Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01319/12
Data do Acordão:03/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IMPOSTO DE SELO
USUCAPIÃO
PRÉDIO RÚSTICO
CONSTRUÇÃO
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
Sumário:I – Para efeitos do IS, a usucapião é uma transmissão gratuita que apenas nasce com o trânsito em julgado da acção de justificação judicial, com a celebração da escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação.
II – É o acto de usucapião de imóvel usucapido que constitui o objecto da incidência em IS e não também a aquisição de benfeitorias realizadas pelo usucapiente no mesmo imóvel.
III – Assim, tendo sido adquirido por usucapião apenas um prédio rústico, que passou a urbano por nele ter sido construída uma casa pelo usucapiente, só o valor daquele deve ser considerado para efeito de IS.
Nº Convencional:JSTA000P15453
Nº do Documento:SA22013031301319
Data de Entrada:11/29/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - RELATÓRIO

1. A…………….., com os sinais dos autos, impugnou a liquidação do imposto de selo, resultante da escritura de justificação notarial relativa à aquisição de prédio urbano, sito no lugar de …………, freguesia de Miranda, concelho de Arcos de Valdevez, inscrito na matriz sob o artigo P 569, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou a impugnação procedente.

2. Não se conformando com tal decisão, a FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso para a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando as suas Alegações, com as seguintes Conclusões:
“A) O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida que declarou ilegal o ato tributário impugnado, porquanto a liquidação incidiu sobre o valor do prédio urbano que foi construído no terreno adquirido por usucapião, anulando-se, nessa sequência, a liquidação impugnada e ordenando-se a sua substituição por outra que considere apenas o valor patrimonial do terreno à data da escritura de justificação, procedendo, nesta conformidade, a presente Impugnação.
B) Sentença que, a nosso ver e, salvo o devido respeito, padece de erro de julgamento em matéria de direito.
C) A questão a decidir nos presentes autos prende-se, essencialmente, com o enquadramento fiscal em sede de Imposto do Selo (IS), do ato de aquisição por usucapião realizado através de escritura pública de justificação, em 2009-11-12, cuja cópia se encontra junta ao PA (de fls. 8 a 13), para o qual é fundamental a determinação do objeto da escritura de justificação
D) Da factualidade considerada relevante para a decisão da questão sub judice, dada como provada pelo tribunal a quo, resulta também evidenciado o facto de que a escritura de justificação teve por objecto artigo 569, da freguesia de Miranda, concelho de Arcos de Valdevez, visando assegurar o registo do direito de propriedade sobre esse prédio urbano, e não sobre o prédio rústico que, entretanto, já havia sido beneficiado com as respectivas construções, conforme consta da escritura de justificação junta aos autos e da declaração modelo 1 de IMI, prevista na al. i) do n.° 1 do artigo 13.° do CIMI apresentada no ano de 2009. Daí que, contrariamente ao alegado pela impugnante, a escritura de justificação se tenha destinado a comprovar a aquisição por usucapião desse prédio e a possibilitar o respectivo registo.
E) A relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário (cfr. art. 36.° n° 1 da LGT), sendo que nas aquisições por usucapião, para efeitos de imposto do Selo, a obrigação tributária considera-se constituída na data em que transitar em julgado a ação de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial, nos termos da al. r) do artigo 5.° do respetivo Código.
F) Embora as aquisições por usucapião não sejam juridicamente transmissões, sendo consideradas aquisições originárias, em que o direito adquirido não depende da existência ou extensão de um direito anterior (cfr. Mota Pínto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, pág. 360), a realidade é que o legislador do Código do Imposto do Selo, com as alterações introduzidas pelo artigo 7.° do Decreto-Lei n° 287/2003, de 12 de Novembro, enquadrou no âmbito de incidência do imposto, a título de transmissões gratuitas, as aquisições por usucapião do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis (cf. art. 1°, n° 3, al. a) do Código do IS e verba 1.2 da Tabela Geral do IS).
G) O imposto é devido pelo respectivo beneficiário e constitui encargo do usucapiente (cfr. art. 2.° n°2 b) e 3.º, n°3 a), do Código do IS).
H) O valor tributável das transmissões gratuitas de imóveis, por ausência de regra especial, é determinado nos termos gerais do artigo 13,°, n° 1, do Código do IS, ou seja, o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI á data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial, ao qual é aplicada a taxa de 10 % (cfr verba 1.2 da Tabela Geral anexa ao Código do IS).
I) Na situação em apreço, o valor patrimonial tributário (VPT) atribuído ao prédio urbano nos termos do CIMI, de € 54.340,00, não foi contestado, nem à liquidação impugnada (a qual foi efetuada com base nesse valor tributável) foram imputados quaisquer vícios.
J) Ao valor assim determinado — valor patrimonial tributário do prédio adquirido por usucapião na decorrência da escritura de justificação — não pode ser deduzido o valor da construção, entendida essa construção como benfeitoria útil (cfr. art. 216.° no 3 do CC).
K) Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o valor das benfeitorias úteis não deverá ser deduzido ao valor tributável para efeitos da tributação da aquisição por usucapião, visto que, na aquisição por usucapião, o valor das benfeitorias úteis inclui-se no valor patrimonial tributário.
L) Concluímos, assim, que por incorreta interpretação das normas contidas nos artigos 1.°, n°3, al. a), 5°, al. r), 13°, n°1, todos do Código do Imposto do Selo, bem como na verba 1.2. da Tabela Geral do Imposto do Selo, terá sido feito um errado julgamento.
Termos em que, concedido provimento ao recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada e a impugnação julgada improcedente.

