Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0772/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:MATÉRIA DE FACTO
Sumário:Não é por determinados artigos se poderem desdobrar numa multiplicidade de factos e de revelarem uma complexidade face aos plurisignificados em causa, que significa que integram pura matéria conclusiva.
Nº Convencional:JSTA000P22693
Nº do Documento:SA1201712130772
Data de Entrada:09/04/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
I.RELATÓRIO

1.A………… vem interpor recurso de revista para este STA do Acórdão do TCAS, de 4.5.2016, que concedeu provimento ao recurso da decisão do TAF de Castelo Branco, que havia deferido a providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão do Presidente do Conselho Directivo do IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP, - Deliberação nº 515/2015, que «determinou a alteração do contrato de financiamento nº 02030877/0, referente ao pedido de apoio na operação nº 020000040403, designada por “Área Agrupada de ………..” e a devolução do valor de € 228.765,26, recebido pela A. a título de subsídio de investimento, notificada à A. através do ofício 004398/2016 DAI – UREC, de 4-5-2016» por si interposta.

2. Para tanto alega em conclusão que:

“1º É matéria de direito, sindicável pelos Supremos Tribunais, saber se um determinado facto ou questão é conclusivo ou não, dado que é matéria suscetível de violar normas legais, concretamente o artº 607º nºs. 3 a 5 CPC, aplicável por força dos artºs. 1º e 140º nº 3 CPTA;

2º É matéria de direito, sindicável pelos Supremos Tribunais, saber se um determinado facto ou questão é conclusivo ou não, dado que é matéria suscetível de violar princípios jurídicos estruturantes do processo, concretamente, os princípios fundamentais da aquisição processual, da imediação, da livre apreciação das provas, da prevalência da decisão de mérito e da verdade material, aplicáveis por força dos artºs. 1º e 140º nº 3 CPTA;

3º É ainda sindicável pelo STA avaliar se o acórdão “a quo” violou ou não o disposto no nº 4 do artº 590º CPC, conjugado com os artºs. 6º e 7º CPC, aplicáveis por força dos artºs. 1º e 140º nº 3 CPTA;

4º A admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor interpretação e aplicação do direito, importando determinar qual a melhor interpretação e aplicação dos artºs. 607º nºs. 3 a 5; 590º nº 4 e artºs. 6º e 7º todos do CPC, conjugados com os princípios jurídicos estruturantes do processo, concretamente, os princípios fundamentais da aquisição processual, da imediação, da livre apreciação das provas, da prevalência da decisão de mérito e da verdade material, aplicáveis por força do disposto nos artºs. 1º e 140º nº 3 CPTA;

5º Não podem ser excluídos da matéria provada, com fundamento em serem conclusivos, os factos constantes dos Pontos 32, 35, 38 e 39 da matéria provada;

6º Aqueles artigos contêm factos ou são consequência ou decorrência necessária, ou normais de outros factos que os precedem, designadamente dos factos constantes nos Pontos 1, 30, 31, 33, 34 e 36 da matéria provada e dos artigos 100º a 103º da p.i. da providência;

7º São factos que não encorpam em si qualquer juízo sobre questão jurídica nem a sua interpretação implica o recurso a qualquer regra de direito;

8º São artigos que se desdobram numa multiplicidade de factos mas que não integram matéria conclusiva;

9º Como tal, são pontos que o acórdão “a quo” não podia eliminar da matéria provada nos autos;

10º Ao assim proceder, o acórdão “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação dos nºs. 3 a 5 do artº 607º CPC, aplicável por força dos artºs. 1º e 140º CPTA;

11º Ao assim proceder, o acórdão “a quo” violou os princípios fundamentais da aquisição processual, da imediação, da livre apreciação das provas, da prevalência da decisão de mérito e da verdade material, aplicáveis por força dos artºs. 1º e 140º CPTA;

12º O acórdão “a quo” afasta a realização da justiça e não protege os direitos e interesses legítimos que os tribunais têm o dever de proteger;

Sem prescindir,

13º Se os artigos em causa fossem conclusivos – e não são - o acórdão “a quo” deveria determinar o regresso dos autos à 1ª instância, a fim de que a matéria que julgou – mal - como conclusiva venha a ser concretizada;

14º Ao assim não entender, o acórdão recorrido violou o artº. 590º nº 4 CPC, conjugado com os artºs. 6º e 7º CPC, aplicáveis por força dos artºs. 1º e 140º nº 3 CPTA;

15º Os Pontos 32, 35, 38 e 39 da matéria provada devem ser recuperados para o elenco da matéria de facto a considerar na decisão final da providência, com a consequente revogação do acórdão “a quo”, decretando-se a providência requerida.

Nestes termos e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, com as devidas consequências legais.

Assim se cumprirá a Lei e fará Justiça.”

3. IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. deduz as suas contra-alegações, que conclui da seguinte forma:

“A. Na ótica da Recorrente o presente recurso é necessário com vista à melhor aplicação do direito, invocando a errada interpretação do artigo 607º, nºs 3 a 5 e artigo 590º ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 1º e 140º ambos do CPTA.

B. A aplicação supletiva do CPC, determinada pelo artigo 1º do CPTA, impõe-se quando, e se, o CPTA não contiver norma expressa de regulação.

C. As normas cuja violação pelo acórdão recorrido a Recorrente invoca não têm aplicação no caso em concreto, dado que,

D. O CPTA contem normas expressas relativas à matéria que se encontra regulada nas disposições do direito processual civil invocadas pela Recorrente.

