Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0503/21.3BECBR
Data do Acordão:11/24/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:Inexiste oposição que justifique a uniformização de jurisprudência quando os acórdãos recorrido e fundamento, se fundam em quadros factuais e jurídico/normativos diferentes.
Nº Convencional:JSTA000P30272
Nº do Documento:SAP202211240503/21
Data de Entrada:09/02/2022
Recorrente:A.........., S.A.
Recorrido 1:DIRECÇÃO REGIONAL DA AGRICULTURA E PESCAS DO CENTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO
A………., S.A., com sede em Cabaços, freguesia de Pussos, S. Pedro, concelho de Alvaiázere, notificada do Acórdão proferido nos presentes autos por este Supremo Tribunal Administrativo, em 15-07-2022, proferido pela formação do nº 6, do artº 150º do CPTA, que não admitiu a revista interposta pela recorrente, interpôs o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência ao abrigo do disposto no artº 152º, nº 1, alínea a), do CPTA, nos seguintes termos:

Indica como Acórdão Recorrido o Acórdão proferido nos presentes autos pelo TCA Norte em 29.04.2022 que lhe negou provimento ao recurso de apelação que havia deduzido contra a decisão proferida pelo TAF de Coimbra que julgou improcedente a pretensão cautelar por si instaurada versus o Ministério da Agricultura [Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro], pedindo a «suspensão do ato proferido pelo Sr. Diretor Regional de Agricultura e Pescas do Centro no transato dia de 28.072021, através do qual determinou a notificação da requerente efetivada em 01.09.2021 para execução das seguintes operações no terreno:.., a) Escavação do terreno (5000m2 de área e 15000 m3 de movimentação) até atingir o solo natural do local;.. b) Carregamento e transporte dos materiais resultantes da escavação para vazadouro autorizado, devendo ser apresentada à DRAPC cópia do documento comprovativo da entrega dos ditos materiais».

E indica como Acórdão Fundamento o Acórdão igualmente proferido no TCA Norte em 12.07.2019, no âmbito do processo cautelar nº 00014/19.7 BEMDL, em que o ali requerente peticionava: «a suspensão de eficácia da decisão notificada em 29.11.2018, que determinou a não atribuição de efeito suspensivo ao processo e da decisão da entidade requerida – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. – de 04.10.2018, que determinou a resolução unilateral do contrato de financiamento nº 02038014/0 e a reposição do montante pago, no valor de 38.869,95€ acrescido de juros à taxa legal em vigor».


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Apresenta para o efeito as seguintes CONCLUSÕES:
«1 – O acórdão recorrido, contrariamente ao referido, no Acórdão deste Supremo Tribunal, não acolhe os critérios que vem sendo sedimentados e enunciados em matéria de produção de prova testemunhal previsto no art.º 118 do C.P.T.A.
2 – Não pode admitir-se como o faz o acórdão recorrido, que se imponha ao requerente prova sumária de facto em que assentam os pressupostos necessários da providência, nomeadamente o do “periculum in mora“, para de seguida dispensar a produção de prova testemunhal indicada, considerando-a desnecessária, e, assim sem mais, julgando a providência improcedente.
3 – De verdade entende, contrariamente, e nos precisos termos do disposto nos art.º 118 e 120º do C.P.T.A, o acórdão fundamento que:
“ a) – O juízo da necessidade da realização de diligências de prova, incluindo a produção da prova testemunhal requerida pelas partes, que compete ao juiz no âmbito cautelar, nos termos do disposto no artigo 118º nº 1 do CPTA, haverá de ser tomado tendo por base os factos concretos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem sido alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA.
b) - Se cabe ao interessado o ónus da prova dos factos que alega, não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar com vista à demonstração do pressuposto do periculum in mora de que depende para a concessão da providência cautelar”.
4 – Impõe-se assim que este Supremo Tribunal, sufrague o entendimento deste Acórdão Fundamento, e defina com força obrigatória geral que:
“Em conformidade com os critérios de decisão previstos no art.º 120 do C.P.T.A, perante os factos concretos alegados e controvertidos, por caber ao interessado a sua prova, não lhe pode nos termos do previsto no art.º 118 do CPTA, ser recusada a possibilidade de os provar com vista à demonstração do pressuposto do periculum in mora, ouvindo-se sempre as testemunhas que indicou.”
Assim o acórdão recorrido viola além do mais o disposto nos art.º 118 e 120 do C.P.T.A, e deve ser substituído por outro que mande baixar os autos à 1ª instância, para que os autos prossigam com a produção de prova testemunhal indicada (cinco testemunhas a indicar)».
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e definir-se com força obrigatória geral que: «Em conformidade com os critérios de decisão previstos no artº 120º do C.P.T.A., perante os factos concretos alegados e controvertidos, por caber ao interessado a sua prova, não lhe pode nos termos do previsto no artº 118º do C.P.T.A., ser recusada a possibilidade de os provar com vista à demonstração do pressuposto do periculum in mora, ouvindo-se sempre as testemunhas que indicou”.
E deve ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que mande baixar os autos à 1ª instância para inquirição das testemunhas indicadas pelo recorrente».
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O recorrido Ministério da Agricultura/Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, notificado para o efeito, não contra-alegou.
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A Exmª Magistrada do Ministério Público junto deste STA emitiu parecer no sentido da não admissão do recurso para uniformização de jurisprudência, por entender que inexiste a alegada contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, parecer este que notificado à recorrente mereceu resposta no sentido já propendido nos autos.
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Cumpre apreciar e decidir em Conferência.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
Nos termos do disposto no art. 663º, nº 6, do CPC, aplicável “ex vi” dos arts. 1º e 140º, nº 3, do CPTA, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados nos Acórdãos recorrido e fundamento.
Destaca-se, porém, o seguinte, com relevância para a decisão a proferir:
No âmbito do Acórdão recorrido foi proferido despacho com o seguinte teor:
«As partes solicitaram a produção de prova testemunhal.
O nº 3 do artigo 118º do CPTA, dispõe que “mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.”
