Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0488/08
Data do Acordão:02/04/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:IRS
EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
INTERRUPÇÃO
SUSPENSÃO
Sumário:I — À prescrição do IRS de 1997 aplica-se a Lei Geral Tributária se, até 1 de Janeiro de 1999, data da sua entrada em vigor, não ocorreu qualquer facto interruptivo ou suspensivo do respectivo prazo.
II — Tal prazo é de 8 anos, contados daquele início de vigência, nos expressos termos do seu artigo 48.º.
III — Havendo sucessão de leis no tempo, a lei nova é competente para determinar os efeitos sobre o prazo de prescrição que têm os factos que ocorrem na sua vigência, por força do disposto no artigo 12.° do Código Civil.
IV - Até à entrada em vigor da Lei n.° 100/99, de 26 de Julho, a LGT não dava relevo interruptivo a qualquer acto praticado no âmbito do processo de execução fiscal.
V — Para efeitos do n.° 2 do artigo 48.º da LGT, a paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo não é relevante se, antes da paragem, não se tiver verificado qualquer facto interruptivo.
VI — Antes da entrada em vigor do número 4 do artigo 49.° da LGT, aditado pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a oposição não suspendia, em caso algum, o prazo de prescrição.
VII — A citação para o processo de execução fiscal interrompe a prescrição.
Nº Convencional:JSTA00065515
Nº do Documento:SA2200902040488
Data de Entrada:06/02/2008
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR CIVIL - DIR OBG.
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART34 N1 N2 N3.
LGT98 ART48 N1 ART49.
CCIV66 ART297 N1 ART12 N2 ART326.
L 100/99 DE 1999/07/26.
CPPTRIB99 ART204.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NOTAS PRÁTICAS PAG93 PAG51.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A Fazenda Pública vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição à execução fiscal, deduzida por A….
Fundamentou-se a decisão em que a dívida se encontrava prescrita, uma vez que, sendo aplicável o prazo de 8 anos previsto na Lei Geral Tributária, contado da sua entrada em vigor, o processo de execução esteve parado entre 30 de Janeiro de 2002 e 20 de Fevereiro de 2003.
A Fazenda recorrente formulou as seguintes conclusões:
1 - A sentença recorrida não atendeu a todos os elementos susceptíveis a contagem de prescrição.
2 — Analisada a douta sentença recorrida, verifica-se que não foi ponderado o efeito suspensivo da presente oposição.
3 — Assim, começando o prazo de prescrição a decorrer em 1 de Janeiro de 1999, nos termos do n.° 1 do artigo 48.º da LGT, e existindo uma oposição que determina a suspensão da cobrança da dívida, nos termos do n.° 4 do artigo 49.° da LGT, na redacção dada pelo DL n.° 53-A/2006, de 26/12, o prazo de prescrição suspendeu-se em 22/10/2003 (data da penhora do imóvel), pelo que estamos ainda muito longe dos 8 anos necessários à prescrição da dívida.
4 — E ainda, representando a prescrição uma sanção à negligência do titular do crédito, sanção que o impossibilita de exigir judicialmente a prestação, não há já razão para penalizar o credor, pela sua inércia ou negligência, se ainda dentro do prazo de prescrição aquele veio exigir judicialmente o seu direito.
5 — Tendo que concluir, atentos todos os elementos de facto e de direito relevantes com vista à aferição da prescrição não se ter esta verificado relativamente à dívida fiscal sub judice.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso já que, sendo aplicável ao caso a Lei Geral Tributária, ainda não decorreu o prazo de oito anos previsto no seu artigo 48.º, pois “tendo a Lei 53-A/2006 entrado em vigor em 1.1.2007, e encontrando-se nessa data pendente o processo de oposição, pelo menos a partir de 1.1.2007 o prazo de prescrição há-de ter-se como suspenso até à decisão definitiva (transitada em julgado) que puser termo ao processo de execução”.
