Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01910/13
Data do Acordão:02/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE DE CITAÇÃO
FALTA DE REQUISITOS ESSENCIAIS DO TÍTULO EXECUTIVO
Sumário:I - No processo de execução fiscal ocorre nulidade da citação quando não tenham sido observadas as formalidades previstas na lei, sendo a respectiva arguição atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (art. 191º do novo CPC).
II - A falta de requisitos essenciais (os que constam do art. 163º do CPPT) do título executivo só constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal quando não puder ser suprida por prova documental (al. b) do nº 1 do art. 165º do CPPT).
Nº Convencional:JSTA00068594
Nº do Documento:SA22014021201910
Data de Entrada:12/16/2013
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT- EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPT ART165 ART276 ART190 ART163.
CPC013 ART188.
DL 437/78 DE 1978/12/28.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG137-138.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, julgou improcedente a reclamação apresentada, nos termos do art. 276º do CPPT, contra o indeferimento do pedido de declaração de nulidade do processo executivo e da respectiva citação, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3182201201126873.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. A citação em processo de execução proposto com base no disposto no DL. 433/78, de 28 de Dezembro deve ser acompanhada da integralidade do título executivo composto pela certidão de dívida passada pelo serviço processador, acompanhada do despacho de concessão e do impresso referido no artigo 3.º daquele diploma e, no caso de vencimento antecipado da dívida previsto no artigo 6.º, devem os documentos ser ainda acompanhados do despacho que tenha determinado o vencimento imediato da dívida.
2. É nula, por ter sido realizada sem estarem observadas as formalidades legais, a citação efectuada nos autos acompanhada apenas da certidão de dívida passada pelo serviço processador.
3. A arguição de nulidade é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado, o que foi o caso dos autos.
4. É inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do disposto nos arts. 163º, 165º, 190º do CPPT, 4º do DL. 437/78, de 28 de Dezembro e 191º do Código Processo Civil, no sentido em que a mera apresentação de oposição à execução fiscal no prazo preclusivo legalmente previsto para aquele efeito demonstra – de per si – a inexistência de prejuízo para a defesa do citado.
5. A sanação das deficiências dos títulos executivos, através de prova documental que se permite na alínea b) do nº 1 do art. 165º do CPPT, quando as deficiências afectam o conhecimento do executado sobre elementos relevantes para decidir sobre o uso das faculdades processuais que a lei lhe proporciona, terá de ser feita até ao momento em que se faz a citação, facultando essa prova ao executado.
6. A mera possibilidade de o executado poder tomar conhecimento, através do exame do processo, da existência de prova documental complementar dos títulos, relativa aos requisitos destes em falta não pode considerar-se bastante para sanar a irregularidade daqueles, por só em momento ulterior ao da citação lhe proporcionar tal conhecimento.
7. Violou a sentença recorrida o disposto nos arts. arts. 95º e 98º da Lei Geral Tributária, 96º, 163º, 165º, 190º do CPPT, 4º do DL. 437/78, de 28 de Dezembro, 191º do Código Processo Civil e arts. 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
Termina pedindo a revogação da sentença e que seja substituída por outra que julgue procedente a reclamação.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«Recurso interposto por A…………:
1. Questão prévia a apreciar: da incompetência do Supremo Tribunal Administrativo.
O recorrente vem pôr em causa o decidido quanto à nulidade da citação em execução fiscal por ter sido realizada sem observância de todos os elementos previstos no Dec.-Lei n.º 433/78, de 28/12.
E a esse propósito, invoca ter a mesma sido efetuada apenas com a certidão de dívida passada pelo serviço processador.
Coloca ainda em causa, por inconstitucional, a interpretação efetuada do disposto nos arts. 163º, 165º, 190º do C.P.P.T., do referido Dec.-Lei, e do art. 191º do C.P.C. por violação dos arts. 13º e 20º da C.R.P..
Ora, em face do que o recorrente invoca quanto à citação ter sido efetuada apenas com a certidão passada pelo serviço processador, manifesta, para além de matéria de direito, discordância quanto à matéria de facto apurada, pois na matéria de facto provada consta apenas que a mesma foi efetuada na pessoa de um terceiro, e quanto aos demais termos, resultam os mesmos enquadrados na matéria não provada.