No caso concreto, quer a requerente quer entidade requerida, fazem assentar a factualidade alegada na prova documental oferecida, elementos estes que se afiguram bastantes para a apreciação da pretensão deduzida na presente ação, tanto mais que, cumpre recordar, nos encontramos em sede cautelar, onde se exige uma sumario cognitio, diferentemente do que se passará em sede de ação principal.
Cabendo às requerentes alegar e oferecer prova sumária dos factos em que assenta a verificação dos pressupostos em causa, sem que o tribunal se possa substituir à mesma, entende-se que não se afigura necessária a produção de prova testemunhal, na medida em que se mostram suficientes, para a tomada de decisão final, os documentos juntos e a posição assumida pelas partes em sede de articulados, atentos os factos alegados, o objeto do processo cautelar e a sumariedade que ao mesmo subjaz. Não se deixe de referir que a prova da situação financeira da requerente sempre terá de passar pela prova através de documentos contabilísticos, cuja junção é feita pela mesma, não se afigurando ser bastante, neste ponto, a produção de prova testemunhal.
Assim, indeferem-se os requerimentos de prova testemunhal, por se mostrar desnecessária a produção da aludida prova (cfr. artigo 118º, nº 1 do CPTA)».
A ora recorrente em sede de alegações no âmbito do recurso de apelação interposto para o TCAN alegou o seguinte:
«1 – Nos termos do artº 118º nº 3 do C.P.T.A o Juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias.
2 – Para o juízo de probabilidade de deferimento do pedido da acção principal impunha-se que as testemunhas indicadas fossem ouvidas à matéria constante dos artºs 39º a 50º da petição inicial.
3 - Tudo para determinar a natureza agrícola do terreno invocada nos autos, e se o mesmo detinha aptidão agrícola, mesmo que estivesse integrado em RAN.
4 – É que as testemunhas indicadas, conhecem a situação do terreno antes da utilização referida nos autos.
5 - O despacho de recusa da prova testemunhal, não indica nem fundamenta porque não é necessária aquela produção de prova testemunhal, pois também não se refere porque se entendeu como suficientes os documentos juntos aos autos.
6 – O despacho de indeferimento da prova testemunhal é nulo, face ao disposto no artº 20º da C.R.P e 615º. nº 1 aliena b) e 201º do C.P.C, artº 90º nº 3, 118º nºs 1 e 3 e 5 todos do C.P.T.A, e como tal deve ser declarado e substituído por outro que marque julgamento para inquirição de testemunhas com todas as legais consequências, nomeadamente para o de ser decretada a suspensão da eficácia do acto.
7 – O despacho sob impugnação contém em si manifesto erro de julgamento.
8 – A afirmativa do disposto no artº 32 nº 6 do C.P.T.A, deve ser entendida como reportada ao valor dos bens que se pretende conservar e não propriamente ao prejuízo sofrido pela A., na sequência do acto que se vem impugnar
(…)
11 – Para a boa decisão da causa deve ser aditado ao constante da alínea F, conforme Doc. nº 6, o seguinte:
“aluga a empresa A…….. .... para a última utilizar como estaleiro, a fim de depositar exclusivamente, inertes, terras, contentores e demais materiais e equipamentos necessários á execução de uma empreitada”
“Compromete-se a não cortar qualquer arvoredo existente no terreno, e a fazer a limpeza do terreno no fim da conclusão da obra”
(…)
14 – Tal julgamento de um ilícito de mera - ordenação social, impõe-se como subjacente à legalidade da actuação impugnada neste processo, a actuação da Administração – no chamado nos autos “Processo autónomo – visando obter decisão superior sobre eventual reposição dos solos.
15 – Por outro lado face à matéria alegada nos artº 40º - 41º da petição inicial – Doc. nºs 11 a 15 devem ser julgados sumariamente provados os seguintes:
1 - Ora tal imóvel tanto é possível pesquisar, em matéria cartográfica, ao tempo dos factos ano de 2010, não passava de um terreno na área de implantação do estaleiro já referido, de um terreno pedregoso, sem qualquer área de cultivo, na zona adjacente à estrada nacional.
2 - Pois era um terreno rochoso, rebaixado de nascente para poente, com lotes de medição que acentuavam até ao meio do terreno a cerca de 5,78 m, e com abaixamento que começou em 1,8m, 2,06m, 5,32 e 5,84 tudo conforme mapa referenciado do local e análise de técnico que se juntam e dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos (Doc. nº 11 a 15).
3 - A área do local referenciada a vermelho apenas representa cerca de 15000 m2 daquele referido imóvel.
4 - E a hipotética área de RAN constitui a referenciada zona a azul desses mesmos documentos (Doc. nº 14 e 15)
5 - Resulta assim claro, que por parte da A., não foi utilizada área da RAN, porquanto o estaleiro, conforme demonstram os documentos estava implantado em zona que não constituía RAN (Doc. nº 14).
6 - A A. apenas colocou no terreno na zona de rebaixamento, terras devidamente sereadas, resíduos sobrantes das obras, a pedido do proprietário, não RCD.
7 - Para beneficiação do imóvel identificado nos autos, que ficou mais arável do que anteriormente sucedia.
8 - E que consta da informação da ERRALVT o seguinte:
1- Prédio Rústico -“Terreno situado fora de um aglomerado urbano, que não se possa considerar como terreno de construção, e desde que tenha como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícola ... “ – Artº 3º Dec. Lei 73/2009
2- UNA – Utilização Não Agrícola de Solos – Afetação a outro fim,
3- Classificação de Terras – Classe A O – Unidades de terra sem aptidão (inaptas) para uso agrícola - Classe E – Solos com capacidade de uso muito baixa.
