Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0201/10
Data do Acordão:06/30/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
INÍCIO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
IVA
NULIDADE PROCESSUAL
DESPACHO DE REVERSÃO
Sumário:I - Se o Recorrente não contesta a factualidade fixada na sentença nem pretende adversar quaisquer ilações de facto, limitando-se a discordar da aplicação do direito a essa factualidade, não pode deixar de se reconhecer a competência hierárquica do STA para o conhecimento do recurso.
II - O aviso que no processo de execução fiscal foi emitido para citação da devedora principal não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional de dívidas em cobrança nas execuções fiscais que posteriormente foram instauradas e apensadas àquele processo.
III - Não havendo acto interruptivo da prescrição relativamente à devedora principal, não há que aplicar e interpretar o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 48.º da LGT sobre os efeitos desse acto relativamente ao responsável subsidiário.
IV - A citação do responsável subsidiário determina a interrupção da prescrição nos termos previstos no n.º 1 do artigo 49.º da LGT, com a consequente inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil).
V - A redacção dada ao n.º 1 do artigo 48.º da LGT pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, relativa à forma de contagem do prazo de prescrição das dívidas de IVA, é aplicável aos prazos de prescrição ainda em curso à data da sua entrada em vigor.
VI - A falta de notificação do despacho de reversão ao mandatário constituído não é susceptível de gerar a nulidade ou a anulação desse despacho, da citação e do despacho determinativo da penhora de bens, pois que essa falta, não respeitando à legalidade destes actos, não é susceptível de inquinar a sua validade.
VII - Tal falta, podendo constituir uma nulidade processual determinante da anulação dos termos subsequentes considerados como absolutamente dependentes da formalidade omitida (artigo 201.º n.º 2 do CPC), deve ser suscitada no próprio processo executivo e decidida pelo respectivo órgão, com reclamação da decisão desfavorável para o respectivo tribunal.
Nº Convencional:JSTA00066509
Nº do Documento:SA2201006300201
Data de Entrada:03/15/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART101 ART201 N2 ART684 N3 ART690 N1 N3.
CPPTRIB99 ART16 N2 ART276 ART278.
ETAF02 ART26 B ART38 A.
LGT98 ART49 N1 ART48 N1 N3 ART12.
CCIV66 ART326 N1 ART12 N2.
Referência a Doutrina:BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG242- 243.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (a fls. 87/92), que julgou improcedente a reclamação que deduziu, ao abrigo do disposto nos artigos 276º e seguintes do CPPT, contra o despacho que ordenou a penhora dos seus bens no processo de execução fiscal nº … e apensos, contra si revertido.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
A O recorrente insurge-se contra a decisão de primeira instância que, assentando numa errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, julgou, por um lado, não se encontrarem prescritas as dívidas exequendas revertidas (IRC de 2000 e 2001, IVA 2000, 2001 e 2002) e, por outro, irrelevar a falta de notificação do despacho de reversão aos mandatários judiciais constituídos no processo.
B Desde logo, errou a sentença recorrida na interpretação e aplicação dos artigos 48.° e 49.° da Lei Geral Tributária (doravante L.G.T.) e na subsunção aos mesmos à factualidade provada nos autos.
C Na verdade, e não obstante ter considerado assente que, em 14/09/2001, foi emitido o aviso-citação da sociedade devedora (facto 3), a decisão a quo não deu como provado qualquer facto relativo à sociedade devedora originária susceptível de determinar a interrupção do prazo prescricional.
D O facto interruptivo, atenta a ratio do artigo 49.° n.° 1 da L.G.T. e do próprio instituto da prescrição, é tão só, mas não menos, a efectiva e regular citação pessoal da executada originária - que não ficou provada nem por qualquer modo demonstrada - donde se pudesse presumir ou ter por certa a susceptibilidade do seu conhecimento.
E Ora, apenas a citação, enquanto acto pessoal e receptício, cuja função é dar conhecimento ao destinatário (neste caso, a devedora originária) que contra ele corre termos um processo de execução fiscal, chamando-o à execução e fazendo iniciar o prazo para deduzir oposição e exercer os demais direitos que lhe são facultados, explica e justifica a interrupção do prazo prescricional.