Ora, de acordo com o nº 1 do art. 280º do C.P.P.T. das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do S.T.A..
O S.T.A. tem intervenção reservada apenas para os casos em que a matéria de facto controvertida no processo esteja estabilizada e apenas o direito se mantenha em discussão.
Se as questões controvertidas não se resolvem através de uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou seja, se, pelo contrário, a sua apreciação implica a necessidade de dirimir questões de facto – ou porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não são de dar como provados, ou porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, ou ainda porque invoca factos que não vêm dados como provados e não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa, fica a competência cometida ao Tribunal Central Administrativo, independentemente da eventualidade deste Tribunal vir a concluir que a discordância sobre a matéria fáctica, ou que os factos não provados alegados, são irrelevantes para a decisão do recurso.
2. Concluindo, parece ser de julgar o Supremo Tribunal Administrativo incompetente para conhecer do recurso interposto em razão da matéria e da hierarquia, sendo para o mesmo competente o Tribunal Central Administrativo Norte – art. 38º al. a) do E.T.A.F., para o qual o processo é de remeter, caso o recorrente venha a requerer a sua remessa ao último referido tribunal, nos termos ainda previstos no art. 18º nº 2 do C.P.P.T..»

1.5. Notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre o teor do Parecer do MP, veio o recorrente alegar o seguinte:
1. Sem prejuízo de diferente e melhor opinião, não existe qualquer excepção de incompetência que impeça ou obstaculize o conhecimento do presente recurso por este Supremo Tribunal Administrativo.
2. Na verdade, verifica-se, sem qualquer dúvida, do raciocínio lógico-jurídico que preside a decisão de direito proferida na sentença em análise, que o Tribunal a quo sempre teve por adquirido que a citação efectuada ao Recorrente veio acompanhada apenas da certidão melhor descrita na alínea E) dos factos provados.
3. Assim resulta de forma certa do cotejo entre a factologia considerada provada com o decidido quanto ao direito na página 8, parágrafo 3º e 4º, da sentença recorrida.
4. Ora, também o Recorrente não questiona que a citação que lhe foi efectuada vinha, além da nota de citação, também acompanhada de uma certidão conforme fls. 35 dos autos e facto provado sob a alínea E).
5. O que defende é que, nos termos do disposto no DL. 437/78, de 28 de Dezembro, a citação efectuada ao executado teria de vir acompanhada, não só com a certidão de dívida aí identificada, mas também do despacho de concessão, do impresso referido no art. 39 e do despacho que havia – alegadamente – determinado o vencimento imediato da dívida.
6. Tudo em cumprimento do disposto no art. 4º daquele diploma, levando ao conhecimento do executado a totalidade do título executivo utilizado para a cobrança coerciva de dívida e, assim, dando conhecimento de que foi proposta determinada acção e que se chama ao processo, para se defender, com cópia de todos os elementos necessários à plena compreensão do seu objecto – cfr. o disposto no art. 219º do código Processo Civil (anterior art. 228º daquele diploma).
7. É em relação à aplicação daquele dispositivo legal que brota a divergência do Recorrente com a douta sentença recorrida, na certeza que a mesma considerou legal e bastante a citação do executado acompanhada da certidão de fls. 35 dos autos, mesmo que sem a totalidade do título executivo e dos elementos necessários à compreensão do objecto da execução.
8. Assim, é apenas jurídica, ou de direito, a divergência do Recorrente com o decidido na Sentença recorrida, sendo este Supremo Tribunal Administrativo competente para conhecer o recurso interposto.
9. Outro e diferente entendimento seria, aliás, violador do princípio da confiança, constitucionalmente protegido no art. 2º da CRP, atenta a circunstância notória de qualquer cidadão médio intuir da sentença recorrida que o Tribunal a quo teve por admitido e certo que a citação efectuada – conforme resulta documentalmente dos autos – veio apenas acompanhada da certidão identificada na alínea E) dos factos provados, sendo na aplicação do direito que o mesmo douto Tribunal considerou que a referida certidão seria bastante para acompanhar a citação efectuada, em divergência com o pugnado pelo Recorrente.

