Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0744/12
Data do Acordão:04/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
DÍVIDA À SEGURANÇA SOCIAL
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário:I - No processo executivo especial para cobrança de dívidas à segurança social, previsto no Decreto-Lei n.° 42/2001, de 9 de Fevereiro, são títulos executivos as certidões de dívida emitidas, nos termos legais, pelas instituições de solidariedade e segurança social (art . 7.°, n.° 1, deste diploma).
II - Por regra as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar (mediante aplicação das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações).
III - Nessa situação, a lei permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio definidor da obrigação, motivo por que não é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo de execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA00068228
Nº do Documento:SA2201304230744
Data de Entrada:07/02/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:INST DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, SECÇÃO DE PROCESSOS DE LEIRIA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPPT99 ART162
DL 42/2001 DE 09/02 ART7 N1 N2 N4
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0436/09 DE 2009/09/23; AC STA PROC0104/12 DE 2012/05/30; AC STA PROC0443/12 DE 2012/06/14
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A……………, Ldª , melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal deduzida contra as liquidações das contribuições para a segurança social, no montante global de € 77.094,02.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) – O envio da declaração de remunerações e apuramento das contribuições/cotizações sem meio de pagamento não preenche nenhuma das espécies de título executivo prevista no artigo 162º do CPPT.
B) – Não preenchendo as declarações de remunerações e apuramento das contribuições/cotizações nenhum dos títulos executivos legalmente previstos, a instauração da execução com base no valor apurado nas referidas declarações carece de prévia notificação do sujeito passivo para o seu prévio pagamento voluntário.
C) — A douta decisão recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do artigo 162º do CPPT.

2 – O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. não apresentou contra alegações.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu o douto parecer, com a seguinte fundamentação:

«1. Matéria contravertida.
- se o envio da declaração de remunerações e apuramento das contribuições/cotizações à Segurança Social sem meio de pagamento não preenche nenhuma das espécies de título executivo prevista no art. 162º do C.P.P.T.;
- se a instauração da execução com base nos valores apurados carecia de prévia notificação do sujeito passivo para pagamento voluntário.
2. Posição que se defende.
Invoca o recorrente com eventual relevância ter enviado as respectivas declarações sem os respectivos meios de pagamento.
Assim, e pese embora não ter impugnado especificamente a apreciação efectuada quanto à matéria de facto, afigura-se que, mesmo face aos termos em que se mostra interposto o recurso, é de julgar antes de mais no sentido da incompetência deste Tribunal.
Com efeito, o art. 38.º, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.), na redacção dada pela Lei nº 13/02, de 19/2, atribui competência à Secção do Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários, com excepção dos referidos na citada alínea b) do art. 26º.
Também o art. 280º., n.º 1, do C.P.P.T. prescreve que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tributário do Tribunal Central Administrativo, salvo se a matéria do mesmo for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A.).
A entender-se assim, este Supremo Tribunal é incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, nos termos que resultam dos ditos arts. 38º al. a) do E.T.A.F. e 280.º nº 1 do C.P.P.T., conforme, aliás, vem sendo entendido na mais recente jurisprudência do S.T.A.- cfr., por todos, ac. de 22-9-2010, proferido no proc. n.º 466/10, e Jorge Lopes de Sousa no C.P.P.T. An. e Com., 6. ed., p. 226.
No entanto, e caso se entenda ser o S.T.A. competente e caso, mais se defende que o recurso é de improceder, pois o art. 162.º do C.P.P.T. comporta o entendimento que os títulos executivos relativos a dívidas de contribuições/cotizações à Segurança Social se enquadram na sua al. d), conforme defende Jorge Lopes de Sousa em CPPT An. e Com., 6. ed., Vol. III, p. 123, com base no que resulta do art. 7º do Dec.-Lei n.º 42/01, de 9/2.
Concluindo, parece ser de declarar a incompetência do S.T.A. para conhecer do presente recurso, sem prejuízo de poder ser requerida a remessa do processo ao Tribunal Central Administrativo do Sul, o qual é o competente para conhecer do mesmo, nos termos do art. 18º n.º 2 do C.P.P.T., e caso tal venha a ocorrer; no entanto, caso se entenda no sentido deste tribunal ser competente, parece que é de julgar o recurso improcedente.»

4 – Por despacho do relator a fls. 97 dos autos, foram as partes notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre a questão da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal, suscitada no parecer do Ministério Publico, ao qual nada vieram dizer.

