Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0913/20.3BEPRT
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GARANTIA
Sumário:I - A suspensão de execução decorrente de garantia, nos termos do art. 52.º da L.G.T. e 169.º do C.P.P.T., entre outras disposições deste Código, depende não só da “ capacidade do meio oferecido para satisfação da dívida exequenda em caso de incumprimento posterior do executado”, bem como ainda da garantia ser “incondicional”.
II - O benefício de excussão implica que se tenha de proceder à venda de bens do primitivo executado antes da execução poder prosseguir contra o responsável subsidiário.
III - A suspensão da execução decorrente de penhor constituído em ações do responsável subsidiário, não impede que se proceda ainda a penhora em rendas da primitiva executada.
IV - Os fins em vista com a garantia quanto a ambos são não só diversos, como, admitir-se a suspensão decorrente da garantia relativa ao responsável subsidiário quanto àquela, implicaria uma condição que não é admissível, para além de tal não ser congruente com a primitiva executada ter a sua responsabilidade regularizada.
V - Nesse contexto, não é considerar excessiva a penhora efetuada com vista a garantir ainda a quantia exequenda e acrescido.
Nº Convencional:JSTA000P27213
Nº do Documento:SA2202102170913/20
Data de Entrada:01/21/2021
Recorrente:A...................., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório

