegéticas de alguma dificuldade, como é o caso, em especial, da questão atinente com o violação do princípio da audiência dos interessados, acolhido no artigo 100º do CPA, preceito que o Acórdão recorrido entendeu não ser de aplicar, já que, na sua ótica, o concurso em causa, envolvendo a prestação de provas públicas, teria um formalismo idêntico às provas de doutoramento quanto à avaliação não fazendo, por isso, sentido o cumprimento do questionada norma legal e, consequentemente, da audiência dos interessados, acrescentando, ainda, o TCA, que o DL 185/81, de 1/7, não prevê tal formalismo de audiência, não sendo esta «aplicável aos procedimentos especiais formalizados preexistentes que do seu espírito e natureza não o contemplem» - cfr. fls. 348 -, questão que, convenhamos, passa pela realização de operações exegéticas de alguma complexidade, sendo que, por outro lado, tal questão pode vir a ser colocada num número indeterminado de outros casos, o que tudo reclama a intervenção clarificadora deste STA no quadro do recurso de revista, atenta a sua relevância jurídica …”.

1.7. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e revogação do acórdão recorrido [cfr. fls. 493/496], sendo que esta pronúncia objeto de contraditório não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 497 e segs.].

1.8. Por despacho do Exmo. Juiz Conselheiro Presidente deste Tribunal foi indeferido o pedido de julgamento ampliado do recurso nos termos do art. 148.º do CPS [cfr. fls. 503/503 v.].

1.9. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir em Conferência.


2. DAS QUESTÕES A DECIDIR
No essencial, constituem objeto de apreciação nesta sede os invocados erros de julgamento apontados à decisão judicial recorrida por, no entendimento da recorrente, o julgado haver incorrido em incorreta interpretação e aplicação do disposto, nomeadamente, nos arts. 05.º, 26.º e 27.º, todos do DL n.º 204/98, de 11.07, [diploma onde se procedia à definição do concurso como forma de recrutamento e seleção de pessoal para os quadros da Administração Pública, bem como se fixaram os princípios e garantias gerais a que o mesmo deveria obedecer], 26.º a 28.º do DL n.º 185/81, de 01.07 [diploma que veio disciplinar Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico - vulgo «ECPDESP»] [quanto à falta de atempada divulgação de todos os critérios de seleção e classificação final], nos arts. 100.º do CPA [quanto à preterição do direito de audiência] e nos arts. 124.º, 125.º do CPA e 28.º do ECDESP [quanto à falta de fundamentação] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) Por Edital n.º 129/2006, publicado no DR II série n.º 58, de 22.03.2006 foi aberto, pelo Presidente do Instituto Politécnico do Porto, concurso de provas públicas para provimento de uma vaga de professor coordenador do quadro da Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo daquele Instituto, para a área científica de Música, na especialidade de Piano - cfr. doc. n.º 01 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
II) Por Edital n.º 437/2007, publicado no DR, II série, de 28.05.2007, foi alterada a constituição do júri que havia sido publicitada por edital n.º 303/2006, publicado no DR n.º 130, II série de 07.07.2006 - cfr. doc. n.º 02 junto com a p.i..
III) No dia 28.05.2007, teve lugar a primeira reunião do júri, para análise das candidaturas apresentadas tendo deliberado a admissão de todas - cfr. doc. n.º 03 junto com a p.i..
IV) No mesmo dia, teve lugar a segunda reunião do júri, para definição da metodologia e calendarização das provas, bem como dos critérios para a apreciação das mesmas - cfr. doc. n.º 04 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
V) Com data, também de 28.05, o júri deu conhecimento aos candidatos de uma nota de esclarecimento sobre o modo como seria apresentada a lição e de como se efetuaria a apreciação e discussão do currículo científico e pedagógico do candidato - cfr. doc. n.º 05 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
VI) A Autora, no dia 05.07.2007 apresentou as suas últimas provas, ficando concluída nesse dia a realização das provas de todos os candidatos.
VII) Por ofício datado de 06.09.2007, a Autora foi notificada pelo presidente do júri da ata da 3.ª reunião do júri, datada de 5 de julho de 2007, com o resultado das votações e da ordenação final dos candidatos - cfr. doc. n.º 06 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
VIII) A ordenação final dos candidatos foi a seguinte: B…………; A………… e C………….
IX) Por requerimento datado de 17.09.2007 dirigido ao Presidente do júri do concurso, a A. requereu que fosse dado “... cumprimento ao disposto no Código de Procedimento Administrativo notificando a requerente, em sede de AUDIÊNCIA PRÉVIA, do projeto de decisão e consequente fundamentação sobre o resultado final do concurso, …, decorrente da sessão do passado dia 5 de julho de 2007, a fim de sobre ela se pronunciar nos termos legais” - cfr. doc. n.º 07 junto com a p.i..
X) Por ofício datado de 26.09.2007, o presidente do júri remeteu a seguinte resposta: “Em resposta ao requerimento identificado em epígrafe, venho esclarecer V.ªs Ex.ªs que é entendimento do IPP, e, por consequência, da ESMAE, que a formalidade de «audiência de interessados» prevista nos artigos 100.º e 103.º do CPA e no artigo 38.º do DL n.º 402/98, de 11 de julho, não é aplicável aos concursos de provas públicas para recrutamento de professores coordenadores do Ensino Superior Politécnico, objeto do procedimento especial regulado pelo DL n.º 185/81, de 1 de julho …” - cfr. doc. n.º 08 junto com a p.i..