F A emissão ou mesmo a expedição da carta - aviso para citação (que, aliás, se deve considerar como meramente provisória) não tem qualquer relevância interruptiva do prazo prescricional em curso, até porque não permite presumir, garantir ou ter por assente que o destinatário teve ou pôde ter conhecimento que contra ele foi instaurada a execução.
G Não decorre, além do mais, do probatório que a citação tenha sido pessoal, em cumprimento do artigo 191.° do C.P.P.T. (que fixa em 250 UC o limite para além do qual a citação tem de ser pessoal).
H Sendo certo que, apesar de este admitir a citação por simples postal no caso de dívidas exequendas de valor relativamente baixo - que, de qualquer modo, não é o caso, por estarem em causa centenas de milhares de euros - deverá considerar-se, na esteira da melhor doutrina, que não se trata aqui de uma verdadeira citação, até porque o artigo 193.° n.º 2 do C.P.P.T. impõe a citação pessoal do executado, aquando da penhora.
I Não poderia, pois, a sentença recorrida ter considerado interrompido o prazo prescricional, por não ter base factual dada como provada para assim o concluir.
J Acresce, por outro lado, que a decisão a quo interpretou e aplicou erroneamente a lei, quando considerou que este pretenso efeito interruptivo seria oponível ao revertido, não obstante a reversão ter ocorrido em meados de 2009, pois “considerando os prazos de pagamento voluntário constantes das certidões de dívidas revertidas (2004 e 2006), verifica-se que a citação do responsável subsidiário não ocorreu após o 5° ano posterior”.
K Erra, assim, ao convocar, para a aplicação do artigo 48.° n.° 3 da L.G.T., os prazos de pagamento voluntário de dívidas relativas aos exercícios de 2004 e 2006, não constando do probatório qualquer elemento relativo ao concreto ano da liquidação, sendo que o termo do pagamento voluntário tanto se poderá referir ao prazo subsequente à notificação das liquidações (artigos 84.° e ss do C.P.P.T.) como se poderá referir, num sentido mais lato, ao prazo de 30 dias após a citação.
L Erra também, porquanto as dívidas a que a sentença a quo se reporta, nesta sede, não foram objecto de reversão contra o recorrente (apenas foram revertidas as dívidas correspondentes aos anos de 2000 a 2002).
M E erra ainda no cômputo do prazo dos cinco anos referido no artigo 48.° n.° 3 da L.G.T., quando é certo que a melhor interpretação deste impõe que a contagem deste prazo se faça a partir do ano a que se reporta efectivamente a liquidação e assim, a partir de 2000, 2001 e 2002, respectivamente, posto serem estes (e não outros) os anos das liquidações subjacentes às dívidas exequendas revertidas.
N Assim, a pretensa citação do recorrente, ocorrida em 2009 (a existir e considerar-se perfeita e eficaz) é muito posterior aos indicados 5 anos, não produzindo, pois, efeitos interruptivos da prescrição quanto a este.
O Pelo que, se acaso tivesse ocorrido algum efeito interruptivo anterior relativo à sociedade originária (e não existe, como já se demonstrou), sempre seria forçoso concluir pela inoponibilidade de tal efeito ao aqui recorrente, por força do artigo 48.° n.° 3 da L.G.T.
P Finalmente, errou ainda a sentença ao considerar desnecessária, com base numa equiparação sem fundamento legal, a notificação do despacho final de reversão aos mandatários constituídos no respectivo procedimento administrativo.
Q O ora recorrente, aquando da apresentação da defesa em sede de audição prévia no procedimento de reversão, constituiu mandatários judiciais, outorgando procuração forense que oportunamente foi junta aos autos.
R Por força do disposto no artigo 40.° do C.P.P.T., o despacho de reversão - acto administrativo inserido num procedimento - deveria ter sido notificado aos mandatários judiciais, na pessoa destes e no seu escritório, sob pena de ineficácia do próprio acto.
S No entanto, o despacho de reversão não foi notificado a qualquer dos mandatários que, assim, não puderam ter conhecimento da decisão final do respectivo procedimento, que fundamentou a citação.