3. Não foram apresentadas Contra-alegações.

4. O Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu douto Parecer, onde conclui que:
“(…) como é jurisprudência reiterada e uniforme deste STA (Acórdãos do STA, de 22/02/2010-P. 0334/10; de 03/03/2010-P. 01190/09; de 25/05/2010-P. 053/10; de 09/06/2010-P. 0242/10; de 08/02/2012-P. 01120/11; de 29/02/2012-P. 0818/11; de 23/02/2012-P. 0182/11, 07/03/2012-P. 0833/11 e de 2012.10.17-P. 0619/12, todos eles disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
- Só o acto de aquisição por usucapião do imóvel usucapido é objecto de incidência de tributação em IS e não também o acto de aquisição de benfeitorias realizadas no imóvel pelo usucapiente;
-Não correspondendo à realidade o documentado numa escritura de justificação notarial de usucapião, a liquidação efectuada pela AT com base nos termos constantes nessa escritura está ferida de ilegalidade decorrente de posterior constatação de erro nos pressupostos de facto;
-Tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi edificado o prédio urbano, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo.
Portanto, pelos fundamentos invocados, é de manter a sentença recorrida.(…)”.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença, sob recurso, deu como provada a seguinte matéria:
“1. A 12.11.2009, A…………….. e B………………… celebraram, na qualidade de justificantes e primeiros outorgantes, escritura de justificação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, constando da mesma, para além do mais o seguinte:
“Declararam os primeiros outorgantes:
Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do seguinte imóvel:
Prédio urbano formado por uma casa de dois pavimentos, para habitação, com Rossios, com a área coberta de duzentos e setenta e sete vírgula vinte metros quadrados e descoberta de setecentos e vinte e dois virgula cinquenta metros quadrados, sendo a área total de novecentos e noventa e nove vírgula setenta metros quadrados, sito no lugar de …………., da aludida freguesia de Miranda, (...), omisso no registo e inscrito na matriz urbana sob o artigo provisório P 569, em nome do justificante, (...).
Que o referido artigo provisório P 569, corresponde ao artigo 203 da matriz urbana da freguesia de Padreiro (Santa Cristina), desde concelho, freguesia no qual foi inscrito por lapso havido na avaliação fiscal, também inscrito em nome do justificante, o qual provinha, por sua vez, do artigo 471 da matriz urbana da referida freguesia de Miranda, correspondente a um prédio para construção urbana, que, por sua vez, tinha tido origem no prédio rústico adiante referido.
(…)
Que entraram na posse de um prédio rústico, de cultivo, com a área de novecentos e noventa e nove vírgula setenta metros quadrados do qual desconhecem o número do artigo da anterior, matriz rústica, cerca do ano de mil novecentos e oitenta e oito, já no estado de casados, por doação, que não chegou a ser formalizada, feita por C………………, avó materna do justificante, (...), tendo, eles, justificantes, procedido à construção de uma casa com logradouro, sobre a totalidade desse prédio rústico, cerca do ano de mil novecentos e noventa, que é a atrás identificada, (...), e, assim, há mais de vinte anos que possuem, sem interrupção, nem ocultação de quem quer que seja, na convicção de serem os seus únicos e actuais possuidores, exercendo essa posse de boa-fé, ininterrupta e ostensivamente, com conhecimento da generalidade das pessoas e sem oposição nem violência de quem quer que seja, inicialmente como rústico, que amanhavam, posteriormente como urbano, que habitam, sem pagamento de renda, procedendo a obras de conservação e limpeza que custeiam, amanhando os rossios, pagando as contribuições que sobre o mesmo incidem, tudo com ânimo de quem é dono, agindo, assim, quer quanto à fruição quer quanto aos encargos, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, ao praticar os diversos actos de uso, fruição, posse e defesa de propriedade, na convicção de que não lesam nem lesaram nunca quaisquer direito de outrem.
Que, assim, tem a sua posse sobre o referido prédio vindo a ser contínua, pública e pacífica, factos que integram a figura jurídica de usucapião, que invocam para efeitos de registo, em primeira inscrição, e para obtenção do respectivo Alvará de Autorização de Utilização.
Que, nestes termos, adquiriram o citado prédio por usucapião, não lhes sendo possível, dado o modo de aquisição, fazer prova do seu direito de propriedade perfeita.
(..).”- cfr fls. 40 e seguintes dos autos;
2. Em 09.04.2010, a administração fiscal emitiu a liquidação de imposto de Selo, n.° 1009736, relativa a aquisição por usucapião, no montante de €2.717,00 — cfr fls. 9 dos autos;
3. A 6.05.2010, a impugnante reclamou graciosamente da liquidação referida em 2. - cfr. Fls. 10 e seguintes dos autos e processo de reclamação graciosa n.° 2267201004000293 apenso;
4. O Impugnante foi notificado para o exercício do direito de audição, cfr. fls. 38 e seguintes do Processo Administrativo apenso;
5. A 4.10.20110, o impugnante exerceu o direito de audição, cfr. fls. 41 e seguintes do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
6. A reclamação foi indeferida por decisão de 21.10.2010, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, cfr. fls. 46 e seguintes do Processo Administrativo apenso, ressaltando de relevante o seguinte:
“(…)
Conclusão
1. — Dos factos aqui relatados, e face a todos os elementos reunidos, verifica-se que o artigo 471 urbano — terreno para construção — da freguesia da Miranda, foi indicado pelo cônjuge da reclamante no mod. 129 apresentado em 12-02-1996, como sendo o originário da casa neste participada e à qual foi atribuído o artigo n.° 203 da freguesia de Padreiro Santa Cristina, que foi inscrito na matriz em 1996 e como já foi referido, todas as contribuições respeitantes ao mesmo, mostram-se pagas em nome do s.p. marido.
2 — No mod. 1 de IMI n.° 2299822, foi participado um prédio novo para habitação, na freguesia de Miranda, ao qual foi atribuído o art° 569, contendo a referida participação a indicação de que este prédio provinha do art.° 471 urbano da freguesia de Miranda.
3. — Porém, o artigo 471 havia já sido eliminado, por ter dado origem ao artigo inscrito em 1996 na freguesia de Padreiro Santa Cristina com o n.° 203.
4. — Verifica-se pela escritura de justificação de 12 de Novembro de 2009, que o que serviu de base à referida escritura foi a declaração mod 1 de IMI n.° 2299822, a qual deu origem ao artigo 569 urbano, pelo que esta declaração tem relevância fiscal para efeitos de liquidação de Imposto de Selo.
(…)”
7. A 23.11.2010, a impugnante recorreu hierarquicamente, cfr. fls. 53 e seguintes do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, para os legais efeitos;
8. A 15.07.2011, foi o recurso hierárquico indeferido, cfr. fls. 62 e seguintes do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os devidos efeitos, ressaltando o seguinte:
“(…)
4 — Ainda que as aquisições por usucapião não sejam juridicamente transmissões, o legislador do Código do Imposto do Selo, (...), integrou na incidência deste imposto a título de transmissões gratuitas as aquisições por usucapião do direito de propriedade ou qualquer outro direito real de gozo sobre bens imóveis.
(…)
9 — Sendo o valor tributável na aquisição por usucapião o valor tributável do prédio adquirido, sem qualquer dedução, não pode ser deduzido ao valor tributável do Imposto do Selo, o eventual direito de crédito do usucapiente sobre o proprietário relativo às benfeitorias úteis realizadas ao abrigo das regras do enriquecimento sem causa. Tal direito de crédito, na verdade, extingue -se como o justificativo da aquisição por usucapião, em virtude da reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e devedor.
10— E é este o entendimento da Administração Fiscal, conforme disposto na Circular 19/2009 da DSIMT”.


