Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0457/12
Data do Acordão:11/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:I – Para que se verifique a caducidade da liquidação adicional do IMT, prevista no nº 3 do artigo 31º do CIMIT, não basta a prática do acto de liquidação no prazo de quatro anos, exige-se também a certeza jurídica de que o acto não tenha sido levado ao conhecimento do contribuinte dentro daquele prazo.
II – O facto objectivo do decurso do prazo prefixado por lei para praticar de um acto eficaz impeditivo caducidade influi na estrutura da liquidação praticada dentro daquele prazo, embora notificada posteriormente, ao ponto de lhe poder determinar a invalidade sucessiva, ou de lhe tolher os seus efeitos materiais, gerando a ineficácia interna superveniente.
Nº Convencional:JSTA00067961
Nº do Documento:SA2201211280457
Data de Entrada:04/30/2012
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TAF LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IMT
Legislação Nacional:LGT98 ART45 N3 N4.
CIMT03 ART31 N3 N4.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.1. A……. SA, com os demais sinais nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional do imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis (IMT), no montante de €191.530,95.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:

a) Tendo a notificação da liquidação adicional de IMT ocorrido após o decurso do prazo de 4 anos previsto no artigo 45.º da LGT, ocorreu a caducidade do direito à liquidação.
b) Ao assim não entender, o Tribunal a quo violou as normas constantes dos artigos 31°, n.°s 3 e 4 do Código do IMT e 45°, n.º 1 da LGT.
c) E é a impugnação judicial o meio processual adequado para reagir contra a caducidade do direito à liquidação quando, pese embora tenha a liquidação adicional ocorrido dentro do prazo de caducidade, foi esta notificada ao sujeito passivo depois de decorrido o prazo de caducidade.
d) Ainda que assim não se entendesse, sempre deveria o Tribunal a quo ter ordenado a convolação da petição de impugnação judicial em oposição à execução fiscal, por se encontrarem plenamente verificados os requisitos de que depende a convolação.

1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso com fundamento em que a notificação após o prazo de caducidade é fundamento de oposição à execução, mas desconhecendo-se se existiu execução, não se pode ordenar a convolação para a forma adequada.

2. Na sentença deram-se por assentes os seguintes factos:

1. A ora impugnante é uma sociedade anónima que se encontra colectada pela actividade de promoção imobiliária com a CAE 41100, está enquadrada em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável, e em sede de IVA no regime normal mensal, praticando operação de tipo misto com afectação real de todos os bens (cf. prints a fls. 46 a 48 do PAT).
2. Por documento particular assinado em 10 de Setembro de 1999, a ora impugnante e o Banco Comercial Português (BCP) celebraram um contrato de locação financeira imobiliária tendo por objecto o prédio urbano sito em Lisboa, na Rua …., n.º …., descrito na 4ª conservatória do registo predial de Lisboa sob o n.º 579 da freguesia da …., inscrito na matriz daquela freguesia sob o artigo 416 (cf. cópia de escritura de “rescisão parcial de contrato de locação financeira, compra e venda e abertura de crédito”, a fls. 13-20, maxime 16, dos autos).
3. Posteriormente, por mútuo acordo entre a ora Impugnante e o BCP, foi desanexado do referido prédio urbano, um lote de terreno para construção com uma área de 1979,18 m2 sito na Rua de ……. e Rua ……., freguesia da ……., em Lisboa, descrito na 4ª conservatória do registo predial de Lisboa sob o n.º 709 e com o artigo provisório na respectiva matriz de 1085 (cf. cópia de escritura de “rescisão parcial de contrato de locação financeira, compra e venda e abertura de crédito”, a fls. 13-20, maxime 16, dos autos).
4. Por escritura pública de rescisão parcial de contrato de locação financeira, compra e venda e abertura de crédito lavrada em 17/03/2004 no 11º cartório notarial de Lisboa a impugnante comprou ao BCP um lote de terreno para construção com a área de 1979,18 metros quadrados, sito na Rua de …… e na Rua do ……., Freguesia da ……, concelho de Lisboa descrito na 4ª conservatória do registo predial de Lisboa sob o n.º 709 e com o artigo provisório na respectiva matriz de 1085, tendo o referido lote sido desanexado do prédio urbano inscrito sob o artigo 416 da mesma Freguesia (cf. cópia de escritura de “rescisão parcial de contrato de locação financeira, compra e venda e abertura de crédito”, a fls 13-20, maxime 16, dos autos).