T A falta de notificação ao mandatário do recorrente do despacho final de reversão - ao arrepio do expressamente consagrado no artigo 40.° do C.P.P.T. - configura uma nulidade, conforme decorre do artigo 201.° do C.P.C., inquinando os actos subsequentes do mesmo, incluindo a penhora e a própria citação, por influir decisivamente no exame e na decisão da causa.
U Aliás, preterida que foi uma formalidade legal, sempre o acto se teria por anulável, determinando a nulidade dos actos consequentes (e assim, da própria citação).
V Por outro lado, viola também o direito à tutela jurisdicional efectiva e de acesso ao direito consagrado no artigo 20.° da C.R.P., que abarca o direito de defesa, de constituir e ser representado por mandatário judicial, no âmbito de um qualquer procedimento ou processo, e de se fazer acompanhar por um advogado perante qualquer autoridade (cfr. também artigo 62.° do Estatuto da Ordem dos Advogados e artigo 6.° do C.P.P.T.) - tendo o recorrente e o seu mandatário confiado que todos os actos do procedimento, maxime o final, seriam notificados a este último, permitindo, assim, o exercício atempado dos direitos que aquele assistiam.
W Pelo que, não poderá o acto de reversão produzir quaisquer efeitos e, se não nulo ou anulável, mostra-se pelo menos ineficaz, não podendo servir de base ou título executivo contra o ora recorrente, nem de fundamento a própria citação, que deverá considerar-se, por isso, nula e também ela insusceptível de produzir efeitos jurídicos.
X Não pode, pois, aceitar-se, como o fez a sentença recorrida, que a matéria irrelevava, invocando uma suposta especialidade do artigo 191.º n.° 3 relativamente ao artigo 40.° do C.P.P.T., que implicaria a desaplicação deste último, quando é certo o âmbito de ambos em nada se confunde: a citação é o primeiro acto do processo de execução fiscal, enquanto o despacho de reversão – autonomamente impugnável – é a decisão final do procedimento de reversão.
Y O despacho de reversão - independentemente de acompanhar a citação pessoal do próprio executado - deverá sempre ser notificado ao mandatário constituído no processo, até porque é autonomamente impugnável.
Z E os actos subsequentes ao mesmo, e assim, a citação e a penhora, que dependem da sua validade e eficácia, devem também, em consequência, ser declarados nulos ou anulados.
AA Pelo que deverá ser ordenada a referida notificação, com a respectiva supressão de todos os actos consequentes ao acto de reversão, nomeadamente a citação, determinando-se a invalidade do acto de penhora entretanto reclamado.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, através do parecer de fls. 144/145, sustentou a incompetência hierárquica deste Tribunal para o conhecimento do recurso, nos termos seguintes:
«O Recorrente no ponto C) das conclusões da sua alegação de recurso afirma que “Na verdade, e não obstante ter considerado assente que, em 14/09/2001, foi emitido aviso-citação da sociedade devedora (facto 3), a decisão a quo não deu como provado qualquer facto relativo à sociedade devedora originária susceptível de determinar a interrupção do prazo prescricional.”
Prossegue, depois, na alínea D) das mesmas conclusões, afirmando que, "O facto interruptivo, atenta a ratio do artigo 49.°, nº 1 da LGT e do próprio instituto da prescrição, é tão só, mas não menos, a efectiva e regular citação pessoal da executada originária - que não ficou provada nem por qualquer modo demonstrada - donde se pudesse presumir ou ter por certa a susceptibilidade do seu conhecimento.”.
No ponto G) das conclusões, considera que "Não decorre, além do mais, do probatório que a citação tenha sido pessoal, em cumprimento do artigo 191.° do CPPT ...”.
E, conclui no ponto I) que "Não poderia, pois, a sentença recorrida ter considerado interrompido o prazo prescricional, por não ter base factual dada como provada para assim concluir”.
Constata-se, assim, que o Recorrente põe em causa juízos de apreciação de prova feitos pelo Tribunal Recorrido, manifestando clara divergência nas ilações de facto retiradas do probatório, pretendendo desse modo retirar apoio para a sua fundamentação jurídica.
