Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0174/15
Data do Acordão:01/27/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
RECURSO HIERÁRQUICO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Sumário:I - Não obstante o direito de audição prévia também possa ser exercido na forma oral, cabe à entidade que dirige o procedimento fazer a opção pela forma oral ou escrita.
II - A verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação não pode projectar efeitos invalidantes sobre o acto tributário de liquidação que o antecede.
III - Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.
Nº Convencional:JSTA000P19981
Nº do Documento:SA2201601270174
Data de Entrada:02/19/2015
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A………….., Lda., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação de IVA e juros compensatórios respeitante ao ano de 2003, no montante de € 13.060,43.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. O presente recurso vem interposto de douta sentença que julgou improcedente a impugnação apresentada contra a liquidação de IVA de 2004 e absolveu a Fazenda Pública.
2. A recorrente alegou, por diversas ocasiões, que o direito de audição que lhe assistia, tal como previsto no artigo 60º da LGT tinha sido violado, designadamente não lhe foi dada oportunidade de exercer o direito de audição, previamente ao indeferimento da reclamação graciosa, já que a Administração Tributária, através do ofício n.º 5659, de 2006/04/05, comunicou à recorrente que poderia, querendo, exercer o direito de audição sobre o projecto de decisão, exigindo, assim que tal direito fosse exercido por escrito.
3. Ora, de acordo com o disposto nos artigos 60.º, n.º 5 da LGT e 60.º Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), o direito de audição tanto pode ser exercido por escrito como oralmente, cabendo ao contribuinte a opção pelo modo de o exercer.
4. Assim, não foi assegurada a tutela jurisdicional efectiva dos interesses da impugnante, ora recorrente.
5. Por outro lado, a decisão administrativa teve a intervenção do casal (mulher e marido) constituído pela Técnica da Administração Tributária 1, B……….., e marido C………….., com a mulher a prestar a INFORMAÇÃO que sustentou o despacho do decisor, marido.
6. É evidente que dessa intervenção de ambos os cônjuges saltam à vista todas as dúvidas quanto à existência de um mínimo de “garantias de imparcialidade”, dado que as relações familiares levantam suspeitas de que tenha havido entendimentos recíprocos, visando o indeferimento da reclamação graciosa, o que se traduz em prejuízo do contribuinte e benefício da Administração Tributária que, como é sabido, é a entidade patronal de ambos.
7. Por outro lado, a recorrente foi impedida de exercer a audição prévia à decisão de recurso hierárquico.
8. Importa realçar que este direito é uma concretização do direito constitucionalmente consagrado no art. 267º, nº 5 que prevê que a todo e qualquer cidadão é assegurado o direito de participação na formação das decisões/deliberações que lhes digam respeito.
9. É evidente que, foi vedado à recorrente o direito de audição, em todas as fases deste processo e, a douta decisão ao considerar o contrário, incorreu em erro de julgamento.
10. Finalmente, como evidencia o probatório da douta sentença, é manifesto que esta se apoiou no relatório da inspecção tributária mas não discriminou os factos e inexatidões que a Administração Tributária detectou.
11. Porém, a mesma sentença não se pronuncia sobre diversas situações referenciada nos artigos que tratam desta ilegalidade nos artigos 55.º a 60.º da impugnação judicial, designadamente no primeiro destes.
12. Na verdade, tal como sucedeu nos anteriores processos administrativos - reclamação graciosa e recurso hierárquico - também a douta sentença nada diz sobre a realidade que aí se deixou referenciada, já que continua a desconhecer o que é entendido a propósito das clientes da impugnante terem contraído um empréstimo superior ao utilizado na aquisição da viatura.
13. Mais uma vez a douta sentença restringiu-se a considerações vagas, remetendo-se tão só para os fundamentos, invocados no Relatório da Administração Tributária, quando este, por sua vez, já padecia do vício da falta de fundamentação.
14. Dúvidas não há de que inexiste fundamentação de facto e de direito clara, suficiente, congruente e expressa,
15. Pelo que, desconhecem-se quais os critérios que conduziram à eleição dos factos considerados factor-índice e à sua idoneidade e capacidade quântica - cfr. Acórdão de 25/06/98, do STA, Recurso n.º 22750.
16. A douta sentença violou ou deu errada interpretação, salvo o devido respeito, ao disposto nos artigos 30º, 54º, 56º, 60º, 74º, 77º e 98º, todos da LGT, 60º Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), 10º do CPPT, 3º-A do CPC, 87º, 124º e 125º, todos do CPA, 267º da CRP e ao estipulado na Circular nº 17/2008, de 14 de Fevereiro, Série II, da Divisão de Documentação e Relações Públicas, da DGAIC, da DGCI.
