Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0910/10
Data do Acordão:12/07/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:A competência para a decisão sobre a apreciação da garantia prestada ou do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito de oposição à execução fiscal, visando a suspensão desta, cabe ao órgão da execução fiscal e não ao tribunal.
Nº Convencional:JSTA00066737
Nº do Documento:SA2201012070910
Data de Entrada:11/22/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL/OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART103 N3 N4 ART169 N1 N2 N5 ART170 N1 ART183 N1 ART199 N5 N8 ART208 N1 ART212.
LGT98 ART52 N4.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO VII PAG295.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, Lda., com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Viseu que julgou improcedente a reclamação por si deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Tondela que indeferiu o pedido de dispensa de garantia no âmbito do processo de execução fiscal que lhe foi instaurado para cobrança de dívida de IRC, referente ao exercício de 2005, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
A) No que respeita à impugnação judicial, é unanimemente aceite, em face da redacção do n.º 4 do artigo 103.º do CPPT, da doutrina e da jurisprudência (cf., a título de exemplo, Acórdão do STA de 27-05-2009 e acórdão recorrido), que a competência para a decisão sobre a aceitação das garantias que visem o efeito suspensivo da execução fiscal cabe ao Tribunal.
B) No que concerne à oposição judicial à execução, a autorizada doutrina, mormente o Prof. Doutor Rui Duarte Morais (in A Execução Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2006), defende que a competência para a decisão sobre a aceitação das garantias que visem o efeito suspensivo da execução fiscal cabe, igualmente, ao Tribunal, porquanto existe um paralelo entre a impugnação judicial e a oposição à execução.
C) A causa de suspensão da execução tanto no caso da impugnação judicial, como no caso da oposição à execução, é a instauração de uma fase judicial do processo. Na verdade, é em virtude da apresentação do articulado dirigido ao tribunal tributário que, cumulativamente com a prestação de garantia, se suspende a execução (cf., para a oposição à execução, os artigos 212.º e 169.º, n.ºs 1 e 5, do CPPT). Não o contrário, não por força da mera prestação de garantia.
D) Tanto no caso da impugnação, como no caso da oposição, não tem qualquer sentido útil que se proceda à penhora de bens do executado sem que se decida da questão – prévia – de atribuição a essa fase judicial iniciada (impugnação ou oposição) de efeito suspensivo, mediante a prestação (ou dispensa de prestação) de garantia, requerida pelo impugnante ou oponente. E se na impugnação é o Tribunal que decide da questão “prévia” da aceitação de garantias para obter a suspensão da execução, faz todo o sentido, por uma identidade de situações e fundamentos já evidenciada, que na oposição também o seja.
E) O disposto no artigo 103.º, n.º 4, do CPPT é aplicável directamente à oposição à execução por força da remissão do artigo 212.º do mesmo Código. E, na verdade, a remissão do artigo 212.º para os «termos deste Código», remete para o regime da suspensão da execução e prestação de garantia em caso de apresentação de impugnação judicial (cf. as disposições conjugadas dos artigos 212.º, 169.º, n.º 5, 169.º, n.º 1 e 103.º, n.º 4, todas do CPPT).
F) O disposto no art.º 199.º do CPPT apenas se aplica à impugnação judicial por força da remissão da parte final do artigo 103.º, n.º 4, do CPPT, sendo que essa remissão deixa de fora o n.º 8 desse artigo 199.º.
G) Para que o artigo 199.º do CPPT – que consagra o regime da prestação de garantia em caso de pagamento em prestações – seja aplicável à oposição à execução, tem de beneficiar igualmente de uma remissão expressa para o efeito, sendo que a remissão existente em sede de efeitos suspensivos da apresentação da oposição à execução – o artigo 212.º do CPPT – remete para o regime da impugnação judicial.
H) O Executado que pretenda suspender a execução fiscal pela prestação de garantia na pendência de oposição à mesma, tendo-o requerido espontaneamente na petição de oposição, verá tal apreciação da prestação de garantia ser da competência do Tribunal.
I) Sendo o Tribunal a decidir da prestação de garantia, com vista à suspensão do processo de execução, então, deverá ser também o Tribunal a decidir da isenção da prestação dessa mesma garantia, que logra alcançar o mesmo efeito.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Com dispensa de vistos, vêm os autos à conferência.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
A) No dia 12 de Março de 2010, a A… foi citada, pelo serviço de finanças do concelho de Tondela, da instauração do processo de execução fiscal acima identificado, para cobrança de uma alegada dívida de IRC adicionalmente liquidado, com referência ao exercício de 2005.