1.6. Com dispensa de Vistos, dada a natureza (urgente) do processo, cabe deliberar.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A. O processo de execução fiscal nº 3182201201126973 foi instaurada pelo Serviço de Finanças do Porto 2 para cobrança coerciva da quantia de € 108.666,69 (cento e oito mil e seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e nove cêntimos) por dívida ao Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP, IP) – cfr. fls. 30 a 35;
B. A 07 de Março de 2013, o reclamante apresentou requerimento a solicitar a anulação da citação efectuada assim como de todos os actos subsequentes, requerimento que se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 122 a 125;
C. A 07 de Março de 2013 o reclamante deu entrada a oposição, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, a qual corre neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o nº 1540/13.7BEPRT – cfr. fls. 7 a 12 e consulta do SITAF;
D. O oponente foi citado por carta sob registo nº RC040005258PT, tendo sido assinado o aviso de recepção na pessoa de B………… a 04 de Fevereiro de 2013 -cfr.fls.92;
E. A 31 de Agosto de 2012 foi emitida certidão de dívida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP, I.P.), a qual se considera aqui integralmente reproduzida – cfr. fls. 35.

3.1. No seguimento de citação efectuada no âmbito do presente processo de execução fiscal instaurada para cobrança de dívida ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, o executado arguiu a nulidade dessa citação e de todos os actos subsequentes a esta e pedindo que se aferisse «se a incompletude geradora de nulidade do título executivo pode ser sanada e, só nesse caso, repetir a citação do executado já na posse de todos os elementos essenciais do título, a fim deste avaliar exercer os direitos processuais determinados por lei».
E tendo, por despacho proferido pelo sr. Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2, sido indeferido tal pedido de declaração de nulidade da citação, o requerente deduziu reclamação, nos termos do art. 276º do CPPT, contra tal despacho, alegando, em síntese, que a nulidade invocada não é mera nulidade da citação mas, consubstanciando-se na própria deficiência do título executivo (por falta de requisitos essenciais) constitui uma verdadeira nulidade do processo executivo, que, nesses termos, afectou a sua defesa como executado.
Considerando que [face à invocação de nulidade do processo executivo e da citação por esta (citação) ter sido feita com a apresentação e entrega de um título executivo incompleto, o que prejudicou a defesa do reclamante] a questão a dirimir se cinge a saber se é nula a citação, por falta dos respectivos elementos essenciais, o que acarretará a ilegalidade da decisão reclamada, que indeferiu a arguição de nulidade da citação, a sentença recorrida veio a concluir o seguinte:
─ Nos termos do n° 1 do art. 165° do CPPT constituem «nulidades insanáveis em processo de execução fiscal, (i) a falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do citado e (ii) a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental.
─ a falta de citação ocorre tanto nas situações em que o respectivo acto é pura e simplesmente omitido, como nas demais situações contempladas no art. 188º do novo CPC (a que correspondia o anterior art. 195°), subsidiariamente aplicável em processo de execução fiscal, sendo que aquelas nulidades insanáveis (n° 2 do artigo 165° do CPPT) são de conhecimento oficioso, podendo ser arguidas até ao trânsito em julgado da decisão final.
- o reclamante não questiona que recebeu a nota de citação: alega é que a mesma não foi acompanhada dos elementos essenciais à sua defesa.
- resulta dos factos considerados provados que com a nota de citação, também foi enviada a certidão da dívida exequenda e nessa certidão consta a menção da entidade emissora e promotora da execução (IEFP, IP), a assinatura da entidade emissora ou promotora da execução (…………), data em que foi emitida (31/8/2012), nome e domicílio do devedor (do reclamante), natureza e proveniência da dívida e indicação por extenso do seu montante (referente a um apoio financeiro que lhe foi concedido), tal como ordenado pelo nº 1 do art. 190°, em conjugação com o também disposto no art. 163°, ambos do CPPT.
- Assim sendo, não se vislumbra que falte qualquer requisito essencial na citação que foi efectuada ao reclamante e que a verificar-se (o que não é o caso) não fosse suprível mediante prova documental.
- E quanto à alegação de que ficou prejudicado na sua defesa (uma vez que teve que consultar elementos constantes do processo executivo e como tal, não teve os 30 dias que teria “normalmente” direito para deduzir oposição), apesar de em abstracto tal poder ser considerado uma limitação ao seu exercício do seu direito de defesa, a verdade é que no presente caso não se observa tal limitação, dada a circunstância de, contrariamente ao alegado, não ter utilizado sequer a totalidade do prazo para deduzir a oposição.