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3.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões que constituem objeto de recurso, começando, previamente, pelo conhecimento do fundamento relativo ao erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto nos arts. 05.º, 26.º e 27.º, todos do DL n.º 204/98 [diploma aplicável e que disciplina a situação em presença, mas que foi, entretanto, revogado, pela Lei n.º 12-A/2008, de 27.02 (art. 116.º) e onde se estabeleceram os novos “regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas”], 26.º a 28.º do ECPDESP [falta de atempada divulgação de todos os critérios de seleção e classificação final], já que o mesmo, localizando-se em momento inicial do procedimento, goza, na sua análise, de precedência quanto aos demais fundamentos recursivos, tanto mais que a sua verificação e os efeitos daí advenientes, em termos de inutilização dos termos subsequentes, gerará a preclusão do conhecimento daqueles outros fundamentos.
Atentemos, previamente, ao quadro legal pertinente considerando a redação à data vigente e que se mostra aplicável.

I. Decorre do art. 02.º, n.º 1, do DL n.º 204/98 que o “[o] regime estabelecido neste diploma aplica-se aos serviços e organismos da administração central, bem como aos institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos”, sendo que, nos termos do seu art. 03.º, “[o]s regimes de recrutamento e seleção de pessoal dos corpos especiais e das carreiras de regime especial podem obedecer a processo de concurso próprio com respeito pelos princípios e garantias consagrados no artigo 5.º” [n.º 2], e que “[m]antem-se os regimes de recrutamento e seleção de pessoal aplicáveis aos corpos especiais e às carreiras de regime especial que deles disponham …” [n.º 3].

II. Resulta, por sua vez, do art. 05.º do mesmo diploma que “[o] concurso obedece aos princípios de liberdade de candidatura, de igualdade de condições e de igualdade de oportunidades para todos os candidatos …” [n.º 1], e “[p]ara respeito dos princípios referidos no número anterior, são garantidos: … b) A divulgação atempada dos métodos de seleção a utilizar, do programa das provas de conhecimentos e do sistema de classificação final; c) A aplicação de métodos e critérios objetivos de avaliação …” [n.º 2], sendo que, nos termos do n.º 1 do seu art. 27.º, “[o] concurso é aberto por aviso publicado nos termos do artigo seguinte, contendo os seguintes elementos: … f) Métodos de seleção, seu carácter eliminatório, existência de várias fases, se for o caso, referência à publicação do programa de provas, se for caso disso, e ainda sistema de classificação final a utilizar; g) Indicação de que os critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular e da entrevista profissional de seleção, bem como o sistema de classificação final, incluindo a respetiva fórmula classificativa, constam de atas de reuniões do júri do concurso, sendo a mesma facultada aos candidatos sempre que solicitada …”.

III. Por outro lado, derivava do art. 16.º do ECPDESP que “[d]os editais dos concursos documentais deverão constar, além de outros julgados pertinentes pelos conselhos científicos das escolas interessadas, os seguintes elementos: a) Disciplina ou área científica e categorias para que é aberto o concurso; b) Disciplinas e áreas científicas afins, quando existam; c) Número de exemplares do curriculum vitae a apresentar pelos candidatos; d) Critérios de seleção e ordenação dos candidatos …” [n.º 1] e que “[d]os editais dos concursos de provas públicas para recrutamento de professores-coordenadores deverão constar, além dos elementos referidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 e de outros julgados pertinentes pelos conselhos científicos das escolas interessadas, os seguintes: a) Número de exemplares da lição a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 26.º; b) Número de exemplares da dissertação a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 26.º; c) Número de exemplares de cada um dos trabalhos mencionados no curriculum vitae” [n.º 3].