I.1. A……………………, Lda, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário interpor recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10 de setembro de 2020, que negou provimento ao recurso que deduzira da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgara improcedente reclamação judicial do ato de penhora de rendas, ao qual foi atribuído o número de pedido de penhora 318220200000000440, no montante de €1.163.722,68, praticado pelo órgão da execução fiscal.
I.2. A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1.ª Entende a Recorrente que estão verificados os requisitos de que depende a admissão do presente recurso de revista;
2.ª Em face do decidido em segundo grau de jurisdição, considera a Recorrente verificar-se a violação de lei processual e de lei substantiva na interpretação dos artigos 4.º, 18.º, 22.º, 23.º, 52.º e 55.º da LGT, em conjugação com os artigos 46.º, 153.º, 169.º e 199.º do CPPT, e ainda com os artigos 18.º, n.º 2, 103.º, 104.º e 266.º da CRP, colocando-se a questão de saber se, numa situação como a da Recorrente, em que perante um processo de execução fiscal coexistem devedor principal e devedor subsidiário, para efeitos da suspensão desse processo de execução fiscal, deve o órgão de execução fiscal agir de modo a duplicar as garantias constituídas à ordem daquele processo, considerando-se que a suspensão do mesmo se afere autonomamente por referência a cada um dos devedores em apreço e, nessa medida, legitima-se a duplicidade de garantias ordenadas à ordem do mesmo processo mas constituídas por sujeitos distintos, como entendeu o Tribunal, ou, como entende a Recorrente, deve entender-se que perante a existência de garantia idónea que – objetivamente – assegure (se necessário) o pagamento da totalidade da dívida, independentemente de quem a prestou, aquela deve ser considerada válida perante todos os responsáveis?;
3.ª Resulta evidente a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no caso em apreço, impondo-se a revista para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental;
4.ª No caso sub judice, a necessidade da revista para uma melhor aplicação do Direito assenta, desde logo, no facto de estarem em causa duas decisões – uma proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e outra em sede de recurso jurisdicional junto do Tribunal Central Administrativo Norte - em que os tribunais, com o devido respeito, interpretaram de modo incorreto os artigos 18.º, 22.º, 23.º e 52.º da LGT e 169.º e 199.º do CPPT em função da situação concretamente determinada;
5.ª Ambas as decisões se pronunciaram no sentido de em face de um processo executivo em que apenas a garantia prestada pelo devedor subsidiário cobre a totalidade da dívida exequenda, aquele processo não pode considerar-se suspenso na esfera jurídica do devedor originário e nessa medida atos adicionais de cobrança coerciva contra o devedor originários são legítimos, inexistindo excesso ou desproporção na atuação da administração tributária;
6.ª Não está em causa um simples erro de julgamento, mas um erro manifestamente ostensivo e grosseiro, aqui consubstanciado no facto de o Tribunal não interpretar cabalmente os vários regimes jurídicos que se convocam perante a presente situação, em concreto, o regime da suspensão do processo executivo e a sua harmonização com o regime da reversão;
7.ª É claramente necessária a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para evitar que esta má interpretação dos artigos 18.º, 22.º, 23.º e 52.º da LGT e 169.º e 199.º do CPPT, se consolide na ordem jurídica e que seja aplicável em todas as situações em que perante o mesmo processo de execução fiscal coexistam devedor originário e devedor subsidiário, criando uma disparidade de tratamento entre contribuintes;
8.ª No que se refere à relevância jurídica fundamental, que se manifesta, por um lado, na complexidade das operações jurídicas indispensáveis à resolução do caso e, por outro lado, na capacidade de expansão da controvérsia, impõe-se ao Tribunal a interpretação de um conjunto de preceitos, recorrendo aos vários elementos interpretativos das normas;
9.ª Estando em causa interpretação de uma multiplicidade de normas e de regimes jurídicos, é necessário, além disso, ter em consideração o entendimento dos Tribunais, com especial enfoque no modus operandi do benefício da excussão prévia e do impacto que isso tem no desenrolar do processo de execução fiscal, trata-se de interpretação particularmente complexa que o Tribunal Central Administrativo Norte, com o devido respeito, não efetuou cabalmente;
10.ª Não se trata de uma mera operação de interpretação de determinada norma jurídica, mas de uma interpretação integrada que, até à data e com o devido respeito, os tribunais superiores não efetuaram de forma completa e consistente;
11.ª Atendendo aos conceitos em presença e às disposições normativas aplicáveis, é inequívoco para a Recorrente a existência de uma complexidade jurídica superior à comum que justifica a admissão do presente recurso de revista;
12.ª Para além disso, saliente-se que não vigora até esta data uma corrente uniforme de jurisprudência proferida pelos tribunais superiores quanto a esta questão;
13.ª Atendendo a que a questão em apreço tem passado e é suscetível de passar pela jurisprudência dos tribunais superiores, entende a Recorrente que é evidente a possibilidade de repetição da questão em casos futuros, em termos de expansão da controvérsia;
14.ª A decisão sobre a questão não é meramente teórica e tem inerentes efeitos práticos, com claro reflexo para o contribuinte;
15.ª Estando em causa a interpretação de normas que conferem efeito suspensivo do processo de execução fiscal, o entendimento acolhido irá bulir com o património dos contribuintes que poderá vir a ser afetado desnecessariamente e de modo desproporcional, pois, a firmar-se o entendimento do Tribunal Central Administrativo Norte, sujeitos na situação da Recorrente verão o seu património afetado;
16.ª Atendendo a que esta é uma questão que não se encontra resolvida na jurisprudência considera a Recorrente que o risco de persistirem e ocorrerem diversas situações deste tipo é bastante elevado;
17.ª É por forma a evitar esta situação com relevante impacto ao nível da situação tributária dos contribuintes que se impõe a revista;
18.ª A questão interpretativa coloca-se, assim, numa abundância de situações e ao longo dos tempos, com referência a diversos contribuintes, pelo que se afigura inequívoca também a relevância social de importância fundamental (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.11.2014, proferido no processo n.º 141/14-30);
19.ª Considera a Recorrente que a interpretação proferida nos presentes autos, em clara violação da lei, por perfilhar aceção contrária ao próprio espírito do legislador tributário, é suscetível de se aplicar em numerosos novos litígios administrativos e judiciais, e inclusivamente originá-los, gerando uma avultada incerteza e instabilidade e fazendo antever como objetivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo;
20.ª Estão, assim, preenchidos os requisitos necessários à admissibilidade do recurso previsto no artigo 285.º do CPPT (anterior artigo 150.º do CPTA);
21.ª Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o douto acórdão recorrido decidiu em violação do disposto nos artigos 4.º, 18.º, 22.º, 23.º, 52.º e 55.º da LGT, em conjugação com os artigos 46.º, 153.º, 169.º e 199.º do CPPT, e ainda com os artigos 18.º, n.º 2, 103.º, 104.º e 266.º da CRP;
22.ª No caso sub judice, terá de considerar-se que os processos de execução fiscal se encontram suspensos tanto na esfera do devedor originário como na esfera do devedor subsidiário em virtude de ter sido constituída garantia idónea sobre a totalidade do valor em dívida;
23.ª É esta a interpretação que mantém a coerência do sistema jurídico-tributário e que respeita a legalidade das normas aplicáveis;
24.ª Olhando à letra do artigo 169.º do CPPT não se especifica nem o tipo de garantia, nem o sujeito que poderá prestar tal garantia, sendo certo que o único requisito que se exige é que o processo de execução fiscal tenha uma garantia idónea associada, tal como previsto nos artigos 195.º a 199.º do CPPT;
25.ª Assim, independentemente de pela mesma dívida estarem a responder dois sujeitos distintos – devedor originário e detentor da capacidade contributiva, e o seu gerente, devedor subsidiário, em virtude de ter sido concretizada a reversão –, é reconhecido que a dívida em apreço é apenas uma, sendo igualmente apenas um o processo de execução fiscal, pelo que é evidente que se a dívida exequenda se encontra objetivamente totalmente garantida (independentemente de quem prestou tais garantias), o respetivo processo de execução fiscal terá de considerar-se suspenso nos termos do artigo 169.º do CPPT;
26.ª Não se refere em qualquer disposição legal que a garantia que suspende o processo de execução fiscal se afere por referência a cada um dos sujeitos que a prestem ao invés de se aferir tendo por referência única e exclusivamente o processo de execução fiscal instaurado para a cobrança da dívida (que, reitere-se, é uma só!);
27.ª Devido ao instituto jurídico da reversão, no que ora releva, previsto nos artigos 22.º, n.º 4, 23.º e 24.º da LGT e 153.º, n.º 2, do CPPT, é possível, em caso de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, que um terceiro alheio às manifestações de capacidade contributiva (pressuposto do imposto) seja responsabilizado pelo pagamento das dívidas de outrem, não obstante ser pacífico que nas situações de reversão a capacidade contributiva inerente ao imposto em dívida é una e pertence ao devedor originário;