Daí que não se possa considerar que o direito de defesa do reclamante ficou diminuído pela circunstância de ter que consultar o processo executivo para poder deduzir oposição, se o próprio nem sequer esgotou o prazo legalmente estabelecido para o efeito – teria mais 5 dias para o fazer, sem ter que pagar qualquer multa.

3.2. É do assim decidido que o recorrente discorda, sustentando, em síntese, como se viu, que:
- a citação é nula por ter sido efectuada sem observância das formalidades legais (o acto apenas foi acompanhado da certidão de dívida passada pelo serviço processador, mas não foi acompanhado do despacho de concessão do apoio financeiro, do despacho que tenha determinado o vencimento imediato da dívida - no caso de ter havido antecipação do respectivo vencimento - e do impresso referido no art. 3º do DL nº 437/78, de 28/12).
- a sanação das deficiências do título executivo, através de prova documental, permitida à luz do disposto na al. b) do nº 1 do art. 165º do CPPT, quando as deficiências afectam o conhecimento do executado sobre elementos relevantes para decidir sobre o uso das faculdades processuais que a lei lhe proporciona, terá de ser feita até ao momento em que se faz a citação, facultando essa prova ao executado; a mera possibilidade de o executado poder tomar conhecimento, através do exame do processo, da existência de prova documental complementar dos títulos, relativa aos requisitos destes em falta não pode considerar-se bastante para sanar a irregularidade daqueles, por só em momento ulterior ao da citação lhe proporcionar tal conhecimento, sendo que a interpretação (por parte da sentença recorrida, no sentido de que a mera apresentação de oposição à execução fiscal no prazo legalmente previsto demonstra – de per si – a inexistência de prejuízo para a defesa do citado) viola o disposto nos arts. 95º e 98º da LGT, nos arts. 96º, 163º, 165º e 190º do CPPT, no art. 4º do DL 437/78, de 28/12, no art. 191º do CPC (antigo) e nos arts. 13º e 20º da CRP.
A questão a decidir no recurso é, portanto, a de saber se a sentença sofre do alegado erro de julgamento por errada interpretação dos ditos normativos legais.

4. Antes, porém, de apreciar tal questão, importa apreciar uma outra: a de saber se o STA é competente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso.
Com efeito o MP, logo suscitou a excepção da incompetência do STA, no entendimento de que o recorrente, quando alega que o acto de citação foi acompanhado, apenas, da certidão passada pelo serviço processador, está a manifestar discordância quanto à matéria de facto apurada, pois nesta consta apenas que a citação foi efectuada na pessoa de um terceiro, e quanto aos demais termos, resultam os mesmos enquadrados na matéria não provada.
Não acompanhamos, porém, esta alegação do MP.
É que, apesar de na alínea D do Probatório se especificar que o recorrente foi citado por carta registada, tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado, em 4/2/2013, por pessoa identificada como B…………, e na alínea E do mesmo Probatório se especificar que em 31/8/2012 foi emitida certidão de dívida pelo IEFP, dada por reproduzida, também é verdade que a sentença sempre teve por adquirido que a citação veio acompanhada «apenas» da certidão descrita na mencionada al. E do mesmo Probatório, tanto que, em sede de fundamentação de direito, se exara o seguinte:
«Ora, na presente situação o reclamante não questiona que recebeu a nota de citação. Questiona sim que a mesma não continha elementos essenciais à sua defesa.
Por sua vez, resulta dos factos considerados provados que com a nota de citação, também foi enviada a certidão da divida exequenda – a qual foi considerada integralmente reproduzida nos factos considerados provados.
Na certidão da dívida em causa, consta a menção da entidade emissora e promotora da execução (IEFP, IP), a assinatura da entidade emissora ou promotora da execução (…………), data em que foi emitida (31 de Agosto de 2012), nome e domicílio do devedor (do reclamante), natureza e proveniência da dívida e indicação por extenso do seu montante (referente a um apoio financeiro que lhe foi concedido), tal como ordenado pelo artigo 190°, n° 1 do CPPT, conjugado com o artigo163°, n° do mesmo Código.
Assim sendo, não se vislumbra que falte qualquer requisito essencial na citação que foi efectuada ao reclamante e que a verificar-se (o que não é o caso) não fosse suprível mediante prova documental.»
