Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02567/08.6BEPRT
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IVA
EXPORTAÇÃO
ISENÇÃO
Sumário:I - Cabe ao sujeito passivo que pretende beneficiar da isenção prevista na alínea s) do n.º do artigo 14.º do CIVA fazer prova de que os bens exportados saíram efectivamente do território nacional.
II - Tal prova constitui um ónus do sujeito passivo, uma vez que se trata de uma operação, em princípio, sujeita a tributação ex vi do artigo 6.º n.º 17 do CIVA.
Nº Convencional:JSTA000P26605
Nº do Documento:SA22020102802567/08
Data de Entrada:04/02/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1- A representante da Fazenda Pública interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 5 de Dezembro de 2019, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela A…………, Lda., com os sinais nos autos, do acto de indeferimento da reclamação graciosa, relativa à liquidação adicional do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e correspondentes juros compensatórios referentes ao 4.º trimestre de 2003, apresentado, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
«[…]
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial intentada por A…………, LDA., NIPC ………, no segmento relativo à anulação, por erro nos pressupostos, da liquidação adicional de IVA e correspondentes juros compensatórios, relativa ao 4.º trimestre de 2003, na parte atinente às correções efetuadas no montante de € 8 633,72.

B. Conforme decorre da petição inicial, no que a esta parte se refere, a impugnante apenas alega que as situações de isenção do art.º 14º n.º 1, al. s) e de não sujeição contemplada no artigo 6º n.º 18, ambos do CIVA, não pressupõem a comprovação referida no art.º 28º, n.º 8, do CIVA, não fazendo qualquer menção relativamente à isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA.

C. Neste sentido, a impugnante apenas se insurge contra as correções que resultaram da desconsideração da isenção prevista no art.º 14º n.º 1, al. s) e da não-sujeição contemplada no artigo 6º n.º 18, não fazendo qualquer reparo às correções resultantes da desconsideração da isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA.

D. No entanto, na sentença recorrida, o Tribunal a quo pronunciou-se relativamente à isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA, determinando a anulação da correção resultante da sua desconsideração pelos serviços de Inspeção Tributária.

E. Nestes termos, pronunciou-se o Tribunal a quo sobre uma questão que, não sendo de conhecimento oficioso, não podia tomar conhecimento, considerando uma causa de pedir que não foi invocada.

F. Motivo pelo qual, com o devido respeito, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 125º n.º 1 do CPPT e art.º 615º n.º 1 d) do CPC, aplicável por força do art.º 2º, al. e) do CPPT. Sem prescindir,

G. A sentença recorrida anulou a liquidação impugnada na parte atinente correções efetuadas no montante de €8.730,25, por erro nos pressupostos, por considerar: que o n.º 8 do artigo 28.º do CIVA não é aplicável à isenção prevista na alínea s) do n.º 1 do artigo 14.ºdo CIVA, pelo que, em relação às exportações, mostra-se incorreto o afastamento da isenção com tal fundamento; que a não aceitação da isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA com fundamento no disposto no n.º 8 do artigo 28.º não se mostra correta, porquanto esta norma legal estabelece uma imposição de comprovação através de “documentos alfandegários apropriados” e a Administração Tributária não invocou a falta de apresentação desses documentos, tendo efetuado a correção aos valores das transmissões intracomunitárias invocando tal norma e enquadrando na mesma a falta de registo dos adquirentes e de comprovação da saída dos bens do território nacional.

H. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto entende que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por errada interpretação das alíneas q) e s) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA, bem como do art.º 28º n.º 8 do CIVA.

I. Relativamente às prestações de serviços de intermediação relacionadas com transmissões intracomunitárias, concretamente, as comissões cobradas ao cliente “vendedor”, decorre inequivocamente do Relatório de Inspeção Tributária que o que obstou à isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA foi a falta de comprovação dos pressupostos desta isenção.

J. Em relação às comissões cobradas ao cliente “adquirente”, considerou-se que seriam operações não tributáveis nos termos do n.º 18º do art.º 6º do CIVA “quando o adquirente da prestação de serviços de intermediação seja um sujeito passivo registado, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, em outro Estado Membro e que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição”.

K. Verificaram os serviços de Inspeção Tributária que o sujeito passivo, aqui impugnante/recorrida, debitou comissões ao “vendedor” e ao “adquirente” relativas a transmissões cujos adquirentes não se encontravam registados ou sem número de identificação fiscal (conforme decorre do anexo 1 e 2 do RIT).