E. Não havendo lugar à aplicação subsidiária das normas plasmadas nos artigos 607º, nºs 3 a 5 e artigo 590º, ambos do CPC, não se coloca a questão de saber se as mesmas terão sido violadas pelo Venerando Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.

F. Termos em que deverá ser rejeitada a presente revista.

Sem conceder,

G. Os pontos 32, 35, 38 e 39 da factualidade dada por provada pelo Tribunal de 1ª instância, foram daquela eliminados pelo Venerando acórdão ora sob recurso, porquanto os mesmos contêm meras conclusões e não matéria de facto que devesse ter sido considerada provada.

H. Os Pontos mandados eliminar da matéria de facto são, efetivamente, conclusões e valorações relativas a uma das questões que se colocava à apreciação do Tribunal, não podendo, assim, constar da factualidade provada.

I. O Douto acórdão recorrido não violou o estatuído no artigo 607º, nºs 3 a 5 do CPC, porquanto aquele Superior Tribunal, na apreciação da prova que lhe foi submetida por força do recurso interposto pelo então Recorrente IFAP, observou também os princípios que resultam das normas em causa, analisando criticamente a prova produzida, tendo respeitado os limites que decorrem das citadas disposições.

J. Da mesma forma o aresto recorrido não violou o nº 4 do artigo 595º do CPC, porquanto, no caso em concreto não cabe na previsão daquele nº 4, já que não houve qualquer imprecisão ou insuficiência das partes na exposição da matéria de facto, antes se estando perante matéria que não deveria constar da factualidade dada por provada, uma vez que a mesma não é facto, mas antes conclusões relativas à questão que se encontrava sob julgamento.

Termos em que se conclui, com o mui douto suprimento desse Venerando Tribunal, que não deverá ser admitida a presente revista por não se mostrarem preenchidos os pressupostos dos quais depende a sua admissão, ou, assim não se considerando, o que se não concede, deverá à mesma ser negado provimento, mantendo-se assim o douto acórdão do TCA SUL com o que se fará a costumada

JUSTIÇA!”

4. A revista foi admitida em 12.7.2017, fls. 391/395 por acórdão proferido pela Formação deste STA a que alude o nº5 do artº 150º do CPTA, donde se extrai:

“…Ora, é muito controverso que tais itens não devam ser considerados como factos.

Sendo assim, sendo que a única razão que determinou o TCA a considerar que não se verificava o periculum in mora foi a retirada do probatório dos mencionados factos e sendo que essa matéria é vital para uma melhor aplicação do direito justifica-se a admissão da revista”.

5. Notificado o EMMP, ao abrigo dos art.º 146º, 1, CPTA, foi emitido o seguinte parecer, donde se extrai:

“Ora, os itens retirados da factualidade provada não consubstanciam eventos reais/factos concretos, mas sim meras conclusões ou formulações genéricas que, salvo melhor juízo, não poderiam deixar de ser retirados da factualidade provada.

De facto, tais itens consubstanciam conclusões e valorações relativamente a uma das questões que se colocava à apreciação do tribunal (verificação do periculum in mora), não podendo, pois, constar da factualidade apurada.

Assim sendo, não tendo a requerente logrado demonstrar o periculum in mora parece certo que a pretensão cautelar não poderia deixar de improceder, como improcedeu.

No que concerne à convocação do normativo do artigo 590°/4 do CPC, conjugado com os normativos dos artigos 6.° e 7.º, do CPC, salvo melhor opinião, parece não ter arrimo legal, pois que não se verifica qualquer imprecisão ou insuficiência na matéria de facto alegada mas sim a exclusão da factualidade apurada de conclusões ou formulações genéricas que, nos termos da lei, da mesma não podem constar.

Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida na ordem jurídica.”


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Na sentença de 1ª instância foram dados como assentes os seguintes factos:

1. A “A………….”, ora Requerente, é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, constituída por produtores florestais, e tem por objecto social (i) a defesa e a promoção dos interesses dos produtores e dos proprietários florestais, (ii) o desenvolvimento de acções de preservação e valorização das florestas, dos espaços naturais, da fauna e flora, (iii) a defesa e valorização do ambiente, do património natural construído, (iv) a conservação da natureza, (v) bem como, de uma maneira geral, a valorização do património fundiário e cultural dos seus associados [cf. documento (doc.) constante de fls. 16/19 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 14.º da Oposição)].

2. Em 22 de Novembro de 2012, a Requerente apresentou uma candidatura (à qual foi atribuído o número de operação 40403 Área Agrupada de ………..) ao programa PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural do Continente), no Eixo “Melhoria do Ambiente e da Paisagem Rural”, Subprograma 2 - “Gestão Sustentável do Espaço Rural”, Medida 2.3 - “Gestão do Espaço Florestal e Agro-Florestal”, Acção 2.3.3 - “Valorização Ambiental dos Espaços Florestais”, Sub-acção 2.3.3.3 “Protecção contra Agentes Bióticos Nocivos”, no valor de € 1.830.868,25 [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 4 e fls. 15 e seguintes do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 14.º da Oposição)].

3. Em 07 de Maio de 2013, a Autoridade de Gestão do PRODER aprovou a candidatura referida em 2), para um investimento total proposto de € 1.830.868,25, e com um investimento elegível aprovado de € 1.161.290,38 [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 4 e de fls. 109 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

4. Em 12 de Junho de 2013, a Requerente celebrou com o “IFAP - Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.”, ora Entidade Requerida, um acordo denominado “Contrato de Financiamento n.º 02030877/0”, respeitante ao pedido de apoio na operação n.º 020000040403, designada por “Área Agrupada de ………..” [cf. documento (doc.) constante de fls. 20/21 e versos dos autos cautelares e de fls. 5/14 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 14.º da Oposição)].

