Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0717/07
Data do Acordão:01/16/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PRESCRIÇÃO
DIREITOS DE IMPORTAÇÃO
DIREITOS ADUANEIROS
DECISÃO DA CAUSA PRINCIPAL NA PROVIDÊNCIA
Sumário:I - Uma vez completada a prescrição da obrigação, o devedor tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
II - Não há lugar à repetição da prestação que tenha sido realizada sem oposição ao exercício do direito prescrito.
III - processo de providência cautelar, previsto no n.º 6 do artigo 147.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é meio adequado à suspensão de execução de garantia bancária atinente a dívida resultante de obrigação prescrita.
IV - Quando o Tribunal concluir pela verificação da prescrição da obrigação tributária em causa no processo de providência cautelar de suspensão dos «actos de execução de accionamento da garantia bancária», justifica-se «antecipar o juízo sobre a causa principal», nos termos do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
V - Por força do artigo 99.º da Reforma Aduaneira (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 46.311, de 27 de Abril de 1965, na redacção do Decreto-Lei n.º 244/87, de 16 de Junho), e nos termos do artigo 34.º do Código de Processo Tributário, verifica-se a prescrição da obrigação tributária referente a «direitos aduaneiros» liquidados no dia 21-6-1994, e cuja respectiva impugnação judicial, instaurada em 12-9-1996, tenha estado “parada por causa não imputável ao contribuinte” desde o dia 3-4-1998 até ao dia 1-7-1999.
Nº Convencional:JSTA00064819
Nº do Documento:SA2200801160717
Data de Entrada:09/03/2007
Recorrente:DIRECTOR DA ALFÂNDEGA DE SETÚBAL
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO.
DIR ADUAN - DIREITOS IMPORTAÇÃO
Legislação Nacional:CCIV66 ART297 N1 ART302 N2 ART304 N2.
CPCI63 ART27.
CPPTRIB99 ART147 N3 N4 N6.
CPTA02 ART121 N2.
DL 472/99 DE 1999/11/08 ART7.
CPTRIB91 ART34 N1 N2 N3.
LGT98 ART48 ART49 N1 N2 N3.
REFADUAN65 ART99 NA REDACÇÃO DO DL 244/87 DE 1987/07/16 E DO DL 472/99 DE 1999/11/08.
Legislação Comunitária:CADUCOM92 ART244.
T CEE ART234.
Referências Internacionais:CONVENÇÃO TIR APROVADA PELO DL 102/78 DE 1978/09/20 ART8 N1 ART11 N2 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC194/07 DE 2007/09/19.; AC STA PROC315/06 DE 2006/09/20.; AC STA PROC112/06 DE 2007/01/17.; AC STA PROC1171/06 DE 2007/03/28.
Referência a Doutrina:PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO VI 2ED ANOTAÇÃO AO ART304.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VI PAG1095.
RUBEN CARVALHO E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO DAS CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS 2ED PAG182 PAG183.
BENJAMIM RODRIGUES PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO PAG285.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 O Director da Alfândega de Setúbal vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, nestes autos de providência cautelar de suspensão da eficácia «do acto de execução de accionamento de garantia bancária», em que é requerente a ora recorrida “A…”, antecipando o juízo sobre a causa principal, julgou verificada a «prescrição da dívida em causa nos presentes autos» e anulou «os actos de execução de accionamento da garantia bancária».
1.2 Em alegação, a entidade recorrente apresenta as seguintes conclusões.
A decisão recorrida que anulou os actos de execução de accionamento da garantia bancária n° … do …, por ter julgado verificada a prescrição da dívida exequenda, relativa a direitos aduaneiros e a imposto sobre o tabaco, na sequência de pedido de decretamento de providência cautelar de suspensão da eficácia da decisão de execução, que foi notificada a 24 de Abril de 2007, não se limitou a suspender a eficácia do acto, visto que antecipou o juízo sobre a causa principal, embora não possa deixar de ser tida como uma decisão “respeitante à adopção de providências cautelares”, para efeitos de imediata produção de efeitos jurídicos, face à necessária interpretação extensiva do n° 2 do art° 143° do CPTA, na redacção dada pela Lei n° 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.
Assim sendo, a decisão judicial de que se recorre tem por efeito impedir, com efeitos imediatos, a execução da decisão de cobrança de direitos aduaneiros e imposto sobre o tabaco, o que constitui grave violação do disposto nos art°s. 70º e 244° do CAC, visto que ao abrigo dessa regulamentação comunitária só as autoridades aduaneiras têm competência para adoptar, em primeira mão, a medida cautelar aí prevista, quanto mais não seja a requerimento do interessado, o qual poderá, apenas posteriormente, interpor recurso judicial de decisão administrativa desfavorável através de acção principal e sem prejuízo também de interposição de providência cautelar, apenas nessa fase, que venha a ser acompanhada da competente acção principal, intentada em reacção à decisão das autoridades aduaneiras, a que se reporta o art. 244° do CAC (Cfr. as doutas anotações de Jorge Lopes de Sousa in “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”, Vol. I, Áreas Editora, 2006, a págs. 1093 - nota 13 - “Tutela cautelar no Código Aduaneiro Comunitário” Cfr. também, Nuno Aleixo, Pedro Rocha e Ricardo de Deus, in Código Aduaneiro Comunitário Anotado e Comentado”, Editora Rei dos Livros, 2007, a págs. 1031; Ac. do STA de 28 de Janeiro de 1998, proferido no Proc. N° 022401, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n° 473, pág. 260, em Acórdãos Doutrinais, ano XXXVII n° 443, Novembro de 1998, pág. 1409, e ainda em Ciência e Técnica Fiscal n° 389, pág. 217).
Logo, a sentença recorrida ao anular os actos de execução, ao abrigo do n° 2 do art° 121° do CPTA, desrespeitou manifestamente a regulamentação comunitária, designadamente os arts. 7° e 244° do CAC, em clara violação do n° 4 do art° 8° do CRP, o qual consagra o princípio do primado do direito comunitário.
Para além do mais, a sentença recorrida ao anular os actos de execução da garantia, decidiu antecipar o juízo sobre a causa principal, por efeito da conversão do processo de providência cautelar num processo para decisão de mérito, fazendo aplicação de um regime que não é de todo aplicável ao contencioso tributário, pois nem o n° 6 do art. 147° do CPPT, aplicável ao caso dos autos, remete globalmente para as normas do CPTA que regulam as providências cautelares, nem sequer o n° 4 do art.º 268° da CRP exige a possibilidade de os processos cautelares serem convolados em processos principais, sendo por outro lado certo que, de qualquer modo, a aplicabilidade do art. 121° do CPTA ao contencioso tributário estará à partida afastada, pela circunstância de a aplicação do regime aí previsto se encontrar limitada aos casos em que “atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos” se impõe com manifesta urgência a resolução definitiva do caso, o que não ocorre quando estão em causa interesses de natureza patrimonial, ainda para mais de uma entidade garante (recorrida) nos termos de Convenção Internacional, a qual seria suposto que honrasse os seus compromissos, para garantia da segurança jurídica das operações de trânsito e do cumprimento das obrigações fiscais às mesmas associadas, não se socorrendo, ao invés, de sucessivas interposições de recursos, que acabou aliás por perder concludentemente, para vir afinal invocar a prescrição de dívida tributária, tentando dessa forma beneficiar do adiamento sucessivo da resolução judicial definitiva.
Acresce que, tendo o pedido de pagamento sido dirigido à recorrida, a 12 de Agosto de 1996, dentro do prazo de 2 anos a que alude a primeira parte do n° 2 do art.º 11° da Convenção TIR, na qualidade de associação fiadora, responsável conjunta e solidariamente pela dívida aduaneira constituída, a prescrição nunca ocorreu.