5. Da escritura melhor identificada no ponto anterior consta que o valor declarado da aquisição do citado lote de terreno foi de EUR 150.000,00, tendo a impugnante solicitado um financiamento à Caja de Ahorros de ….. sob a forma de abertura de crédito no valor de EUR 5.355.000,00, para financiar esta aquisição e a construção de um empreendimento imobiliário no referido lote de terreno (cf. cópia de escritura de ‘rescisão parcial de contrato de locação financeira, compra e venda e abertura de crédito”, a fls. 13-20, maxime 16, dos autos).
6. Para a realização desta escritura foi liquidado e pago IMT em 16 de Março de 2004, no valor de EUR 9.750,00, sobre o valor declarado EUR 150.000,00, em virtude de o lote de terreno ainda não estar avaliado (cf. cópia da declaração para liquidação de IMT a fls. 22 dos autos e fls. 65 a 69 do PAT).
7. Em 22 de Dezembro de 2006, o mencionado lote de terreno foi avaliado em EUR 3.096.630,00 e inscrito na matriz em 14 de Março de 2008, tendo a impugnante sido notificada desta em 12/01/2007 (cfr. prints informáticos a fls. 52 e 62 a 63, e cópia da “notificação da avaliação” a fls. 23 dos autos).
8. Na sequência desta avaliação, foi emitida em 14 de Março de 2008 a liquidação adicional de IMT n.º 1672178, no valor de EUR 191.530,95, com a data limite de pagamento de 30 de Abril de 2008 (cf. cópia do documento de cobrança n.º 2004 409951303 a fls. 10 dos autos e fls. 70 a 72 do PAT).
9. Em 15 de Março de 2008, foi emitida a liquidação de imposto de selo n.º 1672178, no valor de EUR 23.573,04 (cf. prints a fls. 74 e 75 do PAT).
10. A nota de cobrança referente à liquidação de IMT melhor identificada no ponto 8 foi expedida através de correio postal sob o registo “RYO91 028465PT, tendo sido recepcionada pela impugnante em 1 de Abril de 2008 (cf. registo aposto sobre o documento de cobrança e print de pesquisa de objectos dos CTT a fls. 10 e 11 dos autos).
11. A certidão de dívida n.º 2008368 referente à liquidação de IMT melhor identificada no ponto 8 foi emitida em 28 de Outubro de 2008 (cf. print a fls. 73 e expediente a fls. 42-44 do PAT).
12. A PI da presente impugnação deu entrada no Tribunal tributário de Lisboa em 6 de Junho de 2008 (cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).

3. A recorrente impugnou a liquidação adicional de IMT com fundamento na caducidade do direito de liquidar, alegando que foi notificada após decorrido o prazo de 4 anos sobre a liquidação corrigida.
A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação como os seguintes fundamentos:
(i) «nos termos do disposto no art. 31º nº 3 do CIMIT, a liquidação (adicional) só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir»;
(ii) «tendo a liquidação a “corrigir” sido efectuada em 16 de Março de 2004 e a liquidação adicional em 14 de Março de 2008, é manifesto que não ocorreu a respectiva caducidade do direito à liquidação nos termos da citada disposição, visto que a mesma só ocorreria se a liquidação adicional tivesse sido efectuada depois do dia 16 de Março de 2008»;
(iii) «quanto à questão da notificação da liquidação invocada pela impugnante, importa antes de mais referir que a mesma contenderá com a eficácia do acto de liquidação caso seja efectuada depois da instauração do processo de execução fiscal instaurado para a respectiva cobrança coerciva, e não com a respectiva legalidade»;
(iv) «refira-se ainda que tendo a certidão de dívida referente à liquidação em apreço sido extraída em 28 de Outubro de 2008, concluiu-se que o correspondente processo de execução fiscal foi instaurado depois da notificação à impugnante em 1 de Abril de 2008, não resulta também provada a ineficácia da liquidação em causa».