17. A argumentação tecida na douta sentença assentou, assim, na errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, sendo consequentemente nula.
18. O que conduz inevitavelmente à nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue procedente a impugnação judicial.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. A Mma. Juíza do TAF de Viseu proferiu despacho (fls. 119) sustentando que não se verifica a invocada nulidade da sentença.

1.5. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«A……………, Lda. recorre da sentença do TAF de Viseu de 13.10.2014 que negou provimento à impugnação da liquidação do IVA e respectivos juros compensatórios referentes ao ano de 2003.
No essencial, a ora Recorrente censura a sentença recorrida quanto aos seguintes aspectos:
- Quanto ao exercício do direito de audição prévia no âmbito da reclamação graciosa;
- Quanto ao exercício do direito de audição prévia no âmbito do recurso hierárquico;
- Quanto à questão da invocada falta de fundamentação do acto impugnado.
Creio que, em parte, lhe assiste razão.
Vejamos:
Consta do probatório da sentença, concretamente do seu ponto 7, que a ora Recorrente foi notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de decisão no âmbito da Reclamação Graciosa, no prazo de 10 dias, não o tendo feito.
Foi, pois, assegurado o direito de participação do contribuinte na formação da decisão da reclamação graciosa, não merecendo acolhimento as reservas que a Recorrente coloca quanto ao facto da AT não ter deixado ao seu critério a opção pela forma (escrita ou oral) de efectivar essa participação.
Com efeito, a conjugação da norma do art. 60.º n.º 6 da LGT e art. 60.º, n.º 3 do RCPIT com o n.º 2 do art. 45.º do CPPT, levam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa ((1) in LGT, Anotada e comentada, 4.ª edição, 2012, pp. 505 e 506), oportunamente citados na sentença recorrida, à conclusão de que «(...) será a entidade que dirige o procedimento a fazer a opção pela forma oral ou escrita, pois é ela que, no âmbito dos seus poderes de direcção e de harmonia com o princípio do inquisitório, determina as diligências a efectuar para atingir esse objectivo».
Quanto a este aspecto não parece que a decisão mereça qualquer censura. E o mesmo se dirá quanto à matéria levada às Conclusões 10 e 11. Por um lado, porque não se vê que na fixação dos factos provados devessem ter sido discriminados cada um dos factos e inexactidões referidas no relatório da inspecção tributária ((2) Não se traduzindo essa mera alegação na discussão da questão factual, caso em que a competência para conhecer do presente recurso não caberia a este Supremo Tribunal mas ao TCANorte). Por outro, porque alegando que a sentença “não se pronuncia sobre diversas situações”, o que é facto é que não vem arguida a nulidade da sentença, por eventual omissão de pronúncia, nem a mesma é configurável, sendo que essa eventual nulidade não é matéria do conhecimento oficioso (art. 125.º do CPPT e art. 615º, n.º 1, al. d) e n.º 4 do NCPC).
Já quanto à fundamentação do relatório da inspecção entende-se que a mesma não cumpre o desiderato da suficiência, mormente no que concerne à fundamentação de direito, uma vez que relativamente aos normativos que cita queda-se, as mais das vezes, pela invocação genérica do preceito, sem concretizar o número e a alínea a que se refere e sem estabelecer a necessária ligação entre os factos invocados e o preceito em causa, o que, salvo melhor entendimento, limita a possibilidade que ao interessado assiste de sindicar, contenciosa e/ou graciosamente, os concreto fundamentos do acto de liquidação.
Igualmente se entende que ocorre vício de forma, por preterição do direito de audição prévia, no âmbito do recurso hierárquico.
Como se ponderou no douto Acórdão deste Supremo Tribunal de 15.10.2008, in Rec. n.º 542/08, “a audição do contribuinte antes da decisão de reclamação graciosa deduzida de uma liquidação de Contribuição Autárquica não afasta o direito de ser ouvido no sequente procedimento de 2.º grau despoletado pela interposição de recurso hierárquico (...)”. E, na verdade, o art. 60.º da LGT, concretamente nos seus n.os 2 e 3, não contempla a dispensa dessa formalidade, inexistindo, nessa matéria, caso omisso que possibilite o recurso às normas do CPA.