5. Nos termos do contrato identificado em 4), além do mais, (i) a Entidade Requerida concedeu à Requerente um subsídio não reembolsável no valor de € 929.032,30 correspondente a 50,74% do valor do investimento total da operação aprovada para aquela “Área Agrupada de ……….”, (ii) a execução material da operação teria início em 01 de Setembro de 2012 e finalizaria em 31 de Dezembro de 2014, e, (iii) o apoio concedido seria pago pela Entidade Requerida por crédito na conta de depósitos à ordem da Requerente [cf. documento (doc.) constante de fls. 20/21 e versos dos autos cautelares e de fls. 5/14 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; factualidade admitida por acordo (cf. artigo 14.º da Oposição)].

6. Em 04 de Outubro de 2013, a Requerente apresentou o primeiro pedido de pagamento, instruído, além do mais, com a factura n.º 23/2013, datada de 03/10/2013, emitida pela empresa “B………., LDA.”, dirigida à Requerente, da qual consta, o seguinte: “…” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 125/153 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

7. Após controlo administrativo do pedido de pagamento identificado em 6) por parte da DRAP ALENTEJO e na sequência de tal pedido de pagamento ter sido aprovado (em cuja aprovação se incluem todos os valores descritos em 6)) -, a Entidade Requerida pagou à Requerente a quantia de € 198.512,72 respeitante à despesa apresentada, considerada elegível de € 248.140,90 (na qual se inclui os valores constantes da factura descrita em 6)) [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 154/167 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

8. Em 06 de Dezembro de 2013, a Requerente apresentou o segundo pedido de pagamento, instruído, além do mais, com as facturas n.º 38/2013 (datada de 05/12/2013), n.º 39/2013 (datada de 05/12/2013), e n.º 40/2013 (datada de 05/12/2013) emitidas pela empresa “B……….., LDA.”, dirigida à Requerente, das quais consta o seguinte: “…

(…) …” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 168/206 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

9. Após controlo administrativo do pedido de pagamento identificado em 8) por parte da DRAP ALENTEJO e na sequência de tal pedido de pagamento ter sido aprovado (em cuja aprovação se incluem todos os valores descritos em 8)) -, a Entidade Requerida pagou à Requerente a quantia de € 541.586,75 respeitante a uma despesa apresentada, considerada elegível de € 676.983,44 (na qual se inclui todos os valores constantes da factura descrita em 8)) [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 207/222 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

10. Em 14 de Outubro de 2014, a Requerente apresentou o terceiro pedido de pagamento, instruído, além do mais, com a factura n.º 36/2014, datada de 09/10/2014, emitida pela empresa “B……….., LDA.”, dirigida à Requerente, da qual consta o seguinte: “…

…” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 223/253 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

11. Após controlo administrativo do pedido de pagamento identificado em 10) por parte da DRAP ALENTEJO e na sequência de tal pedido de pagamento ter sido aprovado (em cuja aprovação se incluem todos os valores descritos em 10)) -, a Entidade Requerida pagou à Requerente a quantia de € 188.932,83 respeitante a uma despesa apresentada, considerada elegível de € 236.166,04 (na qual se inclui todos os valores constantes da factura descrita em 10)) [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 255/266 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

12. Em 03 de Julho de 2015, os serviços da DRAP ALENTEJO remeteram à Requerente um e-mail com o seguinte teor, a saber: “…No âmbito da análise do 3º Pedido de Pagamento da operação n.º 40403 - ÁREA AGRUPADA DAS ……….., foi verificado existirem relações especiais entre a empresa prestadora de serviços B……….., LDA., e o promotor (Relações especiais – conflito de interesses, designadamente nas relações estabelecidas entre os beneficiários e os seus fornecedores ou prestadores de serviços, isto é em que uma entidade tem um poder de exercer, directa ou indirectamente uma influência significativa nas decisões de gestão da outra). Solicitamos assim elementos complementares de análise da despesa apresentada na Factura n.º 36/2014 datada de 09/10/2014, nomeadamente:

- evidência de que o fornecedor B…………., LDA. detém capacidade/recursos humanos necessários para a realização das tarefas facturadas no âmbito da operação, nomeadamente através da apresentação de uma declaração de remunerações remetida à Segurança Social dos meses dos serviços prestados. Deve ainda discriminar a respectiva afectação dos recursos humanos às tarefas realizadas, com o preenchimento do quadro enviado em anexo. - Mapa do imobilizado do fornecedor B……….., LDA. de forma a possibilitar a verificação do parque de máquinas que os mesmos dispõem para os serviços prestados, e a respectiva afectação das máquinas aos serviços realizados. - Nas operações manuais ou moto-manuais a que se referem a Facturas n.º 36/2014, como os valores apresentados se encontram indexados ao hectare, devem ser apresentados os valores indexados ao n.º de jornas e os respectivos custos unitários por jorna envolvidos. - Caso tenha recorrido à subcontratação para a execução da prestação de serviço ou do fornecimento do bem, tem a entidade fornecedora que apresentar o comprovativo dessa despesa (facturas e respectivos elementos probatórios de pagamento). Não sendo apresentados por parte de V. Exas. os elementos de acordo com o solicitado, no prazo máximo de 5 dias úteis, vimos informar que não temos informação suficiente da parte do fornecedor que demonstre e comprove a composição do preço final do bem ou serviço em que questão, logo a despesa será considerada como não elegível…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 285 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