IV. Por último, decorre do art. 26.º do mesmo Estatuto, sob a epígrafe de «provas públicas para professor-coordenador», que “[a]s provas de concurso para professor-coordenador compreendem: a) Apresentação de uma lição sobre tema escolhido pelo candidato no âmbito da disciplina ou área científica para que for aberto o concurso; b) Apresentação e discussão de uma dissertação, de conceção pessoal, sobre um tema da área científica para que for aberto o concurso, reveladora de capacidade para a investigação e que patenteie perspetivas de progresso naquela área; c) Apreciação e discussão do currículo científico e pedagógico do candidato” [n.º 1] e que “[a]s provas referidas no número anterior deverão revelar capacidade científica, técnica e pedagógica para o desempenho das funções compreendidas na categoria de professor-coordenador” [n.º 2], sendo que, de harmonia com o previsto no art. 27.º, “[a]s provas públicas referidas nos artigos 25.º e 26.º do presente diploma serão separadas por intervalos de vinte e quatro horas, contados entre os respetivos inícios” [n.º 1], “[c]ada uma das provas terá a duração máxima de duas horas e a sua discussão ficará a cargo de um ou dois membros do júri” [n.º 2], “[a]os candidatos deverá ser proporcionado o tempo necessário para que possam responder às críticas produzidas” [n.º 3], “[a] lição referida na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior deverá ter a duração de sessenta minutos” [n.º 4]. E preceituava-se no art. 28.º que “[c]oncluídas as provas, o júri reunirá para decisão final, devendo a classificação do candidato ser feita por votação em escrutínio secreto” [n.º 1], que “[d]a reunião do júri será elaborada ata, donde constarão, obrigatoriamente, um resumo das provas realizadas, os pareceres fundamentados dos respetivos arguentes e o resultado da votação efetuada” [n.º 3], que “[o] resultado final será expresso pelas fórmulas de Aprovado e Recusado” [n.º 5], sendo que “[n]o caso de haver mais de um candidato para a mesma vaga, o júri votará primeiramente o mérito absoluto de cada candidato e, em seguida, classificá-los-á em mérito relativo” [n.º 6].

V. A decisão recorrida improcedeu a pretensão impugnatória considerando que no caso o ato do júri do concurso não infringiu, nomeadamente, o disposto nos arts. 05.º e 27.º, n.º 1, als. f) e g), todos do DL n.º 204/98, 26.º a 28.º do ECPDESP, juízo de que a recorrente discorda porquanto entende que o mesmo ato se mostra proferido em violação do aludido quadro normativo já que não só o procedimento concursal estava sujeito à observância das regras e princípios insertos no DL n.º 204/98 como no caso o aviso/edital de abertura do concurso o contrariava visto não conter qualquer divulgação dos critérios de seleção e de classificação final.

VI. Este Supremo Tribunal no âmbito do processo n.º 0875/11 proferiu acórdão, datado de 26.01.2012 [disponível in: «www.dgsi.pi/jsta»], no qual se pronunciou sobre a questão da aplicabilidade do regime vertido no art. 05.º do DL n.º 204/98 [princípios e garantias], mormente, aos concursos para professor-coordenador previstos no art. 26.º do ECPDESP, sendo que o Pleno deste mesmo Tribunal havia firmado entendimento, no seu acórdão de 13.11.2007 [Proc. n.º 01140/06 - consultável no mesmo sítio], de que a divulgação atempada do sistema de classificação final exigida pelo citado preceito era aplicável aos concursos regulados pelo DL n.º 448/79, de 13.11 [diploma que aprovou o Estatuto da Carreira Docente Universitária - vulgo «ECDU»].