O Recorrente controverte o julgamento de facto levado a efeito pelo juiz, retirando daí relevantes consequências jurídicas.
No caso concreto não pode considerar-se ter o recurso por fundamento exclusivo matéria de direito, dado o Recorrente concluir que a sentença recorrida não podia ter considerado interrompido o prazo prescricional, por não ter base factual dada como provada para assim concluir.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que “se nas conclusões das alegações de recurso o recorrente controverte o julgamento de facto levado a efeito pelo Mm. Juiz, retirando daí relevantes consequências jurídicas, é competente para conhecer do recurso o Tribunal Central Administrativo.” (acórdão do STA de 28/10/2009, processo n.º 695/09).
Verifica-se, portanto, em nosso entender, a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo para o conhecimento do recurso, já que versando matéria de facto, será, competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo do Sul.».
1.4. Notificado que foi o Recorrente para se pronunciar sobre a questão suscitada pelo Ministério Público, veio sustentar a competência deste Tribunal para o conhecimento do recurso, argumentando que as questões que coloca são questões exclusivamente de direito e que não põem em causa o julgamento de facto efectuado pelo tribunal a quo, discordando apenas das ilações jurídicas que o tribunal retirou dos factos assentes, pois que, na sua tese, o facto interruptivo da prescrição que a sentença ponderou relativamente à devedora originária e cujos efeitos estendeu a si - a emissão de aviso-citação - não é susceptível de determinar a interrupção da prescrição.
1.5. Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir.
* * *
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. A B…, Lda, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Sesimbra em 04/09/1990, sendo um dos sócios o ora reclamante, pertencendo a gerência a todos os sócios e obrigando-se a sociedade com a assinatura de 3 gerentes (cfr. fls. 113/114 do processo executivo em apenso).
2. Em 13/09/2001 foi instaurado no Serviço de Finanças de Sesimbra o processo de execução fiscal n° … e apensos em nome de B…, Lda, por dívidas de coimas de 2004, 2005, 2006 e 2008, IRC de 2001, 2002 e 2003 e IVA de 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, no montante total de € 363.691,58 (cfr. fls. 1/13 do processo executivo em apenso).
3. Em 14/09/2001 foi emitido o aviso-citação da sociedade devedora (cfr. fls. 3 do apenso).
4. Em 21/11/2002 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Sesimbra a nomeação do sócio C… como gerente da sociedade e obrigando-se esta com a assinatura do gerente (cfr. fls. 117/121 do apenso).
5. Em 12/02/2009 foi proferido despacho relativo à preparação do processo para efeitos de reversão contra o ora reclamante, na qualidade de responsável subsidiário (cfr. fls. 20/22 do apenso).
6. Em 19/02/2009 o ora reclamante foi notificado do despacho referido no ponto anterior bem como da possibilidade de exercício do direito de audição prévia (cfr. fls. 42/45 do apenso).
7. Em 09/03/2009 foi apresentado junto do Serviço de Finanças o requerimento relativo ao exercício do direito de audição prévia em nome de A…, tendo o requerimento sido subscrito por advogada e sido junta a respectiva procuração forense (cfr. fls. 52/68 do apenso).
8. Em 14/05/2009 foi proferido despacho de reversão da execução contra o ora reclamante, na qualidade de responsável subsidiário pelas dívidas cujo facto constitutivo ou cujo prazo legal de pagamento tenha ocorrido antes de 06/11/2002 (data da renúncia a gerência) e que corresponde ao IVA de 2000, 2001 e 2002 e de IRC de 2000 e 2001, no montante de € 339.748,36 (cfr. fls. 126/127 do apenso).
9. Em 22/05/2009 o ora reclamante foi citado por reversão, tendo-lhe sido enviado o despacho com os fundamentos da reversão (cfr. fls. 134 e 134-A do apenso).
10. A citação referida no ponto anterior foi efectuada através de carta registada com aviso de recepção (cfr. fls. 134/134-A do apenso).
11. Em 26/06/2009 foi determinada a penhora de bens para garantia dos valores em dívida (cfr. fls. 137 do processo executivo).
