Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0287/19.5BELLE
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Nos termos do disposto no art. 40.º n.º 3 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), na redação da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro, com início de vigência a 1 de janeiro de 2012, «… Verificando-se caducidade de benefícios, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que os mesmos ficaram sem efeito
II - Esta nova (e privativa) forma de contagem do prazo prescricional (de 8 anos), das dívidas de IMT, é aplicável, aos prazos de prescrição a correr e, ainda, não completados, em 1 de janeiro de 2012.
Nº Convencional:JSTA000P27644
Nº do Documento:SA2202105120287/19
Data de Entrada:02/05/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


O/A representante da Fazenda Pública (rFP) recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, em 6 de outubro de 2020, que julgou procedente oposição a execução fiscal, apresentada por A…………, Lda., …, para cobrança de dívida de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e juros compensatórios, no montante de € 143.479,75.
A recorrente (rte) apresentou alegação, rematada com as seguintes conclusões: «

I - Pela empresa oponente foi adquirido em 15 de abril de 2010 o imóvel artigo matricial urbano …… sito em Mafra, tendo em vista a sua revenda, pelo que a empresa usufruiu da isenção de IMT prevista no art. 7 do CIMT.

II - Três anos volvidos verifica-se que a empresa não procedeu à revenda do imóvel pelo que caducou o direito à isenção concedida, conforme art.º 11 nº 5 do CIMT.

III - Prevê o artº 40 nº 3 do CIMT, na atual redação em vigor desde 1 de janeiro de 2012, que nos casos em que caduca o direito a um beneficio é a partir dessa data de caducidade que se deve contar o prazo de prescrição da dívida, no caso em apreço a partir de 15 de abril de 2013.

IV - Existindo lei especial face ao disposto na LGT para cujo o CIMT remete em matéria de prescrição e que dispõe que o início da contagem deste prazo, no caso de imposto de obrigação única, se inicia na data em que o facto tributário ocorre, deve a primeira preferir.

V - Pelo que, verificando-se a caducidade do direito à isenção na data de 15 de abril de 2013, já estava em vigor a atual redação do nº 3 e em consequência conta-se o prazo de prescrição de 8 anos a partir de tal data, terminando apenas em 15 abril de 2021.

VI - Ainda assim, caso consideremos que a contagem do prazo de prescrição se havia iniciado à data em que facto tributário ocorreu (15 de abril de 2010, data de aquisição do imóvel), teremos que aceitar, à luz da jurisprudência dominante e doutrina, que a prescrição não coincide com um facto instantâneo mas sim com um facto continuo que se consubstancia do decurso do próprio prazo, pelo que, ocorrendo uma alteração legislativa no decurso dessa contagem seria de aplicar a lei nova por força do art.º 12 nº 2 do CC.

VII - Se argumentássemos que não se trata da alteração do prazo de prescrição, mas antes da data a partir da qual aquele deve ser contado, sempre a lei nos resolveria a questão e por analogia aplicaríamos o disposto no art.º 297º nº 2 do CC que nos permitiria concluir de novo pela não prescrição da dívida.

VIII - Decorrência das diferentes vertentes legais analisadas, assim como da doutrina e da jurisprudência dominante, teremos forçosamente de concluir que o valor de IMT em dívida prescreveria apenas em 15 de abril de 2021, se, entretanto, não se tivesse concretizado a citação da dívida na data de 26 de março 2019, interrompendo a contagem do prazo ao abrigo do disposto no art.º 49º nº 1 da LGT

IX - Com o devido respeito, verifica-se que, na sentença em análise foi aplicado, ao início da contagem do prazo de prescrição, o disposto no art.º 48 nº 1, de forma incorreta uma vez que, entretanto, entrou em vigor norma que dispõe que o início da contagem de tal prazo deverá ocorrer na data em que caduca o benefício da isenção, norma especial cuja aplicação prevalece face à primeira, nº 3 do art. 40º do CIMT.

Porque se constata uma aplicação incorreta da lei aos factos apurados, de harmonia com o exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência revogada a douta sentença recorrida no que diz respeito à extinção da execução fiscal nº 1007-2019/01048309, como é de inteira Justiça.»


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Não há registo de contra-alegação.

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O Exmo. magistrado do Ministério Público emitiu parecer, onde conclui: «

No caso de obrigação tributária relativa a IMT, em que o sujeito passivo beneficiou de período de isenção ao abrigo do disposto no artigo 7º do CIMT e que entretanto caducou nos termos do nº 5 do artigo 11º do mesmo Código, o prazo de prescrição de 8 anos previsto no artigo 48º da LGT, por remissão do disposto no artigo 40º, nº 1, do CIMT, conta-se a partir da data em que aquele benefício ficou sem efeito, nos termos do nº 3 deste último preceito legal, em face da relação de especialidade desta norma.

No caso de sucessão de regimes legais sobre o termo inicial do prazo de prescrição, há que atender aos efeitos produzidos na vigência do regime anterior, de modo a ser descontado na contagem desse prazo o período de tempo decorrido até à data da entrada em vigor do novo regime, por os efeitos do anterior regime não ficarem prejudicados pela aplicação do novo regime legal.