A recorrente discorda desse julgamento, por entender que: (i) tendo a notificação da liquidação adicional ocorrido posteriormente ao término do prazo de caducidade do direito à liquidação, a liquidação adicional está ferida de ilegalidade por caducidade; (ii) caso se entenda que o meio processual adequado é a oposição à execução, deveria ter sido ordenada a convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal.
Começando por esta última questão, deve dizer-se que a sentença recorrida julgou de mérito e não de forma, pelo que está fora do alcance do recurso invocar, ainda que subsidiariamente, a possibilidade de convolação da impugnação para a forma da acção de oposição à execução. Se a sentença decidiu que não ocorria a ilegalidade invocada pela recorrente, a caducidade do direito de liquidar, porque é que iria permitir que essa questão fosse objecto de oposição?
Se a questão tivesse sido levantada na impugnação, o que poderia sustentar o recurso era a nulidade por omissão de pronúncia e não o erro de julgamento. Como houve uma decisão de mérito quanto à questão da caducidade e não se imputou à sentença qualquer nulidade por omissão de pronúncia, não faz parte do recurso determinar qual é o meio processual mais adequado para se conhecer a caducidade do imposto.
Mas ainda que a excepção dilatória pudesse ser conhecida oficiosamente nesta sede, sempre se diria, como se refere no parecer do Ministério Público, que não está demonstrado nos autos que, na sequência da extracção da certidão da dívida, tenha sido instaurado qualquer processo de execução e que a recorrente tenha sido citado para se defender.
A questão essencial consiste, pois, sem determinar se a caducidade da liquidação adicional do IMT ocorre com a prática do acto de liquidação ou com a sua notificação.
As normas convocadas para a resolução desta questão são o nº 1 do artigo 45º da LGT e os nºs 3 e 4 do artigo 31º do CIMT. A norma daquele artigo prescreve que «direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro»; o nº 3 do art. 31º estabelece que «a liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º»; e o nº 4, diz que «a liquidação adicional deve ser notificada ao sujeito passivo, nos termos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário, a fim de efectuar o pagamento e, sendo caso disso, poder utilizar os meios de defesa aí previstos».
Desde já, deve anotar-se que, no caso dos autos, o prazo aplicável é de 4 anos e não, como parece defender a recorrida, o prazo alargado de 8 anos previsto no artigo 31º do CIMT: por um lado, trata-se de uma liquidação adicional e não da primeira liquidação, caso em que o direito a liquidar se extingue quatro anos após a «liquidação a corrigir» (cfr. ac. do STA, de 14/9/2011, rec. nº 0294/11); por outro, a liquidação adicional ocorreu em virtude de avaliação do bem transmitido e não por causa de omissão de valores sujeitos a tributação.
Outra dúvida que também se tem que esclarecer é se a normas dos nºs 3 e 4 do art. 31º do CIMT contém um regime substancialmente diferente do nº 1 do artigo 45º da LGT. Se lembrarmos que a jurisprudência chegou a interpretar esta norma no sentido de que a liquidação nela prevista deveria ser entendia em sentido lato, e não em sentido estrito, isto é, «como complexo de actos tendentes à determinação do montante do imposto e imposição da obrigação do seu pagamento ao contribuinte» (cfr. acs. do STA, de 27/2/2002, rec. nº 026722 e de 24/4/2002, rec. nº084/02), logo se apercebe que aquelas normas também não dão resposta ao problema de saber se a verificação do termo final do prazo de quatro anos se esgota com a prática da liquidação inicial ou com a sua notificação ao contribuinte. Se o termo «liquidação» referido naquelas normas for compreendido como um procedimento que também inclui a notificação, então só o acto com eficácia externa é capaz de impedir que a caducidade se verifique.