4 – Áreas integradas a RAN – Integram a RAN as unidades de terras que apresentam elevada ou moderada aptidão para a actividade agrícola, correspondendo às Classes A1 e A2 previstos no artº 6º (Artº 8º - Dec. Lei 73/2009)
5 – Acções interditas: (Artº 21) – Acções que diminuam ou destruam potencialidades para o exercício da actividade agrícola das terras e dos solos da RAN. E neste âmbito:
Todas as operações agrícolas necessitam de parecer da ERRALVT (órgão correspondente ao da requerida)
“Não. As operações agrícolas abaixo descritas, desde que não estejam sujeitas a licenciamento, apresentação de comunicação prévia ou autorização junto da Câmara Municipal e/ou de outra entidade, não carecem de parecer da Entidade Regional da Reserva Agrícola de Lisboa e Vale do Tejo (ERRALVT), no âmbito do Regime Jurídico da RAN, a saber:
a) realização de melhoramentos fundiários com vista à melhoria da capacidade produtiva dos solos (pressupõe a preservação ou melhoria das características agronómicas do solo e a salvaguarda dos riscos de erosão ou de encharcamento duradoiro – exceto arroz e agrião) na parcela objeto da intervenção:
- terraplenagens e nivelamentos, desde que efetuadas em zonas de várzea (declives entre 0% a 5%) e cuja finalidade seja a preparação do terreno para a atividade agrícola, designadamente, para redução de irregularidades no terreno com vista à redução de zonas de encharcamento ou para preparação do terreno para rega por escorrimento;
- obras de drenagem, incluindo abertura de valas, sem revestimento (exceto o vegetal) de taludes, e colocação de drenos subsuperficiais;
- muros de suporte para retenção de terras em que o aterro e/ou escavação é o estritamente indispensável para a implantação do muro;
b) desmatações, para preparação do terreno para sementeira ou plantação subsequente de culturas agrícolas ou para plantação de floresta de produção, de proteção ou de galerias ripícolas;
c) colocação de estufas (com pé direito até 2,5 m de altura) com cobertura em plástico e estrutura em metal, ou madeira, cravada diretamente no solo, para melhorar as condições de desenvolvimento vegetativo e de floração/frutificação das culturas efetuadas diretamente no solo, ou não o sendo, desde que não haja impermeabilização deste nem diminuição da sua capacidade produtiva;
d) execução de vedações em rede metálica ou plástica e estacas de madeira ou prumos de betão ou metálicos, cravados diretamente no solo, portanto sem recurso a quaisquer elementos de betão ou cimento de amarração ao solo, e desde que se destinem à vedação de uma parcela onde se desenvolva uma atividade agrícola ou à proteção de outros usos (edificações/atividades) legais ou com viabilidade atestada pela Câmara Municipal.”
In. Informação ERRALVT – (Entidade Reserva Agrícola de Lisboa e Vale do Tejo – A propósito da implementação do Regime – Dec. Lei 199/2015).
16 – Ora uma análise dos factos provados, não permite concluir nomeadamente o que consta dos pontos F e G, qualquer comportamento violador da requerente.
17- O que existe é tão só o auto de 5/06/2019, do técnico Eng. ………….
18 – Não consta que o aterro seja da autoria do recorrente, que o imóvel lhe pertença, apesar da utilização daquele local como estaleiro de obras há mais de dez anos.
19 – É nuclear saber se, qualquer acto ali praticado, o foi a mando do proprietário e sob suas ordens.
20 – E nesse quadro sempre se imporia determinar quem estava vinculado à obtenção de qualquer licenciamento, se o proprietário se o comissário, ou ambos.
21 – Importa sempre determinar, a ter existido movimentação de terras, se se trata de terreno, embora em RAN, sem aptidão Agrícola, e assim sem sujeição a qualquer licenciamento prévio.
22 – Face ao disposto no artº 44 do Dec. Lei 73/2009, não se demonstrando qualquer actuação passada ou presente da recorrente, sobre o imóvel carecia o Exmº Director Regional de qualquer legitimidade para notificar a recorrente, que nunca teve a posse do imóvel, nem ali executou ou executa presentemente por sua iniciativa própria acção violadora do regime RAN.
23 – O acto suspendendo, é assim ilegal, por ofensa ao disposto nos artºs 23º e 44º do Dec. Lei 73/2009 por estar assente em factos inverídicos e inexistentes, sendo nulo nos precisos termos do disposto no artº 161º nº 2 alínea j) do C.P.A.
24 – E a recorrente tem toda a possibilidade de provar a ilegalidade da actuação da Administração mostrando-se demonstrado o “fumus boni iuris” devendo assim ser decretada a providência requerida.
25- Qualquer pequena empresa, que na actualidade económica se veja, perante o dispêndio de montante forçado de € 238.500,00, constitui valor imensurável, que perante a experiência e o senso comum, é facto notório, não carecendo de alegação.
26- E não pode ser ignorado, justamente que a obtenção do deferimento junto dos tribunais para o ressarcimento do prejuízo sofrido, é processo que em execução de sentença, demorará ano ou anos a produzir os seus efeitos, e é assim também facto que não carece de alegação.
27 – Existe assim o requisito do periculum mora demonstrado, pois a produção de prejuízos de probabilidade decorre de um juízo de probabilidade e não de um juízo de certeza.
28 – Além disso a lei basta-se para a procedência da providência, com um juízo negativo de não – improbabilidade da procedência da acção principal, para fundamentar a concessão de uma providência conservatória.
(…)».
*
Relativamente a este segmento recursivo, no acórdão recorrido proferido no TCAN, consignou-se o seguinte:
«II.II. O despacho que dispensou a produção de prova testemunhal
(conclusões 1 a 7).
1. A nulidade do despacho. A falta de fundamentação.
Este é o teor do despacho que dispensou a prova testemunhal
(…)
Verifica-se, portanto, que o despacho recorrido contém um mínimo – o suficiente – de fundamentação, pelo que não se lhe pode imputar nulidade.
Ainda que assim não se entendesse, o despacho de sustentação sempre teria desvanecido qualquer dúvida, sobre a razão de ser da dispensa da prova testemunhal:
“Entende a recorrente que se impunha a produção de prova testemunhal em face da alegação de "não existência de solo agrícola, por ser um buraco em declive, e assim não se trata de solo RAN suscetível de obtenção de qualquer parecer prévio".