Dado que a sentença recorrida não atendeu às especificidades do regime de prescrição previsto no CIMT, a mesma incorreu em erro de julgamento, motivo pelo qual se impõe a sua revogação nesta parte, julgando-se procedente o recurso.

Atento que o tribunal “a quo” não conheceu da questão da falta de notificação da oponente no prazo de “caducidade do direito de liquidação”, igualmente colocada pela oponente, deve determinar-se a baixa dos autos a fim de o tribunal se pronunciar sobre a mesma.»


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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, consta: «

1. Em 20 de Março de 2019 foi autuado, no Serviço de Finanças de Albufeira, em nome da sociedade “A…………, Lda.”, ora Oponente, o processo de execução fiscal n.º 1007-2019/01048309, para cobrança de IMT e juros compensatórios no valor total de € 143.479,75 - cfr. fls. 1 a 3 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

2. Com data de 20 de Março de 2019 foi dirigido ofício destinado à citação da Oponente no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1007-2019/01048309 - cfr. fls. 4 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

3. Em 26 de Março de 2019, a Oponente foi citada para o processo de execução fiscal n.º 1007-2019/01048309 - facto que se extrai do documento com a referência n.º 004538757, fls. 82 dos autos, numeração SITAF;

4. A dívida em cobrança coerciva consubstanciava-se na liquidação que se dá a seguir por reproduzida:

No âmbito da acção inspectiva que teve como suporte a OI201604302/3/4, fica notificado para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data da assinatura do aviso de recepção que acompanha a presente notificação, conforme estipulado no nº 6 do artº 36° do código do Imposto Municipal sobre as Transmissões efectuar o pagamento do IMT no valor de € 116.782,87, acrescido dos respectivos juros compensatórios no valor de € 26.696,88 devidos a partir de 16/05/2013 até 30/01/2019.

A presente liquidação é devida em virtude de se ter verificado alteração do pressuposto, que condicionou a isenção do IMT, da aquisição dos prédios Urbanos inscritos sob o Artº …… Fração … da freguesia e concelho de Mafra. A liquidação é feita oficiosamente nos termos do n° 1 do Artº 38° do mesmo código.

Da liquidação do IMT poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70°. 99° e 102° do CPPT.

Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo, nos termos do n.° 3 do artigo 38° do CIMT.

Demonstração da liquidação

Valor declarado - € 1.100,000,00

Valor Patrimonial - € 1.796,659,00 (Valor para liquidação)

€ 1.796.659,30 X (taxa Artº 17º nº 1 d) CIMT) 6.5% = € 116.782.87

Juros comp. (16/05/2013 a 30/01/2019) € 26.696,88

TOTAL € 143.479,75

- cfr. documento com a referencia 004562979, fls. 91 dos autos, numeração SITAF;

5. O acto de liquidação de IMT referido no ponto anterior foi levado ao conhecimento da Oponente em 5 de Fevereiro de 2019 - cfr. aviso de recepção assinado integrante do documento com a referência n.º 004538757, fls. 82, numeração SITAF;

6. Em 15 de Abril de 2010, a Oponente adquiriu, com benefício de isenção de IMT ao abrigo do artigo 7.º do Código do IMT, a fracção autónoma inscrita na matriz predial urbana de Mafra sob o artigo …… - facto não controvertido;

7. A Oponente revendeu a fracção autónoma referida no ponto anterior em 7 de Maio de 2018 - facto não controvertido.»


***

A sentença recorrida, de forma linear, isolou e conheceu, da questão da prescrição da dívida exequenda (sob invocação da oponente); após transcrever o disposto nos artigos (arts.) 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária (LGT), o primeiro, considerando que, no caso dos autos, é pacífico ser aplicável, decidiu “concluir que entre a data do facto tributário, que se reporta à data da transmissão de que a Oponente beneficiou de isenção - 15 de Abril de 2010 (cfr. ponto 6 do probatório) -, e a data da citação da mesma para a execução - 26 de Março de 2019 (cfr. ponto 3 do probatório) -, já se havia completado o prazo de prescrição previsto de 8 anos. Não tem razão, por tal, a Fazenda Pública, pois a citação da Oponente ocorreu quando já havia decorrido na totalidade o prazo de prescrição legalmente previsto.”.

Ao, assim, julgado, a rte aponta erro, decorrente de não haver sido relevado o disposto no art. 40.º n.º 3 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), na redação da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro, com início de vigência a 1 de janeiro de 2012, com o seguinte conteúdo normativo: «… Verificando-se caducidade de benefícios, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que os mesmos ficaram sem efeito

Quid juris ?