L. Por outro lado, constataram que não existiam elementos comprovativos de que os bens saíram de Portugal para outro Estado Membro, pressuposto fundamental para que os serviços de intermediação relacionados com transmissões intracomunitárias pudessem beneficiar da isenção de IVA.

M. Ora, atenta a redação do art.º 28º n.º 8 do CIVA e o invocado no RIT sobre a falta de elementos comprovativos de que os bens saíram de Portugal para outro Estado Membro, entende a Fazenda Pública que não se afigurava necessária a menção específica à falta de “documentos alfandegários”, como parece decorrer da sentença.

N. É a própria al. q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA (e não o art.º 28º n.º 8 do CIVA) que prevê que só há isenção destas prestações de serviços se estiverem relacionadas com a expedição ou transporte de bens destinados a outros Estados membros, quando o adquirente dos serviços seja um sujeito passivo do imposto registado e que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição.

O. Tendo as correções efetuadas sido sustentadas na falta de comprovação de todos os pressupostos da isenção previstos prevista na alínea q) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA, não podiam ser anuladas tais correções com o fundamento de que não foi feita menção, no RIT, à falta de apresentação de documentos alfandegários.

P. No que concerne às prestações de serviços de intermediação relacionadas com exportações, ao contrário do que refere a sentença recorrida, o afastamento da isenção não se fundamentou no n.º 8 do artigo 28.º do CIVA, mas sim na falta de comprovativos do pressuposto da isenção prevista na alínea s) do n.º 1 do artigo 14.ºdo CIVA, nomeadamente de que aquelas prestações de serviços estão relacionadas com transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade.

Q. Dispõe a alínea s) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA que são isentas do imposto “As prestações de serviços realizadas por intermediários que atuam em nome e por conta de outrem, quando intervenham em operações descritas no presente artigo ou em operações realizadas fora da Comunidade”.

R. Conforme se refere no RIT: “para que os serviços de intermediação possam beneficiar da isenção é necessário que estejam relacionados com exportações, ou seja, com transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste” conforme o disposto no art.º 14º do Código do CIVA (…) Para que estas operações possam beneficiar da isenção do disposto na alínea s) do n.º 1 do art.º 14º do CIVA, tem que haver comprovativo dos pressupostos da isenção (…)”

S. Ora, independentemente da menção ao n.º 8 do art.º 28º do CIVA, da leitura do RIT é patente que as correções decorrem da falta de comprovação de que aquelas prestações de serviço estão relacionadas com transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade, pelo que, não existindo qualquer elemento de prova nesse sentido, não podiam ser anuladas apenas por se considerar que as correções foram efetuadas com base na falta dos documentos a que se refere o art.º 28º n.º 8 do CIVA.

T. Posto isto, com ressalva do devido respeito, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece, além de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art. 125.º n.º 1 do CPPT e art. 615.º n.º 1 d) do CPC, aplicável por força do art. 2.º, al. e) do CPPT, de erro de julgamento de direito, pois não faz uma adequada interpretação das alíneas q) e s) do n.º 1 do art. 14.º do CIVA, bem como do art. 28.º n.º 8 do CIVA.

Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.
[…]».


2- A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
«[…]
1.ª – Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls._, dada em 3 de Novembro de 2019, que julgou a presente impugnação parcialmente procedente e, em consequência, anulou a liquidação em IVA, e correspondentes juros compensatórios, na parte relativa à correcção efectuada no montante de 16.633,25 € (7.999,53 € + 8.633,72 €), relativamente ao 4.º T de 2003.

2.ª Este recurso foi interposto, pela Fazenda Pública, para o SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO,

3.ª e notificada a Recorrida da sua interposição e das respectivas alegações, em 28 de Janeiro de 2020.

4.ª A impugnação judicial sobre que incidiu a sentença recorrida, teve na sua origem uma acção inspectiva realizada pela AT, cujo objectivo foi analisar e concluir sobre a actuação da Impugnante/Recorrida enquanto sujeito passivo de IRC e de IVA, anos de 2003 e 2004.

5.ª Dessa acção inspectiva resultaram correcções meramente aritméticas introduzidas à matéria tributável da ora Recorrida, quer em IRC, quer em IVA, anos de 2003 e 2004.