É certo, como resulta dos factos provados, que à ora Recorrente foi dada a possibilidade de exercer o seu direito de audição prévia no âmbito da reclamação graciosa. Esse facto, porém, salvo o devido respeito por opinião diversa, não afastava o direito de audição prévia no sequente recurso hierárquico, não só porque o n.º 3 do art. 60.º da LGT apenas contempla a dispensa a audição prévia que é anterior ao acto de liquidação ((3) Como salientam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in ob. cit, a p. 510, “(...) este novo n.º 3 apenas dispensa a audição prevista na alínea a) do n.º 1, a que é anterior ao acto de liquidação, e não qualquer das outras situações previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1”.) e esse não é o caso, como também porque no recurso hierárquico (ponto 11 dos factos provados) a ora Recorrente invocava um facto novo, que traduzia em “impedimento do agente administrativo que proferiu a decisão de indeferimento” e que reputava ser violador dos arts. 44º, alínea b) e 45º, n.º 1, ambos do CPA, matéria sobre a qual o decisor do recurso hierárquico não deixou de se pronunciar, sem a participação do interessado na formação dessa decisão (ponto 12 dos factos provados).
Pronuncio-me, assim, em face do exposto, pela procedência parcial do presente recurso e, nessa medida, pela revogação da sentença recorrida.
É o meu parecer.»

1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. A Impugnante exerce a actividade de comércio de veículos automóveis. - Cfr. fls. 7/19 do Processo Administrativo (PA), cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzidas o mesmo se dizendo para as que infra se descrevem.
2. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200500165 de 14.03.2005, correu termos uma acção de inspecção de âmbito parcial à Impugnante, levada a cabo pela Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária I da Direcção de Finanças de Viseu, relativa aos exercícios dos anos de 2003 e 2004, com início no dia 20.04.2005 e fim no dia 21.06.2005. - Cfr. fls. 7/19 do PA.
3. A Impugnante foi notificada para, no prazo de 8 dias, exercer o direito de audição, sobre o projecto de relatório da inspecção tributária que foi anexado, não o tendo feito - Cfr. fls. 101 do PA.
4. Da acção de inspecção realizada à Impugnante, resultou o relatório de inspecção tributária, do qual consta com interesse para a decisão:
(…) III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
3.1 - IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS
3.1.1 - CORRECÇÕES AOS PROVEITOS (ARTIGO 17º E 20º DO CIRC)
(…)
3.1.1.1 - Cruzamento com informações obtidas das Instituições Financeiras
Da análise, nomeadamente a conta 73 - Proveitos suplementares, verificámos que o s.p. recebe comissões, isentas nos termos do nº 28 do artigo 9º do CIVA, de Instituições de Crédito.
De facto grande parte das vendas são concretizadas por recurso ao crédito junto de empresas financeiras, nomeadamente a …..…., o …………., a ….….., e o …………, conforme consta do anexo J e da contabilidade do s.p.
Assim, solicitamos informações às instituições financeiras atrás enumeradas relativamente às concessões e negociações de créditos que tenham tido como intermediário o s.p. Em resposta foram nos enviados mapas com a indicação da data do crédito, a matrícula do veículo adquirido, valor do crédito concedido, valor de venda indicado pelo s.p. na proposta de crédito, conforme anexo 02. Do confronto entre as matrículas constantes das informações relativas aos veículos cuja venda foi efectuada com recurso ao crédito (informações fornecidas pelas instituições de crédito) e as matrículas dos veículos que constam da contabilidade, conforme controlo quantitativo efectuado, concluímos que existem as seguintes irregularidades:
- Relativamente a algumas viaturas resulta, das facturas emitidas, um preço de venda inferior ao preço de venda inscrito na proposta de financiamento que serviu de base à aprovação de crédito por parte da Financeira - subfacturação:
(…)
O s.p. ao ter facturado por valor inferior ao preço de venda indicado no contrato de financiamento, como tal, preço efectivo de venda, omitiu proveitos, pelo que infringiu o disposto nos artigos 20º e 17º do código do IRC.
Assim, aqueles valores serão acrescidos ao resultado declarado no exercício de 2003, não o sendo relativamente ao exercício de 2004, pois ainda não decorreu o prazo legal para entrega da declaração de rendimentos e declaração anual.
(…)
3.2 - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO
3.2.1. FALTA DE LIQUIDAÇÃO DE IVA - Artigos 3º, 16º, 26º e 40º do CIVA
As omissões descritas no ponto 3.1., consubstanciam transmissões de bens, conforme Artigo 3º do código do IVA, estando assim sujeitas a IVA à taxa de 19%, de acordo o Artigo 18º do mesmo código.