Por outro lado, tendo presente o preceituado no n° 2 do art° 11°, in fine, da Convenção TIR, a prescrição nunca operaria no caso sub judice, mesmo que não se considerassem aqueles pedidos de pagamento iniciais, pois foi ainda dirigido à ora recorrida, em 24 de Abril de 2007, em sede de procedimento de cobrança, novo pedido de pagamento dos montantes em dívida, muito antes do decurso do prazo de um ano a contar da data em que a decisão judiciária se tornou executória, tendo em conta que o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, que decidiu em última instância a impugnação judicial deduzida pela recorrida, foi proferido em 28 de Fevereiro de 2007.
Efectivamente, ao contrário do que afirma a sentença de que agora se recorre, o prazo ínsito no n° 2 do art° 11º da Convenção TIR, deve ser entendido como um prazo de prescrição, por um lado porque, por contraposição, os prazos indicados no n° 1 do mesmo preceito vêm sendo considerados, pela jurisprudência comunitária e nacional, prazos de caducidade, aplicáveis à situação da recorrida, enquanto associação responsável conjunta e solidariamente com os devedores principais (Cfr. Ac. do TJCE de 23 de Setembro de 2003, proferido no Proc. C - 78/01; e Ac. do STA de 26 de Janeiro de 2005, no Proc. n° 0582/04, que decidiu a impugnação judicial contra a ora recorrente), e por outro lado, tendo em conta os termos inequívocos do preceito em causa, que utiliza a expressão “pedido de pagamento das quantias visadas nos parágrafos 1 e 2 do art° 8°”, o que só pode ser contextualizado no âmbito do procedimento de cobrança a que alude a alínea h) do n° 1 do art° 54° da LGT, no seio do qual cabe antes falar de prescrição, tanto mais que as quantias em causa já haviam sido liquidadas e comunicadas à recorrente a 28/05/1996 e a 12/09/1996, conforme consta aliás do probatório da sentença recorrida.
Em abono da qualificação do prazo previsto no art° 11°, n° 2 da Convenção TIR, como prazo de prescrição, refira-se ainda que o art° 454°, n° 2, das DACAC, previa que a cobrança dos direitos e demais imposições devidas fosse realizada nos termos das disposições comunitárias ou nacionais, o que não podia deixar de constituir já uma clara alusão aos prazos de caducidade previstos no art° 221° do CAC, entendimento que veio a ser confirmado pela redacção do art° 455º-A, introduzida posteriormente nas DACAC, pelo Regulamento n° 2454/93, da Comissão, que remete quanto ao processo de cobrança para os arts. 217° a 232° do CAC, atenta a omissão do CAC quanto à regulamentação da prescrição, circunstância essa que levará necessariamente a concluir que o n° 2 do art° 11° da Convenção TIR contém um prazo de prescrição e não de caducidade, ao invés do que considerou a sentença recorrida.
Refira-se ainda que, o equilíbrio que os art°s. 221° e 233° do CAC pretendem acautelar, entre, por um lado, a necessidade de proteger os recursos próprios da Comunidade e, por outro, a preocupação de garantir a protecção dos interesses legítimos dos operadores económicos ao nível da segurança jurídica, ficaria seriamente comprometido com o entendimento, adoptado pela sentença recorrida, de que o n° 2 do art° 11° da Convenção TIR consagra um prazo de caducidade, tendo presente o desfasamento manifesto daí decorrente para com os prazos de caducidade previstos nos n°s 3 e 4 do art° 221° do CAC, o que teria por efeito introduzir um tratamento diferenciado dos operadores económicos, sem que existam interesses constitucionalmente relevantes que o justifiquem, em violação clara do princípio da igualdade consagrado no art° 13° da CRP, aplicável ex vi do n° 2 do art° 266° da CRP e do art° 55° da LGT.
10ª Ao invés, impõe-se antes considerar, em sede de interpretação conforme à Constituição, que o art° 11°, n° 2, da Convenção TIR, consagra antes um prazo de prescrição e não de caducidade, assim se conseguindo também a compatibilização desse preceito legal com as disposições conjugadas dos n°s. 3 e 4 do art° 221° do CAC e dos artºs 454° e sgs. das DACAC, atentos inclusivamente os termos da remissão actual constante designadamente do art° 455°-A das DACAC, quanto ao processo de cobrança, para os arts. 217° a 232° do CAC.
11ª De qualquer forma, ainda que não fosse de acolher a qualificação do prazo ínsito no n° 2 do art° 11° da Convenção TIR como prazo de prescrição, aplicável no caso dos autos, o que de todo o modo não se concede, verifica-se que a sentença ora recorrida fez errada aplicação do art.º 297° do Código Civil, no que toca à aplicação dos prazos de prescrição decorrentes das disposições de direito interno.
12ª Com efeito, ainda que se desconsiderasse o prazo de prescrição previsto no n° 2 do art° 11º da Convenção TIR, o qual deveria prevalecer do ponto de vista da hierarquia das fontes de direito, nos termos do n° 2 do art° 8º da CRP, verifica-se que, ainda que se aplicassem os prazos previstos no direito interno, o prazo de prescrição que começou a correr a 1 de Janeiro de 1995 (a dívida constituiu-se a 21 de Junho de 1994), se interrompeu a 16 de Setembro de 1996 com a apresentação da impugnação judicial, por força do n° 2 do art° 34° do CPT, efeito esse que se degradou em efeito suspensivo pelo facto de o processo ter estado parado para parecer do Ministério Público entre 3 de Abril de 1998 e 1 de Julho de 1999, o que determinou que o aludido prazo de prescrição começasse novamente a correr a partir do dia 4 de Abril de 1999, altura em que ainda se encontrava em vigor o art° 99° da Reforma Aduaneira, na redacção dada pelo D.L. n° 244/87, de 16 de Junho, aplicável no caso sub judice por estarem em dívida todas as imposições fiscais internas, preceito legal que remetia para o prazo prescricional de 10 anos, previsto no art° 34° do CPT.
13ª Consequentemente, o prazo prescricional aplicável a 4 de Abril de 1999, altura em que o prazo de prescrição começou novamente a correr no caso sub judice, era o de 10 anos decorrente da remissão do art° 99° da Reforma Aduaneira, na redacção do D.L. n° 244/87, de 16 de Junho, e não o prazo de 8 anos previstos no n° 1 do art° 48° da LGT, prazo esse mais curto e que, em bom rigor, só se poderia ter por aplicável no caso em apreço a partir de 13 de Novembro de 1999, visto que só nessa data deixou de vigorar a aludida redacção do art° 99° da Reforma Aduaneira, por força do art° 7° do D.L. n° 472/99, de 8 de Novembro.
14ª Assim sendo, caso se aplicasse o prazo de 8 anos previsto no art° 48° da LGT, a prescrição da dívida só ocorreria a 13 de Novembro de 2007, visto que nos termos do no 1 do art° 297° do Código Civil aplicável ex vi do nº 1 do art° 5° do D.L. n° 398/98, de 17 de Dezembro, o prazo mais curto do que o fixado na lei anterior só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a qual só se possa aplicar às situações constantes da previsão do art° 99° da Reforma Aduaneira, na redacção do D.L. n° 244/87, 16 de Junho, a partir de 13 de Novembro de 1999.
15ª Não obstante, atendendo a que a aplicação do prazo de prescrição de 8 anos, previsto no art° 48° da LGT, às situações em que se verifique, em sede de liquidação a posteriori, estarem em dívida a totalidade das imposições fiscais internas, só se tornaria possível a partir de 13 de Novembro de 1999, constata-se que segundo a lei antiga faltaria afinal menos tempo para o prazo prescricional se completar, pois por um lado, desde a data em que começou a correr o prazo de prescrição (01/01/1995) até à data em que se interrompeu o prazo por efeito de apresentação de impugnação judicial (16/09/1996), decorreu um ano, nove meses e dezasseis dias, e por outro, a 04/04/1999, data em que cessou o efeito interruptivo, faltavam 8 anos, 2 meses e 15 dias para se completar o prazo de 10 anos decorrente do n° 1 do art° 34° do CPT, o que implica que, somados aqueles dois períodos temporais, viesse a ocorrer a prescrição a 19 de Junho de 2007, data ainda assim posterior à data da comunicação para pagamento, acto de execução praticado a 24 de Abril de 2007, anulado pela sentença recorrida com fundamento na prescrição da dívida exequenda, acto que deve ao invés manter-se, sem prejuízo de se constatar que o prazo de prescrição se terá, de todo o modo, novamente interrompido, a 5 de Junho de 2007, por efeito da dedução da providência cautelar pela ora recorrente.