12. Em 01/08/2009 foi efectuada a penhora de vencimento através do site das penhoras automáticas (cfr. teor de fls. 150 do apenso).
13. O processo de execução fiscal n° … relativo ao IRC de 2000 foi autuado em 16/01/2005 e esteve parado desde essa data até 10/02/2009 (cfr. fls. 10 do processo executivo e respectivo apenso).
14. O processo de execução fiscal n° … relativo ao IRC de 2001 e 2002 foi autuado em 22/02/2006 e esteve parado desde essa data até 10/02/2009 (cfr. fls. 10 do processo executivo e respectivo apenso).
15. O processo de execução fiscal n° … referente a IVA de 2000, 2001 e 2002 foi autuado em 07/01/2005 e esteve parado desde essa data até 10/02/2009 (cfr. fls. 10 do processo executivo e respectivo apenso).
* * *
3. Importa começar por conhecer a questão prévia da incompetência absoluta suscitada pela Recorrida, porquanto a sua eventual procedência prejudicará o conhecimento de qualquer outra questão face ao disposto nos artigos 16.º nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 101.° e segs. do Código de Processo Civil (CPC).
3.1. Tal como resulta da normatividade inserta no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro, a competência do Supremo Tribunal Administrativo para apreciação dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários restringe-se, exclusivamente, a matéria de direito [artigo 26.º, alínea b)], constituindo, assim, uma excepção à competência generalizada do Tribunal Central Administrativo, ao qual compete conhecer “dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º” [artigo 38.º, alínea a)].
Por essa razão, o artigo 280.º, n.º 1 do CPPT prescreve que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo (TCA), salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA).
Deste modo, para aferir da competência, em razão da hierarquia, do STA, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso (sabido que elas definem e delimitam o objecto e âmbito do mesmo - cf. os arts. 684.°, n.º 3, e 690.°, n.º 1 e 3, do CPC) e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto - seja porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, seja porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, seja porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa.
Por conseguinte, ainda que sejam invocados factos que não constam do probatório, haverá que ponderar se com eles o recorrente pretende contrariar a factualidade fixada ou contrariar as ilações de facto extraídas pelo julgador, pois só nesse caso se verifica a incompetência do STA para conhecimento do recurso. E, por outro lado, se os factos invocados forem, em abstracto, irrelevantes para a decisão das questões colocadas no recurso ou se se traduzirem em meras ilações jurídicas, já não se pode afirmar a incompetência do STA.
No caso vertente, o Recorrente não contesta a factualidade fixada na sentença recorrida, mormente a que se encontra fixada no ponto 3.º do probatório, onde consta que «Em 14/09/2001 foi emitido o aviso-citação da sociedade devedora», nem pretende adversar quaisquer ilações de facto, limitando-se a discordar da aplicação do direito a essa factualidade, porquanto, na sua perspectiva, aquele aviso não representa o acto de citação pessoal da sociedade devedora e, por isso, não pode ser encarado como acto interruptivo da prescrição à luz do artigo 49.º, n.º 1 da LGT. E uma vez que, como resulta do probatório, nada se provou quanto à efectivação de um acto de citação pessoal da sociedade, defende que a sentença não podia ter julgado interrompido o prazo prescricional, por não ter base factual dada como provada para assim o concluir – [Conclusões B) a I)].
Por conseguinte, o fundamento do recurso cinge-se, exclusivamente, à errada interpretação de normas jurídicas adoptada pela sentença recorrida, mormente da contida no artigo 49.º, n.º 1, da LGT, e à sua aplicação ao caso concreto, por entender o Recorrente que o conteúdo normativo desse preceito não comporta, na sua “factispecie”, o facto considerado como provado no ponto 3.º do probatório.
E este é o um fundamento que constitui, exclusivamente, matéria de direito.
Pelo que improcede a questão prévia suscitada, declarando-se este Tribunal competente para conhecer do recurso.