Em resultado da subfacturação apresentada apuraram-se as omissões descritas para IRC, as quais se traduzem em base tributável para efeitos de IVA. Dado que conhecemos a qualidade dos transmitentes das viaturas e o seu custo de aquisição, iremos determinar o IVA em falta, separando os casos enquadráveis no artigo 1º, 2º e 3º do DL 199/96, de 18/10 - regime especial de tributação da margem (bens em 2º mão) dos restantes casos - regime geral do IVA, conforme anexo 03.
(…)”. - Cfr. fls. 7/19 do PA.
5. Na sequência da acção de inspecção foi efectuada a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativa ao ano de 2003, no valor de € 13.060,43. - Por admissão.
6. Não se conformando com a liquidação referida em 5., a Impugnante apresentou Reclamação Graciosa no dia 29.12.2005. - Cfr. fls. 2/6 do PA.
7. A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de decisão no âmbito da Reclamação Graciosa, no prazo de 10 dias, não o tendo feito. - Cfr. fls. 126/127 do PA.
8. Por despacho de 03.05.2006, (antecedido de informação prestada pela Técnica da Administração Tributária B…………..), proferido por C…………….., foi ratificada a proposta de indeferimento datada de 05.04.2006. - Cfr. fls. 123/125 e 128 do PA.
9. A proposta de indeferimento de 05.04.2006, que originou a decisão de indeferimento referida em 8., foi precedida de informação prestada pela Técnica da Administração Tributária D………………... - Cfr. fls. 123/125 do PA.
10. A Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento no dia 05.05.2006. - Cfr. fls. 129/130 do PA.
11. Não de conformando com a decisão de indeferimento a Impugnante apresentou Recurso Hierárquico no dia 06.06.2006. - Cfr. fls. 2/6 do Processo Administrativo do Recurso Hierárquico (PARH).
12. Por decisão do Subdiretor-Geral dos Impostos, datada de 07.01.2009, foi o recurso hierárquico indeferido. - Cfr. fls. 9/19 do PARH.
13. A Impugnante foi notificada da decisão referida em 12., no dia 16.01.2009. - Cfr. fls. 20/22 do PARH.
14. A presente impugnação foi apresentada neste Tribunal no dia 14.04.2009. - Fls. 2 dos autos.

3.1. Tendo a impugnante invocado como fundamento da impugnação várias ilegalidades [(i) ilegalidade na audição prévia ao projecto de decisão da reclamação graciosa; (ii) ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa; (iii) preterição de formalidade legal; (iv) falta de fundamentação do ato tributário], a sentença apreciou cada uma delas, tendo julgado que nenhuma se verifica e fundamentando-se, em síntese, no seguinte:
Não se verifica ilegalidade por na notificação para a audição prévia ao projecto de decisão da reclamação graciosa constar que esse direito deve ser exercido pela forma escrita, pois que, apesar de tal direito também poder ser exercido na forma oral, cabe à entidade que dirige o procedimento fazer a opção pela forma oral ou escrita, no âmbito dos seus poderes de direção e de harmonia com o princípio do inquisitório (arts. 54º, nº 3 e 60º, nº 5, da LGT, 45º, nº 2, do CPPT e 60º, nº 3, do RCPIT).
E face ao disposto nos arts. 73º, nº 1 e 75º, nº 1, do CPPT e dado que os órgãos periféricos regionais da AT são as Direções de Finanças (art. 6º, nº 3, do DL nº 433/99, de 26/10, que aprovou o CPPT), também não colhe a alegação de que esse direito tinha que ser exercido no Serviço de Finanças de Castro Daire, não tendo, por isso, suporte legal a exigência de a exposição escrita ser dirigida à Direção de Finanças: até porque a impugnante dirigiu a Reclamação Graciosa ao Diretor de Finanças.