5 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

6- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
1. A oponente foi citada para a execução por carta registada com aviso de recepção, mediante ofício de 19/6/2009 (fls. 20 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
2. Os processos de execução fiscal são os seguintes e referem-se aos períodos a seguir discriminados:
a. Processo de execução fiscal n.º 1001200801022598:
1. — Contribuições de Dezembro de 2005 e Outubro a Dezembro de 2007 -quantia exequenda: € 8.193,49;
b. Processo de execução fiscal nº 1001200801022601:
i. — Contribuições de Dezembro de 2005 e Outubro a Dezembro de 2007 - quantia exequenda: € 17.554,50;
c. Processo de execução fiscal n.º 1001200900034738:
i. — Contribuições de Julho 2005, Janeiro e Fevereiro de 2008 - quantia exequenda: € 5.8.10,80;
d. Processo de execução fiscal n°1001200900034746:
i. — Contribuições de Julho 2005, Janeiro e Fevereiro de 2008 - quantia exequenda: € 12.546,00;
e. Processo de execução fiscal n.º 1001200900062723:
i. — Contribuições de Março, Abril, Junho a Dezembro de 2008 - quantia exequenda: € 10.442,64;
f. Processo de execução fiscal n°0 1001200900062731 -
i. - Contribuições de Março, Abril, Junho a Dezembro de 2008 - quantia exequenda: € 22.546,59.
3. Tudo como consta de fls. 26 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido.
4. No processo de execução fiscal n.º 1001200801022598 e apenso n.º 1001200801022601 a oponente foi citada em 3/3/2008 (fls. 7 e 13 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
5. No processo de execução fiscal n.º 1001200900062715 e apensos 1001200900062713 e 100120000062731 a oponente foi citada em 29/6/2009 (fls. 20 e 22 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
6. A oposição foi apresentada em 25/10/2010 (fls. 2 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

Do objecto do recurso:

7. Questão previa da incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia.
Importa a título prévio decidir da competência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecer do presente recurso, questão essa suscitada no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto a fls. 96 dos autos.
Alega aquele ilustre magistrado que pese embora não tenha sido impugnada especificamente a apreciação efectuada quanto à matéria de facto, “face aos termos em que se mostra interposto o recurso, é de julgar antes de mais no sentido da incompetência deste Tribunal”.
Não cremos, no entanto, que lhe assista razão.
A competência em razão da hierarquia integra pressuposto processual relativo ao Tribunal, constituindo requisito de interesse e ordem pública, devendo, por isso mesmo, o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria – cf. artigos 16º n.º 1 e 2 do CPPT e 13º do CPTA.
Ora, de harmonia com o disposto nos artigos 26º al. b) e 38º al. a) do novo ETAF e 280º n.º 1 do CPPT-, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo compete apenas conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com exclusivo fundamento em matéria de direito,
Sendo que aos Tribunais Centrais Administrativos compete, por sua vez conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com excepção dos referidos na alínea b) do n.º 1, do citado art. 26.º do referido Estatuto.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses, factos para o julgamento da causa.
No caso subjudice verifica-se das conclusões das alegações de recurso que as questões que se colocam ao Tribunal são as de saber se o envio da declaração de remunerações e apuramento das contribuições/cotizações à Segurança Social sem meio de pagamento preenche ou não alguma das espécies de título executivo prevista no art. 162º do C.P.P.T, e se e a instauração da execução com base nos valores apurados carecia de prévia notificação do sujeito passivo para pagamento voluntário.
Trata-se de questões que têm por fundamento exclusivamente matéria de direito, relativas à subsunção de uma realidade de facto previamente fixada a uma determinada previsão legal, sendo sob essa perspectiva que a recorrente ataca a decisão recorrida.
O recurso tem assim por fundamento exclusivo matéria de direito, pelo que improcede a questão prévia suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, sendo este Supremo Tribunal Administrativo competente, em razão da hierarquia, para dele conhecer.

8. Improcedendo a questão prévia suscitada, haverá então que conhecer das demais questões objecto do recurso que são as seguintes:
a) saber se o envio da declaração de remunerações e apuramento das contribuições/cotizações à Segurança Social sem meio de pagamento preenche ou não alguma das espécies de título executivo prevista no art. 162º do C.P.P.T;
b) saber se a instauração da execução com base nos valores apurados carecia de prévia notificação do sujeito passivo para pagamento voluntário

Vejamos, pois.

A decisão recorrida considerou que no âmbito das contribuições obrigatórias para a Segurança Social a liquidação cabe à entidade patronal e que, por tal facto, aquela entidade não tem que notificar o contribuinte das dívidas que o próprio liquidou as notificações.

E, prosseguindo neste discurso argumentativo, concluiu pela improcedência da oposição cujo fundamento era a falta de notificação válida das liquidações indicadas no artº 1º da petição inicial – cf. fls. 2 e 3.

Contra o assim decidido insurge-se a recorrente alegando que o envio da declaração de remunerações e apuramento das contribuições/cotizações sem meio de pagamento não preenche nenhuma das espécies de título executivo prevista no artigo 162º do CPPT.
E que, não preenchendo as declarações de remunerações e apuramento das contribuições/cotizações nenhum dos títulos executivos legalmente previstos, a instauração da execução com base no valor apurado nas referidas declarações carece de prévia notificação do sujeito passivo para o seu prévio pagamento voluntário.