VII. Assim e no que para a discussão deste litígio releva sustentou-se no acórdão de 26.01.2012 que “[o] art. 5.º do DL 204/98, que vem no seguimento de idêntico preceito do DL 498/88, de 30.12, contém os princípios e garantias essenciais a que devem obedecer os regimes de recrutamento e seleção do funcionalismo público, incluindo os corpos especiais e as carreiras de regime especial (art. 3.º, n.º 2) como é esta, a do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico. Assim, tudo quanto o DL 185/81 (embora lei especial) dispuser em contrário àqueles princípios e garantias terá de ceder pois essa foi a vontade inequívoca do legislador (art. 7.º, n.º 3 do CC). A tese do acórdão recorrido foi construída à volta da teoria de que o tipo de concurso dos autos, um chamado concurso de provas públicas, não permitia qualquer objetivação prévia que consentisse o estabelecimento de critérios de avaliação e um sistema de classificação final. Vejamos se assim é. Relembre-se que o concurso (art. 26.º do Estatuto) obrigava à apresentação de uma lição (a), de uma dissertação (b) e à apreciação e discussão do currículo científico e pedagógico do candidato (c). (…) Não se trata, portanto, de um puro concurso de provas públicas, mas antes de um concurso misto: de provas públicas (apresentação da lição e da dissertação), por um lado, e documental (apreciação e discussão dos curricula dos candidatos), por outro. Ao invés das palavras e das nomenclaturas interessa a realidade dos factos. E, para os concursos documentais, o art. 16.º do ECDESP também exigia que do edital de abertura do concurso constassem os «Critérios de seleção e ordenação dos candidatos». Cai, assim, o único fundamento em que o acórdão recorrido se sustenta, o de que aquele Edital respeitava os princípios do DL 204/98 e o de que, pelas características do concurso, tudo era insuscetível de ser previamente objetivável. (…) Mas, para além do citado edital, também o Estatuto os não respeitava (…)”.

VIII. E após invocação daquilo que era a jurisprudência deste Supremo no quadro do regime legal anterior ao DL n.º 204/98 e, bem assim, do entendimento firmado pelo Pleno no acórdão de 13.11.2007, supra citado, refere então que “[e]sta doutrina vale inteiramente para o art. 5.º do DL 204/98, de 11.7, que integra os mesmos princípios e garantias e que praticamente se limita a reproduzir as disposições do seu antecedente. Ora, o respeito por aqueles princípios, designadamente o da divulgação atempada dos métodos de seleção, do sistema de classificação final a utilizar impunha que, pelo menos, o aviso de abertura do concurso indicasse que «os critérios da apreciação e ponderação da avaliação curricular ... bem como o sistema de classificação final, incluindo a respetiva fórmula classificativa, constam de atas de reuniões do júri do concurso, sendo a mesma facultada aos candidatos sempre que a solicitem» (art. 27.º, n.º 1, alínea g) do DL 204/98) e que esses elementos fossem, definitivamente, fixados antes do conhecimento da identidade dos candidatos. (…) Só com esse aviso, com esses elementos - em falta no presente concurso - os concorrentes poderiam ter acesso, tempestivo, aos dados referidos na alínea g) do n.º 1 do supra citado art. 27.º. (…) Do mesmo modo, como se vê no sumário do acórdão deste STA de 11.1.07, proferido no recurso 899/06, «À luz do art. 27.º, n.º 1 do DL n.º 204/98 (…) e sob pena de violação do princípio da imparcialidade administrativa, a fixação dos critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular, bem como do sistema de avaliação final, incluindo a respetiva fórmula classificativa, deve ser feita em momento anterior ao conhecimento (real ou possível), pelo júri, da identidade dos candidatos e, consequentemente à abordagem dos respetivos currículos …» (…). (…) As antecedentes considerações valem para a parte documental do concurso, aquela que se refere à avaliação curricular, mas valem igualmente para a parte das provas públicas porquanto, contrariamente ao que se diz no acórdão em análise, nenhuma impossibilidade objetiva existia de concretizar previamente os parâmetros avaliativos a que a «lição» e a «dissertação», que os candidatos estavam obrigados a dar e a apresentar, deviam estar submetidas. De resto, o próprio n.º 2 do art. 26.º logo enuncia alguns dos aspetos que devem ser ponderados, sublinhando que as referidas provas «deverão revelar capacidade científica, técnica e pedagógica para o desempenho das funções compreendidas na categoria de professor-coordenador» (três itens autónomos). Essas funções, que nos abstemos aqui de reproduzir, porque extensas, estão explicitadas no corpo do n.º 5 do art. 3.º e nas cinco alíneas que o integram, constituindo todas elas elementos com potencialidade para serem ponderados para o efeito de permitirem determinar um conjunto de critérios de avaliação e um sistema de classificação final de forma, até, a permitirem aos candidatos investir mais nuns pontos e menos noutros. Portanto, a devida aplicação dos princípios contidos no art. 5.º do DL 204/98 impunha que as regras que o integram fossem inteiramente aplicadas neste concurso e, consequentemente, que o aviso de abertura incluísse também a especificação constante do art. 27.º, n.º 1, alínea g). Por outro lado, nada no modo de funcionamento do júri, contemplado no art. 28.º do Estatuto, determinava qualquer impossibilidade de estabelecimento dos referidos critérios e sistema. Mas, ainda que houvesse obstáculos, sempre as respetivas normas teriam de ser adaptadas de modo a que se cumprissem aqueles princípios essenciais, pois essa foi, como se viu, a vontade clara do legislador”.