13. Em 10 de Julho de 2015, a Requerente remeteu aos serviços da DRAP ALENTEJO, via correio electrónico, os elementos solicitados em 12) [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 267/280 e versos do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido], tendo também prestado os seguintes esclarecimentos, a saber: “…Quanto à factura 36/2014, diremos que a Associação não tem estrutura administrativa que permita responder atempadamente às necessidades, razão pela qual houve atraso na emissão da factura, da qual não resultou qualquer prejuízo para qualquer entidade, a não ser a própria Associação. Contudo sempre diremos que as podas foram executadas no prazo legal coincidente com a autorização concedida pelo ICNF e a rechega e queima de sobrantes se prolongou obviamente no tempo e por alguns meses, donde resultou que a facturação fosse executada em data posterior. A B………. informou-nos que recorreu a sub-contratação para a execução da prestação de serviços, pelo que junto se apresenta os justificativos por eles apresentados…” [cf. documentos (docs.) constante de fls. 281/284 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

14. Juntamente com o e-mail transcrito em 13), a Requerente juntou, além do mais, o seguinte documento, a saber: “…

…” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 267/280 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

15. Em 14 de Julho de 2015, os serviços da DRAP ALENTEJO remeteram à Requerente um e-mail com o seguinte teor, a saber: “…No âmbito da análise da Reanálise do 1º e 2º Pedido de Pagamento da operação n.º 40403 - ÁREA AGRUPADA DAS …………, foi verificado existirem relações especiais entre a empresa prestadora de serviços B……….., LDA. e o promotor. Solicitamos assim elementos complementares de análise da despesa apresentada nos 1.º e 2.º Pedidos de Pagamento, nomeadamente: - evidência de que o fornecedor B……….., LDA. detém capacidade/recursos humanos necessários para a realização das tarefas facturadas no âmbito da operação, nomeadamente através da apresentação de uma declaração de remunerações remetida à Segurança Social dos meses dos serviços prestados. Deve ainda discriminar a respectiva afectação dos recursos humanos às tarefas realizadas, com o preenchimento do quadro enviado em anexo. - Mapa do imobilizado do fornecedor B…………, LDA. de forma a possibilitar a verificação do parque de máquinas que os mesmos dispõem para os serviços prestados, e a respectiva afectação das máquinas aos serviços realizados. - Nas operações manuais ou moto-manuais a que se referem as Facturas apresentadas nos Pedidos de Pagamento, como os valores apresentados se encontram indexados ao hectare, devem ser apresentados os valores indexados ao n.º de jornas e os respectivos custos unitários por jorna envolvidos. - Caso tenha recorrido à subcontratação para a execução da prestação de serviço ou do fornecimento do bem, tem a entidade fornecedora que apresentar o comprovativo dessa despesa (facturas e respectivos elementos probatórios de pagamento). Não sendo apresentados por parte de V. Exas os elementos de acordo com o solicitado, no prazo máximo de 5 dias úteis, vimos informar que não temos informação suficiente da parte do fornecedor que demonstre e comprove a composição do preço final do bem ou serviço em que questão, logo a despesa será considerada como não elegível…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 347 e verso do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

16. Em 27 de Julho de 2015, a Requerente remeteu aos serviços da DRAP ALENTEJO, via correio electrónico, os elementos solicitados em 15) [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 312/346 e versos do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

17. Em 28 de Julho de 2015, os serviços da DRAP ALENTEJO efectuaram uma diligência de verificação física de execução do projecto [cf. documento (doc.) constante de fls. 290 e verso do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

18. Na sequência da diligência identificada em 17), os serviços da DRAP ALENTEJO fizeram constar do Relatório de Verificação Física no Local (elaborado em 29-07-2015), além do mais, o seguinte, a saber: “…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 228 e verso do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

19. A Requerente desenvolve a sua actividade intervindo em Áreas Agrupadas e em Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) [cf. art. 4.º, alíneas a) e l), da Portaria n.º 1137-D/2008, de 9 de Outubro], consistindo tal actividade na elaboração de planos de gestão florestal e de planos específicos de intervenção florestal, assumindo a responsabilidade pela gestão e exploração comum dos proprietários nas Áreas Agrupadas e nas ZIF; pelo que, quando nomeada pelos proprietários como entidade gestora das Áreas Agrupadas e das ZIF, a Requerente assume também a responsabilidade pela execução das diversas operações previamente acordadas com os proprietários, executando-as com recursos próprios e/ou subcontratando a terceiros os recursos humanos, equipamentos e fornecimento de materiais e produtos necessários para realizar as diversas tarefas (os proprietários das explorações florestais prestam também serviços à Requerente, através de contribuições em espécie, seja em trabalho, seja em equipamentos ou produtos, nas Áreas Agrupadas ou nas ZIF onde estão integrados; sendo que a Requerente intervém hoje em operações em cerca de 7.500 hectares no Alentejo Litoral, e em cerca de 14.000 hectares na região de Ponte de Sor e no Alto Alentejo) [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte].

