Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01110/15.5BEPRT
Data do Acordão:05/25/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROGRAMA
DEVOLUÇÃO
FINANCIAMENTO PÚBLICO
Sumário:Justifica-se a admissão de revista se as questões que o Recorrente suscita no recurso, enquanto erro de julgamento sobre a legalidade da revogação da aprovação da candidatura apresentada, de acordo com o disposto na alínea j) do referido art. 44º do Decreto Regulamentar nº 84-A2007 e legislação comunitária aplicável, têm inegável relevância jurídica e social (atendendo ao objecto do projecto de investimento aprovado), bem como alguma complexidade jurídica, não sendo isentas de dúvidas, e, podendo repetir-se em operações do mesmo tipo, o que aconselha que este STA sobre as mesmas se debruce para uma melhor dilucidação das mesmas.
Nº Convencional:JSTA000P31045
Nº do Documento:SA12023052501110/15
Data de Entrada:03/14/2023
Recorrente:ASSOCIAÇÃO DE SOLIDARIEDADE SOCIAL – ...
Recorrido 1:INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
Associação de Solidariedade Social – ... intentou no TAF do Porto acção administrativa especial contra o Instituto de Segurança Social, IP (ISS) e o Programa Operacional de Potencial Humano (POPH), tendente à anulação da deliberação do Conselho Directivo do ISS de 21.10.2014, que, no âmbito do projecto de investimento tipologia 6.12 do POPH nº 024015/2009/612, revogou a decisão de aprovação da candidatura da Autora a tal projecto e lhe determinou a obrigação de restituir o montante de €321.879,25, por alegadas ajudas indevidamente recebidas, acrescida de juros legais até integral pagamento e, bem assim, a condenação do 1º Réu a pagar à Autora os montantes ainda não pagos ao abrigo daquele projecto.
Foi admitida uma primeira ampliação objectiva da instância dirigida à impugnação do despacho do Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social que, em 22.07.2017, negou provimento ao recurso administrativo intentado pela A., com argumentos semelhantes aos invocados na petição inicial desta acção.
Foi ainda admitida uma segunda ampliação da instância respeitante à impugnação do despacho do Presidente do Conselho Directivo do 1º Réu que, em 26.10.2016, arquivou os pedidos de alteração nºs 5 e 6 e revogou a decisão de aprovação do projecto de investimento – tipologia 6.12 do POPH nº 024015/2009/612.

O TAF do Porto proferiu sentença julgando a acção improcedente.

A Autora interpôs recurso jurisdicional desta decisão e do despacho saneador proferido em 18.02.2019, no âmbito do qual foi dispensada a produção de prova testemunhal.
Por acórdão de 25.11.2022, o TCA Norte considerou ser de manter o despacho proferido em 18.02.2019 e a sentença de 1ª instância, negando provimento ao recurso.

A Autora/Recorrente interpõe a presente revista deste acórdão, com fundamento na relevância jurídica e social da questão a apreciar, e para uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações o Recorrido ISS defende, além do mais, a inadmissibilidade da revista.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido, para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A Autora propôs a presente acção administrativa visando a anulação da deliberação do Conselho Directivo do ISS de 21.10.2014, que, no âmbito do projecto de investimento tipologia 6.12 do POPH nº 024015/2009/612, revogou a decisão de aprovação da candidatura a tal projecto e determinou a obrigação de a Autora restituir o montante de €321.879,25, por alegadas ajudas indevidamente recebidas, acrescida de juros legais até integral pagamento e, bem assim, a condenação do 1º Réu a pagar à Autora os montantes ainda não pagos ao abrigo daquele projecto.
O referido projecto, cuja aprovação foi comunicada à A. por ofício de 09.11.2009, destinava-se à construção de um Lar de Idosos, Centro de dia e Apoio Domiciliário, do qual resultava a atribuição à Autora de um financiamento público no valor de €1.234.093,20 (taxa de comparticipação de 60% em relação ao custo da obra), o qual veio a ser actualizado, nos termos do Despacho nº 6319/2013, de 15 de Maio, do Gabinete do Secretário de Estado do Emprego, sendo alterado o montante de co-financiamento público atribuído pelo POPH para o projecto em causa para 75%, ou seja, €1.447.635,29. A Autora levou a cabo o competente procedimento de formação de concurso público, sendo celebrado o contrato de empreitada com a adjudicatária A..., Lda com um prazo de execução de 18 meses a contar da data da consignação.
O TAF do Porto proferiu sentença na qual julgou improcedente a acção, por improcedência das ilegalidades invocadas pela Autora quanto aos três actos administrativos impugnados.