Ou seja, conjugando a factualidade provada e a fundamentação de direito constante da sentença, resulta que, em termos de raciocínio lógico-jurídico, a sentença assenta o julgamento de direito naquela factualidade: que o acto da citação foi acompanhado apenas da certidão descrita na al. E) do Probatório e não de outros elementos documentais.
Mas o recorrente também não questiona que a nota de citação vinha acompanhada da falada certidão referida nessa al. E). O que sustenta é que aquela teria de vir acompanhada, não só com tal certidão de dívida, mas também com outros elementos documentais, nos termos do diploma que invoca (o DL 437/78, de 28/12).
Em suma, a divergência do recorrente com o decidido situa-se ao nível da interpretação das normas apontadas e não ao nível da factualidade julgada provada, concluindo-se, pois, que o recurso versa exclusivamente matéria de direito, daí derivando a inerente competência, em razão da hierarquia, do STA, para dele conhecer e a consequente improcedência da excepção suscitada pelo MP.

5. Vejamos, então, a questão de fundo.
Se bem interpretamos as alegações e Conclusões do recurso, o recorrente invoca (Conclusões 1ª a 4ª) a nulidade da citação (por a nota de citação não ter sido acompanhado de todos os elementos que, no caso, a lei impunha), mas também invoca (nas Conclusões 5ª e 6ª) nulidade do título executivo por falta de requisitos deste.

5.1. Diga-se, desde já, que só a «falta de citação», e não também a «nulidade de citação», é enquadrável na al. a) do nº 1 do art. 165º do CPPT e só aquela (falta de citação) pode constituir nulidade insanável do processo de execução fiscal, invocável a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final, se a falta prejudicar a defesa do citado [nº 2 do mesmo artigo (Sobre esta matéria cfr. o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª ed., volume III, anotação 5 ao art. 165º, pp. 137/138, bem como o ac. do STA, de 7/9/2005, rec. n° 950/05, entre outros.)].
Distintas desta situação de falta de citação são as situações de nulidade da citação, que ocorrem quando não tenham sido observadas as formalidades previstas na lei, sendo a respectiva arguição atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (cfr. o art. 191º do novo CPC).
Ora, no caso, estamos perante a invocação de inobservância das formalidades legais exigíveis (as constantes do art. 3º do DL nº 437/78, de 28/12) o que poderá ser susceptível de configurar a alegada «nulidade» do acto de citação, nos termos deste nº 1 do art. 191º do novo CPC (correspondente ao anterior art. 198º) e no qual se estabelece que «Sem prejuízo do disposto no artigo 188º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.»
Alega o recorrente que a citação é nula por ter sido realizada sem estarem observadas as ditas formalidades legais (pois que foi acompanhada apenas da certidão de dívida passada pelo IEFP, quando deveria ter sido acompanhada também do despacho de concessão do apoio financeiro, do impresso referido no art. 3º do DL 437/78 e do despacho que tenha determinado o vencimento imediato da dívida - se fosse o caso), sendo que é legal e inconstitucional a interpretação do disposto nos arts. 163º, 165º, 190º do CPPT, 4º do DL 437/78, e 191º do CPC, no sentido em que a mera apresentação de oposição à execução fiscal no prazo preclusivo legalmente previsto para aquele efeito demonstra – de per si – a inexistência de prejuízo para a defesa do citado.
E, na verdade, a sentença considerou que, por ter sido remetida, juntamente com a nota de citação, a certidão executiva respeitante à dívida em causa [e da qual consta (i) a menção da entidade emissora e promotora da execução (o IEFP, IP), (ii) a assinatura da entidade emissora ou promotora da execução (…………), (iii) a data em que foi emitida (31/8/2012), (iv) o nome e domicílio do devedor (do reclamante), (v) a natureza e proveniência da dívida e a indicação por extenso do seu montante (referente a um apoio financeiro que lhe foi concedido), então, não se vislumbra que falte qualquer requisito essencial na citação que foi efectuada ao reclamante e que a verificar-se (o que não é o caso) não fosse suprível mediante prova documental.