16ª No entanto, caso subsistam dúvidas quanto à qualificação do prazo previsto no n° 2 do art. 11° da Convenção TIR, aprovada em nome da Comunidade, nos termos do art. 1° do Regulamento (CEE) n° 2112/78, do Conselho, de 25 de Julho de 1978, e como tal vinculativo para as Instituições da Comunidade e para os Estados-Membros, por força do n° 7 do art. 300° (ex- artigo 228°), sempre poderá esse Colendo Tribunal, nos termos do art. 234° do Tratado de Roma, submeter ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias as seguintes questões prejudiciais:
1ª questão: Poderá o n° 2 do art. 11° da Convenção TIR ser interpretado no sentido de conter um prazo de caducidade do direito à liquidação especial relativamente aqueles que decorrem do art. 221° do CAC, ou pelo contrário, deverá aquele preceito ser interpretado no sentido de conter um prazo especial de prescrição, atendendo a que o CAC é omisso quanto à regulamentação da prescrição, prevalecendo assim sobre as normas de prescrição do direito interno?
2ª questão: Independentemente da qualificação do prazo ínsito no n° 2 do art. 11° da Convenção TIR, deverá o mesmo aplicar-se ao procedimento de cobrança, em prejuízo da aplicação das disposições nacionais?
Nestes termos e nos demais de Direito, que serão doutamente supridos por V. Exas., deverá proceder o presente recurso, com a revogação da sentença recorrida, assim se mantendo o acto pela mesma anulado, sem prejuízo do reenvio prejudicial supra requerido, caso esse Colendo tribunal entenda que a decisão das questões colocadas é necessária ao julgamento da causa.
1.3 A recorrida contra-alegou e produziu as seguintes conclusões.
1. A decisão recorrida ao impedir a execução da decisão de cobrança de direitos aduaneiros não viola o disposto nos artigos 7.° e 244.° do CAC desde logo porque como resulta dos factos provados a ora Recorrida requereu à entidade aqui Recorrente que esta não accionasse a garantia bancária e reconhecesse que a dívida tributária em causa estava prescrita, previamente à instauração da providência cautelar.
2. A suspensão da eficácia do acto executivo do accionamento da garantia mostrou-se o meio necessário a efectivar o direito da ora Recorrida pois como é reconhecido unanimemente pela jurisprudência e dispõe o artigo 304.°, n.° 2, do Código Civil, a satisfação de uma dívida de imposto prescrito não permite a repetição do indevido uma vez reconhecida a prescrição.
3. Aliás, de acordo com a interpretação que o TCJE faz do direito comunitário não é vedado aos particulares intentarem providências cautelares para assegurar a efectividade do direito comunitário, designadamente dos princípios da protecção da confiança legítima, da tutela jurisdicional efectiva e da segurança jurídica.
4. A alegação de que não foi pedida a suspensão do acto de execução vai contra os factos dados como provados na sentença recorrida e parece assentar num formalismo que não se compadece com os princípios da actuação administrativa (cfr., por ex., artigo 69.°, als, a) e b), do CPPT), a aplicação prática do Direito e a melhor jurisprudência sufragada pelo tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
5. A interpretação de que os artigos 7.° e 244.° do CAC não permitem a instauração de uma providência cautelar nos moldes que veio a ser deferido pelo Tribunal a quo constitui uma interpretação constitucionalmente não admissível por sacrificar excessivamente o disposto nos artigos 20.° e 268.° da Constituição, inconstitucionalidade que aqui expressamente se argui.
6. A decisão de conversão da providência cautelar em decisão de mérito ao abrigo do mecanismo legal do artigo 121.° do CPTA agora contestado pela Alfândega não foi minimamente posta em causa quando em devido tempo foi convidada para o fazer e trata-se de uma decisão válida e altamente sustentada pela argumentação vertida pelo Meritíssimo Juiz a quo na sentença recorrida.
7. A dívida de direitos aduaneiros cuja prescrição foi reconhecida pelo Tribunal a quo encontra-se efectivamente prescrita de acordo com a fundamentação e nos termos doutamente explicitados na sentença recorrida.
8. O artigo 11.º da Convenção TIR consagra regras relativamente à caducidade do direito à liquidação de direitos aduaneiros derivados da Convenção TIR, não contendo nenhuma regra sobre a prescrição da dívida aduaneira.
9. O artigo 11.º, n.° 2, segunda parte, da Convenção TIR, consagra uma regra sobre a caducidade do direito à liquidação de direitos aduaneiros quando antes de efectuada a liquidação foi posto em causa judicialmente o primeiro aviso por escrito que as entidades aduaneiras estão obrigadas a fazer à entidade garantida, nos termos do artigo 11.º, n.° 1, da Convenção TIR.
10. Mesmo que se entendesse que esse prazo de um ano referido na segunda parte do número 2 do artigo 11.º da Convenção TIR era um prazo de prescrição, tratava-se sempre de um prazo de prescrição do direito de liquidar os direitos e não um prazo de prescrição da dívida tributária, matéria esta não regulada pela Convenção nem directamente pelo Código Aduaneiro Comunitário.
11. No caso dos autos e como resultado da factualidade provada, a liquidação foi efectuada tempestivamente, no prazo de dois anos a que alude a primeira parte no número 2 do artigo 11.º da Convenção TIR, tendo sucedido que a dívida de imposto não foi cobrada no prazo previsto na lei encontrando-se, consequentemente, prescrita.
12. Ainda que o artigo 454.°, n.° 2, das Disposições da Aplicação do CAC (na sua redacção inicial) fizesse uma alusão ao artigo 221º do CAC que disciplina sobre a caducidade do direito à liquidação, não se pode afirmar como consequência necessária ou sequer lógica que então o número 2 do artigo 11.º da Convenção TIR regularia sobre a prescrição.
13. Como se deixou demonstrado e ao contrário do que alega a Alfândega não existe nenhum desfasamento manifesto entre os prazos do artigo 221.°, nos 3 e 4 e os prazos do artigo 11.º, n.° 2, da Convenção TIR. Pelo contrário, os prazos são semelhantes pelo que não se verifica nenhuma violação do princípio da igualdade.
14. O artigo 99.° da Reforma Aduaneira (na redacção do Decreto-Lei n.° 244/97, de 16 de Junho) consagra uma norma sobre o prazo da caducidade de liquidar direitos aduaneiros em consequência de actos fraudulentos e não uma norma sobre prescrição da dívida aduaneira.
15. Mas, sem conceder, mesmo que por pura hipótese de exercício académico se considerasse que o artigo 99.° da Reforma Aduaneira consagrava uma norma sobre prescrição, ainda assim - e ao contrário do que alega a Alfândega - a dívida já estaria prescrita.
16. Com efeito, se é indiscutível que a remissão do artigo 99.° para o prazo consagrado no artigo 27.° do Código de Processo das Contribuições e Impostos se considera efectuada para o prazo de 10 anos consagrado no Código de Processo Tributário desde a entrada em vigor deste último diploma (1 de Julho de 1991) aprovado pelo Decreto-Lei n.° 154/91, diploma este que revoga o normativo anterior, também não pode ser discutido - a isso obriga a boa técnica interpretativa - que a partir de 1 de Janeiro de 1999, com a entrada em vigor da LGT e a revogação do artigo 34.° do CPT (cfr. artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro), o novo prazo de prescrição de 8 anos passa-se a aplicar aos prazos em curso, contado a partir de 1 de Janeiro de 1999 (desde que, segundo o prazo antigo, não falte menos tempo para o prazo se completar a prescrição - artigo 297.° do Código Civil).