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
a) Corre termos no Serviço de Finanças de Sintra 3, o processo de execução fiscal n.° 3557-02/1023381, contra o ora oponente A…, por dívida de IRS relativa ao ano de 1997, no valor de € 16.941,35 — Cfr. PEF apenso;
b) O processo executivo referido em a), que antecede, foi autuado em 30 de Janeiro de 2002 — Cfr. PEF apenso;
c) O ora oponente foi citado, pelos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos, em 30 de Agosto de 2006, para a execução fiscal n.° 3557-02/1023381, referida em a), que antecede -cfr. documento a fls. 66 do PEF apenso;
d) O PEF referido em a), que antecede, esteve parado, por facto não imputável ao contribuinte, entre 30 de Janeiro de 2002 e 20 de Fevereiro de 2003 — Cfr. documentos a fls. 1 a 4 do PEF apenso;
e) O oponente deduziu a presente oposição em 3 de Outubro de 2006 — Cfr. carimbo aposto na p.i., a fls. 3.
Vejamos, pois:
A questão dos autos é a da eventual prescrição da dívida relativa a IRS de 1997.
Como se mostra dos autos — informação dos serviços da administração tributária a fls. 15 -, o ora recorrido não apresentou reclamação graciosa nem intentou impugnação judicial, mas, tão-só, “deduziu a presente oposição em 3 de Outubro de 2006”, nos termos da alínea e) do probatório.
Sendo que - alínea d) do probatório -, o processo de execução fiscal esteve parado, por facto não imputável ao contribuinte, de 30 de Janeiro de 2002 (data da autuação do processo executivo) e 20 de Fevereiro de 2003 (data em que foi penhorado um imóvel no âmbito do mesmo processo executivo). A obrigação tributária em crise respeita, então, a IRS, ano de 1997, pelo que é aplicável o artigo 34.° do Código de Processo Tributário que entrou em vigor em 1 de Julho de 1991.
Dispunha o dito artigo 34.º:
“1. A obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei.
2. O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.
3. A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.”
Ora, nos termos deste n.° 2, “o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário”, ou seja, dizendo a dívida respeito ao ano de 1997, o prazo de prescrição começou a correr em 1 de Janeiro de 1998.
Entretanto, em 1 de Janeiro de 1999 entrou em vigor a Lei Geral Tributária que diminuiu, por força do seu artigo 48.º, n.° 1, o prazo de prescrição das dívidas tributárias para 8 anos.
Verificou-se, pois, uma sucessão de leis no tempo no que respeita ao seu prazo de prescrição.
E, para saber qual a lei aplicável, há que convocar o artigo 297.º, n.° 1, do Código Civil que dispõe que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Isto é: se a lei nova fixar um prazo mais curto do que o fixado na lei antiga, então:
- Se segundo a lei antiga faltar menos tempo, do que o fixado pela lei nova, para o prazo se completar, é aplicável a lei antiga; mas
- Se segundo a lei antiga faltar mais tempo para o prazo se completar, a lei nova é aplicável aos prazos que já estiverem em curso, sendo que o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei.
O que bem se compreende, já que assim se concretiza a intenção do legislador - reduzir o prazo -, sem operar qualquer efeito retroactivo.
No caso dos autos, a lei nova veio diminuir o prazo de prescrição de 10 para 8 anos e, à data da sua entrada em vigor, segundo a lei antiga tinha já decorrido um ano.
Pelo que, para a lei antiga, não faltava menos tempo (9 anos), do que o fixado pela lei nova - os ditos 8 anos -, para o prazo preposicional se completar. E, assim sendo, nos preditos termos do artigo 297.º do CC, é aplicável o prazo previsto na LGT, contado a partir de 1 de Janeiro de 1999.
Em Janeiro de 2002, foi emitida certidão de dívida e autuado o processo de execução fiscal.
Ora, nos termos do predito artigo 34.º, n.° 3, do CPT, a instauração da execução interrompia a prescrição.
No entanto, a redacção original da LGT não dava relevo interruptivo, no ponto, a qualquer acto praticado no âmbito de um processo executivo. Contudo, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 100/99, de 26 de Julho, o artigo 49.° da LGT passou a atribuir tal efeito interruptivo da prescrição à citação no processo de execução fiscal.
E, face a esta evolução legislativa, há que saber que norma era aplicável em 2002.
Dispõe o artigo 12.°, n.° 2, do Código Civil que rege a aplicação das leis no tempo do modo seguinte:
“Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Deste “n.° 2 resulta que, quando a lei dispõe sobre os efeitos de factos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos. (...)
Assim, uma vez determinado o quantitativo do prazo de prescrição (...) é a lei nova a única competente para determinar os efeitos sobre o prazo de prescrição que têm os factos que ocorrerem na sua vigência”.
