Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:082/15
Data do Acordão:02/16/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir o recurso de revista para apreciar questão relativa às formalidades do contrato a termo resolutivo, solucionada pelo acórdão recorrido por aplicação do regime jurídico ao tempo vigente e já revogado, mediante raciocínios lógica e juridicamente consistentes e sobre a qual não se conhece litigiosidade significativa.
Nº Convencional:JSTA000P18622
Nº do Documento:SA120150216082
Data de Entrada:01/23/2015
Recorrente:STAL- (EM REPRESENTAÇÃO DE A......)
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE TÁBUA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. Por acórdão de 12/09/2014, o Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento a recurso interposto de decisão do TAF de Coimbra que julgara improcedente a acção intentada pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) em representação do seu associado A……… contra o Município de Tábua. A acção visava ver declarada a nulidade do contrato de trabalho, celebrado entre o associado do STAL e o Município, pelo facto de o termo resolutivo nele aposto não conter fundamentação apta a revelar a conexão entre a utilização de tal contrato e o aumento excepcional e temporário de actividade, e que a cessação por caducidade desse contrato nulo traduz um despedimento ilícito, bem como a condenação do Réu a pagar ao referido trabalhador a indemnização correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir até ao trânsito em julgado da decisão, acrescida de juros legais.
O STAL pede revista excepcional deste acórdão, ao abrigo do artº 150.º do CPTA. Justifica, em síntese, a admissibilidade da revista pelas seguintes razões:
“a) A admissibilidade do presente recurso seria, desde logo, requerida pela relevância jurídica e social da questão em apreço, espelhada na gravidade da sanção legal da nulidade de um contrato a termo resolutivo certo, cuja forma não garante ter sido preservado o princípio constitucional da segurança no emprego constante do artigo 53º, da CRP, através da devida fundamentação da aposição do termo certo;
b) Mas a admissibilidade da revista é sobretudo requerida pelo facto de, como o próprio Acórdão recorrido inequivocamente expressa, ser adoptada uma interpretação jurídica diversa da sufragada por outros Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, designadamente o da Secção de Contencioso Administrativo, deste Venerando Tribunal, de 5/5/2011, proferido no Proc. nº 7393/11 junto;
c) Sendo, assim, inquestionavelmente requerida uma melhor aplicação do direito de acordo com a doutrina dos insignes administrativistas Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha acima citada e com o decidido no Acórdão da 1ª Secção do STA, de 5/6/2008, proferido no Proc. nº 447/08, publicado nos “Cadernos de Justiça Administrativa”, nº 74, página 31 e seguintes”.
2. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
3. O que, nuclearmente está em causa no presente recurso é a exigência de justificação do termo resolutivo nos contratos celebrados por pessoa colectiva pública ao abrigo da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, cuja execução se prolongue pela vigência da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Dezembro (LVCR) e regime do contrato de trabalho em funções públicas (RCTFP), aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, mais precisamente, se é suficiente que do contrato conste que a sua celebração ocorre “ nos termos da disposição da al. h) do n.º 1 do art.º 9.º da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho”.
A decisão recorrida resolveu a questão do modo seguinte:
“Na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 100/IX, que deu origem à 23/2004, de 22/07, pode ler-se que “a utilização do contrato de trabalho no seio da Administração Pública comporta especificidades que decorrem, por um lado, da especial natureza do empregador que prossegue o interesse público e, por outro, dos princípios constitucionais que vinculam todos os trabalhadores da Administração Pública. Estas especificidades foram já reconhecidas na Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, a qual previu a adaptação das suas normas com vista à aplicação aos contratos de trabalho na Administração Pública, em especial aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas”.
Efectivamente, o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, estatuía já expressamente no seu artigo 6.º que aos trabalhadores das pessoas colectivas públicas contratados ao abrigo do contrato individual de trabalhado era aplicável o disposto no Código do Trabalho, nos termos previstos em legislação especial, sem prejuízo dos princípios gerais em matéria de emprego público.
É inegável a aplicação do Código do Trabalho, conforme supra art.º 2º, nº 1, da Lei nº 23/2004, de 22/07, … «com as especificidades constantes da presente lei.».
Já então, ao tempo de edição da Lei nº 23/2004, de 22/07, o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 25/98, de 26 de Maio (estabelecia princípios gerais de salários e gestão de pessoal da função pública), previa expressamente no seu artigo 7.º, como uma das formas de contrato de pessoal admitidas na Administração Pública, o contrato de trabalho a termo certo.
Os princípios atinentes à contratação de pessoal na Administração Pública encontravam-se desenvolvidos e densificados através do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, que definia o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública; o contrato de trabalho, enquanto modalidade de constituição de relação de emprego público, regia-se pelo Código do Trabalho, não conferia ao trabalhador a qualidade de funcionário ou agente administrativo, e tinha um carácter residual, destinado à satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada (artigos 3º, 4º, n.º 1, 14º, 15º e 18º do DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro).
Aquando da publicação da Lei nº 23/2004, de 22/07, também o DL n.º 427/89, de 7/12, foi modificado ficando explícito no seu art.º 14º, nº 3, reger-se o contrato de trabalho “pelo Código do Trabalho, com as especialidades constantes de diploma especial sobre contrato de trabalho na Administração Pública.” (art.º 29º).
Ora, salta à vista, uma dessas especialidades ou especificidades é, precisamente, a diversa disciplina estabelecida quanto à forma do contrato.
A divergência ocorre no mesmo ponto regulado, em que o legislador se afastou da disciplina do Código do Trabalho, quanto ao que na forma do contrato escrito haveria de ter como menções obrigatórias.
Imprimindo-lhe diferente solução legal, afastando-se daquela que já era conhecida no direito laboral comum.
É, a todas as luzes, significativo que, de caso pensado, neste particular aspecto, outra solução se quis.
Reconhecendo a liberdade legiferante.
Neste mesmo sentido, decidiu já o Tribunal de Contas (Sentença nº 2/2012, de 01/03/2012, Processo nº 7-JRF/2011):
(…)
O Exmo. Magistrado do Ministério Público vem, como já referido, sustentar que devem constar, expressamente, no clausulado dos contratos, as referências justificativas ou os fundamentos do recurso a este tipo de contratação, invocando o Código do Trabalho o qual, no seu artº 131º, impunha que o motivo da contratação constasse no clausulado.