17. Mas, no entender da ora Recorrida, ainda que por absurdo se levasse os argumentos expedidos pela Recorrente ao limite, ainda assim, a dívida já estava prescrita pois não ocorreu nenhuma causa interruptiva da prescrição na medida em que, de acordo com o artigo 49.° da LGT, a instauração de uma providência cautelar não é susceptível de interromper a prescrição.
18. Caso Vossas Excelências entendam que subsistem dúvidas na interpretação da Convenção TIR que são essenciais para a boa resolução da causa - o que só por dever de patrocínio se admite - então a Recorrida sugere que sejam submetidas ao TJCE as seguintes questões prejudiciais:
1ª Questão: Contra a sua própria letra, a segunda parte do número 2 do artigo 11.º da Convenção TIR deve ser aplicada aos casos em que o pedido de pagamento das quantias visadas nos parágrafos 1 e 2 do artigo 8. ° foi dirigido à associação responsável pelas autoridades competentes antes da apresentação em juízo de qualquer questão relacionada com a aplicação da Convenção ou, conforme resulta directamente da letra da norma, somente às situações em que o pedido de pagamento é apenas efectuado e dirigido após o trânsito em julgado da decisão judiciária?
2ª questão: Independentemente da qualificação do prazo ínsito no n° 2 do art. 11° da Convenção TIR, deverá o mesmo aplicar-se ao procedimento de cobrança, em prejuízo da aplicação das disposições nacionais?
Nestes termos e nos demais de Direito, que serão doutamente supridos por V. Exas., deverá proceder o presente recurso, com a revogação da sentença recorrida, assim se mantendo o acto pela mesma anulado, sem prejuízo do reenvio prejudicial supra requerido, caso esse Colendo tribunal entenda que a decisão das questões colocadas é necessária ao julgamento da causa.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
Vistos a sentença recorrida, as alegações e as contra-alegações de recurso, sou de parecer que, para já, se coloque ao TJCE, ao abrigo do art.º 234º (ex - art.º 177º) do Tratado de Roma, a seguinte questão (sem prejuízo das formuladas pelas partes naquela peça): os arts. 243º n.º 2 als. a) e b) e 244º § 2 do CAC devem, ou não, ser interpretados no sentido de o seu regime prevalecer, em casos como o dos autos, sobre o regime que resulta dos arts. 112º e 128º do CPTA?
1.5 Notificadas sobre o parecer do Ministério Público, a entidade recorrente veio dizer, no essencial, «que a questão suscitada pelo douto parecer do Ministério Público deve ser colocada ao TJCE, se dúvidas subsistirem quanto à impossibilidade de extinção da execução no caso dos autos»; e a ora recorrida veio dizer que «a questão suscitada pelo Digno Representante do Ministério Público se afigura desnecessária para a boa resolução do litígio».
1.6 Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.
Havemos, em primeiro lugar, de enfrentar a questão da possibilidade, no presente caso, do decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia «do acto de execução de accionamento de garantia bancária» – aventada não só pela entidade ora recorrente, mas também, de certo modo, pelo Ministério Público.
O n.º 2 do artigo 304.º do Código Civil estabelece que não pode ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição. E «este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito», nos termos do mesmo n.º 2 do mesmo artigo 304.º.
Se o cumprimento da obrigação prescrita é feito com conhecimento da prescrição, há renúncia tácita, nos termos do n.º 2 do artigo 302.º. Se o devedor ignorava que a dívida estava prescrita, não há renúncia, mas a lei não permite a repetição da prestação, como se não fosse devida – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. 1, 2.ª edição revista e aumentada, em anotação ao artigo 304.º.
Cf., a este respeito por todos, o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 19-9-2007, proferido no recurso n.º 194-07.
Mas, de acordo com os termos do n.º 1 do artigo 304.º do Código Civil, uma vez completada a prescrição da obrigação, o devedor tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
E o n.º 6 do artigo 147.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário consagra «providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários».
Para obter tal providência cautelar, deverá o requerente, e nos termos do mesmo n.º 6 do artigo 147.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, «invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária (…)».
Neste tipo de processos – diz Jorge Lopes de Sousa, no Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, I vol. a pp. 1095 e ss., em anotação ao artigo 147.º –, «deverá entender-se que há receio de lesão irreparável quando a não adopção da medida cautelar provoque uma situação de facto consumado, isto é, uma situação em que, no caso de procedência da pretensão formulada no processo principal, não será possível reconstituir a nível da esfera jurídica do requerente a situação que existiria se a sua pretensão tivesse sido objecto de decisão no próprio momento em que foi formulada».
E a este entendimento não pode obstar o disposto no artigo 244.º do Código Aduaneiro Comunitário. Sob o título “Direito de recurso”, este artigo 244.º estabelece como segue.
A interposição de recurso não tem efeito suspensivo da execução da decisão contestada.
Todavia, as autoridades aduaneiras suspenderão, total ou parcialmente, a execução dessa decisão sempre que tenham motivos fundamentados para pôr em dúvida a conformidade da decisão contestada com a legislação aduaneira ou que seja de recear um prejuízo irreparável para o interessado.
Quando a decisão contestada der origem à aplicação de direitos de importação ou de direitos de exportação, a suspensão da execução dessa decisão fica sujeita à existência ou à constituição de uma garantia. Contudo, essa garantia pode não ser exigida quando possa suscitar, por força da situação do devedor, graves dificuldades de natureza económica ou social.
Este artigo 244.º do Código Aduaneiro Comunitário não deve impressionar em demasia, pois mais não é do que a afirmação no campo estritamente aduaneiro de um princípio de procedimento tributário geral, de que não é a impugnação judicial (a “interposição de recurso” de que se fala) que tem a virtualidade de um efeito suspensivo da execução do acto tributário de liquidação.
Com efeito, nos termos do artigo 244.º em foco, e muito embora essa garantia não deva ser exigida «quando possa suscitar, por força da situação do devedor, graves dificuldades de natureza económica ou social», tal como no direito procedimental e processual tributário geral, «a suspensão da execução dessa decisão fica sujeita à existência ou à constituição de uma garantia».
E a lei, modelarmente aliás, não deixa de preceituar que «Todavia, as autoridades aduaneiras suspenderão, total ou parcialmente, a execução dessa decisão sempre que tenham motivos fundamentados para pôr em dúvida a conformidade da decisão contestada com a legislação aduaneira ou que seja de recear um prejuízo irreparável para o interessado».
Consta dos autos que a ora recorrida «apresentou junto da Alfândega de Setúbal requerimento a informar que o imposto cujo pagamento foi solicitado (…) se encontra prescrito, solicitando o conhecimento da prescrição, e que se abstenha de executar a garantia prestada».
A este requerimento a entidade ora recorrente respondeu não ter ocorrido a prescrição, pelo que indeferiu o pedido de abstenção de execução da garantia bancária.
Ora, considerando que o pagamento de uma dívida prescrita não pode fundamentar a devolução ou “repetição do indevido”, significa que, no caso, o indeferimento pela Administração Aduaneira do pedido da ora recorrida, de abstenção de execução da garantia bancária, a não ser contrariado judicialmente, geraria uma situação de facto consumado quanto à satisfação de uma dívida que a ora recorrida tem por prescrita.
E a possível procedência da pretensão formulada no processo principal (anulação dos actos de execução da garantia em contrário da verificação da prescrição da dívida garantida) não permitiria reconstituir a situação que existiria na hipótese de a pretensão da ora recorrida dever ter sido objecto de deferimento (de não execução da garantia por virtude de prescrição da dívida garantida) no próprio momento em que tal pretensão efectivamente foi formulada (junto da Administração Alfandegária e neste processo de providência cautelar).