28.ª Precisamente por a dívida objeto de reversão ser apenas uma e atendendo à responsabilidade somente subsidiária do revertido, prevê o n.º 2 do artigo 23.º da LGT o benefício da excussão prévia;
29.ª No entanto, o benefício da excussão prévia no âmbito do processo de execução fiscal encontra-se mitigado porquanto tem sido entendimento pacífico a admissão da reversão com as demais consequências antes mesmo do esgotamento efetivo dos bens do devedor originário;
30.ª Com efeito, contrariamente à sua ratio – cobrança efetiva de dívidas em termos práticos –, a reversão constitui na maioria das vezes um mecanismo de garantia preventiva para a cobrança da dívida;
31.ª A jurisprudência tributária tem sido unânime e concordante com este entendimento, como se afere pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.10.2016, proferido no âmbito do processo n.º 0287/16, no âmbito do qual ficou assente que “A Lei não faz, pois, depender a reversão, da prévia excussão dos bens do devedor originário. Fá-la depender, isso sim, da inexistência ou da fundada insuficiência de tais bens, fundada insuficiência esta que, de acordo com a lei (cfr. a alínea b) do artigo 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT), se apura de acordo com os elementos constantes do auto de penhora ou outros de que o órgão da execução fiscal disponha”;
32.ª Além disso, a jurisprudência tributária vai mesmo mais longe, destacando que nos casos de fundada insuficiência patrimonial do devedor “(…) a reversão contra o(s) responsável(eis) subsidiário tem lugar imediatamente (n.º 2 do artigo 23.º da LGT), mas, por efeito do benefício de excussão prévia do património do executado, que constitui uma garantia do revertido, o processo de execução fiscal fica, por efeito da lei (do n.º 3 do artigo 23.º da LGT), automaticamente suspenso após a reversão em relação ao revertido (estamos, pois, perante uma suspensão que opera ope legis) pelo período que durar a excussão do património do devedor originário e caberá ao órgão de execução fiscal, que está vinculado por lei a este efeito e que não pode prosseguir neste caso com qualquer acto no âmbito daquele processo (incluindo a penhora), caso pretenda acautelar o futuro pagamento da dívida tributária, lançar mão de providências cautelares (artigo 51.º da LGT), das quais o revertido se poderá defender nos termos do disposto no artigo 144.º do CPPT” (cf. Acórdão do mesmo Supremo Tribunal Administrativo de 21.11.2019, proferido no âmbito do processo n.º 0892/19.0BEBRG).
33.ª Se assim não se entendesse, enquanto a responsabilidade do devedor originário não estivesse consolidada não poderia efetivar-se a reversão;
34.ª Atendendo à finalidade garantística que se tem conferido à reversão, a partir do momento em que aquela se concretize e o revertido preste garantia à ordem do processo de execução fiscal, então, objetivamente, a dívida exequenda passa a estar garantida e, consequentemente, o processo de execução fiscal ficou suspenso quanto a ambos os sujeitos;
35.ª Acresce que, é igualmente pacífico que as garantias constituídas à ordem de processos de execução fiscal deverão ser apreciadas objetivamente, pelo que independentemente do sujeito que as constitui – que poderá ser o sujeito passivo/devedor ou um terceiro alheio à dívida – a administração tributária apenas poderá avaliar a idoneidade da garantia, concretamente, a suscetibilidade do bem dado como garantia responder pelo integral pagamento da dívida exequenda e do acrescido (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.09.2020, proferido no âmbito do processo n.º 00632/19.3BEPRT);
36.ª Ademais, note-se que, após a reversão – e independentemente de a legalidade de a dívida se encontrar a ser discutida – o responsável subsidiário tem a possibilidade de proceder ao pagamento da dívida e com isso até beneficiar da isenção de custas e de juros de mora liquidados tal como previsto no n.º 5 do artigo 23.º da LGT;
37.ª Ora, precisamente porque a dívida tributária é só uma, sem prejuízo de a responsabilidade pelo seu pagamento poder ser imputada a mais que um sujeito, na sequência do pagamento efetuado pelo revertido o processo de execução fiscal extingue-se. E extingue-se contra ambos! Não se fazendo qualquer distinção entre o tipo de responsabilidade de cada um dos sujeitos, mesmo na eventualidade de a legalidade da dívida ainda ser controvertida e de existir a possibilidade de a mesma vir a ser anulada e de o pagamento efetuado pelo revertido afinal não ter fundamento legal, pelo que não se poderá fazer distinção entre as garantias constituídas à ordem do processo de execução fiscal, devendo interpretar-se os artigos 18.º, 22.º, 23.º e 52.º da LGT e 169.º e 199.º do CPPT no sentido de que estando a legalidade da dívida a ser discutida e existindo garantia idónea que assegure a totalidade da dívida em apreço e que permita ao Estado (sujeito ativo da relação jurídico-tributária) solver a dívida, então, o processo de execução fiscal deverá considerar-se suspenso;
38.ª Deve destacar-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 08.05.2013, proferido no âmbito do processo n.º 0593/13, refere que “Nos casos em que existem dois executados responsáveis solidários pela dívida exequenda que deduziram oposições contra a mesma execução e em que só um deles presta garantia para assegurar o pagamento da totalidade da dívida e dos acréscimos legais, devem os efeitos suspensivos da garantia prestada sobre a execução estender-se ao outro executado oponente”, devendo este entendimento ser inteiramente aplicável na situação sub judice;
39.ª A propósito da constituição de garantia, recorde-se que nos termos do artigo 199.º, n.º 6, do CPPT, o valor a garantir é somente o valor da única dívida que originou a instauração do processo de execução fiscal, ou seja, inexiste qualquer norma que legitime que nas situações de reversão fiscal a mesma dívida seja duplamente garantida, tanto na esfera do devedor originário como na esfera do devedor subsidiário;
40.ª Neste contexto, se no âmbito da reversão é constituída uma garantia pelo devedor subsidiário para suspender os processos de execução fiscal contra ele revertidos, tal garantia deverá ser considerada não para efeitos de pagamento efetivo da dívida – porquanto esse pagamento depende da excussão do património do devedor originário – mas antes para promover a suspensão do processo de execução fiscal em toda a sua extensão, enquanto a sua legalidade não se tiver consolidado na ordem jurídico-tributária;
41.ª Aliás, reitere-se que a garantia prestada pelo revertido constitui um prejuízo para o seu património, prejuízo esse que, na eventualidade de não ter o condão de suspender os processos de execução fiscal – contra si e contra o devedor originário – tornará todos os atos de cobrança coerciva efetuados à posteriori manifestamente desproporcionais;
42.ª Com efeito, se a reversão tem uma finalidade garantística e se o efetivo pagamento por parte do devedor subsidiário depende da verificação do benefício da excussão prévia, o qual se realizará numa fase posterior à sindicância da sua legalidade, então terá de admitir-se a suspensão in totum do processo de execução fiscal sob pena de violação do princípio da proporcionalidade decorrente dos n.ºs 10 e 11 do artigo 199.º do CPPT e se encontra consagrado nos artigos 55.º da LGT e 46.º do CPPT e, ainda, nos artigos 18.º, n.º 2, e 266.º ambos da CRP;
43.ª Em face da colisão do direito de arrecadação de receita da administração tributária e do direito à propriedade privada dos sujeitos passivos – nos quais se incluem devedores originários e devedores subsidiários – deverá prevalecer o direito à propriedade privada, em virtude da aplicação do princípio da proporcionalidade, que deverá moldar toda e qualquer a atuação da administração;
44.ª Se a dívida em execução tributária se encontra já garantida pela sua totalidade, qual a necessidade de a administração tributária lançar mão de mais um ato de cobrança coerciva (recorde-se, a penhora de rendas contra a qual a Reclamante reclamou)? Nenhuma, pelo que é evidente que tal ato da administração tributária é desnecessário e desproporcional, e, por conseguinte viola os artigos 55.º da LGT, 46.º do CPPT, 7.º do CPA e 266.º, n.º 2, e 18-º, n.º 2, da CRP;
45.ª No que concerne à questão interpretativa que se pretende clarificar com o presente recurso de revista – saber se, numa situação como a do Recorrente, em que está em causa um processo de execução fiscal e em que já foi promovida a reversão contra o gerente, a garantia prestada pelo gerente serve para suspender a execução somente na sua esfera jurídica, ou, verificando-se os pressupostos previstos no artigo 169.º do CPPT, nomeadamente e objetivamente a constituição de uma garantia idónea no âmbito do processo de execução fiscal, a execução fica totalmente suspensa perante quaisquer sujeitos a quem seja imputada a responsabilidade pelo seu pagamento? –, é evidente que a resposta terá de ser a de que, nos termos do artigo 169.º do CPPT e tendo em consideração as normas jurídicas que regulam a reversão e o processo de constituição de garantia, o processo de execução fiscal se deve considerar suspenso perante quaisquer sujeitos a quem seja imputada a responsabilidade pelo seu pagamento desde que a legalidade da dívida esteja a ser discutida judicialmente e exista uma garantia idónea;
46.ª Em face do exposto, não pode acompanhar-se o entendimento do acórdão recorrido, impondo-se a sua revogação e a sua substituição por outro que julgue procedente o recurso.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido, devendo ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
I.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