20. A DRAP ALENTEJO procedeu a uma reanálise dos pedidos de pagamento de saldo referidos em 6), em 8), e em 10) [cf. documento (doc.) constante de fls. 291/294 e versos do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

21. Mediante o Ofício n.º OFIC/2174/2015/SRNA datado de 21-10-2015, os serviços da DRAP ALENTEJO notificaram a Requerente, nos seguintes termos, a saber:

“…” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 291/294 e versos do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

22. Em 06 de Novembro de 2015, a Requerente remeteu, via postal, aos serviços da DRAP ALENTEJO, pronúncia, tendo requerido, a final, que “…o […] projecto […] de decisão [fosse,] reformulado […] no sentido de manter elegíveis os pagamentos efectuados, porquanto os mesmos correspond[iam] ao integral e efectivo cumprimento do estipulado na […] correspondente […] candidatura...” [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 298/301 do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

23. Em 23 de Novembro de 2015, a DRAP ALENTEJO decidiu remeter o projecto de decisão reproduzido em 21) e o requerimento descrito em 22) à Entidade Requerida [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 351/428 e versos do Processo Instrutor “PRODER” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

24. Mediante o Ofício n.º 004398/2016 DAI-UREC, datado de 04-05-2016, a Entidade Requerida notificou a Requerente, nos seguintes termos, a saber: “…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 22/24 e versos dos autos cautelares e de fls. 21/23 e versos do Processo Instrutor “IFAP” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido] - acto ora suspendendo.

25. Do “Manual Técnico do Beneficiário / Contratação e Pedidos de Pagamento FEADER (Investimento) e FEP” consta, além do mais, o seguinte, a saber: “…6.2. DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES DE ELEGIBILIDADE DA DESPESA. Os casos de verificação da elegibilidade de despesa a que se referem os pontos seguintes são aplicados a cada Medida/Acção com as devidas adaptações, tendo em conta as portarias enquadradoras dos apoios, os seus normativos específicos ou, caso existam, orientações das respectivas autoridades de gestão. Nestas circunstâncias, a entidade competente pela análise do pedido de pagamento procede às seguintes verificações complementares: (...) h) Relações especiais Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente entre: (...) 4. Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta; (...) No âmbito das relações especiais, o beneficiário deve assegurar que as transacções efectuadas são identificadas apropriadamente e relevadas nas demonstrações financeiras. No âmbito da análise do pedido de pagamento, podem ser solicitados os seguintes elementos: - Documentos emitidos pelo fornecedor ou prestador de serviço que demonstrem e comprovem a composição do preço final; - Os preços de aquisição dos bens/serviços pelo grupo, através do dossier de preços de transferência. A despesa a considerar elegível é a que estiver de acordo com os preços de mercado, sendo que no âmbito da subcontratação, o valor aceite será limitado ao montante dessa subcontratação (1.º preço de venda/preço de entrada)…” [cf. documento (doc.) constante de fls. 54/93 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

26. A Requerente foi constituída, em 13 de Dezembro de 2005, entre outros, por C…………., como associação sem fins lucrativos, de cujos estatutos consta, além do mais, o seguinte, a saber: …” [cf. documento (doc.) constante de verso de fls. 16/19 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

27. A Direcção da Requerente é, desde 24 de Junho de 2011 [data em que se procedeu à designação do Tesoureiro e do Secretário], composta por D…………. (Presidente), C………… (Vice-Presidente), E………. (Tesoureiro), F…………. (Secretário) e G…………. (Vogal) [cf. documento (doc.) constante de verso de fls. 93 dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

28. O Conselho Fiscal da Requerente é, desde 24 de Junho de 2011, constituído por H………… (Presidente), I……….. (Secretário) e J………… (Secretário) [cf. documento (doc.) constante de verso de fls. 93 dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

29. Desde a constituição da empresa “B…………, LDA” que H………… é seu sócio gerente, sendo que, desde 27 de Setembro de 2013, C………….. é seu sócio e gerente [cf. documento (doc.) constante de verso de fls. 94 e verso dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

30. A Requerente intervém hoje em operações em cerca de 7.500 hectares no Alentejo Litoral e em cerca de 14.000 hectares na região de Ponte de Sor e no Alto Alentejo; integrando cerca de 350 associados registados em sessenta áreas Agrupadas e duas ZIF [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ………… e …………].

31. A Requerente apresentou, no âmbito do programa PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural do Continente) 20 candidaturas em área agrupada no Alto Alentejo e Alentejo litoral, que representam cerca de 7.198 hectares de intervenção; a que acresce 3 candidaturas em zonas integradas florestais no Alentejo Litoral, que representam cerca 1.210 hectares de intervenção [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ……….. e ………..].

32. Nas candidaturas referidas em 31) estão envolvidos dezenas de pequenos proprietários e produtores florestais cuja sobrevivência depende do sucesso destas candidaturas [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ……….. e …………].

33. Para além do acto ora suspendendo, o Presidente do Conselho Directivo da Entidade Requerida determinou a alteração de treze outros contratos de financiamento celebrados com a Requerente, e a devolução do valor total de € 2.007.647,44, correspondente à redução dos montantes dos subsídios atribuídos à Requerente nas operações a seguir identificadas, a saber: (i) Operação n.º 020000038846, designada por Área Agrupada de ………., determinando a devolução do valor de € 78.374,48; (ii) Operação n.º 020000043789, designada por Área Agrupada da …………, determinando a devolução do valor de € 108.207,98; (iii) Operação n.º 020000038767, designada por Área Agrupada da …………, determinando a devolução do valor de € 59.024,78; (iv) Operação n.º 020000038768, designada por Área Agrupada de ……….., determinando a devolução do valor de € 100.007,12; (v) Operação n.º 020000038799, designada por Área Agrupada de ………., determinando a devolução do valor de € 3.622,24; (vi) Operação nº 020000038861, designada por Área Agrupada de ……….., determinando a devolução do valor de € 11.880,40; (vii) Operação n.º 020000040402, designada por Área Agrupada de ………., determinando a devolução do valor de € 524.383,54; (viii) Operação n.º 020000040404, designada por Área Agrupada …………, determinando a devolução do valor de € 520.042,98; (ix) Operação n.º 020000043660, designada por Área Agrupada de ………., determinando a devolução do valor de € 33.112,94; (x) Operação n.º 020000043664, designada por Área Agrupada de ……….., determinando a devolução do valor de € 166.543,04; (xi) Operação n.º 020000045617, designada por Área Agrupada ………., determinando a devolução do valor de € 109.647,58; (xii) Operação n.º 020000043667, designada por Área Agrupada de ………., determinando a devolução do valor de € 60.655,78; e, (xiii) Operação n.º 020000038787, designada por Área Agrupada …………, determinando a devolução do valor de € 3.379,32 [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ……….. e …………; cf. informação obtida via SITAF].