Por outro lado, da fórmula verbal «só pode fazer-se» não se pode extrair a conclusão de que o facto jurídico impeditivo da caducidade é a liquidação e não a notificação, pois, relativamente às excepções nela referidas, também se diz «poderá ainda fazer-se» posteriormente, sendo certo que nestes casos, em que se aplica o prazo de oito anos referido no nº 1 do art. 35º, por omissão desta norma, tem que se aplicar a regra do nº 1 do art. 45º da LGT, em que se estabelece a notificação como o facto jurídica impeditivo da caducidade.
A questão de saber se o que impede a caducidade do direito à liquidação é o acto de liquidação ou a notificação da liquidação tem sido ao longo do tempo uma vexata quaestio que parece ainda não resolvida, sobretudo após o CPPT ter incluído nos fundamentos de oposição à execução fiscal a «falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» (alínea e) do art. 204º).
A questão resume-se em saber qual a função da notificação relativamente ao acto tributário. Os que entendem que o acto tributário só com a notificação se torna perfeito, defendem que apenas a notificação, quando imposta por lei, impede a caducidade; os que entendem que a liquidação é perfeita antes e independentemente da notificação, naturalmente defendem que o acto impeditivo da caducidade é a liquidação.
Como se dá conta no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 20/1/2010 (rec. nº 0832/08), onde se expõe a inúmera jurisprudência que sobre esta questão foi produzida no domínio do CPT e do CPPT, o ponto de partida para a solução do problema tem sido o de saber se, para efeitos de caducidade, a notificação do acto tributário é uma condição de validade ou uma condição de eficácia do acto.
Na primeira hipótese, a notificação é entendida como uma “forma” ou “procedimento” da formação da vontade, ainda que paradoxalmente posterior ao momento da decisão, e que por isso incorpora uma condição de validade legal do acto; a falta ou insuficiência da notificação, por afectar a correcção de um dos requisitos de legalidade, é susceptível de determinar, por si, a invalidade formal ou procedimental do acto.
Na segunda hipótese, a notificação é um acto “instrumental”, posterior e estranho à formação da vontade administrativa, e portanto, uma condição de eficácia; a sua falta determina a ineficácia relativa do acto, em termos de impedir a produção dos efeitos desfavoráveis relativamente aos contribuintes que tenham dele conhecimento.
A ambiguidade do artigo 33º do CPT e do actual artigo 45º da LGT levou a jurisprudência a oscilar entre uma e outra posição: numa primeira fase, considerou-se que a notificação era um requisito de validade da própria notificação, tendo para o efeito estendido o conceito de liquidação aos actos que dão a conhecer a liquidação; mais recentemente tem-se considerado que a notificação funciona como um requisito de eficácia do acto tributário.
O problema tem sido colocado na jurisprudência sobretudo a propósito de conhecer qual é o meio processual adequado a conhecer da caducidade da liquidação: quem defende que é um requisito de validade, naturalmente que considera a impugnação judicial o meio próprio para tal; já quem considera que é um requisito integrativo da eficácia do acto, considera que a notificação intempestiva gera a inexigibilidade do acto que só pode ser conhecida na oposição à execução.
Até se compreende que a jurisprudência, envolta numa bruma de ambiguidades, tenha sido levada inicialmente a ampliar o conceito de liquidação, de modo a considerar a notificação um momento constitutivo do acto. Na verdade, perante a taxatividade dos fundamentos da oposição e a inexistência de uma norma como a actual alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPTT, havendo uma notificação que dá eficácia e exigibilidade ao acto, tinha que se encontrar um meio processual onde se pudesse fazer valer a caducidade.
Mas, para quem coloque o problema no âmbito das relações entre a validade e eficácia e a partir daí procure determinar qual é o meio processual mais adequado, não se pode dizer que a alínea e) do nº 1 do art. 204º o tenha resolvido de todo, pois é difícil compatibiliza-la com o nº 1 do artigo 45º da LGT.
Disso nos dá conta Jorge de Sousa quando, «repensando esta questão», vem defender que «haverá uma dupla possibilidade de invocação da intempestividade da notificação à face do art. 45º, nº 1 da LGT tanto como fundamento de impugnação judicial como fundamento de oposição, à semelhança do que sucede com a ilegalidade abstracta da liquidação e da suplicação de colecta» (cfr. Código de Processo e de Procedimento Administrativo, 6ª ed. Vol. III, pág. 489).