I.4. O recurso foi admitido por Acórdão de 18/11/2020 e que se transcreve na parte que ora interessa:

“(…) O acórdão do TCA sob escrutínio negou provimento ao recurso interposto pela ora recorrente da sentença do TAF do Porto que julgara improcedente a reclamação judicial que deduzira do acto do órgão de execução fiscal de penhora de rendas.
Entende a recorrente que estando a quantia exequenda integralmente garantida pela soma da sua garantia com a prestada pelo responsável subsidiário, a penhora é ilegal e violadora do princípio da proporcionalidade, tendo as instâncias incorrido em erro ostensivo e grosseiro ao assim não entender, mais alegando que a questão de saber se numa situação como a da Recorrente, em que perante um processo de execução fiscal coexistem devedor principal e devedor subsidiário, para efeitos da suspensão desse processo de execução fiscal, deve o órgão de execução fiscal agir de modo a duplicar as garantias constituídas à ordem daquele processo, considerando-se que a suspensão do mesmo se afere autonomamente por referência a cada um dos devedores em apreço e, nessa medida, legitima-se a duplicidade de garantias ordenadas à ordem do mesmo processo mas constituídas por sujeitos distintos, como entendeu o Tribunal, ou, como entende a Recorrente, deve entender-se que perante a existência de garantia idónea que – objetivamente – assegure (se necessário) o pagamento da totalidade da dívida, independentemente de quem a prestou, aquela deve ser considerada válida perante todos os responsáveis? se reveste de importância jurídica e social fundamentais.
A resposta que o TCA deu à questão decidenda não é ostensivamente errada e juridicamente insustentável, como alega a recorrente, antes se afigura plenamente plausível, atendendo à natureza da responsabilidade subsidiária e respectiva extensão.
Não obstante, concedemos que o reexame da questão pelo órgão de cúpula da jurisdição possa contribuir para uma maior certeza do direito e consequente de maior segurança jurídica – tanto dos contribuintes como da AT -, no âmbito de institutos jurídicos que amiúde reclamam a intervenção dos Tribunais da jurisdição e do domínio dos quais uma intervenção clarificadora do STA possa servir de paradigma para a resolução de futuros casos similares.
Assim, atendendo à relevância social fundamental da questão decidenda, vai a revista admitida.”

I.5. O exm.º Magistrado do Ministério Público pronunciou-se com a seguinte fundamentação:

“A questão a resolver é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao interpretar os art.º 18.º, 22.º, 23.º e 52.º da LGT e 169.º do CPPT e também a de saber se os processos de execução fiscal devem estar suspensos tanto na esfera do revertido como na esfera da Recorrente, sendo certo que o único requisito que se exige é que o processo de execução fiscal tenha uma garantia idónea associada, tal como previsto nos artigos 195.º a 199.º do CPPT, independentemente de quem presta essa garantia.
Efectivamente, das alegações de recurso resulta, concretamente, que a recorrente pretende ver reapreciada pelo STA a questão de saber se a suspensão da execução fiscal determinada pela prestação de garantia por parte do revertido, seu sócio-gerente, lhe é oponível, enquanto devedora principal, de molde a determinar a ilegalidade da executada penhora das rendas.
Os factos a ter em consideração são os que constam do probatório no ponto “3. JULGAMENTO DE FACTO.” do acórdão recorrido, de que destacamos:
1. Foi instaurado no Serviço de Finanças do Porto 2, o Processo de execução fiscal n.º 3182201001109375 e apensos 3182201001109421, 3182201001109561 e 3182201001115871 contra a sociedade A………………. LDA, para cobrança coerciva de retenções de IRC do ano de 2006, 2007 e 2008 e IMT de 2004 no montante global de € 923.657,30;
2. Por não ter sido efectuado o pagamento da dívida referida em 1. foi determinada a penhora do imóvel inscrito na matriz sob o n.º ...., fração .., da freguesia da Perafita, com um valor patrimonial tributário de €125.406,27, foi efectuado o penhor de 2.500.000 acções da sociedade B………. – SGPS, SA, no valor de €1.904.096,80, efectuada na esfera do responsável subsidiário e gerente da sociedade C……………. e efectuada a penhora de Rendas, no valor de €1.163.722,68, ao abrigo dos art.ºs 228.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 779.º do Código de Processo Civil (CPC).