Sucede porém, que a classificação do referido solo como RAN ou não, não está dependente da posição dos referidos residentes no local ou técnicos que hajam atuado na obra, resultando ao invés da classificação constante das plantas de condicionantes do local. No limite, se havia dúvidas sobre a inserção do prédio em causa em área RAN, deveria ser produzida prova pericial sobre tal facto, a qual se encontra vedada em sede cautelar, ou prova documental - levantamento topográfico ou outra peça desenhada”.
Não se verifica, portanto, a nulidade deste despacho.
2. O acerto do despacho.
Só será necessário, em providência cautelar, produzir prova testemunhal que, pela sua natureza, torna mais demorado o processo, se for de todo indispensável para um juízo meramente perfunctório sobre factos essenciais para a decisão cautelar.
Sob pena de transformar o julgamento da matéria de facto do processo cautelar em julgamento da matéria de facto na acção principal.
No caso e como indicou o Tribunal recorrido, a prova do facto indicado pela Recorrente poderia ser provado por documento, o levantamento topográfico ou outra peça desenhada.
O que é susceptível de prova por levantamento topográfico de entidades oficiais é, de resto, insusceptível de prova testemunhal, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 393º do Código Civil:
“Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena”.
Para além do que constasse do documento apenas poderia resultar de depoimento de pessoa com conhecimento especiais, ou seja, por prova pericial, incompatível com a sumariedade das providências cautelares.
Termos em que improcede o recurso no que diz respeito a este despacho prévio».
*
Mais se consignou no Acórdão recorrido:
«Quanto à aparência do bom direito e dada a matéria de facto provada não se mostra provável o êxito da acção principal, pelo contrário.
Não está em causa a possível ocupação de área da RAN com o estaleiro da obra.
Está em causa execução pela Requerente de um aterro que atinge 5000 m2 de solos situados em mancha da Reserva Agrícola Nacional, definida como tal por instrumento legal de ordenamento do território e que não permite, como tal, classificação diversa, até alteração desse instrumento, pelos meios legalmente previstos.
Aterro que se destinou a encobrir resíduos vários, como pedras, pedaços de betuminoso, pedaços de betão pertencentes a manilhas, pedaços de ferro semienterrados e pedaços de tubos de fibrocimento.
Resíduos que a Requerente se comprometeu, no contrato de empreitada celebrado com as Águas de Coimbra, a colocar em vazadouro à sua escolha, adequado e devidamente licenciado, de acordo com o Regulamento Sobre Remoção de Entulhos no Município de Coimbra, edital no 60/1995, e demais legislação aplicável, independentemente da distância – ponto 10 dos factos provados.
Sem cuidar de verificar que o terreno arrendado para o efeito (presumidamente por ser o economicamente menos oneroso) tinha uma parcela abrangida pela RAN e sem obter o parecer prévio vinculativo por parte da respectiva entidade regional da RAN.
À Entidade Requerida não restava outra solução legal que não fosse a tomada no acto suspendendo, face ao disposto no artigo 44º do Decreto – Lei nº 73/2009, de 31.03, na redacção dada pelo Decreto – Lei nº 199/2015, de 16.09, ordenar a restituição da situação a momento anterior à prática da infracção.
Pelo que provavelmente a acção principal claudicará por o acto impugnado, ora suspendendo, se mostrar válido e legal.
Quanto ao periculum in mora também a Requerente não o logrou demonstrar.
Alegou de forma conclusiva que o cumprimento do acto suspendendo “traduzir-se-á em prejuízos imensuráveis”, pondo assim em risco a sua sustentação financeira. Mas apenas invoca o custo pela remoção das terras que ascende a 238.500€00 sem que tenha invocado e comprovado documentalmente demais factos relevantes da sua actividade e situação económica que permitissem concluir pela incomensurabilidade ou irreversibilidade da repercussão desse custo.
De resto, este custo, em bom rigor, resulta não do acto impugnado, mas do contrato de empreitada que a Requerente celebrou com as Águas de Coimbra e no qual assumiu o compromisso de colocar os resíduos em causa em vazadouro à sua escolha, adequado e devidamente licenciado. O que não é o caso do terreno arrendado especificamente para esse efeito.
Custo que, pelos vistos, a Requerente quis minorar em desrespeito não só pela lei, mas também pelo contrato de empreitada celebrado».
*
Por seu turno, e em relação ao Acórdão Fundamento, no que respeita ao recurso de apelação dirigido ao despacho que indeferiu a realização de diligências probatórias, importa reter o seguinte:
«Por despacho imediatamente antecedente à prolação da sentença recorrida de 15/04/2019, a Mmª Juíza a quo indeferiu a produção de prova testemunhal, por declarações de parte e por inspeção ao local que tinha sido requerida pelo Requerente no Requerimento Inicial da providência cautelar, considerando que os autos dispunham de todos os elementos necessários à decisão a proferir. Despacho cujo teor integral é o seguinte:
«Indefiro a produção de prova testemunhal, por declarações de parte e por inspeção ao local que vem requerida pelo Requerente, por tais diligências de prova se afigurarem desnecessárias, nos termos do art. 118.º, n.º 3, do CPTA.
Os autos dispõem de todos os elementos necessários à boa decisão da causa, não subsistindo quaisquer factos alegados controvertidos que justifiquem tal produção de prova, a qual por conseguinte consubstanciaria uma diligência dilatória, num processo que pressupõe uma análise meramente sumária e exige celeridade na decisão, atenta a sua natureza urgente.
Fica assim prejudicado o conhecimento do requerimento de fls. 425 dos autos, no sentido da inadmissibilidade de alteração do rol de testemunhas apresentado pela Entidade Requerida, nos termos do art. 608.º, n.º 2, do CPC.»
E passando à prolação da sentença nela pronunciando-se quanto ao mérito da pretensão cautelar, indeferiu-a por falta de verificação do requisito do periculum in mora, abstendo-se de conhecer, por prejudicada, a verificação dos demais requisitos legais necessários para a decretação da providência.