Como assim, havemos de dizer que a requerente, ora recorrida, invoca e prova no caso «o fundado receio de uma lesão irreparável». E que, perante a alegação de prescrição da obrigação tributária, cujos actos de execução da respectiva garantia estão em causa, é evidente o periculum in mora para a ora recorrida da decisão favorável que viesse a ser proferida na acção principal.
É forçoso concluir, então, que foi bem admitida a requerente, ora recorrida, a obter a providência cautelar achada adequada à defesa do direito que alega – ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 147.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Impressionado talvez por sinais no caso de um espesso fumus boni juris, o Tribunal a quo abalançou-se muito para além da summaria cognitio, característica natural de toda a providência cautelar, e antecipou o julgamento da causa principal.
Importa, por isso, equacionar agora a questão da possibilidade de antecipação do julgamento da causa principal.
Jorge Lopes de Sousa (ob. e loc. citados) explica que «tendo os processos de providências cautelares a favor dos contribuintes e outros obrigados tributários natureza instrumental, por estarem vocacionados para assegurar a utilidade de decisões a proferir noutros processos, o regime previsto neste artigo 147.º para as intimações para comportamento é manifestamente insuficiente para definir o regime jurídico daqueles processos»; «por isso, há que fazer apelo à legislação subsidiária arrolada no artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, fazendo opção entre ela de acordo com a natureza dos casos omissos, como nele se refere, o que conduz à aplicação subsidiária das regras do CPTA sobre providências cautelares»; «assim, o regime aplicável às providências cautelares previstas neste artigo 147.º, n.º 6, será constituído pelas especialidades que puderem ser aplicáveis constantes dos n.ºs 3 e 4 deste artigo 147.º, pelo regime geral das providências cautelares reguladas no CPTA e pelas normas do contencioso tributário de aplicação geral».
E sobre a possibilidade de decisão da causa principal no processo cautelar, o mesmo Autor (ob. e loc. citados) refere que «uma inovação introduzida pelo CPTA é a possibilidade de, na pendência do processo da providência cautelar, se houver “manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos”, o tribunal antecipar o juízo sobre a causa principal, isto é, converter o processo de providência cautelar num processo para decisão de mérito (artigo 121.º, n.º 1, do CPTA)».
Todavia, entende ainda o mesmo Autor (ob. e loc. citados) que é «duvidosa a possibilidade de aplicação do regime daquele artigo 121.º no contencioso tributário, pois a sua aplicabilidade está limitada aos casos em que a natureza das questões e a gravidade dos interesses envolvidos imponham “manifesta urgência na resolução definitiva do caso” e essa limitação parece afastar a possibilidade de aplicar esse regime quando estão em causa meros interesses de natureza patrimonial, como sucede normalmente nos processos tributários».
Sob a epígrafe “Decisão da causa principal”, o artigo 121.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos dispõe como segue.
1. Quando a manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, permita concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal.
2. A decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal é passível de impugnação nos termos gerais.
Como se vê, a lei diz que o Tribunal para «antecipar o juízo sobre a causa principal» deve chegar à conclusão de «que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar».
E deve o Tribunal atender «à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos», como corroborante dessa conclusão-decisão de antecipação do julgamento da causa principal, de molde a deduzir daí «a manifesta urgência na resolução definitiva do caso», exigindo-se ainda que na situação «tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito» (o que, por óbvio, parece que nem seria necessário dizer).
Liminarmente, diremos do nosso entendimento de que a pura situação de estarem em causa na providência cautelar “meros interesses de natureza patrimonial” não deverá por si só consequenciar um juízo impeditivo do julgamento antecipado sobre a causa principal – pois a verdade é que, em abstracto e a anteriori, não poderá dizer-se dos conflitos de interesses de natureza patrimonial que, pela circunstância simples de serem patrimoniais apenas, lhes faltará sempre a dignidade bastante e a gravidade suficiente (que lhes confira urgência de resolução).
Deve aqui dizer-se, aliás, que são naturalmente conceitos relativos, com um alto grau de indeterminação, os conceitos legais utilizados – da “natureza das questões, e da “gravidade” dos interesses –,cujo verdadeiro conteúdo só em concreto é possível preencher, gozando o juiz em situações que tais de uma irrecusável margem de subjectividade na interpretação e aplicação da lei.
De resto, a enunciação legal – falando de “natureza das questões”, de “gravidade dos interesses envolvidos” – não se revela nem taxativa nem exaustiva, podendo, por tal sinal, outras causas ou outros factores, não expressamente previstos na lei, fundamentar ou contribuir para fundamentar a conclusão do Tribunal de que «a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar».
É nosso entendimento, ainda, que, em face dos termos da lei e das circunstâncias do caso concreto, o juiz, «atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos», pode ter de atender preponderantemente ou «à natureza das questões» em causa ou «à gravidade dos interesses envolvidos», para daí depreender «a manifesta urgência na resolução definitiva do caso» e, assim, concluir que «a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar», consequentemente, acabando por decidir «antecipar o juízo sobre a causa principal».
No presente processo de providência cautelar, a decisão de antecipação do julgamento da causa principal oferece a seguinte fundamentação – cf. fls. 120 deste processo.
Compulsados os autos para a decisão da providência cautelar requerida, e após um estudo dos autos de impugnação n.º 67/99 que se encontra apenso, entendo que foram trazidos ao processo cautelar todos os elementos necessários que permitam o julgamento sobre o mérito da causa principal.
Por outro lado, em face da natureza da questão (prescrição) e a gravidade dos interesses envolvidos (a mora que se pode verificar na decisão da acção principal, face ao grande volume de processos pendentes, independentemente do sentido da decisão final, implicará custos financeiros elevados para qualquer das partes, considerando o elevado montante em causa e a garantia prestada, e por outro lado, o processo de impugnação n.º 67/99 refere-se a imposto liquidado em 1996, cuja decisão definitiva não se deve alongar por mais uma série de anos, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva plasmada no artigo 268.º n.º 4 da CRP) entende-se que há manifesta urgência da resolução definitiva do caso, pelo que a situação em causa, não se compadece com a simples adopção da providência cautelar devendo ser antecipado o juízo sobre a causa principal, nos termos do disposto no artigo 121.º n.º 1 do CPTA.
O Tribunal a quo, como se vê, resolveu antecipar o juízo sobre a causa principal, nos termos do disposto no artigo 121.º n.º 1 do CPTA, por haver concluído «que a situação em causa não se compadece com a simples adopção da providência cautelar», depois de se ter apercebido que «há manifesta urgência da resolução definitiva do caso», «em face da natureza da questão (prescrição)» «e a gravidade dos interesses envolvidos» (mormente os «custos financeiros elevados para qualquer das partes, considerando o elevado montante em causa e a garantia prestada», especialmente por causa da «mora que se pode verificar na decisão da acção principal, face ao grande volume de processos pendentes»).
No presente processo de providência cautelar de suspensão dos actos de execução de garantia bancária, a prescrição da obrigação que está na base da dívida garantida aparece como a questão essencial a decidir.
Pode dizer-se que, tanto para a decisão do processo de providência cautelar de suspensão dos actos de execução da garantia bancária, como para a decisão a proferir na acção (principal), de anulação dos actos de execução dessa mesma garantia, é necessário um juízo prévio acerca da verificação, ou não, da prescrição da obrigação que origina a dívida garantida.
E esse juízo prévio de prescrição há-de assentar fundamentalmente sobre os mesmos elementos que se querem seguros, tanto no presente processo de providência cautelar, como na respectiva acção principal, pois que a declaração de prescrição de uma obrigação, pela própria natureza das coisas, não se compagina com uma averiguação meramente perfunctória de uma prescrição cuja verificação seja apenas provável ou simplesmente aparente.
Entendemos, assim, que, muito para além da real pertinência dos fundamentos relativos «à gravidade dos interesses envolvidos» apontados no Tribunal a quo, a «natureza» de uma questão como a prescrição pode, por si só, justificar a antecipação de um juízo sobre a causa principal.