3. Pela Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças do Porto, foi proferido despacho em 30.08.2016, determinando o deferimento de pedido formulado pelo executado C…………….., no âmbito do processo de execução fiscal 3182201001109375 (e Aps.), condicionado à constituição de penhor. Em resposta a requerimento da reclamante e ora recorrente, esta foi informada, em 23.12.2019 que:

4. [Os processos executivos não estão suspensos para o devedor principal.
Os processos executivos apenas estão suspensos para o revertido “C………….”, que apresentou a oposição judicial 1413/16.1BEPRT, acompanhada de garantia na forma de penhor.
A emissão do pedido de penhora para a devedora originária não se tratou de qualquer erro informático, tanto mais que os processos executivos apenas estão suspensos para o revertido e não para a sociedade “A…………………. Lda].
Salvo melhor opinião, importa notar, que se a dívida exequenda se encontra totalmente garantida, independentemente de quem prestou tais garantias, o respectivo processo de execução fiscal terá de considerar-se suspenso nos termos do artigo 169.º do CPPT.
No que concerne especificamente ao n.º 6 do artigo 169.º do CPPT, a disponibilização da informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar apenas sucede quando inexiste outra garantia legalmente constituída no âmbito do mesmo processo de execução fiscal, o que não se verifica no caso presente.
É que, independentemente de, pela mesma dívida estarem a responder dois sujeitos distintos, certo é que a dívida em apreço é apenas uma, sendo igualmente apenas um o processo de execução fiscal; ora, se a dívida exequenda se encontra totalmente garantida, independentemente de quem prestou tais garantias, o respectivo processo de execução fiscal terá de considerar-se suspenso nos termos do artigo 169.º do CPPT.
Considera a Recorrente, que os processos de execução fiscal a que reporta a penhora reclamada têm de estar suspensos, em virtude da penhora do imóvel inscrito na matriz sob o n.º ……., fração …, da freguesia da Parafita, com um valor patrimonial tributário de €125.406,27, efectuada na esfera da Reclamante, e do penhor de 2.500.000 acções da sociedade B……….. – SGPS, SA, no valor de €1.904.096,80, efectuada na esfera do responsável subsidiário; em conjunto, perfazem €2.029.502,07, sendo manifesto que a dívida se encontra totalmente garantida e que a penhora das rendas, ora promovida, é manifestamente desproporcional.
Se bem analisamos a situação do art.º 23.º da LGT resulta que o revertido, devedor subsidiário, só responde pela dívida exequenda para além do que o património do devedor principal não puder acautelar, por isso se trata de uma responsabilidade subsidiária (benefício de excussão).
Como consta do Parecer do Ministério Público emitido em 10/11/2020 (fls 343 do SITAF) “a jurisprudência, nos casos de pluralidade de executados, sustenta que a suspensão da execução resultante da prestação de garantia, ainda que só por algum dos executados, aproveita a todos quando sejam solidariamente responsáveis pela dívida exequenda, como é o caso dos devedores subsidiários entre si (cf. acórdãos do STA, de 14/06/1995-Rec. 018631 e de 08/05/2013-Rec. 0593/13 e do TCAN, de 11/05/2006-Rec. 00569/05, disponíveis em www.dgsi.pt).
Esta posição da jurisprudência tem como fundamento substancial o facto de na obrigação solidária cada um dos devedores responder pela prestação integral e esta a todos liberar (artigo 512.º/1 do CC).”
Ora, atenta a situação concreta também não faz sentido que o processo de execução fiscal esteja suspenso para o devedor subsidiário e não esteja suspenso para o devedor principal.
Não sendo parte nos presentes autos de RAOEF, o revertido tem interesse objetivo na penhora das rendas, pois fica diminuída ou, eventualmente, excluída a sua responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda.
Decorre da interpretação dos n.ºs 1, 6 e 7 do art.º 169.º do CPPT que a execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art.º 195.º ou prestada nos termos do art.º 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, porém se a garantia prestada, ou os bens penhorados não garantirem a totalidade da dívida exequenda e o acrescido não se suspende a execução fiscal.
Consta do Acórdão recorrido que a A. Recorrente apresentou Impugnações contra as retenções de IRC do ano de 2006, 2007 e 2008 e IMT de 2004 que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal sob os números 368/11.3 BEPRT; 452/11.3 BEPRT; 491/11.4 BEPRT e 3555/10.8 BEPRT e considerando esses factos, se bem interpretamos, defende a ATA que a penhora do imóvel não é suficiente para garantir a quantia exequenda e o acrescido, pelo que a execução fiscal, não se encontra suspensa na esfera da Recorrente, executada originária.
Defende a Administração Fiscal que por isso está habilitada a prosseguir a execução fiscal, com vista à arrecadação da receita de impostos não entregues ao Estado.
Afigura-se-nos, porém, que as “Impugnações contra as retenções de IRC do ano de 2006, 2007 e 2008 e IMT de 2004 que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal sob os números 368/11.3 BEPRT; 452/11.3 BEPRT; 491/11.4 BEPRT e 3555/10.8 BEPRT” não relevam para o caso destes autos. Para tal apenas relevam as dívidas cuja cobrança coerciva está a ser levada a cabo nos processos de execução fiscal - PEFs n.º 3182201001109375 e apensos 3182201001109421, 3182201001109561 e 3182201001115871 - e relativamente a estas dívidas, a garantia prestada pelo devedor subsidiário, mostra-se suficiente.
Decorre do processo que a Recorrente, devedora originária, não tinha bens suficientes para solver as dívidas tributária o que habilitou a Administração Fiscal, a recorrer ao mecanismo do art.º 22.º e 23.º do LGT, ou seja, a reverter a dívida da executada originária contra o responsável subsidiário.
O n.º 2 do art.º 23.º da LGT faz depender a reversão da dívida, contra o responsável subsidiário, da fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal, sem prejuízo do benefício da excussão prévia.
Decorre dos autos que a reversão foi efetuada contra o gerente C……………., o qual veio opor-se à reversão através da oposição n.º 1413/16.1BEPRT e prestou garantia através do penhor de acções.
O responsável subsidiário responde pela dívida através do seu património, excutido o património do devedor principal e, para tal, pode proceder ao pagamento da dívida ou pode discuti-la opondo-se, o que foi o caso.
Claro que, para que a execução não prossiga, o revertido terá de prestar garantia, nos termos dos art.º 52.º da LGT e art.º 195.º do CPPT, caso contrário, a execução pode prosseguir se necessário for, sobre os seus bens.
Como se considerou no Acórdão proferido em no processo n.º 01125/19.4BESNT, em 16/09/2020, “I - Cumpre à AT, perante o caso concreto, averiguar da idoneidade da garantia oferecida em ordem à suspensão da execução fiscal, idoneidade que deve aferir-se pela susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, caso seja necessário executar a garantia (arts. 169.º, 199.º e 217.º, do CPPT, e art. 52.º, da LGT). II - A avaliação das acções de uma sociedade a dar em penhor em ordem à prestação de garantia na execução fiscal depende da aplicação do critério legal de avaliação prescrito pelo art. 199.º-A do CPPT.
…”.
Sendo assim, considerando-se suficientes as garantias prestadas - pelo devedor principal e pelo subsidiário – para garantir o pagamento da dívida exequenda, entendemos que deve o processo de execução fiscal ser suspenso, relativamente a ambos os devedores, concedendo-se provimento ao recurso.”