«Do periculum in mora:
(…)
Há pois que ter em conta a concreta factualidade alegada pelo Requerente e, perante tal factualidade, aferir se é possível, através de uma cognição meramente sumária - inerente à natureza cautelar dos presentes autos -, afirmar a existência deste “fundado receio” a que alude o art. 120.º, n.º 1, do CPTA.
(…)
Não pode perder-se de vista que a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido bastante exigente quanto aos ónus de alegação e prova do requisito do “periculum in mora” por parte de quem pretende o acesso a uma tutela cautelar.
(…)
Ora, no r.i. que apresenta, o Requerente invoca que, segundo os atos suspendendos, o montante em dívida, no valor de EUR 38.869,95, será compensado nos termos legais com créditos que venham a ser atribuídos, e, na falta ou insuficiência destes, será instaurado processo de execução fiscal.
Segundo sustenta, sem os subsídios da Entidade Requerida, o Requerente não terá outra hipótese que não abandonar a atividade.
Alega que, sem rendimentos – porque penhorados na execução fiscal – e sem meios para prestar caução para obter a suspensão daquela execução fiscal, o Requerente ficará desprovido durante anos do rendimento do seu trabalho.
Tal situação não lhe permitirá manter, ano após ano, a sua atividade que, como é público e notório, obriga a investimento permanente e constante.
Vejamos então se procedem tais alegações.
É certo que o Requerente invoca ter despesas pessoais e profissionais anuais num montante global superior às receitas das vendas por si declaradas no ano de 2017 (cfr. ponto 7 do probatório).
Contudo, tal factualidade não constitui fundamento suficiente para se poder concluir por uma situação de “periculum in mora”.
Desde logo, o Requerente nada alega quanto à sua situação de liquidez, nem tão pouco junta quaisquer extratos ou declarações bancárias.
Ao que acresce que o Requerente não identifica devidamente os subsídios que declarou fiscalmente no ano de 2017, nem a respetiva origem, nem tão pouco indica qual o montante dos subsídios que prevê receber do IFAP e que serão por este compensados com a quantia exigida pelo ato suspendendo.
Note-se, aliás, que o Requerente alega que os apoios do IFAP de 2017.08.01 até 2018.09.30 foram no valor de EUR 1.395,58 (art. 378.º do r.i.) quando, só no ano de 2017, declarou um valor total de EUR 19.222,40 a título de subsídios (ponto 7 do probatório).
Por outro lado, o receio invocado pelo Requerente não se ancora isoladamente no risco da perda de subsídios, mas é concretizado no r.i. em conjunto com a possível penhora dos seus rendimentos em sede de uma execução fiscal (cfr. arts. 379.º e 380.º do r.i.).
Sucede que, quanto ao risco de execução fiscal, está em causa uma mera situação hipotética, constando de ambos os atos impugnados que um processo de execução fiscal apenas será instaurado caso a compensação com créditos que venham a ser atribuídos ao Requerente não se revele suficiente para a cobrança do valor em dívida (cfr. pontos 5 e 6 do probatório).
Assim sendo, trata-se esta de uma situação que o Requerente antecipa na presente providência, mas que não decorrerá como efeito imediato dos atos suspendendos.
Além disso, o Requerente, para obter o efeito pretendido e que, em sua opinião, constitui o receio da constituição de uma situação de facto consumado que pretende evitar, ou seja a impossibilidade de sustar a execução fiscal, dispõe de mecanismos processuais próprios tipificados na lei processual tributária: a prestação de garantia idónea ou, caso reúna os necessários requisitos, o pedido de isenção da sua prestação, nos termos dos arts. 169º e seguintes do CPPT e art. 52.º, n.º 4, da LGT.
Ou seja, os prejuízos invocados pelo Requerente, tal como descritos, apenas se produziriam por via da instauração e tramitação de processo de execução fiscal. Contudo, tal circunstância, de acordo com o que consta dos autos, ainda não se verificou, e, de qualquer modo, o ordenamento jurídico permite tutelá-la especificamente através de meios instituídos para o efeito.
Assim, os danos invocados pelo Requerente não são suficientemente concretizados ou caraterizados, por forma a que se possa concluir pela existência de um fundado receio que justifique a procedência desta providência.
Há pois que concluir que não resulta demonstrado, face às alegações do Requerente, que a não suspensão do ato em causa acarretaria a criação de um facto consumado ou sequer prejuízos de difícil reparação.»
2. Do recurso dirigido ao despacho que indeferiu a realização das diligências probatórias requeridas pelo requerente – (conclusões 1ª a 22ª e 23ª a 41ª das alegações de recurso)
(…)
2.2 A final do respetivo requerimento inicial, o requerente, além da prova documental que juntou (num total de 23 documentos), requereu a produção dos seguintes meios de prova:
- inspeção ao local, requerendo «…a deslocação do Tribunal ao local da questão, para inspeção ao local, por se julgar conveniente para a descoberta da verdade material e consequente boa decisão da causa»;
- declarações de parte do requerente à matéria dos artigos 1º a 396º do Requerimento Inicial, dizendo «…ter conhecimento direto e pessoal dos factos em questão, e se revelar útil e pertinente para a descoberta da verdade material e consequente boa decisão da causa»;
- prova testemunhal, arrolando oito (8) testemunhas, que ali identificou.
2.3 Mas a mera circunstância de ter sido requerida pela parte, em sede de processo cautelar, a produção de prova, não implica que necessariamente o Tribunal a quo esteja adstrito à realização das respetivas diligências, como claramente decorre do disposto no artigo 118º nº 1 do CPTA.
2.4 É consabido que ao requerente de uma providência cautelar incumbe desde logo o ónus de alegação dos factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar, o que implica que deve ser feita no requerimento inicial do processo cautelar a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão, mais do que a alegação dos pressupostos normativos.
O que decorre desde logo do princípio do dispositivo, ínsito no artigo 5º do CPC novo, aqui aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, nos termos do qual cabe à parte interessada a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir.