Na verdade, emitido que seja um juízo sobre a efectiva verificação da prescrição da obrigação em causa, pode manifestar-se desde logo a necessidade premente de uma resolução definitiva do caso, já que se afigura perdulário e inútil adoptar em tal circunstância uma simples providência cautelar.
Como assim, tendo o Tribunal a quo, no presente processo de providência cautelar, concluído por que se verificava a prescrição da obrigação tributária em causa, aparece bem estribada a decisão de antecipação de um juízo sobre a causa principal, pois que respeita os ditames legais – decisão à qual, de resto, as partes, notificadas para o efeito do seu proferimento, nada vieram opor (cf. fls. 120 e ss.).
Outra questão é a da pertinência, ou não, do pedido de “reenvio prejudicial” para o Tribunal de Justiça da União Europeia a ponto de saber se «o n.º 2 do artigo 11.º da Convenção TIR» deverá ser «interpretado no sentido de conter um prazo especial de prescrição».
O artigo 234.º (ex-artigo 177.º) do Tratado CEE reza como segue.
O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial:
a) sobre a interpretação do Tratado;
b) sobre a validade e interpretação dos actos adoptados pelas Instituições da Comunidade;
c) sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados por um acto do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre a questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça.
O principal texto legislativo que rege o regime TIR é a Convenção Aduaneira Relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias Efectuado ao Abrigo das Cadernetas TIR (Convenção TIR - 1975), concluída sob os auspícios da Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas (CEE/ONU) – cf. o Decreto-Lei n.º 102/78, publicado no 1.º Suplemento da 1.ª série do Diário da República, de 20-9-1978.
A Convenção TIR foi adoptada pela Comunidade Europeia em nome dos Estados-Membros pelo Regulamento (CE) n.º 2112/78, de 25 de Julho de 1978.
Assim, estamos francamente em presença do que, nos termos da alínea b) do supracitado artigo 234.º do Tratado CEE, se designa de «actos adoptados pelas Instituições da Comunidade», em relação aos quais o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a respectiva validade e interpretação.
Sendo real a pertinência da questão para a resolução da causa, e desconhecendo-se a existência de interpretação anterior do Tribunal de Justiça sobre a questão, acontece, porém, que o problema de saber se «o n.º 2 do artigo 11.º da Convenção TIR» deve, ou não, ser «interpretado no sentido de conter um prazo especial de prescrição», constitui, segundo o nosso entendimento, uma questão totalmente clara no sentido de que o n.º 2 do artigo 11.º da Convenção TIR não contém um «prazo especial de prescrição», mas, diversamente, e sem qualquer violação do Direito Comunitário (que se veja), prevê um prazo de caducidade do direito de liquidar, ou um prazo de notificação para pagamento da liquidação (como adiante melhor se poderá ver).
E, consoante é jurisprudência corrente do Tribunal de Justiça, «o artigo 177.º, 3.º parágrafo do Tratado (agora 234.º), deve ser interpretado no sentido de que uma jurisdição, cujas decisões não são susceptíveis de um recurso judicial de direito interno, é obrigada, sempre que uma questão de direito comunitário lhe é posta, a observar a sua obrigação de reenvio, a menos que tenha concluído que a aplicação correcta do direito comunitário se impõe com tal evidência que não deixa lugar a qualquer dúvida razoável» – cf., por todos, o acórdão de 6-10-1982, proferido no caso CILFIT, sumariado em João Mota de Campos, in Manual de Direito Comunitário, Fundação Calouste Gulbenkian, 2000, a pp. 404 e 405, onde se trata da “total clareza da norma em causa” como excepção à obrigação de reenvio.
Termos em que se indefere o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, da entidade ora recorrente, e também o da ora recorrida, por se prender com a mesma problemática (o pedido de reenvio do Ministério Público está prejudicado pela resposta dada supra à questão da possibilidade, no presente caso, de providência cautelar de suspensão de eficácia «do acto de execução de accionamento de garantia bancária»).
E, então, em face do teor da sentença recorrida (que julgou verificada a «prescrição da dívida em causa nos presentes autos»), das posições assumidas pela entidade recorrente e pela recorrida, a questão essencial que aqui se coloca é a de saber se ocorre, ou não, a prescrição da obrigação tributária referente ao «pagamento do montante de € 170.919,69 relativo a direitos aduaneiros».
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
A) Em 21/06/1994 a Alfândega de Setúbal apurou uma dívida de imposto aduaneiro da CEE e imposto sobre o tabaco no montante total de Esc. 212.811.748$00 no âmbito do processo de cobrança a posteriori n.° 45/95 (cfr. documentos a fls 15 a 21 dos autos).
B) A requerente, na qualidade de responsável solidária enquanto A…, foi notificada pela Alfândega de Setúbal para o pagamento da dívida mencionada na alínea anterior nos termos do disposto no n.° 2 e 3 do art.° 10.º da Convenção TIR (cfr. documento a fls 20 dos autos).
C) Em 28/05/1996 a requerente foi notificada pela Alfândega de Setúbal do deferimento do pedido de prestação de garantia bancária (cfr. documentos a fls 22 dos autos).
D) Em 12/09/1996 a requerente prestou a garantia bancária n.° … do … no montante de Esc. 34.266.100 para garantir o montante exigido pela Direcção de Alfândega de Setúbal por dívida de imposto sobre o tabaco e direitos aduaneiros CEE (cfr. documento a fls 23 dos autos).
E) Em 16/09/1996 a requerente apresentou no Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa impugnação judicial da liquidação mencionada em A) que assumiu o número processual 28/96 e posteriormente no tribunal tributário de 1ª instância de Setúbal o número processual 67/99 (cfr. processo de impugnação em apenso).
F) O processo de impugnação mencionado na alínea anterior esteve para vista do Ministério Público entre 03/04/1998 a 1/07/1999 (cfr. fls 480 a 499 do processo de impugnação em apenso).
G) Em 19/01/2000 foi proferida sentença nos autos de impugnação n.° 67/99 do tribunal tributário de 1.ª instância de Setúbal que julgou a impugnação improcedente (cfr. fls 518 a 534 do processo de impugnação em apenso).
H) Em 25/11/2003 foi proferido Acórdão pelo TCA, processo n.° 4898-01 que revogou a sentença recorrida e anulou a liquidação impugnada (cfr. fls 623 a 629 do processo de impugnação em apenso).
I) Em 26/01/2005 foi proferido acórdão pelo STA que revogou o acórdão mencionado na alínea anterior e manteve a decisão proferida em instância (cfr. fls 769 a 775 do processo de impugnação em apenso).
J) Em 28/02/2007 foi proferido acórdão da secção do Pleno do STA, processo n.° 528/04-50 no processo de impugnação mencionado em E) que julgou findo o recurso (cfr. fls 1003 e ss do processo de impugnação em apenso).
K) A Alfândega de Setúbal, na sequência do trânsito em julgado do Acórdão do STA mencionado na alínea anterior, remeteu ofício à requerente, que a notifica para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento do montante de € 170.919,69 relativo a direitos aduaneiros, sob pena de ser accionada a garantia bancária do ... (cfr. documento a fls 11 dos autos).
L) Em 02/05/2007 a requerente apresentou junto da Alfândega de Setúbal requerimento a informar que o imposto cujo pagamento foi solicitado pelo ofício mencionado na alínea anterior se encontra prescrito, solicitando o conhecimento da prescrição, e que se abstenha de executar a garantia prestada (cfr. documento de fls 12 dos autos).
M) Em 07/05/2007 foi proferido despacho pelo Director da DGAIEC no sentido de que o facto de ter havido uma interrupção superior a um ano não se deve a facto imputável a administração tributária, e a norma do art.° 49º n.° 2 da LGT foi expressamente revogada pela Lei n.° 53-A/2006 de 29/12, pelo que confere à requerente um prazo suplementar de 10 dias para proceder ao pagamento do montante de € 170.919,69, e que decorrido o prazo sem ser efectuado o respectivo pagamento será accionada a garantia bancária prestada (cfr. documento a fls 13 e 14 dos autos).