34. Em consequência das decisões referidas em 33), a Requerente está obrigada a devolver à Entidade Requerida o montante total de € 2.007.647,44 [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ……….. e ……….].

35. A Requerente, sendo uma associação sem fins lucrativos, sem património próprio, e dependendo dos contratos de ajudas financeiras celebrados com a Entidade Requerida para manter a sua actividade, não tem qualquer capacidade para devolver de imediato os subsídios que lhe foram atribuídos para a execução das diversas operações em que foi parte [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ………. e …………].

36. Os subsídios pagos à Requerente foram por esta integralmente aplicados na execução dos trabalhos previstos em cada operação, designadamente no pagamento a fornecedores e prestadores de serviços que realizaram os diversos trabalhos previstos [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ………. e …………].

37. No ano de 2015, a Requerente teve um resultado líquido negativo, antes de impostos, de € 3.565.763,98 (três milhões e quinhentos e sessenta e cinco mil e setecentos e sessenta e três euros e noventa e oito cêntimos) [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. documentos (docs.) constantes de fls. 27/34 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

38. A Requerente não tem capacidade para prestar garantia das quantias que são objecto das catorze decisões da Entidade Requerida que ordenaram a devolução dos subsídios atribuídos e pagos à Requerente [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ……….. e ………..; cf. documentos (docs.) constantes de fls. 26/33 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

39. A manutenção da eficácia do acto suspendendo tem como consequência a insolvência da Requerente e o encerramento das suas actividades, afectando de forma irremediável a sobrevivência de trabalhadores, fornecedores e prestadores de serviços que sobrevivem graças às actividades desenvolvidas pela Requerente [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ……….. e …………].

40. A manutenção da eficácia do acto suspendendo provoca o fim das operações da Requerente na defesa e promoção dos interesses gerais dos produtores e proprietários florestais que a integram, e o fim das actividades de preservação e valorização da Floresta (recurso natural de elevado interesse público nacional) [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ………. e ………..].

41. Tem-se aqui presente o teor de todos os documentos constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 1/430 e versos do Processo Instrutor “PRODER” e de fls. 1/23 e versos do Processo Instrutor “IFAP” e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

42. Regulamente notificada para o efeito, a Entidade Requerida não apresentou Resolução Fundamentada [cf. fls. 39/93 e versos dos autos cautelares, a contrario sensu].


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B- A decisão recorrida eliminou da matéria de facto os artigos 32, 35, 37, 38, 39 e 40 da matéria de facto fixada na 1ª instância.

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O DIREITO

1.A questão de que cumpre conhecer nestes autos é a de saber se podem ser excluídos da matéria provada, com fundamento em serem meras conclusões/formulações genéricas, e por isso matéria de direito, os factos constantes dos pontos 32, 35, 38 e 39 da matéria de facto fixada em 1ª instância, que a decisão recorrida eliminou, por considerar que não se tratam de factos concretos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 607° do CPC (artigo 94° do CPTA).

Então vejamos.

Como se extrai do Ac. do STJ 06/12.6TTCVL.C1.S1 de 29-04-2015 :

“(…) Não podendo o Supremo Tribunal de Justiça apreciar a bondade da decisão de facto, proprio sensu, é-lhe lícito contudo – por se tratar já de matéria jurídica – verificar se determinada proposição, retida como facto provado, reflecte (…indevidamente e em que medida) uma questão de direito ou um juízo de feição conclusiva ou valorativa.

Em suma: a matéria de facto …não pode conter qualquer apreciação de direito, seja, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica[6], devendo as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto considerar-se não escritas.”

Entende a recorrente que aqueles artigos contêm factos ou são consequência ou decorrência necessária, ou normais de outros factos que os precedem, designadamente dos factos constantes nos pontos 1, 30, 31, 33, 34 e 36 da matéria provada e dos artigos 100º a 103º da p.i. da providência.

Como tal, são pontos que o acórdão “a quo” não podia eliminar da matéria provada nos autos e ao fazê-lo fez uma errada interpretação e aplicação dos nºs 3 a 5 do artº 607º CPC, aplicável por força dos artºs. 1º e 140º CPTA.

A decisão recorrida baseou o seu entendimento na seguinte motivação:

“1 - do erro de julgamento dos factos quanto ao contante dos artigos 32, 35, 36, 37, 38 e 39 da fundamentação de facto da decisão cautelar recorrida

Como se referiu em Acórdão proferido por este Tribunal, em 20 de Abril de 2017, Proc. 306/16.7BECTB – no qual as questões a apreciar eram em tudo idênticas às que constituem o objecto do presente recurso, e que se seguirá, por se concordar com a solução no mesmo adoptada: “…o processo jurisdicional exige uma distinção entre a matéria de facto (estando a essencial subtraída à iniciativa do juiz), objecto da prova, e as conclusões daí resultantes, bem como também entre factos e matéria de direito (estando esta sujeita à livre abordagem propulsora do juiz, ao contrário dos factos essenciais).”