O problema é tão complexo que, embora nessa passagem se regresse à tese da notificação como condição de validade do acto, noutra parte da obra acaba por se interpretar a mesma alínea no sentido de que «parece ser agora claro que a falta de notificação (ou a existência de irregularidades que afectem a sua validade, que se traduzem em falta de uma notificação válida) afecta a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade», e que, «se tal falta de notificação for invocada em processo de impugnação judicial e estiver já esgotado o prazo de caducidade, ela constituirá um obstáculo definitivo à prática de um acto eficaz, pelo será de aventar a possibilidade de se conhecer daquela como um fundamento de inutilidade superveniente da lide, por não ter qualquer utilidade apreciar se é válido um acto que não pode vir a ter eficácia (cfr. ob cit. Vol. II, pág. 109).
Em nossa opinião, não nos parece que a norma do nº 1 do artigo 45º (assim como a do anterior art. 33º do CPT) tenha a pretensão de tomar qualquer posição sobre se a notificação da liquidação dever ser entendida como elemento indispensável à validade do acto ou como condição da sua eficácia. Essa questão é enfrentada com suficiente nitidez do nº 6 do art. 77º da LGT ao prescrever que «a eficácia da decisão depende da notificação». A lei fiscal segue o «sistema regra» ou o princípio geral de direito administrativo, vertido no artigo 127º do CPA, que considera o acto administrativo perfeito antes da notificação, a qual funciona apenas como condição de eficácia.
A norma sobre a caducidade, ao referir que o direito caduca «se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos», apenas pretende identificar o facto jurídico stricto sensu dotado de eficácia extintiva do poder de liquidar o tributo: a falta de notificação da liquidação no prazo de quatro anos. De imediato se extraem duas ilações: uma, é que a existência do direito à liquidação encontra-se limitada por lei a quatro anos, pelo que o fim desse prazo determina a caducidade, o que significa que o direito se extingue por se ter esgotado o prazo de vida e não em virtude da ocorrência de um facto novo; outra, é que apenas uma liquidação com eficácia externa praticada dentro desse prazo tem força jurídica para impedir a caducidade.
A imperatividade daquela norma não deixa quaisquer dúvidas que o facto impeditivo da caducidade é a «notificação» da liquidação dentro do prazo de quatro anos. Razões de certeza e segurança jurídica justificam esta solução: a definição da relação jurídica tributária fundada no facto objectivo do simples decurso do tempo pressupõe que a liquidação não tenha produzido efeitos jurídicos externos. Por conseguinte, para que se verifique a caducidade, não basta a prática do acto de liquidação, exige-se também a certeza jurídica de que o acto não tenha sido levado ao conhecimento do contribuinte dentro daquele prazo.
A exigência de que, dentro do prazo de quatro anos, não tenha havido produção efectiva dos resultados jurídicos contidos na liquidação, levanta o problema dos efeitos que a “notificação intempestiva” pode ter no acto de liquidação emitido dentro daquele prazo.
Não se pode considerar que a notificação, pelo facto de ser posterior ao prazo de quatro anos, não tem como consequência a produção de eficácia da liquidação. Ela cumpre a sua função específica de promover a certeza da cognoscibilidade do conteúdo do acto, determina a possibilidade de execução do acto e marca o início da contagem do prazo de impugnação judicial. Com tal notificação, fica removido um obstáculo exterior à produtividade efectiva da liquidação, mesmo que ela ocorra após esgotamento do prazo preestabelecido para a sua prática.
Por isso, a consequência da notificação da liquidação não ter ocorrido dentro do prazo de quatro anos, mas sim posteriormente, não pode ser a ineficácia externa do acto. Enquanto a caducidade não for declarada pela administração tributária ou pelo tribunal, a liquidação produz os efeitos jurídicos que lhe são próprios, uma vez que em direito administrativo a caducidade não é automática.
A produção efectiva dos efeitos do acto tributário, independentemente da sua legitimidade, ou até apesar da sua ilegitimidade, não significa que o facto objectivo do decurso do prazo prefixado por lei para praticar de um acto eficaz impeditivo caducidade não possa influir na estrutura do acto tributário, ao ponto de lhe determinar uma invalidade ou tolher os seus efeitos, em termos de o tornar inoperante.