E mais se considera na sentença que, quanto à alegação de que o reclamante ficou prejudicado na sua defesa (porque teve que consultar elementos constantes do processo executivo e como tal, não teve os 30 dias que teria “normalmente” direito para deduzir oposição), se trata de alegação que também não pode proceder, já que, embora em abstracto essa circunstância pudesse ser considerado uma limitação ao exercício do seu direito de defesa, no caso concreto não se observa tal limitação, como desde logo resulta de ele não ter utilizado sequer a totalidade do prazo para deduzir a oposição [por o A.R. da citação – e, pessoa diversa do citando – ter sido assinado, em 4/2/2013, acresceu, por consequência legal, o prazo de 5 dias para se iniciar a contagem do prazo de dedução de oposição, ou seja, o prazo começou a correr a 10/2/, terminando a 12/3/2013 (e não a 6/3 como considerou o reclamante)], sendo que o reclamante apresentou contestação a 7/3/2013. Isto é, a decisão recorrida conclui pela improcedência da alegação do recorrente (no sentido de que o seu direito de defesa ficou diminuído pela circunstância de ter que consultar o processo executivo para poder deduzir oposição) dado que aquele nem sequer esgotou o prazo legalmente estabelecido para apresentar tal defesa – teria mais 5 dias para o fazer, sem ter que pagar qualquer multa.
Ora, neste âmbito, é de confirmar a conclusão afirmada na sentença.
Com efeito, até mesmo em relação à nulidade insanável (por falta de citação) prevista na al. a) do nº 1 do art. 165º do CPPT, o que se acentua (Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., anotações 6 e 7 ao art. 165º, pp. 138/139.) é a relevância da mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a demonstração da existência de efectivo prejuízo (pelo que para existir nulidade não é exigível ao citado que alegue e prove a existência de um concreto prejuízo para a sua defesa, bastando que se apure que, no caso, não é de afastar a possibilidade de ter ocorrido tal prejuízo). Todavia, ainda assim, não deixa simultaneamente de salientar-se o seguinte:
«… em face das razões de economia e de aproveitamento dos actos processuais que estão subjacentes ao regime de relevância de irregularidades de citação previsto no nº 4 do art. 198º do CPC, o que relevará não será uma mera possibilidade abstracta de prejuízo, a apreciar em face do tipo de falta praticada na efectivação da citação, mas sim a possibilidade de a falta ter prejudicado o citado no exercício dos seus direitos processuais.
Isto não significa, obviamente, que uma resposta negativa à questão da possibilidade de prejuízo seja dada em abstracto, se ele for inconcebível. O que excluem estes princípios de ordem pragmática, é que seja suficiente para concluir pela existência de nulidade uma resposta positiva a essa questão da possibilidade, isto é, que baste que seja abstractamente concebível a existência de prejuízo, mesmo que se demonstre que ele, apesar de possível, no caso concreto acabou não ocorrer.
Nestes termos, é de concluir
- que não se pode considerar afastada a relevância da falta por não ter sido alegado e provado que houve prejuízo, pois basta a possibilidade de ele ocorrer;
- mas, se for de afastar a possibilidade de este prejuízo ter ocorrido no caso concreto, isto é, se for de concluir que ele não existiu, será de concluir pela não existência de nulidade.» (Jorge Lopes de Sousa, ibidem.)
Ora, no caso dos autos, como refere a sentença e acima se disse, da certidão executiva consta a menção e a assinatura da entidade emissora e promotora da execução, a data em que esta foi emitida, o nome do reclamante como devedor (entre os demais) e o respectivo domicílio, a natureza e proveniência da dívida e indicação por extenso do seu montante (referente a um apoio financeiro que lhe foi concedido «por despacho da Comissão de Coordenação do Prodescoop, datado de 03-05-2005, bem como a referência de que «Porque a entidade beneficiária não cumpriu as obrigações que assumiu, foi determinada pelo Senhor Delegado Regional da Delegação Regional do Norte deste Instituto, em despacho datado de 23-01-2012, a revogação do Termo de Responsabilidade e a cobrança coerciva da quantia em dívida». E por outro lado, na mesma data em que apresentou requerimento a pedir a anulação da citação e de todos os actos subsequentes, o recorrente deduziu, igualmente, a oposição à execução fiscal (cfr. als. B) e C) do Probatório) invocando como fundamento de oposição a falsidade do título executivo (al. c) do nº 1 do art. 204º do CPPT).