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
2.2 A Convenção TIR-1975 visa no fundamental «facilitar os transportes internacionais de mercadorias por veículos rodoviários», considerando «que o melhoramento das condições dos transportes constitui um dos factores essenciais para o desenvolvimento da cooperação» entre as Partes contratantes – cf. os considerandos preliminares da Convenção.
Para os fins desta Convenção, entende-se por «operação TIR», o transporte de mercadorias de uma estância aduaneira de partida até uma estância aduaneira de destino, sob o regime, designado por «regime TIR», estabelecido pela Convenção; e por «associação responsável», uma associação aprovada pelas autoridades aduaneiras de uma Parte contratante para servir de fiadora das pessoas que utilizam o regime TIR – cf. o artigo 1.º da Convenção.
A associação responsável comprometer-se-á a pagar os direitos e taxas de importação ou de exportação devidos, acrescidos, se for caso disso, de juros de mora que deveriam ter sido pagos por virtude das leis e dos regulamentos aduaneiros do país em que tiver sido constatada uma irregularidade relativamente a uma operação TIR. A referida associação será responsabilizada, conjunta e solidariamente com as pessoas devedoras das quantias acima mencionadas, pelo pagamento dessas quantias – cf. o n.º 1 do artigo 8.º da Convenção.
O pedido de pagamento das quantias visadas nos parágrafos 1 e 2 do artigo 8.º será dirigido à associação responsável nunca antes de três meses, contados a partir da data em que essa associação tiver sido avisada da não quitação, da quitação com reservas ou da quitação obtida abusiva ou fraudulentamente, e nunca depois de dois anos contar da mesma data. Todavia, relativamente aos casos que forem apresentados em juízo no prazo de dois anos atrás indicado, o pedido de pagamento será feito no prazo de um ano, a contar da data em que a decisão judiciária se tornou executória – cf. o n.º 2 do artigo 11.º da Convenção.
Como se vê, a Convenção TIR, em troca de «facilitar os transportes internacionais de mercadorias por veículos rodoviários», sujeita «a associação responsável», «conjunta e solidariamente com as pessoas devedoras», a responsabilidade de «pagar os direitos e taxas de importação ou de exportação devidos, acrescidos, se for caso disso, de juros de mora que deveriam ter sido pagos por virtude das leis e dos regulamentos aduaneiros do país em que tiver sido constatada uma irregularidade relativamente a uma operação TIR»; e estabelece que «o pedido de pagamento das quantias visadas» «dirigido à associação responsável» deva ser feito em determinados prazos (os indicados no n.º 2 do artigo 11.º da Convenção).
Mas a Convenção TIR nada estabelece quanto à extinção (nomeadamente por prescrição) de tal obrigação de pagamento, uma vez feito, nos prazos determinados, «o pedido de pagamento das quantias visadas».
Nos termos do artigo 99.º da Reforma Aduaneira (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 46.311, de 27 de Abril de 1965, na redacção do Decreto-Lei n.º 244/87, de 16 de Junho), «Sempre que as autoridades aduaneiras verificarem que não foi possível determinar o montante das imposições a cobrar em consequência de um acto fraudulento, bem como quando verificarem que se encontra em dívida a totalidade das imposições fiscais internas, o prazo para a acção de cobrança é o previsto no art.º 27º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo DL. n.º 45 005, de 27 de Abril de 1963».
O acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 20-9-2006, proferido no recurso n.º 315/06 fez aplicação do artigo 99.º da Reforma Aduaneira (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 46.311, de 27 de Abril de 1965, na redacção do Decreto-Lei n.º 244/87, de 16 de Junho) à caducidade, no entendimento, porém, de que a “acção de cobrança” abrange quer a caducidade quer a prescrição, sendo certo que o dito artigo se socorreu das regras da prescrição.
Entendimento a que decididamente aderimos, determinando-se a aplicação do dito artigo 99.º da Reforma Aduaneira (também) à prescrição das obrigações tributárias aduaneiras.
O artigo 27.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, sob a epígrafe “(Prescrição das dívidas de contribuições e impostos. Prazo. Interrupção. Conhecimento oficioso)”, dispõe, no seu corpo, que «É de vinte anos, sem distinção de boa ou má fé, o prazo de prescrição das contribuições e impostos em dívida ao Estado, se prazo mais curto não estiver fixado na lei. A prescrição conta-se do início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial». E o seu § 1.º acrescenta que «A reclamação, a impugnação, o recurso e a execução interrompem a prescrição. Cessa, porém, este efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte, durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período com o que tiver decorrido até à data da autuação».
Correspondentemente ao artigo 27.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, o artigo 34.º do Código de Processo Tributário (diploma entrado em vigor em 1 de Julho de 1991, conforme o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, da respectiva aprovação), veio dispor, sob a epígrafe de “Prescrição das obrigações tributárias”, que «A obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei» (n.º 1); que «O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial» (n.º 2); e que «A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação» (n.º 3).
E, sucedendo a este artigo 34.º do Código de Processo Tributário, o artigo 48.º da Lei Geral Tributária (em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 1999), dispõe, no seu n.º 1, que «As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu».
Aqui chegados, pudera-se fazer problema saber se o prazo da lei nova (Lei Geral Tributária) se começará a contar apenas a partir da entrada em vigor (em 13-11-1999) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8-11 [cf. conclusões 13.º e seguintes da recorrente].
Considera-se no próprio preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 472/99, de 8-11, que «as soluções da lei geral tributária prevalecem obviamente sobre as normas em sentido contrário dos vários códigos e leis tributárias que ficaram, a partir de 1 de Janeiro de 1999, data da sua entrada em vigor, revogadas tacitamente, por incompatibilidade. Apenas ficou salvaguardada a legislação especial. Essa ressalva, no entanto, não pode fundamentar soluções desarmónicas com as da lei geral tributária, que ponham em causa a unidade do sistema fiscal».
De resto, o artigo 99.º da Reforma Aduaneira (na redacção deste Decreto-Lei n.º 472/99, de 8-11) refere-se a «impostos a cobrar na sequência da prática de actos fraudulentos» (apenas) e estabelece claramente um prazo de caducidade, e não de prescrição, ao estatuir, ipsis verbis, que «o direito de liquidar os impostos caduca no prazo de oito anos, contados da data em que ocorreu o facto tributário».
Como assim, não se vê razão para que, por causa do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8-11, o prazo de prescrição de oito anos da Lei Geral Tributária não se comece a contar imediatamente da entrada em vigor desta Lei Geral (em 1-1-1999).
Em correspondência essencial com o n.º 3 do artigo 34.º do Código de Processo Tributário, o artigo 49.º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe de “Interrupção e suspensão da prescrição” estabelece que “A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição» (n.º 1); que «A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação» (n.º 2); e que «O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso» (n.º 3).
Verificando-se uma sucessão de leis no tempo no que respeita ao prazo de prescrição, para saber qual a lei aplicável, há que convocar o artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil, que dispõe que «a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».
Isto é, se a lei nova fixar um prazo mais curto do que o fixado na lei antiga, então, se, segundo a lei antiga faltar menos tempo, do que o fixado pela lei nova, para o prazo se completar, é aplicável a lei antiga; mas, se, segundo a lei antiga faltar mais tempo para o prazo se completar, a lei nova é aplicável aos prazos que já estiverem em curso, sendo que o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei. O que bem se compreende, já que assim se concretiza a intenção do legislador: reduzir o prazo, sem operar qualquer efeito retroactivo – cf., por exemplo, e por mais recente, o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 17-1-2007, proferido no recurso n.º 112/06.