B) A A… não se conformou com os fundamentos adiantados pela Administração Fiscal para a emissão da liquidação adicional de IRC de 2005, que está na origem do processo de execução fiscal referido, pelo que apresentou da mesma uma impugnação judicial, que corre termos neste Tribunal, sob o n.º 229/10.3BEVIS.
C) A Reclamante, à execução fiscal, opôs-se em 12 de Abril de 2010, tendo o serviço de finanças remetido a dita oposição a este Tribunal, em 28 de Abril de 2010, onde lhe foi atribuído o n.º 210/10.2BEVIS.
D) Na oposição mencionada em C), a A… requereu ao Tribunal que a isentasse de prestar a garantia necessária para obter o efeito suspensivo da execução fiscal, alegando que a prestação de garantia acarretar-lhe-ia um prejuízo irreparável.
E) Em 10 de Maio do corrente ano, a A… foi notificada pelo serviço de finanças “para, no prazo de 15 (quinze) dias, (…) prestar garantia conforme dispõe o n.º 1, n.º 5 e n.º 6 do art.º 199.º do referido diploma [CPPT], na importância de € 999.799,81 (novecentos e noventa e nove mil setecentos e noventa e nove euros e oitenta e um cêntimos), valor que constitui a garantia, apurada nos termos do já citado diploma, com o fundamento de assegurar o valor exigido neste processo de execução fiscal (…)” - cfr. documento que ora se junta sob o n.º 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
F) Em consequência da notificação mencionada em E), a Reclamante dirigiu ao serviço de finanças do concelho de Tondela um requerimento a solicitar que se desse sem efeito aquele ofício (ofício n.º 01231, de 05/05/2010).
G) Em resposta ao requerimento descrito em F) o serviço de finanças indeferiu a pretensão, alegando que “face ao disposto no n.º 1 do artigo 183.º do CPPT, a haver garantia esta será prestada junto do serviço onde pender o processo de execução fiscal respectivo, neste caso, o Serviço de Finanças de Tondela”.
H) É contra a decisão do órgão de execução fiscal descrita em G) que a A… vem deduzir a presente reclamação, nos termos e para os efeitos do artigo 276.º do CPPT.
III – Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela Mma. Juíza a quo que considerou ser a Administração Tributária a entidade competente para apreciar o pedido de dispensa da prestação de garantia formulado pela ora recorrente e não o tribunal tributário.
Contra tal entendimento se insurge a recorrente, alegando, em síntese, que tal como sucede no caso da impugnação judicial deve caber ao tribunal decidir dessa questão na pendência de oposição à execução fiscal.
Vejamos. Está prevista no n.º 4 do artigo 52.º da LGT a possibilidade da AT, a requerimento do interessado, apresentado nos termos do artigo 170.º do CPPT, isentar o executado da prestação de garantia caso esta lhe cause prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
Sobre o local onde deve ser prestada a garantia, dispõe o artigo 183.º, n.º 1 do CPPT que esta será prestada junto do tribunal tributário competente ou do órgão da execução fiscal onde pender o processo respectivo.
A questão que se impõe resolver é nas situações em que se coloca a necessidade de prestação de garantia e em que haja processos simultaneamente pendentes perante o tribunal e perante a administração tributária, como é o caso das situações de impugnação judicial em que a dívida não foi paga e haverá além do processo de impugnação judicial, pendente no tribunal, um processo de execução fiscal, pendente perante o órgão da execução fiscal, e das situações de oposição à execução fiscal, em que o processo a ela respeitante é enviado a tribunal (artigo 208.°, n.° l, do CPPT), mas o processo de execução fiscal continuará pendente perante o órgão da execução fiscal.
Numa primeira análise, parece não ser claro, nestas situações, como refere Jorge Lopes de Sousa, in CPPT comentado e anotado, volume II, a págs. 245, qual é o «processo respectivo» que se refere no n.° 1 do artigo 183.° citado.
Contudo, a nosso ver, o processo em que se deverá requerer a prestação de garantia deverá ser aquele em que se pretende que se produza o efeito suspensivo que a sua prestação produz, ou seja, visando a prestação de garantia suspender a executoriedade do acto de liquidação, obstando ao prosseguimento do processo de execução fiscal, parece que deverá ser nesta execução, perante o órgão da execução fiscal.
É este, aliás, o entendimento que se pode sintonizar com o poder atribuído à administração tributária, e não ao tribunal, de, a requerimento do executado, o isentar de prestação de garantia (artigos 52.°, n.° 4, da LGT e 170.°, n.° 1, do CPPT) - v. autor e obra citada.