O que não deixa de ser também explicitado no artigo 114º nº 3 alínea g) do CPTA nos termos do qual deve o requerente de uma providência cautelar, no seu requerimento inicial, especificar os fundamentos do pedido.
2.5 O que significa que cabe ao requerente alegar os factos concretos e as razões de direito que constituem a causa de pedir da concreta pretensão cautelar que deduza, e que em sua opinião demonstram o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido cautelar formulado, e por conseguinte, a adoção da providência requerida.
Deste modo, recai sobre o requerente o ónus de alegação, não podendo o Tribunal substituir-se ao requerente, a não ser na atendibilidade de factos complementares ou instrumentais que resultem da instrução e bem assim, claro está, daqueles que sejam de seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 5º nºs 1 e 2 alíneas a), b) e c) do CPC novo), (neste sentido, vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 114 ss.).
2.5 Por outro lado, da conjugação do ónus, a cargo do requerente de uma providência cautelar, de no seu requerimento inicial especificar os fundamentos do pedido cautelar, alegando os factos integradores da causa de pedir da concreta pretensão cautelar, nos termos do princípio do dispositivo e do especificamente disposto no artigo 114º nº 3 alínea g) do CPTA, com o efeito cominatório previsto no artigo 118º nº 2 do CPTA de acordo com o qual “na falta de oposição presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente”, fazendo corresponder, assim, à falta de impugnação à admissão, por acordo, dos factos alegados, tem que considerar-se que as diligências de prova necessárias, à luz do disposto do artigo 118º nº 3 do CPTA hão-de incidir desde logo sobre os factos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem si alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA.
2.6 Isto sem prejuízo de não ter o juiz cautelar que se satisfazer com as provas carreadas ou requeridas pelas partes, podendo ordenar a produção de outros meios de prova que considere necessárias em face das questões suscitadas e a decidir, à luz do princípio da inquisitoriedade na averiguação da verdade material, como também decorre do disposto no artigo 118º nº 3 do CPTA (vide a este respeito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 597 ss. e José Manuel Santos Botelho, in, Contencioso Administrativo - Anotado - Comentado - Jurisprudência, Almedina, 2002, pág. 664).
2.7 Assim, apenas cumpre ao juiz cautelar levar a cabo as diligências de prova relativamente a factos concretos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem si alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA (…)
2.8 São de aplicar ao presente processo cautelar os critérios decisórios ínsitos no artigo 120º do CPTA na sua redação atual (dada pelo DL n.º 214-G/2015) que é a seguinte:
“Artigo 120º
Critérios de decisão
(…)
2.10 O recorrente refere no presente recurso ter invocado no requerimento inicial da providência «…factos concretos tendentes a demonstrar os prejuízos resultantes dos atos cuja suspensão de eficácia requereu, nomeadamente os elencados nos artigos 152º a 189º do requerimento inicial».
Pelo que tem que entender-se que é relativamente a eles que propugna terem sido levadas a cabos as diligências instrutórias que foram indeferidas pela Mmª Juíza a quo.
2.13 Compulsado o Requerimento Inicial da providência constata-se que o que consta dos referidos artigos 152º a 189º daquele articulado se refere à sustentação da ilegalidade do identificado despacho, cuja suspensão de eficácia é pretendida no processo cautelar. Trata-se, assim, de invocações (de cariz indistintamente jurídico e factual) atinentes ao requisito do fumus boni iuris, com as quais o requerente pretende demonstrar a invalidade (anulabilidade) da decisão que determinou a não atribuição de efeito suspensivo ao processo (vertida no Doc. nº 1 que juntou com o RI), isto é, o primeiro dos dois atos cuja suspensão de eficácia foi requerida no processo cautelar.
2.14 Ora, pela sentença recorrida a Mmª Juíza a quo, pronunciando-se quanto ao mérito da pretensão cautelar dirigida aos dois identificados atos, indeferiu-a por falta de verificação do requisito do periculum in mora, abstendo-se de conhecer, por prejudicada, a verificação dos demais requisitos legais necessários para a decretação da providência.
Isto significa que a baixa do processo à 1ª instância para realização de diligências de prova apenas relevará se for de concluir que a mesma produza efeito útil sobre a decisão de improcedência da pretensão cautelar, em termos de poder ser adequada a alterá-la na decorrência da eventual ampliação da matéria de facto relevante para a decisão.
2.15 Ora não se impunha à Mmª Juíza a quo que levasse a cabo quaisquer diligências de prova quanto a qualquer facto concreto constante da alegação vertida nos artigos 152º a 189º do Requerimento Inicial da providência, na medida em que o ali alegado apenas se enquadraria na apreciação do requisito do fumus boni iuris, isto é, da probabilidade da procedência da ação principal, a qual haverá de ser feita, na nossa perspetiva, no âmbito cautelar, que é o que nos encontramos, mediante uma apreciação perfunctória, e por conseguinte, sem necessidade de um exame minucioso e aprofundado.
2.16 E o que vem de dizer-se vale, também, no que se refere ao vertido nos artigos 181º a 206º do Requerimento Inicial da providência (a que o requerente se refere na conclusão 24ª das alegações de recurso), os quais respeitam à sustentação da ilegalidade do identificado despacho, cuja suspensão de eficácia é pretendida no processo cautelar, as quais constituem, novamente invocações (de cariz indistintamente jurídico e factual) atinentes ao requisito do fumus boni iuris, com as quais o requerente pretende demostrar a invalidade (anulabilidade), da decisão que da Entidade Requerida que determinou a resolução unilateral do contrato de financiamento n.º 02038014/0 e a reposição do montante pago, no valor de 38.869,95 € (vertida no Doc. nº 2 que juntou com o RI), isto é, o segundo dos dois atos cuja suspensão de eficácia foi requerida no processo cautelar (vide especialmente os artigos 190º ss. do RI).