A esta luz, dúvidas não restam de que o que está descrito nos itens 32, 35, 38 e 39 atrás transcritos, são meras conclusões, e não factos concretos, não podendo, por isso, constar da factualidade provada.

São, pois, de eliminar.(…)

Ora, o item 36 contém matéria de facto e não mera conclusão, pelo que não houve erro de direito ao levar tal factualidade ao probatório.”

2. Então vejamos.

Dispõe o art. 607.º, n.º 4, do NCPC: “Na fundamentação (da sentença) o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…)”

Ou seja, na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.

Deve interpretar-se, assim, o actual n.º 4 do art. 607º do NCPC no mesmo sentido do n.º 4 do art. 646.º do C.P.C./1961 que referia que se têm por não escritas as respostas do Tribunal sobre questões de direito.

E , apesar de também neste preceito não se contemplar a circunstância de se tratar de matéria vaga, genérica e conclusiva, foi-se consolidando na jurisprudência, o entendimento de que “…não porque tal preceito contemple expressamente a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas (…) porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.” Acórdão do STJ de 23.9.2009, 238/06.7TTBRG.S1, secundado entre outros pelo Ac. n.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, de 19.4.2012.

São as seguintes as alíneas da matéria de facto fixada em 1ª instância que o acórdão recorrido eliminou com fundamento em serem conclusivas.

“32. Nas candidaturas referidas em 31) estão envolvidos dezenas de pequenos proprietários e produtores florestais cuja sobrevivência depende do sucesso destas candidaturas [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ………. e ……….].

35) A Requerente, sendo uma associação sem fins lucrativos, sem património próprio, e dependendo dos contratos de ajudas financeiras celebrados com a Entidade Requerida para manter a sua actividade, não tem qualquer capacidade para devolver de imediato os subsídios que lhe foram atribuídos para a execução das diversas operações em que foi parte [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ………. e ………..].

38) A Requerente não tem capacidade para prestar garantia das quantias que são objecto das catorze decisões da Entidade Requerida que ordenaram a devolução dos subsídios atribuídos e pagos à Requerente [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ……… e ……….; cf. documentos (docs.) constantes de fls. 26/33 e versos dos autos cautelares e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

39) A manutenção da eficácia do acto suspendendo tem como consequência a insolvência da Requerente e o encerramento das suas actividades, afectando de forma irremediável a sobrevivência de trabalhadores, fornecedores e prestadores de serviços que sobrevivem graças às actividades desenvolvidas pela Requerente [cf. depoimento prestado pela Requerente, em sede de declarações de parte; cf. depoimento prestado pelas testemunhas ……….. e ………..].”

Cumpre, pois, aferir se estes artigos da matéria de facto, contém afirmações conclusivas que, por isso, se devem considerar como matéria de direito.

Em 1º lugar convém ter presente que uma coisa é estar em causa matéria de facto ou matéria conclusiva e outra será a da suficiência ou não da prova para dar como provada certa factualidade.

Isto é, não é por se entender que a prova de certa factualidade só pode ser feita por documentos que tal significa que estamos perante conclusões e não perante factos.

É certo que nem sempre é fácil distinguir entre facto e conclusão de facto, porque ambos se interpenetram.

E também é raro que num processo haja somente puros factos, havendo sempre uma zona intermédia em que é difícil distinguir entre facto e direito, entre facto e conclusão, podendo deduzir-se conclusões de factos ou valorá-los juridicamente ou ainda extrair-se juízos dos casos concretos da vida prática.

De qualquer forma não é questão de facto a qualificação jurídica dos mesmos assim como não o são as deduções jurídicas e consequências legais dos factos.

A este propósito extrai-se do acórdão do STJ 525/12.5T2ETR de 15-10-2013:

“Como todos sabemos, o ordenamento jurídico sempre deu conta da dificuldade na destrinça por vezes dos factos da conclusão, atenta a ligação incindível que apresentam - dificuldade de que já Alberto dos Reis, embora dentro da doutrina tradicional, fala no seu “Código de Processo Civil Anotado" III, pags. 205 ss -.

É verdade que na selecção da matéria de facto, seja assente, seja controvertida, o tribunal deve ater-se a factos, não devendo aí incluir conceitos de direito ou juízos de valor sobre a matéria de facto - art.º 511.º nº 1 do CPC (na actual versão do Código do Processo Civil a lei – artigo 410.º - fala nos factos necessitados de prova) -.

Esta solução aplicar-se-á, por analogia, às respostas que incidam sobre conclusões de facto, ou melhor, que constituam conclusões de facto, - neste sentido, consultar Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, citado, pág. 637 e 638, maxime quando tais conclusões têm a virtualidade de por si resolverem questões de direito a que se dirigem -.

Nesta matéria haverá que ter presente, como nos ensina o Prof. Anselmo de Castro - Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, página 270 -, que “…a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.”

Assim, poderão ser equiparados a factos enunciações que, embora contenham em si um significado jurídico, são de uso comum na linguagem corrente e são usados com esse sentido na causa, sem que haja disputa entre as partes acerca deles.

A orientação que aponta para a incindibilidade em certos casos do facto/conclusão, saiu aliás reforçada pelo enriquecimento que o pensamento jurídico tem registado nomeadamente pelo contributo das modernas "ciências da linguagem" e em particular pela investigação e progresso no domínio da "hermenêutica" que acentuadamente se tem feito sentir na metodologia e ciência do Direito – o direito está em constante mutação, devendo acompanhar a evolução comportamental da sociedade -.

São precisamente os casos em que o facto e a conclusão estão tão próximos que é muito difícil indagar desses factos e conclusões sem os relacionar entre si atenta a complementaridade recíproca que apresentam.