6.ª A ora Recorrida, inconformada com a forma como decorreu a sobredita acção inspectiva e com os resultados nela apurados, apresentou a defesa dos seus direitos, legitimamente protegidos, entre os anos de 2007 e 2008.

7.ª Por sua vez, a Recorrente, indiferente ao sentido das decisões entretanto já proferidas, prossegue na senda dos recursos.

8.ª No presente recurso a Recorrente invoca dois argumentos para sustentar o consequente pedido de provimento: (i) a sentença é nula; (ii) o julgamento enferma de erro.

- Quanto à nulidade da sentença

9.ª Essa (pretensa) nulidade decorreria, segundo a Recorrente, do facto de a sentença se ter pronunciado sobre uma questão de que não podia tomar conhecimento.

Teria havido excesso de pronúncia por parte da sentença.

10.ª O excesso de pronúncia residiria, então, na circunstância de a Impugnante/Recorrida não ter feito alusão, a propósito da isenção, à norma do art. 14.º/1-q) do CIVA.

11.ª Só que a Impugnante/Recorrida tratou a matéria da isenção em causa, e não apenas incidentalmente ou de passagem: fê-lo nos arts. 47.º e 48.º da petição inicial e fê-lo também no exercício do direito de audição, no âmbito da reclamação graciosa, descrevendo os factos que enquadram a previsão do referido art. 14.º/1-q) do CIVA.

12.ª E é aqui, na descrição da realidade e na menção dos factos, que reside o ónus de quem litiga no processo tributário, como expressivamente se diz no célebre brocardo “dabo mihi factus, dabo tibi jus”.

13.ª Não pode nunca esquecer-se que, para além doutros princípios fundamentais caracterizadores do contencioso tributário, como o princípio da legalidade e o princípio da verdade material, o princípio aqui dominante é o princípio do inquisitório (neste sentido, RUI DUARTE MORAIS, cit. supra, na nota 3 de rodapé e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, cit. supra, nota 4 de rodapé) correctamente interpretado e aplicado na sentença sob recurso, à luz de um contencioso tributário de plena jurisdição.

- Quanto ao erro de julgamento

14.ª Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o julgamento feito na sentença recorrida, quer quanto à identificação fiscal dos adquirentes, quer quanto à saída dos bens do território nacional não padece de qualquer insuficiência ou inexactidão.

15.ª E nem a identificação feita mediante a indicação do número do grupo que integra empresas clientes da Recorrida deveria ser susceptível de provocar qualquer reparo, sabido como é que constitui um procedimento aceite nos vários Estados-Membros.

16.ª Sem esquecer, porque estamos no domínio do IVA, o princípio da neutralidade fiscal.

17.ª A comprovação da saída das mercadorias está feita em muitos dos documentos incorporados nos volumes que constituem a perícia colegial realizada.

18.ª É o próprio RIT que declara existir prova de que parte dos bens saíram do país e que quanto a outra parte não há prova inequívoca, não explicando nem a AT (no RIT), nem a Recorrente o que seja uma prova não inequívoca, pelo que não pode, obviamente, desconsiderar a isenção em causa.

19.ª Inequívoca é a declaração produzida no Relatório Pericial, pronunciando-se sobre o montante por que a correcção fixada pela AT deverá ser corrigida.

20.ª Em suma, a sentença sob recurso não enferma de excesso de pronúncia, pelo que lhe não é aplicável a norma do art. 125.º/1 – parte final do CPPT, nem, obviamente, a norma do art. 615.º/1-d), parte final do CPC; e também não enferma de erro de julgamento na interpretação que fez das normas do art. 14.º/1-q) e s) e 28.º/8, todas do CIVA, aplicando-as com justa observância dos princípios da legalidade tributária, do inquisitório e da verdade material.

21.ª Julgando como julgou, a sentença sob recurso fez correcta interpretação da LEI e do DIREITO, não merecendo qualquer censura.

Nestes termos e nos mais, de Direito, aplicáveis, deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmada a sentença recorrida, para que se cumpra a LEI e se faça JUSTIÇA. […]».


3- O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que “deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida, devendo os autos baixar ao TAF do Porto para ampliação da matéria de facto e subsequente conhecimento dos pressupostos legais da isenção de IVA”.

4- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. A impugnante tem como actividade “Agente de comércio por grosso de têxteis e calçado” – CAE 51160 – fls. 76 do p.f;
2. A impugnante dedica-se na sua actividade essencialmente à intermediação entre empresas confecionadoras de têxteis e calçado e potencial clientes – Facto não controvertido;
3. Pela Direcção de Finanças do Porto, foi emitida a Ordem de Serviço OI200504081, no âmbito do controlo declarativo do contribuinte, ora Impugnante, pelo seguinte motivo:
“(…)

(...)» [cfr. fls. 83/196 do SITAFJ;

4. Em 06/11/2006, foi elaborado o Relatório Final e respectivos Anexos, sancionado superiormente em 23/11/2006, cfr. fls. 83/196 do SITAF, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e em que se exarou designadamente o seguinte:
(consultar original da sentença do TAF do Porto).








(…)
5. A Impugnante foi notificada do RIT referido em 4. [facto não controvertido];
6. Na sequência da acção inspectiva referida nos pontos anteriores foi efectuada a liquidação adicional de IVA de 2003, 4.º trimestre, n.º 06399742, no montante de €17.138,01, com data limite de pagamento voluntário 28/02/2007 - Cfr. fls. 36 do SITAF;
7. Em 28/06/2007, a impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação impugnada - cfr. doc. 1 junto com a p.i.
8. Em 26/09/2007, a impugnante pronunciou-se sobre o projecto de indeferimento da reclamação no exercício do direito de audição através de requerimento com o seguinte teor- cfr. doc. 4 junto com a p.i.
(consultar original na sentença do TAF do Porto)
9. Em 17/10/2008, pelos serviços de inspecção tributária foi elaborada informação com o seguinte teor – cfr. fls. 32 e ss. do processo físico
(consultar original na sentença do TAF do Porto)
10. Em 05/11/2008, a reclamação apresentada foi indeferida com base no “Parecer” com o seguinte teor - cfr. doc. 1 junto com a p.i.

(consultar original na sentença do TAF do Porto)
11. Em 06/11/2008, mediante ofício 79087, foi notificada à Impugnante a decisão referida em 10., cfr fls. 24 do SITAF;
12. A presente impugnação judicial foi intentada, em 24/11/2008 - Cfr. fls. 1 do SITAF.».

2. Do direito
2.1. A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal Administrativo do segmento da sentença do TAF do Porto que julgou procedente a impugnação da reclamação graciosa da liquidação adicional de IVA relativo ao 4.º trimestre de 2003, na parte atinente às correcções efectuadas com o fundamento de não estarem verificados os pressupostos da isenção nas operações de exportação, no montante de €8.633, 72.

2.1.1. A sentença recorrida anulou a liquidação nesta parte por considerar que se verificava o alegado erro nos pressupostos jurídicos ao ser exigida a apresentação de um documento alfandegário apropriado ex vi do disposto no n.º 8 do artigo 28.º do CIVA (na redacção em vigor àquela data) para que o sujeito passivo pudesse beneficiar da isenção prevista na alínea s) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, quando o referido n.º 8 do artigo 28.º do CIVA não fazia depender aquela isenção da apresentação do referido documento.
2.1.2. A Fazenda Pública insurge-se contra esta decisão e a respectiva fundamentação, alegando erro de julgamento. Alega ainda nulidade da sentença por excesso de pronúncia. Vejamos se tem razão em algum dos fundamentos.