3.2. A primeira questão colocada pelo Recorrente traduz-se em saber se a sentença incorreu em erro ao julgar que não se encontravam extintas, por prescrição, as dívidas tributárias cuja cobrança reverteu contra si. E a segunda questão, cujo conhecimento ficará prejudicado no caso de procedência da primeira, traduz-se em saber se a sentença incorreu em erro ao julgar que a falta de notificação do despacho de reversão na pessoa dos mandatários constituídos pelo executado, ora Recorrente, não constitui irregularidade que conduza à anulação desse despacho de reversão e de todos os que dele dependam.
Começando, então, pelo conhecimento da primeira questão, convém realçar que a execução fiscal n.º …, que constitui o processo executivo principal, foi instaurada no Serviço de Finanças em 13/09/2001 com vista à cobrança de dívida proveniente de IVA do ano de 1999, no montante de Esc. 1.112.529$00. Nela foi emitido em 14/09/2001 o aviso-citação a que se refere o ponto 3.º do probatório (cfr. fls. 3 do processo apenso a esta reclamação), destinado à sociedade devedora. E só posteriormente lhe foram apensados outros processos executivos, instaurados em momento ulterior, com vista à cobrança de outras dívidas (coimas, IVA e IRC), sendo que os processos que reverteram contra o ora Recorrente dizem respeito a IVA dos anos de 2000, 2001 e 2002 e a IRC dos anos de 2000 e 2001, em cobrança nos processos de execução apensos ns.º …, … e … – cfr. pontos 8.º, 13º, 14º e 15º do probatório.
A sentença julgou improcedente a questão da prescrição das dívidas que estão a ser exigidas ao Reclamante, ora Recorrente, com base na seguinte argumentação:
Nos termos do art. 48.° n.º 1 da LGT as dívidas tributárias prescrevem no prazo de 8 anos e nos termos do art. 49.° n.º 1 da LGT, a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição;
Com a citação da sociedade devedora, ocorrida com a emissão do aviso-citação em 14/09/2001, surgiu a interrupção da prescrição, a qual, por força do n° 2 do art. 48° da LGT, aproveita não só ao devedor principal como aos responsáveis subsidiários;
O responsável subsidiário, ora reclamante, foi citado para a execução em 22/05/2009 e apesar de a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produzir efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação (art.º 48.º n.º 3 da LGT), não há que aplicar tal norma dado que em face dos «prazos de pagamento voluntário constantes das certidões das dívidas revertidas (2004 e 2006), verifica-se que a citação do responsável subsidiário não ocorreu após o 5° ano posterior, pelo que se conclui que as dívidas revertidas ainda não estão prescritas»;
Por outro lado, quanto à paragem dos processos executivos por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, embora o n° 2 do art. 49° da LGT estipule que essa paragem faz cessar o efeito interruptivo decorrente da citação, obrigando a contar o tempo decorrido até à data da autuação, o certo é que, efectuada a contagem do prazo, conclui-se que o prazo prescricional de 8 anos ainda não decorreu.
Inconformado, vem o Reclamante manifestar a sua divergência quanto à interpretação dada ao n.º 1 do artigo 49.º da LGT, argumentado que o aviso-citação emitido para a sociedade não constitui um acto interruptivo da prescrição, por não representar um acto de citação pessoal, não se saber se chegou ao conhecimento da sociedade ou a data em que isso possa ter ocorrido. Por outro lado, diverge do alcance dado ao n.º 3 do artigo 48.º, porquanto, na sua óptica, mesmo que tivesse ocorrido essa interrupção, ela não podia produzir efeitos relativamente a si, dado que só foi citado em 22/05/2009, isto é, para além do 5.º ano posterior à liquidação dos impostos.
Contudo, e salvo o devido respeito, esses preceitos não são necessários nem decisivos para a solução da questão da prescrição das dívidas cujo pagamento está a ser exigido ao Recorrente. Decisivo é, antes, o facto de as execuções que contra ele reverteram terem sido autuados muito depois da emissão daquele aviso-citação e não estarem por ele abrangidas.
Com efeito, resulta dos pontos 13º, 14º e 15º da materialidade fáctica assente que os processos revertidos contra o Recorrente foram autuados nas seguintes datas:
n° … - relativo ao IRC de 2000 - foi autuado em 16/01/2005, tendo ficado parado desde essa data até 10/02/2009;
n° … - relativo ao IRC de 2001 - foi autuado em 22/02/2006, tendo ficado parado desde essa data até 10/02/2009;
n° … - referente a IVA de 2000, 2001 e 2002 - foi autuado em 07/01/2005, tendo ficado parado desde essa data até 10/02/2009.