Esta argumentação não deve, no entanto, proceder.
Vejamos.
No caso subjudice, do que resulta do probatório, estão em causa certidões de dívida emitidas pela Segurança Social referentes a contribuições em dívida pela executada e ora recorrente, relativas aos períodos Julho e Dez de 2005, Outubro a Dez de 2007, Janeiro a Abril de 2008 e Junho a Dezembro de 2008, as quais deram origem aos processos executivos referidos no ponto 2 do probatório.
Ora o processo de execução das contribuições e dívidas à Segurança Social é regulado por um regime jurídico especial que consta do decreto-lei 42/2001 de 9 de Fevereiro e que é determinado pela natureza de tais dívidas.
Com efeito, por regra as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar (mediante aplicação das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações).
Nessa situação, a lei permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio definidor da obrigação, motivo por que a jurisprudência tem vindo a afirmar, e nós assim também entendemos, que não se trata formalmente de um acto de liquidação, isto é, não se trata de um acto administrativo formal de fixação de uma prestação tributária, pelo que não está, designadamente, dependente de qualquer procedimento tributário próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo de execução fiscal – cf. Acórdãos da 2ª Secção deste Supremo Tribunal Administrativo de 23.09.2009, recurso 436/09, de 30.05.2012, recurso 104/12 e de 14.06.2012, recurso 443/12, todos in www.dgsi.pt.
Como sublinha Jorge Lopes de Sousa ob. citada, pag. 496, já na vigência do DL nº 511/76 a cobrança coerciva das dívidas de contribuições para a segurança social era feita «imediatamente através de processo executivo» (cfr. o Preâmbulo deste diploma), sendo que este regime de cobrança se consubstanciava «na imposição às entidades patronais da obrigação de entrega das folhas de ordenados ou salários e da obrigação de pagamento das contribuições correspondentes, determinadas pela incidência das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações, dentro dos prazos legais (na falta de pagamento das contribuições, era extraída certidão das folhas de ordenados ou salários que era remetida ao tribunal competente para a execução – cfr. o nº 1 do art. 2º e o art. 9º do mesmo DL), sendo, pois, o próprio contribuinte que tinha de calcular as contribuições devidas, aplicando as percentagens legais às remunerações, não havendo qualquer acto praticado por uma autoridade pública declarativo de uma obrigação de pagamento da quantia referente às contribuições, pelo que não pode falar-se, nos casos em que não há cobrança coerciva, da existência de um acto de liquidação (ressalvados determinados casos especiais)».

Ora, este regime foi mantido, no essencial, pelo DL n° 103/80, de 9/5, pelo DL nº 140-D/86, de 14/6 (que criou a taxa social única), pelo DL nº 199/99, de 8/6, pelo DL nº 8-B/2002, de 15/1 e pelo Decreto Regulamentar n° 26/99, de 27/10, sendo que também o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16/9 (cuja entrada em vigor estava prevista inicialmente para 1/1/2010 e passou para 1/1/2011, com a alteração introduzida ao art. 6° daquela Lei pela Lei nº 119/2009, de 30/12), mantém regime idêntico, embora com alteração dos prazos.
Assim, no processo executivo especial para cobrança de dívidas à segurança social, previsto no Decreto-Lei n.° 42/2001, de 9 de Fevereiro (Actualizado pelo Decreto-Lei nº 112/2004, de 13 de Maio e pelas Leis nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro e Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril.), são títulos executivos as certidões de dívida emitidas, nos termos legais, pelas instituições de solidariedade e segurança social (art. 7.°, n.° 1, deste diploma) (Vide também neste sentido Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 6ª ed., vol. III, pags.129/130.).
Estas certidões devem indicar o órgão de execução ou a instituição que as tiverem extraído, com a assinatura devidamente autenticada, data em que foram passadas, nome e domicílio do devedor, proveniência da dívida e indicação, por extenso, do seu montante, da data a partir da qual são devidos juros de mora e da importância sobre que incidem, com discriminação dos valores retidos na fonte, se for o caso (n .° 2 do mesmo art. 7.°). E ao título executivo deve ser junto o extracto da conta corrente, quando for caso disso (n .° 4 do mesmo artigo).
Requisitos esses que no caso se verificam.
Daí que, por tudo o que foi dito, falece a argumentação da recorrente ao sustentar que as declarações de remunerações e apuramento das contribuições/cotizações não preenchem nenhum dos títulos executivos legalmente previstos e que a instauração da execução com base no valor apurado nas referidas declarações carece de prévia notificação do sujeito passivo para o seu prévio pagamento voluntário.
Improcedem, pois, todas as conclusões do recurso.

9. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Abril de 2013. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Francisco Rothes.