É certo que o n.° 4 do artigo 103.° do CPPT vem lançar dúvidas sobre a correcção desta conclusão, nos casos de impugnação judicial, como salienta Jorge Lopes de Sousa, porquanto, na verdade, aí se estabelece, com uma redacção pouco feliz, que «a impugnação tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, com respeito pelos critérios e termos referidos nos n.°s 1 a 5 e 9 do artigo 199.°».
Ora, esta disposição, ao referir que é o tribunal quem notifica o interessado para prestar garantia, parece pressupor que é perante o próprio tribunal que a garantia tem de ser prestada; por outro lado, ao fixar-se aqui um prazo de 10 dias, em vez do prazo de 15 dias previsto no n.° 2 do artigo 169.° do CPPT para a prestação de garantia perante a AT, parece não se poder deixar de concluir que não se está a remeter o interessado para o procedimento de prestação de garantia perante a AT previsto nesse artigo. Aliás, essa remissão era feita no n.° 3 deste artigo 103.°, na redacção original, em que se referia que «a impugnação tem efeito suspensivo mediante garantia adequada a solicitar, conceder e prestar nos termos do artigo 199.°», pelo que o facto de o n.° 4 do artigo 103.°, na redacção dada pela Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho, ter substituído esta norma pelo actual n.° 4 parece conduzir à conclusão de que se pretendeu criar um regime próprio para a impugnação judicial, sendo a garantia prestada perante o tribunal e no prazo mais curto de 10 dias. E, a ser assim, o tribunal terá de averiguar previamente, através da AT, qual é o montante da garantia, pois ela tem de cobrir «o valor da dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo de pagamento limite de 5 anos e custas a contar até à data do pedido, acrescida de 25% da soma daqueles valores» (artigo 199.°, n.° 5) e nem todos estes elementos serão do conhecimento ou poderão ser calculados pelo tribunal (designadamente as custas devidas no processo de execução fiscal, que devem ser contadas até à data do pedido de prestação de garantia) - Jorge Lopes de Sousa, in obra citada.
No caso em apreço, o pedido de dispensa de garantia foi solicitado no âmbito de processo de oposição à execução fiscal, e não de impugnação judicial, mas com a finalidade de a reclamante, ora recorrente, obter efeito suspensivo no processo de execução fiscal.
E, assim sendo, será neste caso o órgão da execução fiscal o competente para apreciar tal pedido.
Tem razão a recorrente quando alega que não faz sentido invocar aqui a norma constante do n.º 8 do artigo 199.º do CPPT para sustentar a competência do órgão da execução fiscal para a apreciação do pedido referente à prestação de garantia em sede de oposição à execução fiscal na medida em que o regime desse artigo, que é referente à prestação de garantia necessária à autorização do pagamento da dívida exequenda em prestações, apenas se aplica à impugnação judicial por força da remissão do n.º 4 do artigo 103.º do CPPT e ainda assim essa remissão deixa de fora o n.º 8 desse artigo 199.º, sendo que não existe qualquer remissão expressa para a oposição à execução.
Mas já carece, porém, de razão a recorrente ao sustentar que o disposto no artigo 103.º, n.º 4 do CPPT é aplicável directamente à oposição à execução por força da remissão do artigo 212.º do mesmo Código ao estabelecer que a oposição suspende a execução «nos termos do presente Código».
Com efeito, contrariamente ao entendimento da recorrente, e como bem salienta o Exmo. PGA no seu parecer, o artigo 212.º do CPPT não autoriza a conclusão de que, à semelhança do processo de impugnação judicial, na pendência de processo de oposição à execução fiscal seja o tribunal tributário competente para a apreciação do pedido de dispensa de garantia.
Desde logo, porque o artigo 103.º, n.º 4 do CPPT também não confere para tal explícita competência ao tribunal, sendo que a mesma apenas resulta da melhor interpretação da norma, pois sendo a notificação para a prestação da garantia efectuada pelo tribunal faz todo o sentido, por uma questão de coerência do sistema, que seja o tribunal a apreciar a garantia prestada no caso de impugnação judicial.
Por outro lado, a remissão do artigo 212.º do CPPT para os termos do presente Código apenas deve ser interpretada no sentido da aplicação à oposição à execução dos requisitos que determinam a suspensão da execução nos casos de prestação de garantia na pendência de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda (artigos 103.º, n.º 4 e 169.º, n.ºs 1 e 5 do CPPT).
Em suma, a norma constante do artigo 103.º, n.º 4 do CPPT, permitindo a apreciação da garantia prestada ou do pedido de dispensa de prestação de garantia pelo tribunal, apenas é aplicável ao pedido formulado na pendência de impugnação judicial e não de oposição à execução fiscal.
A decisão recorrida que assim entendeu deve, por isso, ser confirmada.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2010. – António Calhau (relator) – Miranda de PachecoPimenta do Vale.