Aliás, bastava consultar o teor do aviso-citação para se constatar que ele se destinou a citar a sociedade apenas para o processo de execução n.º …, chamando-a a pagar a dívida de IVA do ano de 1999, no montante de Esc. 1.112.529$00, não englobando, assim, quaisquer outros processos executivos.
Neste contexto, o referido aviso-citação nunca poderia relevar como acto interruptivo da prescrição relativamente às dívidas em cobrança nas execuções fiscais apensas, tornando-se desnecessário saber se o conteúdo normativo do n.º 1 do artigo 49º comporta ou não esse aviso e se ele produziu ou não efeitos interruptivos em relação ao ora Recorrente nos termos previstos no n.º 3 do artigo 48.º da LGT.
Deste modo, e visto que após o momento em que as aludidas execuções deixaram de estar paradas (que coincidiu com a data em que foram apensadas ao processo principal com vista à efectivação da reversão – cfr. fls. 8 a 10), não foi realizado qualquer acto de citação da sociedade, o único facto interruptivo que pode relevar é o acto de citação pessoal do responsável subsidiário, ora Recorrente, em harmonia com o disposto no artigo 49.º, n.º 1 da LGT.
É, pois, neste contexto que importa analisar a questão da prescrição das dívidas de IVA e de IRC em causa nos presentes autos.
Comecemos pelas dívidas de IRC (dos anos de 2000 e 2001).
Segundo o disposto no artigo 48.º, n.º 1 da LGT, as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
Pelo que, estando em causa um imposto periódico, o prazo de prescrição destas dívidas iniciou-se em 1/01/2001 relativamente ao IRC do ano de 2000 e em 1/01/2002 relativamente ao IRC do ano de 2001. Consequentemente, na ausência de factos interruptivos ou suspensivos, estas dívidas prescreveriam em 1/01/2009 e em 1/01/2010, respectivamente.
Constata-se, porém, que o Recorrente foi citado pessoalmente em 22/05/2009, o que acarretou a interrupção da prescrição à luz do disposto no n.º 1 do artigo 49.º da LGT, com a consequente inutilização de todo o período de prescrição anteriormente decorrido (artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil). Com efeito, não decorre da letra da lei que só a citação do devedor originário tenha eficácia interruptiva, e já não a do devedor subsidiário. Aliás, operando a reversão uma alteração subjectiva da instância executiva, chamando pela primeira vez à execução outro devedor, não se vê qualquer justificação para retirar eficácia interruptiva a esta citação do devedor subsidiário para efeitos de prescrição da sua dívida.
Assim sendo, tendo em conta que à data da citação ainda não decorrera o prazo de 8 anos iniciado em 1/01/2002 quanto ao IRC/2001, e que a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido, torna-se inquestionável que o prazo prescricional ainda não se completou no que toca a esta dívida.
O mesmo não acontece com a dívida de IRC de 2000, que se extinguiu por prescrição em 1/01/2009, isto é, antes daquela citação.
Quanto às dívidas de IVA (dos anos de 2000, 2001 e 2002).
Relativamente a este imposto, o artigo 48.º, n.º 1 da LGT dispõe, na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30.12, que as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, no imposto sobre o valor acrescentado, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
Consideramos que esta redacção é aplicável a este prazo de prescrição em curso à data da sua entrada em vigor, porquanto a prescrição, constituindo um facto extintivo do crédito tributário, só ocorrerá no futuro, no termo do prazo de 8 anos que a lei prevê para a ocorrência desse facto extintivo, pelo que a aplicação desta lei aos prazos em curso não implica qualquer efeito retroactivo. Ou, dito de outro modo, porque o facto extintivo da obrigação tributária (prescrição) só sobrevém pelo decurso de determinado lapso de tempo e, como tal, ainda não havia ocorrido no momento do início de vigência da nova redacção do n.º 1 do artigo 48.º, nada obsta à sua imediata aplicação ao prazo em curso, passando a reger a forma da sua contagem para se poder dar por constituído, no futuro, o respectivo facto extintivo.