Não se verifica a invocada ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, por ter sido proferido pelo cônjuge da técnica que elaborou a informação prévia àquele despacho: é que, por um lado, não consta do processo certidão de onde resulte que os funcionários em causa sejam casados entre si e, por outro lado, ao contrário do alegado, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa teve por base a informação prestada pela técnica D……………. e não a prestada pela técnica B………………
Não se verifica a invocada preterição de formalidade legal por falta de audição prévia antes da decisão que indeferiu o recurso hierárquico: com efeito, apesar de no nº 1 do art. 60º da LGT (redacção à data) prescrever a obrigatoriedade de audição prévia antes da liquidação, logo o seu nº 3 prevê a dispensa dessa formalidade sempre que o contribuinte tenha sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do nº 1. Ou seja, havendo o exercício de direito de audição antes do indeferimento total ou parcial de reclamações é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais o contribuinte não se tenha pronunciado, o que, no caso, não aconteceu, já que, tendo sido dada ao sujeito passivo a possibilidade de exercer o seu direito de audição prévia antes da decisão final no âmbito do processo de Reclamação Graciosa, aquele, embora tenha sido validamente notificado para tal, não exerceu o seu direito de audição prévia porque assim o entendeu.
Não se verifica a invocada falta de fundamentação do acto tributário, por alegada falta de fundamentação do relatório de inspeção: no caso em apreço, dissecado o relatório de inspeção, percorrendo o iter cognoscitivo do seu autor, constata-se que a AT considerou que algumas viaturas vendidas foram facturadas a um preço de venda inferior ao inscrito na proposta de financiamento que serviu de base à aprovação do crédito por parte da Financeira, o que a levou a concluir que houve subfacturação. Por tal facto, considerou a AT que a impugnante omitiu proveitos, infringindo assim os arts. 20º e 17º do CIRC. Consta do relatório de inspeção uma lista de veículos automóveis vendidos no ano de 2003, onde estão declarados os valores de venda e os valores declarados pela impugnante e refere-se no mesmo relatório que estas omissões estão sujeitas a IVA nos termos conjugados dos arts. 3º e 18º do CIVA. Em suma, os normativos indicados são suficientes e da leitura destes, conjugando com o teor do relatório consegue-se perceber a intenção da AT e no relatório de inspeção também constam explicitadas, de forma perceptível, as razões e os motivos que levaram a AT a liquidar o IVA, qualificando juridicamente os factos e anotando as normas infringidas, bem como a sua quantificação.

3.2. Discordando do assim decidido, a recorrente aponta à sentença, no essencial, como decorre das Conclusões do recurso, erro de julgamento relativamente à apreciação das questões atinentes (i) ao exercício do direito de audição prévia no âmbito da reclamação graciosa – cfr. Conclusões 1 a 4; (ii) à ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, por ter sido proferido pelo cônjuge da técnica que elaborou a informação prévia àquele despacho – cfr. Conclusões 5 e 6; (iii) ao exercício do direito de audição prévia no âmbito do recurso hierárquico – cfr. Conclusões 7 a 9; e (iv) à invocada falta de fundamentação do acto impugnado – cfr. Conclusões 10 a 15.
Estas são, portanto, as questões que ora importa apreciar.
Vejamos, pois.

4. É sabido que a impugnação judicial deduzida no seguimento de decisão de reclamação graciosa apresentada contra um acto de liquidação, comporta a apreciação desse acto decisório da reclamação (objecto imediato da impugnação) e a apreciação do próprio acto de liquidação (objecto mediato) – cfr. a al. c) do nº 1 do art. 97º do CPPT,
Daí que, se for anulado o indeferimento da reclamação graciosa, por vício procedimental desta, caberá ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto de liquidação, uma vez que este é competente para conhecer, em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação quer dos vícios imputados à liquidação (cfr. por todos, o acórdão desta Secção do STA, de 20/5/2015, proc. nº 1021/14).
Ora, perscrutando a Petição Inicial da presente impugnação judicial (apresentada na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento da reclamação graciosa), a impugnante, ora recorrente, ali pede a «anulação do acto tributário» com «as demais consequências legais, designadamente, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da impugnante, relativamente às quantias, porventura, pagas», invocando, precisamente, as ilegalidades e vícios que ora também reitera nas Conclusões da alegação do recurso: (i) ilegalidade na audição prévia ao projecto de decisão da reclamação graciosa, (ii) ilegalidade no despacho de indeferimento da reclamação graciosa, por ter sido proferido pelo cônjuge da técnica que elaborou a informação prévia àquele despacho, (iii) falta de audição prévia à decisão do recurso hierárquico e (iv) ausência de fundamentação do acto tributário.
Importa, pois, apreciar tais questões, sendo que as três primeiras ilegalidades, a verificarem-se, apenas poderão relevar no âmbito do objecto imediato da impugnação (ou seja, no âmbito da decisão de indeferimento da reclamação graciosa), não implicando vício do acto de liquidação.