No recurso que interpôs para o TCA Norte a aqui Recorrente arguiu a nulidade processual, nos termos do art. 195º, nº 1 do CPC, por preterição de produção da prova testemunhal. Imputou à sentença nulidade, nos termos do art. 615º, nº 1, alínea c) do CPC, por ambiguidade ou obscuridade e erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto, insusceptibilidade de revogação do acto de aprovação do financiamento e violação dos princípios da proporcionalidade e da boa fé; bem como, quanto às ilegalidades imputadas à deliberação do Conselho Directivo do ISS de 26.10.2016 [de desrespeito de decisão judicial e de violação do art. 158º do CPTA, caducidade do procedimento referente aos pedidos de alteração nºs 5 e 6, venire contra factum proprium do arquivamento do pedido de alteração nº 5 e erro nos pressupostos de facto do arquivamento do pedido de alteração nº 6].
O acórdão julgou não verificadas a nulidade processual e da sentença, bem como os erros de julgamento a esta imputados, pelo que negou provimento ao recurso.

A Recorrente na revista reafirma o já invocado na apelação, quanto à preterição da produção da prova testemunhal requerida, consubstanciadora da nulidade processual, nos termos do art. 195º, nº 1 do CPC, nulidade esta que se reflecte na decisão final proferida, pelo que deverão ser revogados por violação das regras substantivas de direito probatório e por erro nos pressupostos de facto e de direito. Alega ainda, em síntese, que tendo a deliberação de 26.10.2016 uma natureza sancionatória (visto que através dela se fez operar a revogação da aprovação da candidatura apresentada pela Recorrente), e estando esta relacionada com a putativa prestação de declarações inexactas, incompletas ou desconformes sobre a natureza dos trabalhos a realizar na empreitada, de acordo com o preceituado na alínea i) do art. 44º do Decreto Regulamentar nº 84-A/2007, de 10/12, é de concluir que era ao Recorrido que competia provar que os trabalhos considerados em falta correspondiam àqueles que já se encontravam previstos na candidatura desde o início e não quaisquer trabalhos destinados ao cumprimento da legislação supervenientemente aprovada, tal como alegado pela Recorrente, pelo que ao entender em sentido contrário, o acórdão recorrido subverte o ónus da prova, transferindo-o para a Recorrente, para justificar que existia fundamento, no caso, para a revogação da referida aprovação da candidatura apresentada, de acordo com o disposto na alínea j) do referido art. 44º do Decreto Regulamentar nº 84-A2007. O que consubstancia, segundo alega, a nulidade de decisão prevista na al. c) do nº 1 do art. 615º do CPC, por parte do acórdão recorrido.
Mais alega que a fim de se determinar se se está perante uma simples interrupção não autorizada do projecto por prazo superior a 90 dias, se tem de aferir se a Administração “pode” ou “deve” revogar a decisão de aprovação da candidatura, torna-se necessário recorrer a outros preceitos do Decreto Regulamentar nº 84-A/2007 e a outros diplomas aplicáveis, designadamente o Regulamento (CE) nº 1081/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11.07.2006, o Regulamento (CE) nº 1083/2006 do Conselho, de 11.07.2006, o Despacho nº 2961/2013, de 19.02.2013, e o Despacho nº 764/2015, de 26.01.2015. Alega que todo o período de suspensão foi autorizado porque era do conhecimento do Recorrido II, por via do Auto de Suspensão da Empreitada, datado de 10.12.2012, que os trabalhos se encontravam suspensos por falta de pagamento ao empreiteiro, o que determinou a prorrogação do prazo de execução da obra. Havendo erro de julgamento do Tribunal a quo ao considerar que a falta de disponibilidade financeira da Recorrente foi motivo válido para prorrogar o prazo de execução da obra por parte do Recorrido ISS, mas essa circunstância não era do conhecimento do Recorrido, sendo que se está perante a mesma realidade fáctica. Assim sendo, se essa circunstância foi motivo válido para deferir prorrogações da execução de trabalhos, também o seria para integrar o conceito de “autorização” de suspensão de trabalhos vertida na alínea d) do referido art. 44º do Decreto Regulamentar, estando-se no âmbito de poderes discricionários da Administração e não estritamente vinculados, o que permite afastar os efeitos anulatórios da sua invalidade, nos termos do disposto no art. 163º, nº 5 do CPA, o que requer. Alega ainda que, contrariamente ao entendimento do acórdão, as decisões em causa violam o princípio da boa fé.

Como se vê as instâncias decidiram no mesmo sentido e o acórdão recorrido está fundamentado quanto às questões submetidas pelo Recorrente à sua apreciação sobre as ilegalidades invocadas e, também, julgadas improcedentes em 1ª instância.
No entanto, as questões que o Recorrente suscita na revista e acima sumariamente enunciadas têm inegável relevância jurídica e social (atendendo ao objecto do projecto de investimento aprovado), bem como alguma complexidade jurídica, não sendo isentas de dúvidas, e, podendo repetir-se em operações do mesmo tipo, o que aconselha que este STA sobre as mesmas se debruce para uma melhor dilucidação das mesmas.
Assim, justifica-se a admissão da revista, sendo de postergar a regra da excepcionalidade deste recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 25 de Maio de 2023. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.