Como esclarece BAPTISTA MACHADO, inIntrodução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Coimbra, Almedina, a páginas 242/243, «tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento do início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova».
É, aliás, por esta razão que temos defendido que a lei nova é competente para determinar os efeitos que sobre os prazos de prescrição em curso têm os factos interruptivos e suspensivos ocorridos já na sua vigência, não representando essa aplicação imediata da lei nova um efeito retroactivo pois que, achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, o respectivo processo constitutivo fica imediatamente subordinado à lei nova.
Assim, e considerando que não é o início do prazo, mas o seu integral decurso, o facto extintivo da obrigação tributária, facto que ainda não tinha ocorrido à data da entrada em vigor da nova redacção do mencionado preceito legal, impõe-se a conclusão, por aplicação da regra contida na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil e no artigo 12.º n.º 1 da LGT, de que é essa nova redacção a aplicável aos caso dos autos.
Posto isto, conclui-se que o prazo prescricional das dívidas de IVA relativas aos anos de 2000, 2001 e 2002 tem de ser contado nos termos que constam do n.º 1 do artigo 48.º na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004, iniciando-se em 1/01/2001, 1/01/2002 e 1/01/2003, respectivamente.
Por conseguinte, tal como acontece com as dívidas de IRC, apenas se encontra extinta, por prescrição, a dívida relativa ao ano de 2000, atenta a citação do Recorrente em 22/05/2009, que constitui um acto interruptivo da prescrição.
Termos em que, com esta fundamentação, procede parcialmente a questão da prescrição.
3.3. A segunda questão colocada traduz-se em saber se a falta de notificação do despacho de reversão na pessoa do mandatário constituído pelo Recorrente constitui, como este advoga, uma irregularidade que gera a nulidade desse despacho e dos actos subsequentes, designadamente do acto de citação, da penhora de bens que na execução foi efectuada.
Não suscita dúvidas que o Reclamante se encontrava judiciariamente representado na execução por advogado, justamente o advogado que subscreveu a presente reclamação, e que o despacho de reversão não lhe foi notificado, apenas tendo sido realizado o acto de citação pessoal do Reclamante face à qualidade de responsável subsidiário que lhe foi atribuída naquele despacho.
Todavia, tal questão não pode proceder.
Desde logo, porque não constituindo a notificação um elemento integrante do acto comunicando, mas, tão só, um acto complementar que assegura a sua eficácia, nunca aquela falta poderia afectar a validade do despacho de reversão e dos actos que se lhe seguiram. Ou seja, a invocada falta de notificação do mandatário não é susceptível de gerar a nulidade ou a anulação do despacho de reversão, do acto de citação e do despacho que determinou a penhora de bens, pois que não respeita à legalidade desses actos, não inquinando a sua validade.
Pelo que, nunca o Recorrente poderia obter, como pretende, a anulação do acto que constitui o objecto da presente reclamação – despacho que determina a penhora dos seus bens - com tal argumentação. Quando muito, poderia suscitar, no próprio processo executivo, perante o órgão da execução, a questão da nulidade processual cometida nesse processo judicial por falta da aludida notificação, a qual, sendo aí reconhecida, determinaria a anulação dos termos subsequentes considerados como absolutamente dependentes da formalidade omitida (artigo 201.º n.º 2 do CPC), e de cuja decisão poderia reclamar-se para tribunal nos termos previstos nos artigos 276º e 278º do CPPT.
Assim, e com esta fundamentação, nunca poderia proceder esta segunda questão.
* * *
4. Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo parcial provimento ao recurso, julgar extintas, por prescrição, as dívidas de IRC e de IVA relativas ao ano de 2000, revogando-se nessa parte a sentença recorrida, que no demais se confirma embora com diversa fundamentação.
Custas pelo Recorrente, na medida do decaimento, com procuradoria de 1/6.
Lisboa, 30 de Junho de 2010. – Dulce Neto (relatora) - Alfredo Madureira - Valente Torrão.