E, neste contexto, não se vislumbra que a inobservância das alegadas formalidades legais (a nota de citação não ter sido acompanhada do despacho de concessão do apoio financeiro, do modelo de impresso referido no art. 3º do DL 437/78 - impresso utilizado nos apoios financeiros a conceder – e do despacho que tenha determinado o vencimento imediato da dívida) determine a nulidade da citação nos termos do nº 1 do art. 191º do novo CPC, sendo que, relativamente à concreta situação e à valoração da possibilidade de o alegado prejuízo ter ocorrido por não ter sido esgotado o prazo para deduzir oposição (prejuízo que, recorde-se, teria sido o de o direito de defesa do recorrente ter ficado diminuído pela circunstância de ter que consultar o processo executivo para poder deduzir oposição) é matéria que se prende já com um juízo de facto, insusceptível de ser sindicado pelo STA.
Improcedem, portanto, as Conclusões 1ª a 4ª das alegações do recurso.

5.2. E quanto à também alegada nulidade do título executivo por falta de requisitos essenciais (nas Conclusões 5ª e 6ª), o recurso não pode, igualmente, proceder.
Na verdade, de acordo com o disposto na al. b) do nº 1 do art. 165º do CPPT a falta de requisitos essenciais (e estes são os que constam do art. 163º do CPPT) do título executivo só constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal quando não puder ser suprida por prova documental. Ou seja, o que releva, neste âmbito, é que o título executivo permita ao executado a informação suficiente para saber com segurança qual é a dívida a que o título se refere, de forma a estarem assegurados eficazmente os seus direitos de defesa.
Ora, no caso, atento o teor e as menções (acima já especificadas) que constam da certidão executiva, não se vislumbra que falte qualquer requisito essencial a tal título, nomeadamente requisito que não fosse sequer suprível mediante prova documental.
Com efeito, como igualmente pondera o Cons. Jorge Lopes de Sousa, «os títulos executivos têm duas funções no processo de execução fiscal, que são, por um lado, assegurar à entidade perante quem corre a execução a possibilidade de verificar se estão reunidas as condições para prosseguir com o processo e, por outro, informar o executado sobre a dívida que se executa, por forma a poder organizar a sua defesa.
É à luz desta função do título executivo que tem de ser apreciada a existência de nulidade insanável e a possibilidade da sua sanação através de prova documental, uma vez que, naturalmente, só existirá nulidade se os objectivos visados com a exigência dos requisitos estiverem em causa e a possibilidade de qualquer sanação de uma nulidade por falta de verificação de um requisito exigido por lei só se pode compreender se, apesar desta, for dada satisfação aos interesses que a lei pretendia assegurar ao exigi-lo.» (Ob. cit., anotação 10b) ao art. 165º, p. 142.)
Assim, tal como refere a sentença e acima se deixou dito, não se vê que falte requisito essencial ao presente título executivo, nomeadamente requisito que não fosse suprível mediante prova documental, admitindo o próprio reclamante (cfr. os nºs. 8 e 9 da Petição Inicial da presente reclamação) que os requisitos em falta terão sido em parte já supridos, carecendo, de todo o modo, de apoio legal a alegação de que a correcção de eventuais deficiências do título tem que ser feita até ao momento em que se faz a citação e de que a possibilidade de o executado poder tomar conhecimento, através do exame do processo, da existência de prova documental complementar dos títulos, relativa aos requisitos destes em falta não pode considerar-se bastante para sanar a irregularidade daqueles, por só em momento ulterior ao da citação lhe proporcionar tal conhecimento.
E igualmente carece de razão legal a alegação de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos arts. 13º e 20º da CRP, a interpretação do disposto nos arts. 163º, 165º, 190º do CPPT, 4º do DL. 437/78, de 28/12 e 191º do CPC, no sentido em que a apresentação de oposição à execução fiscal no prazo preclusivo legalmente previsto para aquele efeito demonstra – de per si – a inexistência de prejuízo para a defesa do citado.
É que, em rigor, o que o recorrente está a questionar é, ainda e apenas, a mera ilação factual que a sentença retira da actuação do recorrente (ter apresentado a oposição no prazo) e não qualquer interpretação jurídica das ditas normas.

5.3. Em suma, a sentença não enferma dos invocados erros de julgamento que o recorrente lhe imputa, improcedendo, portanto, todas as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014. - Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.