I.6. O objeto do recurso, sendo referido ao acórdão proferido pelo TCA Norte, recorrida, resulta delimitado pelo acórdão que admitiu a revista quanto à questão de saber “se numa situação como a da Recorrente, em que perante um processo de execução fiscal coexistem devedor principal e devedor subsidiário, para efeitos da suspensão desse processo de execução fiscal, deve o órgão de execução fiscal agir de modo a duplicar as garantias constituídas à ordem daquele processo, considerando-se que a suspensão do mesmo se afere autonomamente por referência a cada um dos devedores em apreço e, nessa medida, legitima-se a duplicidade de garantias ordenadas à ordem do mesmo processo mas constituídas por sujeitos distintos, como entendeu o Tribunal, ou, como entende a Recorrente, deve entender-se que perante a existência de garantia idónea que – objetivamente – assegure (se necessário) o pagamento da totalidade da dívida, independentemente de quem a prestou, aquela deve ser considerada válida perante todos os responsáveis?”

Quanto a tal questão imputa a recorrente erro julgamento, de direito, por violação do disposto nos artigos 4.º, 18.º, 22.º, 23.º, 52.º e 55.º da L.G.T., em conjugação com os artigos 46.º, 153.º, 169.º e 199.º do C.P.P.T., e ainda com os artigos 18.º, n.º 2, 103.º, 104.º e 266.º da C.R.P. e o princípio da proporcionalidade.

I.7. Nada obsta a que se conheça do recurso em conferência.

II. Fundamentação

II.1. De facto.

O Acórdão recorrido reproduziu ipsis verbis a matéria de facto dada como provada e como não provada na 1ª instância e que é a seguinte:

1) Foi instaurado no Serviço de Finanças do Porto 2, o Processo de execução fiscal n.º 3182201001109375 e apensos 3182201001109421, 3182201001109561 e 3182201001115871 contra a sociedade A…………. LDA, NIPC nº …………, para cobrança coerciva de retenções de IRC do ano de 2006, 2007 e 2008 e IMT de 2004 no montante global de € 923.657,30 - cfr as certidões de dívida de fls 1 a 7 dos autos;
2) Por não ter sido efetuado o pagamento da dívida referida em 1) foi penhorado o imóvel inscrito na matriz sob o n.º ………., fração …, da freguesia da Perafita, com um valor patrimonial tributário de €125.406,27 – cfr Documento nº 1 apresentado com a p.i ;
3) Foram apresentadas Impugnações contra as retenções de IRC do ano de 2006, 2007 e 2008 e IMT de 2004 pelo aqui Reclamante que correm termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal sob os números 368/11.3 BEPRT; 452/11.3 BEPRT; 491/11.4 BEPRT e 3555/10.8 BEPRT (este último com recurso pendente no Tribunal Central Administrativo Norte) – por consulta do SITAF;
4) Foi efetuado o penhor de 2.500.000 ações da sociedade B………….. – SGPS, SA, no valor de €1.904.096,80, efetuada na esfera do responsável subsidiário e gerente da sociedade C…………. - cfr despacho de 30-08-2016 da Diretora Adjunta de Finanças do Porto; cfr. Documento nº 2 e 3 junto com a petição inicial;