2.2. Em relação ao alegado excesso de pronúncia, considera a Recorrente que a sentença se pronunciou sobre os pressupostos da isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA e que a Impugnante, na p. i., apenas havia questionado a liquidação na parte referente à aplicação da alínea s) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA.
Assim, considera a Recorrente que o Tribunal a quo se pronunciou sobre uma questão que não foi suscitada pela Impugnante (uma causa de pedir não invocada) e que não era de conhecimento oficioso, pelo que a sentença enferma de nulidade nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT e 615.º, n.º d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, al. e) do CPPT. Mas sem razão.
É que a sentença não se pronuncia sobre o IVA liquidado respeitante às isenções da alínea q) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA (transmissões intracomunitárias), pronuncia-se apenas sobre o montante do IVA liquidado pela AT na sequência do procedimento de inspecção tributária relativo às exportações, ou seja, às ilegalidades imputadas à “contabilização dos serviços de intermediação das transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste” e cuja isenção se encontra prevista na alínea s) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA. Um elemento que é facilmente comprovado, desde logo, atentando no valor inscrito no quadro 3.2.1.3. (repartição do IVA por Trimestres) que consta do relatório de inspecção tributária e que está transcrito na matéria de facto da sentença.
A referência que na fundamentação da sentença recorrida se faz à alínea q) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA visa apenas sustentar a decisão tomada no sentido de que a exigibilidade do “documento alfandegário apropriado” se encontrava, no n.º 8 do artigo 28.º do CIVA, expressamente previsto para os casos da mencionada alínea q) (transmissão intracomunitária de bens), mas não para os casos da alínea s) (exportação), tal como vinha alegado na petição; razão pela qual a exigibilidade daquele requisito para o reconhecimento da isenção, tal como contava do RIT, determinava a anulação da liquidação, nesta parte.
A referência à al. q) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA consubstancia um elemento de retórica na fundamentação da decisão (obiter dictum), desnecessário e incorrecto, apto a gerar confusão quando concluiu que também quanto à alínea q) se imporia a anulação da correcção da liquidação do IVA pelo sujeito passivo; mas ainda assim tal afirmação não consubstancia uma pronúncia judicial, na medida em que não é anulada a liquidação relativa a estes valores.
Como este Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado, “[A] nulidade do acórdão por excesso de pronúncia só ocorre quando o tribunal decide uma questão que não havia sido chamado a resolver e que não é de conhecimento oficioso” [por todos, acórdão de 11 de Julho de 2012, (proc. 0356/12)] não tendo neste caso sido decidida pelo Tribunal recorrido qualquer questão que não tivesse sido suscitada, designadamente em relação à liquidação de montantes de IVA relativos à transmissão intracomunitária, improcede o alegado fundamento de nulidade da sentença.

2.3. Do alegado erro de julgamento. Mas tem razão a Recorrente quando alega que existe um erro de julgamento na decisão recorrida. Com efeito, o segmento da sentença que vem recorrido refere-se – já o dissemos – à parte da liquidação adicional do IVA do 3.º trimestre de 2004 na parte respeitante à isenção das exportações ao abrigo do disposto na alínea s) do n.º do artigo 14.º do CIVA, por, como sustenta a sentença recorrida “apenas a isenção prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 14.º está abrangida pela obrigação de comprovação a que se reporta o n.º 8 do artigo 28.º, norma esta que não se reporta à isenção prevista na alínea s) do n.º 1 do artigo 14.º e, nessa medida, não lhe é aplicável. Assim, quanto às exportações em causa, não há que aplicar a norma do n.º 8 do artigo 28.º, razão pela qual o afastamento da isenção com tal fundamento se mostra incorrecto, assim determinando a anulação da correcção efectuada”.
Ora, não é verdade que o fundamento da correcção tributária impugnada, vertido no Relatório de Inspecção Tributária, assente na falta de documento alfandegário apropriado (embora também alegue a sua inexistência) ou na violação do n.º 8 do artigo 28.º do CIVA (embora também alegue que a mesma se verifica), o fundamento da correcção é mais vasto e radica, como resulta do excerto que transcrevemos, da falta de prova de que os bens tenham efectivamente saído do território nacional, o que, na falta do referido documento, seria um ónus que o sujeito passivo que pretendia beneficiar daquela isenção teria de cumprir, uma vez que se trata de uma operação, em princípio, sujeita a tributação ex vi do artigo 6.º n,º 17 do CIVA.
Em outras palavras, o que resulta do RIT é que o sujeito passivo não fez prova dos pressupostos da isenção e, independentemente do modo como essa prova teria de produzir-se, cujos requisitos legais podem não ser os do n.º 8 do artigo 28.º do CIVA, o que se alega no RIT e não vem contestado em nenhum outro sítio pelo Impugnante, é que ela (a prova da saída dos bens) não foi efectuada por nenhum meio.
Assim, ainda que a invocação do n.º 8 do artigo 28.º do CIVA pudesse ser incorrecta, não poderia a sentença ter concluído pela verificação da ilegalidade do acto de liquidação adicional, uma vez que o Impugnante não realizou prova, por nenhuma via, da verificação dos pressupostos da isenção de que pretendia beneficiar.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que anulou a liquidação adicional de IVA respeitantes ao 4.º trimestre de 2003, nas correcções no montante de €8.633,72.

Custas neste recurso pelo Recorrido [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
Custas na primeira instância na proporção do decaimento, que se fixa em 50% para a Impugnante e 50% para a Fazenda Pública.

Lisboa, 28 de Outubro de 2020. - Suzana Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Ferraz - Francisco Rothes.