2.17 Pelo que nesta parte não colhem as conclusões do recurso.
2.18 Mas já não é assim no que respeita aos factos (só a estes, naturalmente) que o recorrente alegou nos artigos 352º a 388º do Requerimento Inicial da providência, precisamente sob a epígrafe «Do fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado e da produção de prejuízos de difícil reparação para os prejuízos que o requerente visa assegurar no processo principal», já que os concretos factos que ali alegou se destinam a demonstrar o preenchimento do pressupostos do periculum in mora.
Quanto a estes (aos quais se refere na conclusão 38ª das alegações de recurso) impunha-se, efetivamente, que fossem levadas a cabo diligências de prova, permitindo ao requerente da providência provar os factos, que alegou, com vista à demonstração daquele requisito do periculum in mora.
2.19 Atenha-se que, com efeito, entre o demais, foi ali alegado:
- que os únicos rendimentos do requerente são os que resultam da exploração da atividade agrícola onde implementou o projeto financiado (vide artigo 356º do RI);
- que tem um rendimento médio anual de cerca de 23.379,92 €, dos quais parte provêm de subsídios à exploração e de outros subsídios, que quantifica (vide artigo 358º do RI);
- que ainda que habite em casa dos pais, contribui para as despesas da casa, nos termos e nos valores que ali descrimina, e suporta despesas próprias, que enuncia e quantifica (vide artigos 359º, 360º, 361º, 372º, 373º, 374º, 375º, 376º, 377º do RI);
- que a atividade agrícola que desenvolve é a única atividade que lhe proporciona os seus únicos rendimentos, com os quais tem de prover ao seu sustento e às despesas enunciadas (vide artigos 369º do RI);
- que não dispõe de meios económico-financeiros que lhe permitam prestar caução que suste a execução futura decorrente do ato administrativo em causa (vide artigos 370º do RI);
- que, assim, a restituição do montante de 38.869,95€ bem como a retenção pelo IFAP dos subsídios futuros, bem como a futura penhora do património e dos demais rendimentos do recorrente em execução fiscal na decorrência do ato administrativo suspendendo, o impedirá de prover ao seu sustento bem como de continuar com a sua atividade profissional, fonte dos seus únicos rendimentos, e que face às despesas e encargos que suporta com a atividade, sem os subsídios terá que a abandonar, paralisando a sua vida profissional, ficando desprovido dos rendimentos do seu trabalho, e a sua vida pessoal (vide designadamente artigos 371º, 379º, 380º e 381º do RI).
(…)
2.21 Perante isto, não se pode dizer que as diligências de prova oportunamente requeridas pelo recorrente no Requerimento Inicial da providência fossem desnecessárias ou que os factos sobre os quais haveriam de recair fossem irrelevantes, nos termos do artigo 118º nºs 3 e 5 do CPTA, se o recorrente alegou aquelas circunstâncias com vista a demonstrar o requisito do periculum in mora.
2.22 Por outro lado, nenhuma daquela factualidade foi reconduzida ao probatório da sentença recorrida.
Ora, se cabe ao interessado o ónus da prova dos factos que alega, não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar com vista à demonstração do pressuposto do periculum in mora de que depende para a concessão da providência.
2.23 O que significa que o Tribunal a quo não só errou ao indeferir a realização de diligências de prova (cfr. artigo 118º nº 1 do CPTA), como ocorre nulidade processual, decorrente da omissão de ato processual a que devesse houver lugar com influência sobre a decisão da causa (cfr. artigo 195º nº 1 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA), motivadora da anulação da sentença recorrida.
2.24 Impõe-se, assim, revogar o despacho recorrido, e anulando-se a sentença recorrida, ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância, para que aí sejam levadas a cabo as diligências de prova omitidas, com vista a possibilitar ao requerente da providência a prova dos factos que alegou com vista à demonstração do requisito do periculum in mora.
2.25 Cumpre, todavia, explicitar, que não obstante a amplitude dos meios de prova requeridos, apenas deverá haver lugar à produção de prova por declarações de parte e por prova testemunhal, mas já não à inspeção ao local, na exata medida em que esta não se respeitaria à apropriação de elementos factuais atinentes à aferição do periculum in prova.
Acrescentando-se, ainda, que no que respeita à prova testemunhal, se deverá observar o limite máximo de cinco (5) testemunhas, e que estas devem ser apresentadas pela parte no dia e no local designados para a inquirição (cfr. artigo 118º nºs 4 e 6 do CPTA).
E que tendo sido também requerido pela contra-parte a final do seu articulado de oposição a produção de prova testemunhal, juntando o respetivo rol de testemunhas, que ali identificou, deve igualmente ser assegurada, nos mesmos termos, a respetiva inquirição.
2.26 Aqui chegados, merece neste aspeto provimento o recurso, devendo revogar-se o despacho recorrido, com a consequente anulação da sentença, e ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal de primeira instância, para que aí sejam levadas a cabo as diligências de prova omitidas, nos termos supra explicitados, com posterior prolação de sentença cautelar, se a tanto nada entretanto obstar».
*
2.2. O DIREITO
De acordo com o preceituado no art. 152º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes:
a) que exista contradição entre um acórdão do TCA e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro TCA ou pelo STA ou entre dois acórdãos do STA;
b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito;
c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento e o respectivo recurso tenha sido interposto, no prazo de trinta dias, após o trânsito do acórdão recorrido;
d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão impugnado, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.
Mantêm-se ainda os princípios que vinham da jurisprudência anterior segundo os quais (i) para cada questão relativamente à qual se pretenda ocorrer oposição deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; (ii) só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; (iii) é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - respeitem à mesma questão fundamental de direito, devendo igualmente pressupor a mesma situação fáctica; (iv) só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro.
Significa isto que, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, é exigível que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como naturalmente pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. E a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas.
Estes pressupostos são de verificação cumulativa, pelo que a não verificação de um deles conduz à não admissão do recurso.
Feito este enquadramento, vejamos se no caso dos autos se mostram reunidos os pressupostos supra referidos.
