Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0434/18.4BEPNF
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONCURSO DE PESSOAL
GRAU ACADÉMICO
Sumário:Não é de admitir a revista do aresto confirmativo da sentença que anulou o acto camarário que excluíra o autor de um certo concurso de pessoal - exclusão advinda de o aviso de abertura exigir a posse de uma licenciatura e de o autor, embora titular do grau de Mestre na mesma área científica, não ser licenciado - se, para além do assunto ser dificilmente repetível, a argumentação das instâncias se mostrar plausível e imune às razões que o município recorrente esgrimiu em contrário.
Nº Convencional:JSTA000P24721
Nº do Documento:SA1201906260434/18
Data de Entrada:06/05/2019
Recorrente:CÂMARA MUNICIPAL DA TROFA
Recorrido 1:A…………………..
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
O Município da Trofa interpôs esta revista do acórdão do TCA Norte confirmativo da sentença do TAF de Penafiel que, antecipando - num meio cautelar - o juízo sobre a causa principal e julgando procedente a lide interposta por A…………………………, melhor identificado nos autos, contra o aqui recorrente, anulou o acto camarário que excluíra o requerente e ora recorrido de um determinado concurso de pessoal.

O município recorrente pugna pela admissão da revista porque ela versa sobre uma questão relevante, repetível e mal decidida.

O recorrido contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade da revista.

Cumpre decidir.

Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150°, n.º 1, do CPTA).

A CM Trofa abriu um concurso, para o preenchimento de vários lugares da carreira de técnico superior, cujo aviso de abertura exigia a posse de uma licenciatura na área do Desporto.

O ora recorrido candidatou-se a tal concurso; mas foi excluído porque, sendo embora detentor do grau de Mestre nessa área, não é titular da respectiva licenciatura.

O recorrido requereu «in judicio» a suspensão da eficácia do acto de exclusão. E, na sequência da antecipação do juízo sobre a causa principal, as instâncias unanimemente convieram na anulação do acto, resultante da ilegalidade - «ex vi» do art. 86°, n.º 1, aI. c), da LTFP (Lei n.º 35/2014, de 20/6) - da regra do aviso de abertura do concurso que exigia aos candidatos a detenção de uma licenciatura, assim desconsiderando qualquer grau académico superior.

Na sua revista, o Município da Trofa reafirma a bondade desse ponto do aviso de abertura e do acto impugnado, sustentando-a em dois básicos argumentos: por um lado, e à luz daquele art. 86º, n.º 1, al. c), a Câmara Municipal disporia do poder discricionário de exigir aos concorrentes a titularidade de uma licenciatura; por outro lado, o grau de Mestre, indiscutivelmente possuído pelo aqui recorrido, não consome nem engloba a licenciatura - como se depreenderia do art. 17°, n.º 3, do DL n.º 74/2006, de 24/3 (regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior).

Portanto, o recurso coloca uma única «quaestio juris»: a de saber se é admissível restringir o acesso a um concurso de pessoal a quem é licenciado, dele afastando quem detiver graus académicos superiores. E isto mostra logo que o problema jurídico dos autos raramente se recolocará, dado que, em regra, os mestres e os doutores também são licenciados. Assim, e nos ativermos a um mero critério de repetibilidade, não há razão para se receber a revista.

E importa agora ver se tal recebimento se justifica para se melhorar a aplicação do direito. As duas instâncias consideraram «absurdo» que, relativamente à mesma área científica, a Administração se predisponha a recrutar licenciados e a excluir os mestres (ou os doutores) carecidos daquele primeiro grau académico. Ao que o município fundamentalmente riposta com a discricionariedade de que se crê investido na matéria. Mas é óbvio que o tal art. 86°, n.º 1, aI. c) - que define o grau 3 da complexidade funcional das carreiras - não confere essa precisa discricionariedade. O que aí consta, aliás «impliciter» ou «a silentio», é que se pode exigir, no mínimo, «a titularidade de licenciatura ou de grau académico superior a esta»; pelo que o poder discricionário admitido na norma reside na possibilidade de se exigir a posse do grau de Mestre (ou de Doutor), excluindo-se a licenciatura - e não o inverso.

Por outro lado, a circunstância - prevista no art. 17°, n.º 3, do DL nº 74/2006 - de um certo currículo escolar permitir o acesso ao ciclo de estudos conducente ao grau de Mestre, mas não valer, «a se», como licenciatura, é irrelevante «in casu»; pois só relevaria se o recorrido se houvesse arrogado possuidor de uma licenciatura que não tem - e isso nunca sucedeu, fosse no procedimento, fosse nestes autos.

Assim, e «primo conspectu», as instâncias andaram bem ao julgarem ilegal o segmento do aviso que automaticamente excluiria do concurso os candidatos carecidos de licenciatura na área, mas possuidores de um grau académico superior, já que uma restrição dessas não corresponde a qualquer discricionariedade conferida «ex lege» nem se afigura conforme à «ratio» subjacente às regras sobre a outorga e a eficácia dos graus académicos.

Deste modo, depara-se-nos um caso muito singular que ambas as instâncias julgaram de um modo plausível. Pelo que não se justifica que aqui quebremos a regra da excepcionalidade das revistas.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Porto, 26 de Junho de 2019. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.