4.1. Ilegalidade na audição prévia ao projecto de decisão da reclamação graciosa
Estando assente que a recorrente, apesar de ter sido notificada (validamente) para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de decisão no âmbito da Reclamação Graciosa, no prazo de 10 dias, não exerceu esse direito, tem de concluir-se que o respectivo exercício lhe foi assegurado (direito de participação na formação da decisão da Reclamação Graciosa). E, por outro lado, também não pode proceder a alegação de ilegalidade por na notificação para a audição prévia a esse projecto de decisão da reclamação graciosa constar que o direito deve ser exercido pela forma escrita: com efeito, como bem refere a sentença, citando, aliás, o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, atento o disposto nos arts. 54º, nº 3 e 60º, nº 5, da LGT, 45º, nº 2, do CPPT e 60º, nº 3, do RCPIT, não obstante o direito também possa ser exercido na forma oral, cabe à entidade que dirige o procedimento fazer a opção pela forma oral ou escrita, «pois é ela que, no âmbito dos seus poderes de direcção e de harmonia com o princípio do inquisitório, determina as diligências a efectuar para atingir esse objectivo».(Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª edição, 2012, pp. 505 e 506.)
Improcedem, portanto, as Conclusões 1 a 4 do recurso.

4.2. Ilegalidade por falta de audição prévia à decisão do recurso hierárquico
Assim como igualmente improcede a invocação de erro de julgamento no que respeita à invocada ilegalidade da liquidação por preterição do direito de audição prévia no âmbito do recurso hierárquico (Conclusões 7 a 9).
Na verdade, sendo certo que, nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do art. 60° da LGT, o contribuinte tem direito a ser ouvido antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, não se consagrando, sequer, para essas hipóteses, «a dispensa de audição no caso de já ter havido pronúncia do contribuinte, a exemplo do que está previsto na al. a), do nº 2, do art. 103º do CPA, com excepção do caso particular da audição antes da liquidação previsto no nº 3 do mesmo art. 60º, onde, no entanto, se afasta essa dispensa na hipótese de invocação de factos novos» (cfr. ac. do STA, de 15/10/2008, proc. nº 0542/08), o que também é verdade é que, no caso, esse vício procedimental afectará, porventura, a decisão produzida no recurso hierárquico e, eventualmente, a decisão da reclamação graciosa, mas não projecta efeitos invalidantes sobre o próprio acto de liquidação, anterior à eventual ocorrência de tal vício e que, assim sendo, nem sequer poderia determinar o sentido da decisão da reclamação graciosa.
Improcedem, portanto, as Conclusões 7 a 9.

4.3. Ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, por ter sido proferido pelo cônjuge da técnica que elaborou a informação prévia àquele despacho
A sentença julgou improcedente esta alegada ilegalidade, por ter considerado que, por um lado, como consta do Probatório (nºs. 8 e 9) a decisão de indeferimento da reclamação graciosa teve por base a informação prestada pela técnica D………………. e não a prestada pela técnica B……………. e, por outro lado, no caso concreto dos autos nunca poderia ocorrer violação do disposto no art. 44º do CPA, pois quem pediu, reclamou, recorreu, não tem interesse pessoal possível com a pessoa que vai decidir, mostrando-se completamente indiferente tal relacionamento, além de também não constar no processo certidão de onde resulte que os funcionários em questão sejam casos entre si.
Ora, sendo certo que ao STA apenas cabe averiguar se a decisão recorrida aplicou correctamente o direito, não cabendo sindicar a apreciação da matéria de facto julgada provada ou não provada ou dos juízos de facto dela decorrentes, o que resulta das Conclusões 5 e 6 é que a recorrente não ataca a decisão naquelas vertentes em que a decisão recorrida apreciou a questão, antes se limitando a reiterar a argumentação já anteriormente alegada e que a sentença apreciou.
E, assim, improcede também esta invocada ilegalidade.

4.4. Ilegalidade do acto tributário de liquidação, por falta de fundamentação
Esta ilegalidade, a ocorrer, respeita ao objecto mediato da impugnação, contendendo, portanto, com o acto de liquidação.
Para a recorrente não é possível extrair todo o percurso seguido pelo agente de acção inspectiva para a sua prática, sendo que o relatório dos Serviços de Inspecção Tributária é demasiado vago, especulativo e conclusivo e sem traduzir factos concretos e desacompanhados de prova correspondente, não permitindo que dos seus termos se possa extrair um conhecimento perfeito do processo lógico e jurídico que conduziu à decisão.