IX. Secundando e reiterando-se aqui este entendimento quanto à interpretação e adequada aplicação do quadro normativo em presença, entendimento esse plenamente transponível para a apreciação da situação sub specie já que com a mesma similar, temos que não poderá manter-se, no segmento sob análise, o julgamento firmado no acórdão recorrido já que proferido em infração do disposto, nomeadamente, nos arts. 02.º, 03.º, 05.º e 27.º, n.º 1, als. f) e g), todos do DL n.º 204/98, 16.º, 26.º a 28.º todos do ECPDESP, na certeza de que analisado o edital contendo o aviso de abertura do concurso em referência, inserto a fls. 16 dos autos [cfr. doc. n.º 01 junto com a petição inicial], constata-se que o mesmo é totalmente omisso quanto à “divulgação dos métodos de seleção a utilizar” e do “sistema de classificação final” [arts. 05.º e 27.º do DL n.º 204/98], ou quanto aos “critérios de seleção e ordenação dos candidatos” [art. 16.º do ECPDESP].

X. Note-se, ainda, que este entendimento e exigência veio, inclusive, a ter consagração com a alteração legislativa operada no ECPDESP pelo DL n.º 207/2009, de 31.08 [cfr. n.ºs 2 dos arts. 29.º-A e 29.º-B], tal como ocorreu no ECDU através da nova redação dada pelo DL n.º 205/2009, de 31.08 [vide n.º 2 do art. 62.º-A].

XI. Por último, frise-se que o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 248/2010, datado de 17.06.2010 [consultável in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» ou in: DR II.ª série, n.º 138, de 19.07.2010], chamado a pronunciar-se sobre uma eventual inconstitucionalidade das normas constantes dos arts. 03.º, n.º 2, e 05.º, n.º 2, als. b) e c), do DL n.º 204/98, na interpretação segundo a qual, no quadro do ensino superior universitário, o concurso para recrutamento de professores catedráticos e associados está sujeito às garantias previstas nas referidas als. b) e c), do n.º 2, do art. 05.º, com fundamento na alegada violação do princípio da autonomia universitária consagrado no art. 76.º, n.º 2, da CRP, concluiu pela improcedência de tal alegação de inconstitucionalidade, juízo esse que, com as devidas adaptações, se mostra como igualmente transponível para o quadro normativo do ECPDESP.

XII. Ali se sustentou que “… há muito que a doutrina especializada em matéria de emprego público vem defendendo que a garantia constitucional de igualdade no acesso à função pública, densificada nas várias alíneas do n.º 2, do artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 204/98, é aplicável a todos os concursos, nomeadamente ao recrutamento específico do pessoal dos corpos especiais, incluindo os candidatos às vagas de professor catedrático (…). (…) Importa porém apurar previamente, por economia de raciocínio, se a exigência procedimental da divulgação atempada dos métodos de seleção a utilizar e do sistema de classificação final, bem como a exigência da aplicação de métodos e critérios objetivos de avaliação, quando aplicadas a concursos de recrutamento de professores catedráticos, ofendem o direito fundamental à autonomia universitária? (…) No essencial, o Recorrente entende que «a avaliação do curriculum dos candidatos às vagas de professor catedrático tem de ser global e concreta, realizada através de uma avaliação pessoal dos candidatos, sendo impossível, na maioria das situações, submete-los a uma grelha de classificação prévia e abstrata», uma vez que «especificidades relacionadas com o âmbito do conhecimento científico e da liberdade criativa do corpo docente universitário traduzem-se numa diversidade incontrolável e imprevisível de curricula universitário e de atividades profissionais que reclamam o estabelecimento de regras próprias» …”.