JORGE DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária — Notas Práticas, Áreas Editora, p. 93.
Por força do artigo 12.º, n.° 2, do CC, é na redacção da LGT que se encontrava em vigor em 2002 que se tem que averiguar se aqueles actos praticados no âmbito da execução fiscal têm alguma relevância.
E, como ficou dito, após a Lei n.° 100/99 apenas a citação no processo de execução interrompe a prescrição.
Pelo que o prazo de prescrição que se iniciou a 1 de Janeiro de 1999 continuou a correr, sem ser interrompido ou suspenso, em Janeiro de 2002.
Entretanto, o processo de execução esteve parado, por facto não imputável ao contribuinte, entre 30 de Janeiro de 2002 e 20 de Fevereiro de 2003 — alínea d) do probatório.
Dispondo o artigo 49.º, n.° 2, da LGT, que “a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito [interruptivo] previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
Mas este número não é aplicável ao caso dos autos, pois que, antes da paragem, não foi praticado qualquer facto interruptivo da prescrição. E, assim sendo, a dita paragem não podia fazer cessar um efeito interruptivo que não se verificou.
Pelo que, também neste período, o prazo de prescrição continuou a correr sem qualquer interrupção ou suspensão.
Alega a recorrente que o prazo de prescrição se suspendeu em 2003 com a penhora de um imóvel que passou a garantir a dívida exequenda, alicerçando a sua conclusão na interpretação combinada dos artigos 212.º (“A oposição suspende a execução, nos termos do presente Código.”) e 169.º (epigrafado “Suspensão da execução. Garantias”).
Mas tal asserção não tem relevância no caso dos autos, pois que aqui a oposição apenas foi deduzida três anos mais tarde, em 3 de Outubro de 2006 — cfr. alínea e) do probatório.
Em todo o caso, sempre se dirá que, ainda que já tivesse sido deduzida oposição no momento da penhora, o prazo prescricional não se suspenderia em consequência da suspensão do processo de execução devido à constituição de “penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e acrescido”, nos termos legais, já que, desde logo, tal carece de fundamento legal.
Com efeito, à data da constituição da penhora estava em vigor o artigo 49.º, n.º 3, da LGT, na redacção dada pela Lei n.° 100/99, de 26 de Julho, que apenas previa a suspensão do prazo de prescrição “por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso”.
A recorrente socorre-se do n.° 4 deste artigo que veio aditar, como causa de suspensão do prazo de prescrição, “a oposição, quando [determine] a suspensão da cobrança de dívida”.
Todavia, como se disse, não só a oposição não tinha ainda sido deduzida em 2003 como este n.° 4 foi introduzido pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, não se encontrando pois em vigor à data da pretendida suspensão.
Por outro lado, a presente oposição não tem como fundamento a ilegalidade abstracta da dívida (alínea a) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT) nem a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda (nos termos da alínea h) do mesmo número) nem a duplicação de colecta (alínea g)), ou seja, esta oposição não se reconduz à impugnação do acto de liquidação, pelo que não é possível a invocada suspensão do prazo de prescrição.
Temos, assim, que o prazo de prescrição correu ininterruptamente desde 1 de Janeiro de 1999 até 30 de Agosto de 2006, tendo neste momento decorrido 7 anos e 8 meses.
Nesta última data, o contribuinte foi citado para a execução fiscal — alínea e) do probatório.
E, como se disse, na vigência da LGT tal citação interrompe a prescrição — artigo 49.º, n.° 1.
“A interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único efeito próprio da interrupção, presente em todas as situações (artigo 326.°, n.° 1, do CC).
Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação (...), o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.º, n.° 1, do CC).
Resultam, assim, destes artigos 326.° e 327.º dois conceitos de interrupção da prescrição ou interrupções de dois tipos: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição)”.
JORGE DE SOUSA, idem, p. 51.
Ora, não tendo o processo de execução estado parado por mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, após a citação, os sete anos e oito meses decorridos até ao facto interruptivo são inutilizados e o novo prazo só começará a contar-se após a decisão que puser termo ao processo de execução.
Pelo que a dívida em causa não se encontra prescrita.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição à execução.
Custas pela opoente, na instância, com procuradoria de 1/6.
Lisboa, 04 de Fevereiro de 2009. – Brandão de Pinho (relator) – Pimenta do Vale – Miranda de Pacheco.