5) Dá-se por reproduzida a notificação efetuada ao Reclamante relativa à penhora de rendas que aqui se transcreve e se encontra a fls 9 dos autos:
“(…)
Notificação após penhora
Nº. de Processo Executivo: 3182201001109375 e Aps.
Fica por este meio notificado(a) da penhora de Rendas infra identificada, efetuada ao abrigo dos artigos 228.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 779.º do Código de Processo Civil (CPC), para pagamento da quantia exequenda e acrescido, exigidos no âmbito do processo de execução fiscal supra indicado que corre termos neste serviço.
Da penhora, ora notificada, poderá, querendo, apresentar reclamação para o Tribunal Administrativo e Fiscal (artigo 276.º do CPPT), no prazo de 10 dias (artigo 277.º do CPPT), contados da presente notificação. A notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (artigo 39.º n.º 1 do CPPT).
Se efetuada para o domicílio fiscal eletrónico, a presente notificação considera-se efetuada no décimo quinto (15.º) dia posterior ao primeiro dia útil seguinte ao registo da sua disponibilização no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica (artigos 38.º e 39.º n.º 10 do CPPT).
Poderá consultar a sua situação processual no Portal da Finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt), na opção Tributários» Serviços » Execuções Fiscais » Consultar Dívidas Fiscais, e proceder à regularização da sua situação tributária através dos meios habituais de pagamento, mediante guia(s) a obter no Portal das Finanças na opção referida, ou em qualquer Serviço de Finanças.
Mais poderá, querendo, obter esclarecimentos adicionais junto de qualquer Serviço de Finanças, através do E-balcão, disponível no Portal das Finanças ou do número de telefone 217 206 707 (Centro de Atendimento Telefónico - CAT).
Identificação da Penhora
Tipo de Penhora: Rendas
Identificação do Bem:
Data da Penhora: 2020-01-17
N.º Pedido de Penhora: 318220200000000440
Valor Atribuído: €1.163.722,68
(…)”
- Documento nº 4 junto com a p.i;
6) Dá-se por reproduzida para todos os efeitos legais, transcrevendo-se em parte o teor da Informação prestada pelo OEF em 14-04-2020:
“(…)
3. Atendendo ao alegado, cumpre-me informar o seguinte:
- Foi proferido despacho pela Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto, em 30.08.2016, determinando o deferimento do pedido formulado pelo executado C…………, no âmbito do processo de execução fiscal 3182201001109375 (e Aps.), condicionado à constituição de penhor (cf. documentos do objeto – doc. 3).
- Em resposta a requerimento da reclamante, esta foi informada, em 23.12.2019 (cf. documentos do objeto – doc. 4), de que:
*Os processos executivos não estão suspensos para o devedor principal.
*Os processos executivos apenas estão suspensos para o revertido “C…………..”, que apresentou a oposição judicial 1413/16.1BEPRT, acompanhada de garantia na forma de penhor.
*A emissão do pedido de penhora para a devedora originária não se tratou de qualquer erro informático, tanto mais que os processos executivos apenas estão suspensos para o revertido e não para a sociedade “A…………… Lda”.
- Remetida a petição inicial ao Núcleo de Representação da Fazenda Pública da Direção de Serviços da Justiça Tributária, para análise prévia (atendendo à designação daquele núcleo para intervir em representação da Fazenda Pública em processos de valor superior a 1 milhão de euros – Despacho 6615/2013 do Diretor Geral da AT), vem aquela unidade orgânica informar que “analisadas as questões suscitadas pela Reclamante, entende a Fazenda Pública não assistir razão à mesma, pelo que os autos deverão ser remetidos ao Tribunal, a fim de prosseguirem os termos processuais subsequentes.” – cf. documentos do objeto – doc. 5.
Em conclusão:
- Pelos motivos enunciados, será se manter o ato reclamado.

- Uma vez que tem aplicação o disposto no nº 3 do artº 278º do CPPT, a subida da reclamação deverá ser imediata.
(…)”
7) A informação que antecede foi objeto do seguinte despacho:
“(…)
Concordo, pelo que mantenho o ato reclamado. Remeta-se ao TAF Porto.
Por subdelegação de competências do Chefe do S. F. Porto 2
(…)”
- cfr fls 22 dos autos;

Factos não provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa... (…)”.

II.2. De direito.

No caso, sobressai da matéria de facto dada como assente ter sido efetuada penhora de rendas pelo órgão de execução fiscal (O.E.F.) à sociedade executada após o responsável subsidiário, contra o qual reverteu a execução fiscal, ter obtido a suspensão dos respectivos processos de execução fiscal, mediante a constituição de garantia na forma de penhor de ações, avaliadas em de €1.904.096,80.

O decidido no acórdão recorrido proferido no T.C.A. no sentido de tal suspensão não ser aplicável quanto àquela sociedade, vem sustendo no seguinte: “em sede de oposição à execução fiscal, a garantia prestada pelo responsável subsidiário, somente responde pelo montante em dívida da sua responsabilidade, não podendo ser somada à prestada pelo executada originária com vista a suspensão da execução fiscal, pois tem finalidade(s) diferentes”.

E, é discordando de tal, que se recorre, invocando a violação de vários preceitos da L.G.T. e do C.P.P.T., e ainda do princípio da proporcionalidade.

Vejamos.

A suspensão do processo de execução fiscal mediante a prestação de garantia está prevista no art. 52.º da L.G.T., bem como no art. 169.º do C.P.P.T. e ainda noutras disposições deste diploma – quanto às formas que a garantia pode assumir regem ainda os art. 195.º, no que respeita à constituição de hipoteca legal ou penhor, e o art. 199.º do C.P.P.T., no que respeita a várias formas de garantia, sendo que esta pode ainda ter lugar mediante penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, nos termos do n.ºs 1 do dito art. 169.º .

O enfoque dado pelo legislador no art. 52.º da L.G.T. à “garantia da cobrança da prestação tributária” faz desde logo supor que a intenção do legislador é assegurar a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas, nos termos previstos no art. 103.º n.º1 da C.R.P..