É que as correcções aritméticas efectuadas pela AT pressupõem a existência de omissões parciais nas vendas (pois que a AT entendeu que houve subfacturação na venda das viaturas, partindo de elementos estranhos à contabilidade do sujeito passivo e de pressupostos errados), sendo que o art. 3º do CIVA é constituído por diversos normativos que integram os seus n.ºs 1 a 6 e o seu nº 3 as alíneas a) a g), pelo que a AT, não referindo explicitamente nenhum de tais normativos, não fez o enquadramento legal das irregularidades referenciadas no relatório dos SIT e sendo, ainda, que a matéria tributável nunca podia ser apurada com base em correcções aritméticas utilizadas, por estas assentarem em indicadores estranhos à própria contabilidade e manifestamente errados.

4.4.1. A sentença por seu lado, entendeu que indicando-se no relatório de inspeção, que a conclusão de que houve subfacturação resulta da constatação de que algumas viaturas vendidas foram facturadas a um preço de venda inferior ao inscrito na proposta de financiamento que serviu de base à aprovação do crédito por parte da Financeira, o que levou a AT a considerar que a impugnante omitiu proveitos, infringindo os arts. 20º e 17º do CIRC, constando do mesmo relatório dos SIT uma lista de veículos automóveis vendidos no ano de 2003, onde estão declarados os valores de venda e os valores declarados pela impugnante e ali se referindo, igualmente, que estas omissões estão sujeitas a IVA nos termos conjugados dos arts. 3º e 18º do CIVA, então, ao invés do alegado pela impugnante, os normativos indicados são suficientes e da leitura dos mesmos conjugando com o teor do relatório consegue-se perceber a intenção da AT.
E mais se referiu na sentença que, para além de se depreender da Petição Inicial que a impugnante percebeu o porquê das correções aritméticas levadas a cabo pela AT, também quanto à alegação de que no relatório de inspecção tributária existe contradição no ponto 3.1.1. [já que nele se fez constar que depois de efectuado um controlo quantitativo, que consistiu no levantamento das existências, compras e vendas dos veículos, a AT concluiu que não existe qualquer divergência], também não há aí qualquer contradição pois que a AT se referia ao facto de ter apurado que os proveitos declarados/registados pela impugnante coincidiam com as compras e vendas dos veículos existentes nas existências, e foi por isso que concluiu pela ausência de divergências.
Vejamos, pois esta questão da fundamentação do acto de liquidação.

4.4.2. Desde logo, em concordância com o entendimento preconizado pelo MP, há que salientar o seguinte:
- no que concerne à matéria levada às Conclusões 10 e 11, não se vê que na fixação dos factos provados devessem ter sido discriminados cada um dos factos e inexactidões referidas no relatório da inspecção tributária (e, como acima se disse, ao STA apenas cabe averiguar se a decisão recorrida aplicou correctamente o direito, não cabendo sindicar a apreciação da matéria de facto julgada provada ou não provada ou dos juízos de facto dela decorrentes);
- não obstante se alegue que a sentença “não se pronuncia sobre diversas situações”, o que é facto é que não vem arguida a nulidade da sentença, por eventual omissão de pronúncia, nem a mesma é configurável, sendo que essa eventual nulidade não é matéria do conhecimento oficioso (art. 125º do CPPT e art. 615º, nº 1, al. d) e nº 4 do CPC).

4.4.3. Quanto ao mais:
É sabido que a fundamentação dos indicados actos deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação).
Ora, em relação à suficiência da fundamentação de direito (no caso, da decisão do procedimento tributário ou do acto tributário) a jurisprudência do STA tem afirmado que, para que tal fundamentação se considere suficiente, (Passamos a seguir a fundamentação do acórdão de 8/6/2011, no proc. nº 068/11, que relatámos.) «não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência a princípios jurídicos pertinentes ou a um regime jurídico que definam um quadro legal perfeitamente conhecido ou cognoscível por um destinatário normal, colocado na posição do destinatário real (cf. o acórdão desta Secção do STA, de 17/11/2010, rec. nº 1051/09 e jurisprudência nele citada), sendo que estas características respeitam à exigência da fundamentação formal do acto tributário, sendo distintas da chamada fundamentação substancial (esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico) - cfr. entre muitos, o ac. desta Secção do STA, de 17/11/2010, rec. nº 1051/09, bem como a abundante jurisprudência nele referenciada, nomeadamente o ac. da 2ª Subsecção do Contencioso Administrativo deste STA, de 27/5/2003, rec. nº 01835/02, onde se exara:
«… tem sido entendimento deste Tribunal que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado (…).
Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - cf. Ac. pleno de 25.5.93, rec. 27.387 (Apêndice, pág. 309) e acºs. em subsecção de 27.2.97, rec. 36.197 (Apêndice pág. 1515) e supra citados acºs. de 7.5.98, rec. 32.694 e de 28.10.99, rec. 44.051)».
Ou seja, de acordo com este entendimento, «o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do acto, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.»
E só em casos muito particulares se pode concluir que um acto se encontra fundamentado de direito apesar de nenhuma referência legal directa existir no texto do acto, tal acontecendo, por exemplo, quando se se mostrem verificadas duas condições:
«- A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto;
- A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.
A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a. Se não se sabe qual o quadro jurídico efectivamente tido em conta pelo acto, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba, qual o quadro jurídico que deveria ter sido considerado.
O destinatário não se pode substituir nem ao acto nem ao autor do acto. A fundamentação é requisito do acto. E o destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do acto praticá-lo. (citado acórdão da Secção do Contencioso Administrativo, de 27/5/2003).»

4.4.4. Em concordância com este entendimento e volvendo ao caso dos autos, afigura-se-nos que os elementos destes constantes e a materialidade vertida no Probatório fornecem elementos capazes de conduzir à conclusão de que se encontram preenchidas aquelas duas condições.
Com efeito, como se salienta na sentença, (i) indicando-se no relatório de inspeção que a conclusão da existência de subfacturação resulta da constatação de que algumas viaturas vendidas foram facturadas a um preço de venda inferior ao inscrito na proposta de financiamento que serviu de base à aprovação do crédito por parte da Financeira, o que levou a AT a considerar que a impugnante omitiu proveitos, infringindo os arts. 20º e 17º do CIRC, (ii) constando do mesmo relatório dos SIT uma lista de veículos automóveis vendidos no ano de 2003, onde estão declarados os valores de venda e os valores declarados pela impugnante e (iii) ali se referindo, igualmente, que estas omissões estão sujeitas a IVA nos termos conjugados dos arts. 3º e 18º do CIVA,
então, é de concluir que, ao invés do alegado pela impugnante, os normativos indicados são suficientes e da leitura dos mesmos, conjugando com o teor do relatório, consegue-se perceber a intenção da AT e o iter cognoscitivo que utilizou para proceder às correcções e à liquidação operadas.
Além de que no ponto III do relatório (Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria coletável) também constam explicitadas, de forma perceptível, as razões e os motivos que levaram a AT a liquidar o IVA ora impugnado, qualificando juridicamente os factos e anotando as normas infringidas, bem como a sua quantificação. Tanto que se explicita que se trata de «falta de liquidação de IVA - Artigos 3º, 16º, 26º e 40º do CIVA», que «As omissões descritas no ponto 3.1., consubstanciam transmissões de bens, conforme Artigo 3º do código do IVA, estando assim sujeitas a IVA à taxa de 19%, de acordo o Artigo 18º do mesmo código» e que «Em resultado da subfacturação apresentada apuraram-se as omissões descritas para IRC, as quais se traduzem em base tributável para efeitos de IVA. Dado que conhecemos a qualidade dos transmitentes das viaturas e o seu custo de aquisição, iremos determinar o IVA em falta, separando os casos enquadráveis no artigo 1º, 2º e 3º do DL 199/96, de 18/10 - regime especial de tributação da margem (bens em 2º mão) dos restantes casos - regime geral do IVA, conforme anexo 03».
- por outro lado, e como igualmente a sentença sublinha, da própria Petição Inicial da impugnação se depreende que a impugnante, além de perceber o porquê das correções aritméticas levadas a cabo pela AT, criticando-os, aliás, especificamente e avançando, até, que por vezes os adquirentes de veículos solicitam um valor de financiamento superior ao necessário para a realização da operação de compra da viatura (não obstante a impugnante nada tenha provado nesse sentido, nem tenha indicado qualquer situação em que tal tenha ocorrido).
Pelo que, é de concluir que o quadro jurídico e factual aplicável foi assimilado pelo respectivo destinatário (a impugnante).
Nesta matéria, não sufragamos, portanto, o entendimento do MP.
Em suma, perante o exposto, improcedem todas as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2016. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.