Fundamentalmente, o que se tem de discutir é a questão de saber se, in casu, esta nova (e privativa) forma de contagem do prazo prescricional (de 8 anos) das dívidas de IMT é aplicável, dada a circunstância de, em 1 de janeiro de 2012, pelas regras, até então, vigentes, fixadas nos arts. 48.º e 49.º da LGT (ex vi do art. 40.º n.º 1 do CIMT), o pertinente período de prescrição se encontrar, já, em curso, desde, concretamente, 15 de abril de 2010 (data de aquisição do imóvel) (Para o IMT, enquanto imposto de obrigação única, regra geral, a prescrição (de 8 anos), das respetivas dívidas, conta-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu - art. 48.º n.º 1 da LGT.).

Em primeiro lugar, cumpre registar que, aquando do começo da vigência da nova redação do versado art. 40.º n.º 3 do CIMT, objetiva e manifestamente, o prazo prescricional, iniciado em 15 de abril de 2010, não se mostrava esgotado (nem próximo disso); sem suspensões e/ou interrupções completar-se-ia a 15 de abril de 2018.

Por virtude de uma alteração legislativa semelhante a esta, que ocorreu, no âmbito, exclusivo, do IMT (Reportamo-nos à alteração da redação do art. 48.º n.º 1 da LGT, operada pela Lei n.º 55-B/2004 de 30 de dezembro.), a jurisprudência do STA, desde logo, entendeu que a nova forma de contagem (em particular, quando iniciar o cômputo, casuístico, dos prazos de prescrição), respeitante ao IVA [e aos impostos sobre o rendimento (em determinadas situações)], era aplicável aos casos de prazos prescricionais, já, em curso, aquando da entrada em vigor, a 1 de janeiro de 2005, do diploma operante da aludida alteração. Alicerçou tal posição, em síntese, nesta base argumentativa (Ver, acórdão, do STA, de 14 de janeiro de 2015 (01684/13); entendimento repetido, no recente acórdão de 17 de fevereiro de 2021 (2057/13.5BELRS).): «

« (…)

Ora, este novo modo de contagem do prazo de prescrição é já aplicável, no caso, a estas dívidas relativas ao IVA dos anos de 1999 e 2000, dado que se trata de prazos que estavam em curso no início da vigência da lei que introduziu tal alteração, não havendo aí qualquer aplicação retroactiva da nova disposição legal, uma vez que o facto extintivo do direito à cobrança coerciva da dívida tributária é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo (o início do prazo em momento temporal determinado) - cfr. o segmento final do nº 2 do art. 12° do CCivil (entendimento idêntico tem, aliás, vindo a ser afirmado pela jurisprudência desta secção do STA - cfr., entre outros, os acs. de 26/11/08, no rec. n° 598/08; de 20/5/09, no rec. n° 293/09; de 25/6/09, no rec. n° 1109/08; de 3/3/10, no rec. n° 1076/09; de 30/6/10, nos recs. nºs. 0158/10 e 0201/10; de 17/3/2011, proc nº 177/11; e de 28/9/2011, proc nº 764/2011). (E também no acórdão de 8/2/2012, rec. nº 033/12, se chega à mesma conclusão, embora apelando à aplicação da regra contida no nº 2 do art. 297º e não à aplicação da regra do nº 2 do art. 12º, ambos do CCivil.)

(…).

Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova».

Assim, não sendo o início do prazo de prescrição, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à cobrança da dívida por parte da AT, é de concluir que, por aplicação da regra contida no segmento final daquele nº 2 do art. 12° do CCivil e no nº 1 do art. 12º da LGT, a nova redacção do preceito é, no caso vertente, aplicável às dívidas exequendas…» (…).»

Não existindo quaisquer superveniências capazes de colocar em causa esta forma de entender o aspeto (comum) em discussão, só podemos reiterar o doutrinado e, consequentemente, sem mais, concluir que o julgado, em 1.ª instância, se mostra erróneo, por ter eleito, como data do início da contagem da prescrição versada, o dia 15 de abril de 2010 e não, como é correto, o dia 15 do mesmo mês, mas, do ano de 2013, data em que caducou a isenção usufruída, pela adquirente, para efeitos de revenda do imóvel, que não promoveu no triénio seguinte à data da compra.

Neste cenário, sendo, no mínimo, seguro que a oponente foi citada, no processo de execução fiscal da visada dívida de IMT, em 26 de março de 2019 (Ponto 3. dos factos provados.), o prazo de prescrição desta, que se completaria no dia 15 de abril de 2021 (15 de abril de 2013 + 8 anos), interrompeu-se, nos termos e com os efeitos previstos nos arts. 49.º n.ºs 1 e 3 da LGT e 323.º n.º 1, 326.º e 327 n.º 1 do Código Civil (CC).

Em suma, a decretada, pela sentença, prescrição da dívida exequenda não ocorreu, sendo certo que, um novo prazo (prescricional) de 8 anos, só começará a correr, aquando do trânsito em julgado (ou extinção, por declarado em falhas), da decisão, terminal, do processo executivo.


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# III.


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- prover o recurso e revogar a sentença recorrida;

- determinar o regresso dos autos, ao TAF de Loulé, para julgamento das questões cujo conhecimento considerou ficar prejudicado.


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Custas pela recorrida; sem taxa de justiça, por ausência de contra-alegação.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 12 de maio de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.