Como referem Ruben Carvalho e Francisco Pardal, citando Manuel Andrade, a situação em causa “reconduz-se a uma suspensão e reatamento do curso da prescrição” – cfr. Código de Processo das Contribuições e Impostos anotado, 2.ª edição, pp. 182/183. Em tal hipótese, e ao contrário do que acontece no Código Civil – artigo 326.º -, não começa a correr um novo prazo de prescrição a partir do acto interruptivo, inutilizando-se todo o tempo decorrido anteriormente. Uma vez que a lei faz cessar o efeito interruptivo, não se inutiliza o prazo já decorrido, procedendo-se à contagem do prazo em termos da dita suspensão e reatamento do prazo prescricional. Como refere Benjamim Rodrigues, Problemas Fundamentais de Direito Tributário, p. 285, na dita hipótese, o efeito interruptivo – que, de outro modo, inutilizaria todo o tempo decorrido anteriormente – degenerou-se em simples suspensão por um ano. Ou, de outro modo: aí, a interrupção da prescrição converte-se em mera suspensão (cf., ainda o mesmo acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 17-1-2007, proferido no recurso n.º 112/06).
Como se vê, para julgar decorrido o prazo de prescrição, é necessário fazer-se a prova de um facto positivo: o de se ter escoado o lapso de tempo fixado na lei para a prescrição; e a prova de um facto negativo: o de inexistência de causa de interrupção ou de suspensão da prescrição, durante esse lapso de tempo indicado na lei.
Cf. o que acaba de dizer-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28-3-2007, proferido no recurso n.º 1171/06.
2.3 No caso sub judicio, «no âmbito do processo de cobrança a posteriori n.º 45/95», foram liquidadas, em 21-6-1994, dívidas respeitantes a «imposto aduaneiro da CEE e imposto sobre o tabaco» [cf. alínea A) do probatório].
A requerente, ora recorrida, na qualidade de responsável solidária enquanto A…, foi notificada pela Alfândega de Setúbal para o pagamento da dívida mencionada, nos termos do disposto no n.º 2 e 3 do artigo 11.º da Convenção TIR – cfr. o documento de fls. 20 dos autos.
Em 12-9-1994, foi pela ora recorrida prestada garantia bancária em relação a essas dívidas [cf. alínea D) do probatório].
Em 16-9-1996, a ora recorrida apresentou impugnação judicial da liquidação das ditas dívidas «de imposto aduaneiro da CEE e imposto sobre o tabaco» [cf. alínea E) do probatório].
A dita impugnação veio a ser julgada finda, por acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 28-2-2007, transitado em julgado –, mantendo-se a decisão da 1.ª instância (e também do Supremo Tribunal Administrativo), de improcedência da proposta impugnação judicial [cf. alíneas G) a K) do probatório].
A Alfândega de Setúbal, na sequência do trânsito em julgado do referido acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, remeteu ofício à ora recorrida, em que a notifica para, no prazo de 10 dias, proceder ao «pagamento do montante de € 170.919,69 relativo a direitos aduaneiros», sob pena de ser accionada a garantia bancária do Banco … [cf. alínea K) do probatório].
Em 2-5-2007 a ora recorrida apresentou junto da Alfândega de Setúbal requerimento a informar que o imposto cujo pagamento foi solicitado pelo ofício mencionado na alínea anterior se encontra prescrito, solicitando o conhecimento da prescrição, e que se abstenha de executar a garantia prestada (cf. o documento de fls. 12 dos autos).
Em 7-5-2007 foi proferido despacho pelo Director da DGAIEC no sentido de que o facto de ter havido uma interrupção superior a um ano não se deve a facto imputável à administração tributária, e a norma do artigo 49.º n.º 2 da LGT foi expressamente revogada pela Lei n.° 53-A/2006 de 29/12, pelo que confere à requerente um prazo suplementar de 10 dias para proceder ao pagamento do montante de € 170.919,69, e que decorrido o prazo sem ser efectuado o respectivo pagamento será accionada a garantia bancária prestada (cf. documento a fls. 13 e 14 dos autos).
Este «despacho do Director da DGAIEC no sentido de que o facto de ter havido uma interrupção superior a um ano não se deve a facto imputável à administração tributária (…)», de indeferimento da pretensão da ora recorrida, é imediatamente lesivo dos direitos ou interesses desta, e, como tal, apresenta-se esse despacho como contenciosamente recorrível de modo directo.
Em causa está, portanto, a prescrição, ou não, da obrigação de «pagamento do montante de € 170.919,69 relativo a direitos aduaneiros».
A referida impugnação judicial, apresentada pela ora recorrida, onde se questionava a dívida agora em foco, esteve parada, sem qualquer movimentação, entre o dia 3-4-1998 e o dia 1-7-1999 [cf. alínea F) do probatório].
No caso, e segundo o regime legal acima descrito, o prazo de prescrição conta-se do início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário (em 1-1-1995), e interrompe-se com a apresentação da impugnação judicial (em 16-9-1996), voltando, no entanto, a contar-se um ano sobre a paragem da impugnação judicial (a partir de 4-4-1999), integrando-se ainda o tempo decorrido desde a ocorrência do facto tributário até à instauração da impugnação judicial.
Verifica-se, então, que, iniciado no dia 1-1-1995, e interrompido no dia 16-9-1996, o prazo prescricional voltou a contar-se passado um ano (4-4-1999) sobre a paragem da impugnação judicial (em 3-4-1998), acrescendo a essa contagem o tempo decorrido antes da instauração da impugnação judicial (em 16-9-1996) – o que, tudo contado até à data de hoje, perfaz seguramente mais de 8 anos.
Como assim, encontra-se excedido o prazo prescricional de 8 anos previsto no artigo 48.º da Lei Geral Tributária, aqui aplicável (lei nova) – uma vez que, à data da sua entrada em vigor (1-1-1999), que fixou um prazo mais curto (8 anos) do que o fixado pela lei antiga (10 anos), não faltava mais tempo do que o fixado pela lei antiga, para o prazo de prescrição se completar.
Com efeito, desde 1-1-1999 (entrada em vigor da Lei Geral Tributária) até à data de hoje (16-1-2008), vão 9 anos e 15 dias.
Estamos, desta maneira, a concluir – e em resposta ao thema decidendum – que se verifica a prescrição da obrigação tributária referente ao «pagamento do montante de € 170.919,69 relativo a direitos aduaneiros».
Pelo que podemos de algum modo dizer com a sentença recorrida que, «estando prescrita a dívida, não pode a Alfândega de Setúbal exigir o pagamento desta e praticar actos de execução de accionamento da garantia bancária pela falta desse pagamento, uma vez que a dívida não é exigível».
Razão por que deve ser confirmada a sentença recorrida, pois que laborou com essencial acerto.
E, então, havemos de convir que, uma vez completada a prescrição da obrigação, o devedor tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
Não há lugar à repetição da prestação que tenha sido realizada sem oposição ao exercício do direito prescrito.
O processo de providência cautelar, previsto no n.º 6 do artigo 147.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é meio adequado à suspensão de execução de garantia bancária atinente a dívida resultante de obrigação prescrita.
Quando o Tribunal concluir pela verificação da prescrição da obrigação tributária em causa no processo de providência cautelar de suspensão dos «actos de execução de accionamento da garantia bancária», justifica-se «antecipar o juízo sobre a causa principal», nos termos do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
Por força do artigo 99.º da Reforma Aduaneira (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 46.311, de 27 de Abril de 1965, na redacção do Decreto-Lei n.º 244/87, de 16 de Junho), e nos termos do artigo 34.º do Código de Processo Tributário, verifica-se a prescrição da obrigação tributária referente a «direitos aduaneiros» liquidados no dia 21-6-1994, e cuja respectiva impugnação judicial, instaurada em 12-9-1996, tenha estado “parada por causa não imputável ao contribuinte” desde o dia 3-4-1998 até ao dia 1-7-1999.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela entidade recorrente, fixando-se a procuradoria em um oitavo.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2008. – Jorge Lino(relator) – Brandão de Pinho – Baeta de Queiroz.