Estando a suspensão, decorrente de garantia, associada à pendência de pagamento em prestações e ainda os vários meios nas normas inicialmente referidas previstos, entre os quais a “impugnação judicial” e a “oposição” – n.º1 do dito art. 52.º, e n.ºs 1 e 7 do dito art. 169.º -, resulta ainda relevante quanto a estes meios a tutela judicial efectiva que tem assento nos arts. 20.º, n.º1 e 268.º n.º4 da C.R.P..

Aliás, estando prevista a suspensão “até à decisão do pleito(…)”, conforme consta da parte inicial do n.º1 do art. 169.º do C.P.P.T., tal tem levado a considerar encontrar-se a suspensão quanto aos ditos meios em “conexão direta” com os mesmos – assim, nos acórdãos do S.T.A. de 6-2-2013, proc. 066/13 e de 21-11-2019, proc. 0892/12.0BECBR.

No quadro anteriormente referido, de que resultam diferentes interesses a atender, tem também sido considerado que, ao se ter feito depender a suspensão de “garantia idónea”, tal como consta logo do art. 52.º da L.G.T., importa relacionar a aplicação da suspensão decorrente de garantia não só “com a capacidade do meio oferecido para satisfação da dívida exequenda em caso de incumprimento posterior do executado”, bem como ainda com a mesma ser “incondicional” – cfr., acórdãos do S.T.A. de 7-7-2014, proc. 0543/14, e de 13-9-2017, proc. 0918/17, acessíveis em dgsi.pt-, o que consideramos corrreto.

Ora, no que respeita à “responsabilidade de membros de corpos sociais” sejam administradores, directores e gerentes ou ainda outros, sobre que regem ainda os artigos 22.º n.º4 e 24.º n.º 1 da L.G.T., a responsabilidade dos mesmos encontra-se numa relação de subsidiariedade relativamente à respectiva sociedade que, no caso, é primitiva executada.

E o previsto no art. 23.º da L.G.T., nomeadamente, nos seus n.º2 e 3, quanto à “fundada inexistência ou insuficiência de bens, sem prejuízo do benefício da excussão”, é de entender de que a reversão por que opera aquela responsabilidade, nos termos do seu n.º1, pode operar antes de decidida a excussão, ou seja, antes mesmo da penhora e venda de todos os bens do devedor principal e responsáveis solidários, podendo subsistir dúvida quanto ao montante por aquele a pagar - neste sentido, Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Sousa, em Lei Geral Tributária, anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, Encontro de Escrita, pág. 223.

Tal o que resulta, face à penhora de rendas ora posta em causa, mas não mais que isso.

Com efeito, certo é impor-se a execução do património do devedor principal antes da execução poder prosseguir contra o responsável subsidiário.

Sobre tal não há divergências nem jurisprudência, nem na doutrina, mesmo na mais recente – cfr., entre outros, acórdãos do S.T.A. de 22-6-2011, proc. 0167/11, de 14-7-2018, proc. 0606/18, de 20-4-2020, proc. 0362/14.2BEVIS e de 16-12-2020, proc. 0415/14.7BEVIS, em www.dgsi.pt; e para além da obra já citada de Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Sousa, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed. Almedina, 2018, pág. 404 e Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, 4.ª ed. Almedina, 2019, pág. 94.

É certo que o S.T.A. já decidiu que, quanto a responsáveis subsidiários a garantia “pode ser prestada por um só deles ou por todos ou alguns parcelar e separadamente ou em conjunto” - assim, acórdão de 14-6-95, proc. 018631, publicado no AP-DR de 14-8-97, pág. 1694 -, bem como ainda que “devem os efeitos suspensivos da garantia prestada sobre a execução, estender-se a outro executado oponente” – acórdão de 8-3-2013, proferido no proc. 0593/13, acessível em www.dgsi.pt.

No entanto, a recorrente não se encontra relativamente ao responsável subsidiário numa relação de solidariedade, sobre a qual regula ainda o art. 512.º do Código Civil, conforme no último citado acórdão se pode ler.

A admitir-se aplicável a suspensão decorrente de garantia prestada por aquele à originária executada, colocar-se-ia a garantia quanto ao fim em vista de assegurar o pagamento da quantia exequenda e acrescido, dependente de condição que não é aceitável, face ao considerado anteriormente, e tanto mais que a dita garantia do responsável subsidiário apenas é aplicável no que respeita à oposição, nos termos previstos no n.º10 do art. 169.º do C.P.P.T..

Tal solução não seria ainda congruente com a consequência prevista no art. 169.º n.º12 do C.P.P.T., do contribuinte que obtenha a suspensão ter também a situação regularizada.

Estando questionado se o entendimento tido não viola o princípio da proporcionalidade, é de observar, antes de mais, em que se manifesta tal princípio.

Como se escreveu, entre outros, nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 187/2001, de 2 de maio, n.º 632/2008, de 23 de dezembro e n.º 360/2016, de 8 de Junho, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt: "o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)."

Conforme acima se deixou dito, a garantia constituída pelo responsável subsidiário visa garantir uma obrigação que depende de não ser obtido pagamento pelo património do devedor principal.

Por outro lado, está associada ao meio de oposição, pelo que não cobre totalmente os fins a que se destina a penhora ora em causa que se destina a assegurar o pagamento dos impostos objeto de impugnações.

Nesse contexto, não é considerar como excessiva a penhora posta em causa, que foi efetuada com vista a garantir ainda a quantia exequenda e acrescido.

O invocado pela recorrente não obtém, pois, provimento quanto à violação dos preceitos invocados e do princípio da proporcionalidade.

III. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente – artt. 527.º, n.º1, do C.P.C..

Lisboa, 17 de fevereiro de 2021. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.