Orientada por estes princípios, tem vindo a Jurisprudência mais recente a aperceber-se destas inter relações e a pressupor como um dado adquirido a incindibilidade de certas situações complexas no seu plurisignificado e simultaneamente também divulgação ao nível extra-jurídico - sobre esta problemática ver o estudo do Conselheiro Simões Freire "Matéria de Facto Matéria de Direito", na CJ Ano XI Tomo III, 2003 págs. 6 e sgs-”.

Vejamos então o que se passa relativamente a cada uma das alíneas supra referidas, que aqui cumpre aferir se contém dimensão fáctica ou se tratam antes de conclusões, como entendeu a decisão recorrida.

Quanto ao nº 32 não podemos esquecer que consta provado do nº1 que a requerente é constituída por produtores florestais, e tem por objecto social (i) a defesa e a promoção dos interesses dos produtores e dos proprietários florestais, (ii) o desenvolvimento de acções de preservação e valorização das florestas, dos espaços naturais, da fauna e flora, (iii) a defesa e valorização do ambiente, do património natural construído, (iv) a conservação da natureza, (v) bem como, de uma maneira geral, a valorização do património fundiário e cultural dos seus associados.

Por outro lado, resulta do nº 31º que estão em causa vinte candidaturas e do artigo 30º que a requerente intervém hoje em operações em cerca de 7.500 hectares no Alentejo Litoral e em cerca de 14.000 hectares na região de Ponte de Sor e no Alto Alentejo integrando cerca de 350 associados registados em sessenta áreas Agrupadas e duas ZIF.

Portanto a factualidade de que estão envolvidos dezenas de pequenos proprietários e produtores florestais é uma redundância factual relativamente ao artigo anterior.

E, a questão de saber se a sobrevivência das dezenas de pequenos proprietários e produtores florestais depende do sucesso destas candidaturas não deixa de ser matéria de facto suscetível de ser objecto de prova.

Porque “sobreviver” e “sucesso” se podem ser o resultado de uma série de factos também são, no uso vulgar da linguagem, um facto em si mesmo significando a falta de capacidade económica para continuar a existir ou a existência dessa capacidade.

Questão diversa será, e como supra referimos, a de qual o tipo de prova que se deve exigir como suficiente para considerar tal matéria como provada.

Quanto à 1ª parte do nº 35º, quando se refere que a Requerente é uma associação sem fins lucrativos e sem património próprio, trata-se de uma repetição do que já consta do art 1º da matéria de facto.

E, a questão de que a requerente não tem qualquer capacidade para devolver de imediato os subsídios que lhe foram atribuídos não é uma mera conclusão de outros factos.

Como vimos não se pode exigir que se alegue mil e um factos relativos a toda a vida de uma sociedade assim como relativos à vida pessoal de alguém, bastando que se alegue que o mesmo tem ou não capacidade económica, porque tal contém em si uma dimensão fáctica que implica a susceptibilidade para ser objecto de prova independentemente da força testemunhal ou documental que se possa exigir para a mesma.

E passa-se o mesmo com os nºs 38º e 39º, os quais contém uma dimensão fáctica, nada impedindo que se fizesse prova de que a Requerente não tem capacidade para prestar garantia das quantias que são objecto das catorze decisões da Entidade Requerida que ordenaram a devolução dos subsídios atribuídos e que o acto irá provocar a sua insolvência e o encerramento das suas actividades, afectando de forma irremediável a sobrevivência de trabalhadores, fornecedores e prestadores de serviços que sobrevivem graças às actividades por si desenvolvidas.

E, dizer que exigir de imediato certas verbas a uma firma significa a sua insolvência e o seu encerramento, o que põe em causa a sobrevivência de trabalhadores, fornecedores e prestadores de serviços que sobrevivem graças às actividades por ela desenvolvidas, também não deixa de ter uma noção fáctica implícita que não deve impedir que sobre a mesma possa incidir prova.

Em suma, não é por os referidos artigos se poderem desdobrar numa multiplicidade de factos e de revelarem uma complexidade face aos plurisignificados em causa, que significa que integram pura matéria conclusiva.

Pelo que, procede o recurso, devendo ser recuperada para a matéria de facto os artigos 32, 35, 38 e 39 da matéria de facto fixada no TAF de Castelo Branco.


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Sendo assim, cumpre aferir dos pressupostos para a concessão da providência nomeadamente os do art. 120º do CPTA.

Quanto ao fumus boni iuris o mesmo foi sustentado pelo «TAF/CB» e depois confirmado pelo acórdão recorrido sem qualquer impugnação.

O mesmo acontece (por ter sido sustentado pelo «TAF/CB» sem qualquer impugnação) com o requisito negativo do no n.º 2 do mesmo preceito, já que, como ali também se entendeu feita a ponderação de todos os interesses em presença não seria de recusar a pretensão cautelar já que os danos que resultariam da sua concessão não se mostrariam superiores àqueles que poderiam resultar da sua recusa.

Quanto à verificação do requisito do periculum in mora, procedendo o recurso, não existem quaisquer motivos para não manter a decisão de 1ª instância nesta parte.

Aliás, não existiu qualquer outra fundamentação para a não verificação deste requisito pela 2ª instância senão a eliminação daquela matéria de facto.

É pois de proceder o recurso com deferimento da providência.


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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em:

a) conceder total provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão impugnado;

b) manter a decisão proferida em 1.ª instância pelo «TAF/CB» de deferimento da pretensão cautelar requerida, com todas as legais consequências.

Custas neste Supremo Tribunal e no «TCA/S» a cargo do Requerido, aqui Recorrido.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2017. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.