No Acórdão recorrido, estava em causa a produção de prova que a recorrente requereu – prova testemunhal - e que lhe foi indeferida, quer por despacho proferido em sede de 1ª instância, quer em sede de recurso de apelação no TCA Norte, no respeitante ao preenchimento do fumus boni iuris, [tudo para determinar a natureza agrícola do terreno invocado nos autos e se o mesmo detinha aptidão agrícola, mesmo que estivesse integrado em RAN] quer no tocante ao periculum in mora [prejuízos sofridos de difícil reparação e/ou facto consumado].
Quanto ao fumus boni iuris foi entendido no acórdão recorrido, secundando o decidido em 1ª instância, que a prova da situação financeira da requerente terá sempre de passar pela prova através de documentos contabilísticos, cuja junção é feita pela mesma, não se afigurando ser bastante, neste ponto, a prova testemunhal.
Mais se acrescentou que a prova do facto indicado pela recorrente poderia ser provado por documento, levantamento topográfico ou outra peça desenhada, sendo de resto, insusceptível de prova testemunha de acordo com o disposto no artº 393º, nº 2 do Código Civil [o mesmo se passando com documentos autênticos juntos aos autos].
E quanto aos prejuízos sofridos a recorrente limitou-se a invocar que qualquer empresa que na actualidade económica se veja, perante dispêndio forçado de 238.5000,00€, constitui valor imensurável, que perante a experiência e o senso comum, é facto notório, não carecendo de alegação e não pode ser ignorado, justamente que a obtenção do deferimento junto dos tribunais para o ressarcimento do prejuízo sofrido, é processo que em execução de sentença demorará ano ou anos a produzir os seus efeitos, e é assim também facto que não carece de alegação.
E desta forma, sem alegar factos concretos, porque os julga dispensáveis, entendendo que os eventuais “prejuízos” por si sofridos constituem factos notórios que o julgador deve ter em consideração, acaba por não indicar nenhum facto em concreto que pudesse ser objecto de análise pelo julgador, ou mesmo que pudesse dar origem a decisão que mandasse produzir prova em concreto, uma vez que a alegação inexistia por completo.
É aliás esta a conclusão a que as instâncias chegaram ao decidirem que «não basta a realização de afirmações de natureza conclusiva ou genérica sobre a possível existência de prejuízos ou de um facto consumado; requer-se, antes, que o recorrente identifique em concreto, a sua situação económica global, as despesas regulares que suporta e demais circunstâncias concretas que espelhem tais prejuízos ou facto consumado. Além do mais, deve concretizar em que medida o não decretamento da providência resultará num facto consumado ou em prejuízos de difícil reparação, não se afigurando bastante a mera alegação genérica de que os mesmos vão ocorrer».
E ainda: «Deste modo, não obstante, não ter sido alegado, da análise dos documentos juntos pela recorrente não resulta também uma situação financeira que pudesse conduzir à conclusão de que a execução do acto suspendendo fosse apta a criar uma situação de facto consumado, capaz de levar à situação de insolvência da empresa, isto é, uma situação que, em caso de provimento da acção principal, não fosse susceptível de ser indemnizável em sede de execução da sentença».
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Por seu turno, no Acórdão Fundamento, no que respeita ao requisito do periculum in mora face à factualidade alegada e provada, decidiu-se em relação à prova testemunhal requerida e declarações de parte, em que foi alegado que …sem os subsídios da entidade requerida, o requerente não terá outra hipótese que não abandonar a actividade e que sem rendimentos – porque penhorados na execução fiscal – e sem meios para prestar caução para obter a suspensão daquela execução fiscal, o requerente ficará desprovido durante anos do rendimento do seu trabalho e que tal situação não lhe permitirá manter, ano após ano, a sua actividade que, como é publico e notório, obriga a investimento permanente e constante (…) o requerente invoca ter despesas pessoais e profissionais anuais num montante global superior às receitas das vendas por si declaradas no ano de 2017 (…), que cabendo ao requerente o ónus de alegação, cabe por seu turno ao juiz cautelar levar a cabo as diligências de prova relativamente a factos concretos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem sido alvo de impugnação na oposição e dentro desses os que importem para a decisão da causa.
E, nesta sequência, entendeu-se que tendo sido alegados factos concretos que se destinavam a demonstrar o periculum in mora impunha-se que fossem levadas a cabo diligências de prova testemunhal, permitindo ao ali requerente da providência provar os factos que alegou, com vista à demonstração daquele requisito, como resulta do ponto 2.19 do aludido acórdão.
Deste modo, é patente que os acórdãos recorrido e fundamento, se fundam em quadros factuais e jurídico/normativos diferentes, não se tendo pronunciado sobre a mesma questão de direito, uma vez que num caso havia matéria alegada que importava dar oportunidade ao requerente de fazer prova sobre a mesma, como aliás havia requerido, enquanto que, no outro caso, essa matéria inexistia, dado que só foram invocadas declarações genéricas e conclusivas que não era possível densificar em factos concretos e objectivos, para além de que foi aduzida motivação/fundamentação para o indeferimento da produção de prova envolvendo exigências de específicos meios de prova que não foram requeridos/produzidos pela aqui requerente/recorrente para que esta lograsse demonstrar a veracidade de factos alegados, entendimento este sem paralelo no acórdão fundamento, pelo que os pretensos juízos em oposição ou contraditórios não têm subjacente um diverso entendimento ou interpretação do mesmo quadro normativo, resultando, assim, impossível extrair dos dois arestos em confronto e relativamente à matéria objecto de discussão duas proposições jurídicas que se articulem em recíproca oposição lógica.
E assim sendo, impõe-se concluir pela não verificação do pressuposto da alínea b), do nº 1, do artº 152º do CPTA, motivo pelo qual este recurso de uniformização de jurisprudência não deve ser admitido.
*
3. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir o recurso.
Custas pela recorrente.
DN sem cumprimento do disposto no nº 4 «in fine», do artº 152º do CPTA.

Lisboa, 24 de Novembro de 2022. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz - Ana Paula Leite Soares Martins Portela - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha - Cláudio Ramos Monteiro.