XIII. E que ”[e]sta alegada impossibilidade de aplicação de métodos e critérios objetivos de avaliação, bem como a alegada impossibilidade de divulgação atempada dos métodos de seleção a utilizar e do sistema de classificação final, relativamente ao recrutamento de professores catedráticos, estão por demonstrar e, sobretudo, não devem ser confundidas com a questão da complexidade de avaliação curricular dos candidatos a professores catedráticos. (…) Aliás, as alegadas impossibilidades de objetivação do recrutamento dos professores catedráticos, a terem-se por demonstradas, seriam então necessariamente acompanhadas de outras consequências, bem mais desfavoráveis para os candidatos, nomeadamente a desnecessidade de fundamentação da própria avaliação e ordenação final dos candidatos. (…) Pelo contrário, quando uma Universidade procede à abertura de um concurso para provimento de vagas de professor catedrático num certo departamento, a mesma tem necessariamente de saber, nesse mesmo momento, independentemente das candidaturas que vierem a ser concretamente apresentadas, quais são os critérios objetivos que irá utilizar na avaliação dos candidatos, designadamente a importância relativa e absoluta desses critérios por referência ao mérito da obra científica, à capacidade de investigação e à atividade pedagógica já desenvolvida (v.g., a definição dos indicadores relevantes em matéria de progressão na carreira universitária, de publicação de trabalhos científicos ou didáticos, de direção ou orientação de trabalhos de investigação, de formação ou orientação científica e pedagógica de docentes e investigadores, ou mesmo o estabelecimento de condições de preferência como a experiência numa determinada área científica). (…) A autonomia universitária - a liberdade de cátedra - não é ameaçada pela obrigação legal de definição e divulgação antecipada dos referidos critérios objetivos desde que seja a própria comunidade científica a fazê-lo livremente, sem quaisquer interferências externas. Em salvaguarda da liberdade de cátedra, a Universidade goza de uma margem de livre decisão, dir-se-ia quase total, na escolha dos critérios formais de avaliação dos candidatos a que ficará posteriormente vinculado o próprio júri do concurso e que permitirão explicar a decisão final de ordenação dos candidatos. (…) A liberdade de cátedra não é incompatível com o procedimento justo de recrutamento de professores catedráticos nos termos definidos pelo tribunal a quo, continuando a ser possível recortar um regime específico de recrutamento derivado da autonomia universitária e materialmente distinto daquele que é observado relativamente nos recrutamentos dos funcionários públicos em geral, nomeadamente no recrutamento dos funcionários não docentes das universidades. (…) Pelo contrário, a divulgação antecipada e a aplicação final de métodos e critérios objetivos de avaliação pela própria Universidade reforçam a sua autonomia normativa, colocam os candidatos em pé de igualdade e asseguram a imparcialidade do júri do concurso em particular, tudo isto contribuindo para a seleção dos melhores candidatos …”.

XIV. Para terminar, concluindo, que “… o cumprimento das garantias previstas nas alíneas b) e c), do n.º 2, do artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 204/98, imposto pela interpretação sob fiscalização, não se traduz em qualquer ofensa ao princípio constitucional da autonomia universitária, pelo que, independentemente das mesmas poderem ou não resultar, no concurso para o lugar de professor catedrático universitário, de uma exigência do direito fundamental de acesso aos cargos públicos em condições de igualdade e de liberdade, consagrado no n.º 2, do artigo 47.º, da Constituição, elas serão sempre uma opção legítima do legislador …”.

XV. De harmonia com o exposto impõe-se, assim, julgar procedente este fundamento de ilegalidade assacado ao ato impugnado e que conduz à anulação do mesmo, tal como havia sido julgado pelo TAF/P.

XVI. Presente o juízo acabado de firmar, mostra-se precludido ou prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos recursivos e de ilegalidade tal como supra se foi avançando.

XVII. Pelo exposto, na procedência da presente revista e do fundamento de ilegalidade sob análise, importa, com a fundamentação antecedente, revogar o julgado sob impugnação e julgar procedente da pretensão anulatória deduzida pela aqui recorrente com todas as legais consequências.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie e, consequentemente, com a motivação antecedente, revogar a decisão judicial recorrida, mantendo a anulação decidida na decisão do TAF/P, embora, apenas, com fundamento na ilegalidade relativa à infração, mormente, dos arts. 05.º e 27.º, n.º 1, als. f) e g), do DL n.º 204/98, 16.º, 26.º a 28.º todos do ECPDESP.
Custas neste Supremo a cargos dos recorridos [«IPP» e contrainteressada], e nas instâncias a cargo dos recorridos [«IPP» e «ESMAE» - no TCA/N; «IPP», «ESMAE» e contrainteressada - no TAF/P].
D.N..



Lisboa, 1 de Outubro de 2015. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) - Alberto Augusto Andrade de OliveiraAntónio Bento São Pedro.