O enquadramento jurídico desta interferência passa preliminarmente por determinar a natureza da liquidação, para de seguida saber se podem ser admitidas no direito tributário as categorias de invalidade ou ineficácia sucessiva ou superveniente. É que, o decurso do tempo tanto pode ser qualificado como um evento invalidante, ao extinguir a situação jurídica que nasce directamente do facto tributário, como um evento suspensivo, ao fazer decair os efeitos jurídicos do acto e da relação jurídica por ele instaurada.
O nº 1 do artigo 36º da LGT, ao dizer que a relação tributária se constitui com a verificação do facto tributário, não deixa dúvidas de que a liquidação tem natureza declarativa da existência da obrigação de imposto. Assim sendo, a liquidação apenas vem conformar a relação jurídica nascida com a realização do facto tributável, tornando vinculativos e operantes os poderes e deveres que se integram nessa relação. Como refere Alberto Xavier, «o acto tributário é o título jurídico da obrigação de imposto», pelo que, «só após a sua prática a situação jurídica criada pelo facto tributário se torna plenamente operante, enquanto pode ser invocada para efeito de cumprimento voluntário ou de execução coerciva» (cfr. Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 535 e 536).
Mas, se é certo que após a “verificação constitutiva” da obrigação do imposto, a liquidação vive e vale independentemente da relação jurídica a que se refere e que lhe está subjacente, também é verdade que, para determinados efeitos, o princípio da verdade material pode impor o predomínio da relação tributária subjacente. Tal acontece em certas situações em que se permite invocar a ilegalidade da liquidação, não obstante já se ter formado «caso decidido» por falta de impugnação, como acontece com a prescrição ou os casos referidos no nº 1 do artigo 204º do CPPT, reputados de gravidade bastante para permitir nova apreciação da situação jurídica declarada na liquidação.
Também para efeitos de caducidade se revela a relação jurídica tributária independentemente da liquidação. Com efeito, o nº 4 do artigo 45º diz que a caducidade se conta, nos impostos periódicos, «a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário» ou, nos impostos de obrigação única, «a partir da data em que o facto tributário ocorreu». Ao atender ao facto constitutivo da obrigação tributária, a lei permite que se invoque a situação jurídica preexistente à liquidação, a fim de determinado se o que foi declarado está ou não em convergência ou adequação com o que nela foi declarado.
O decurso do prazo de quatro anos sem a emanação de uma liquidação com efeitos externos extingue a relação jurídica nascida com o facto tributário. Esgotado o prazo, consolida-se a situação subjacente pela caducidade do poder de praticar uma liquidação dotada de eficácia externa. Naturalmente que este «facto extintivo» da obrigação do tributo tem repercussão na liquidação: se foi efectuada após esse prazo, é originariamente ilegal; se foi efectuada dentro do prazo, mas sem produzir efeitos externos dentro desse prazo, converteu-se num acto inválido ou num acto materialmente ineficaz.
Para quem defenda que os requisitos de validade do acto devem verificar-se no momento da verificação das condições de eficácia externa, a liquidação teria a sua “validade suspensa” até ao momento em que se constata que se tornou impossível produzir efeitos dentro do prazo de quatro anos, tornando-se definitivamente inválida por efeito do decurso desse prazo. Mas, como refere Rogério Soares, «a consideração fundamental do interesse público faz com que os requisitos de validade devam subsistir no momento da emanação do acto», o que é confirmado pelo artigo 127º do CPA (cfr. Interesse Público, Legalidade e Mérito, pág. 387).
Para quem não veja qualquer obstáculo, como parece ser a doutrina dominante, a que a situação criada pelo facto possa ser confrontada com circunstâncias objectivas que, surgindo em momento posterior, o convertam num acto inválido, é levado a considerar que o decurso do tempo determinou a invalidade superveniente da liquidação. Em virtude do facto extintivo da obrigação do imposto, a situação de declarada pela liquidação tornou-se contrária à ordem jurídica, sendo o acto foi atingido por uma ilegalidade posterior ao momento em que foi praticado (cfr. Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Vol. I, pág. 611 e Rogério Soares, ob cit. pág. 397 e ss).