Código do Trabalho que é aplicável, com já assinalámos, a título subsidiário aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas – artº 2º-nº 1 da Lei.
Este entendimento não nos convence uma vez que, salvo o devido respeito, faz uma leitura inadequada do regime legal. Na verdade, não podemos desvalorizar o segmento final do nº 1 do artº 2º da Lei que, compreensivelmente, salvaguarda as especificidades da contratação pública introduzidas pelo legislador, regulando, de forma autónoma, a referida contratação pública.
Afinal, foi esse o objectivo da Lei nº 23/04: aprovar o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública!
Assim, e porque a Lei é exaustiva quanto às indicações que devem constar nos contratos celebrados por pessoas públicas e porque aí não se contempla a exigência de ser expressamente mencionado o motivo que justifica a contratação a termo (artº 8º-nº 2 e nº3) só se pode concluir que a indicação do motivo que justificou a contratação a termo não tem que constar do clausulado contratual.
(…)
A diferenciação de regimes, à altura dos factos, no que respeita a esta questão específica é, aliás, entendível e justificável.

É sabido que, na actividade privada, a contratação a termo, por norma, reduz-se à formalização do contrato, pelo que se compreende a particular exigência do Código do Trabalho na necessidade de se indicar o motivo, a justificação para a contratação precária.
Já no âmbito da Administração Pública, o contrato é um dos elementos do processo de contratação, com despacho inicial a autorizar a abertura do procedimento, despachos subsequentes de fixação dos critérios de selecção, publicitação das ofertas de trabalho e decisões finais de contratação também publicitadas.

(…)
Como é consabido, a matéria da segurança no emprego surge constitucionalmente edificada, desde a primeira revisão constitucional, no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, como integrante dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.

Contemplando a Lei nº 23/2004, de 22/07, ao abrigo da qual inequivocamente o contrato foi celebrado, com solução normativa quanto à forma dissonante daquela vigente no Código do Trabalho, atentaria contra a tutela constitucional querer fazer aplicação dessa outra, em contrário à confiança que se aparentava de assim não suceder.
Temos por mais constitucionalmente conforme que assim não seja.
Assim, como concluiu a sentença sob recurso, operou caducidade do contrato, sem a imputada causa de nulidade, não derivando, e assim não tendo sido violadas correspondentes normas, o que de consequencial o autor visionou.”

4. Como se vê por esta transcrição, está em causa uma questão relativa às formalidades do contrato a termo resolutivo, designadamente quanto aos termos da indicação contextual do motivo justificativo da aposição do termo, que o acórdão recorrido resolveu por aplicação do regime jurídico vigente no momento da celebração do contrato, mediante raciocínios lógica e juridicamente consistentes, quer no que respeita à determinação da lei aplicável face à sucessão de regimes, quer à aplicação do regime especial de direito público em vez do regime laboral geral.
Ora, as exigências da lei neste domínio de contratação a termo nas relações de trabalho em funções públicas já não são as mesmas desde 2008, circunstância que afecta a capacidade de expansão da controvérsia a casos semelhantes, confinando o interesse da questão a um conjunto previsivelmente reduzido de casos.
É certo que o próprio acórdão reconhece que a solução encontrada se afasta de jurisprudência do mesmo tribunal, mas isso não basta para conferir relevância jurídica ou social à questão, sobretudo perante regime jurídico já não vigente. Aliás, não se conhece, nem o recorrente identifica, a persistência de litigiosidade significativa a este propósito, nem tal seria previsível dada a natureza da contratação em causa e o tempo já decorrido desde a revogação do regime jurídico que lhe dá corpo.
Tanto basta para não considerar verificados os requisitos de admissibilidade da revista excepcional enunciados no n.º 1 do art.º 150.º do CPTA.

5. Decisão

Pelo exposto, decide-se não admitir o recurso.

Sem custas.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2015. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.