Para quem considere que o acto tributário tem uma existência instantânea, devendo a legalidade referir-se sempre ao momento em que foi praticado, tem que fazer a distinção entre «eficácia interna», que tem a ver com a força jurídica ou obrigatoriedade do conteúdo do acto, e «eficácia externa», que se exprime nos efeitos que projecta na esfera jurídica dos destinatários. Nessa distinção, o facto extintivo do decurso do prazo, não dita a ilegalidade do acto, mas a ineficácia superveniente da situação jurídica a que deu lugar, fazendo cessar os efeitos jurídicos do acto e da relação jurídica por ele instaurada. Como refere Colaço Antunes, «o que acontece é a ineficácia interna superveniente de um acto válido, cujos efeitos ao contrariarem a ordem jurídica, não se podem manter» (cfr. Cadernos de Justiça Administrativa, nº 79, pág. 13).
A natureza da liquidação é mais consentânea com a figura da invalidade superveniente, porque tem por pressuposto a existência e subsistência da situação jurídica que está subjacente e que tem a sua fonte no facto tributável. Se, em virtude de um facto extintivo posterior, aquele pressuposto deixa de existir, os alicerces em que se ergueu o acto implodem, afectando directamente toda a sua estrutura. Deste modo, a extinção da obrigação tributária por caducidade, aparece como um elemento superveniente que quebra a identidade da situação jurídica declarada na liquidação com a situação jurídica existente, deixando de ser, como refere Alberto Xavier, o «seu retrato exacto e preciso».
A tal solução não obsta a instantaneidade do acto de liquidação, porque, como escreve Rogério Soares, «se o que se aprecia é a questão da legitimidade, ou seja, o problema do confronto com as normas que regulam o acto, nenhum obstáculo lógico se põe a que o confronto venha a proceder-se em momento posterior ao da perfeição», pois, «o interesse público específico está constantemente sujeito a variar, quer porque se modificam os elementos de facto que originaram a necessidade ou lhe emprestaram uma certa fisionomia, quer porque se substituem os preceitos com recurso aos quais se ajuíza a publicidade de certos interesses descobertos na vida social» (cfr. ob cit. pág. 394 e 395).
Seja como for, o certo é a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de quatro anos importa a extinção definitiva do direito de liquidar e da correspondente obrigação tributária.
O facto objectivo do simples decurso do tempo, em que a liquidação deveria produzir efeitos externos para impedir a caducidade, faz com que, a partir desse momento, cesse o próprio dever de o dar a conhecer aos seus destinatários, e por isso mesmo, ela deveria permanecer como algo de puramente interno, sem qualquer força jurídica.
Ora, a sentença recorrida olhou para a notificação efectuada, que considerou como um requisito de eficácia, como não podia deixar de ser, mas não extraiu as devidas consequências do facto desse acto não ter ocorrido dentro daquele prazo. O essencial para que ocorra a caducidade é que dentro do prazo de quatro anos não tenha havido uma liquidação com eficácia externa. E os efeitos externos só ocorrerem quando, na fase integrativa da eficácia do procedimento tributário, se produz uma notificação que implica que a liquidação seja uma realidade jurídica que deva ser tomada em conta pelo contribuinte.
É nesse sentido, e em sintonia com o nº 1 do artigo 45º da LGT e a alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPTT, que se deve interpretar o nº 3 do artigo 31º do CIMT: só a liquidação com eficácia externa é capaz de impedir a caducidade.
E assim sendo, o recurso tem provimento, pois está bem demonstrado que a notificação da liquidação adicional ocorreu para além do prazo de quatro anos. Após esse prazo, sem que a liquidação tenha sido notificada ao contribuinte, o seu conteúdo deixou de ser obrigatório, por extinção da relação jurídico-tributária que regulava e conformava.


4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação, declarando-se a caducidade do direito de liquidar.
Custas na primeira instância pela recorrida.
Lisboa, 28 de Novembro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva (voto a decisão).