2. DE FACTO E DE DIREITO

2.1. A questão a apreciar e decidir

Na sequência de uma escritura notarial de justificação foi efectuada a liquidação de IS ao ora recorrente.
Considerando o sujeito passivo que a liquidação não pode ter por base o valor do prédio urbano, uma vez que o acto de “aquisição por usucapião” incidiu sobre o terreno rústico justificado e não sobre as benfeitorias realizadas nesse imóvel que deram origem ao prédio urbano, insurgiu-se contra tal liquidação, pedindo ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a anulação desse acto.
Por sentença proferida, em 12 de Setembro de 2012, veio aquele Tribunal julgar procedente a impugnação e anular a liquidação, considerando que o valor a considerar para efeitos de tributação em sede de IS não é o do imóvel urbano existente à data da escritura de justificação, mas antes o do terreno, efectivamente, usucapido e no qual foi implantado o citado prédio urbano.
A Fazenda Pública discorda deste entendimento, argumentando, em síntese, que: “(…) a escritura de justificação teve por objecto artigo 569, da freguesia de Miranda, concelho de Arcos de Valdevez, visando assegurar o registo do direito de propriedade sobre esse prédio urbano, e não sobre o prédio rústico que, entretanto, já havia sido beneficiado com as respectivas construções, conforme consta da escritura de justificação junta aos autos e da declaração modelo 1 de IMI, prevista na al. i) do n.° 1 do artigo 13.° do CIMI apresentada no ano de 2009. Daí que, contrariamente ao alegado pela impugnante, a escritura de justificação se tenha destinado a comprovar a aquisição por usucapião desse prédio e a possibilitar o respectivo registo.”
Em face do exposto, o que se discute no presente recurso é o problema de saber qual o valor sobre que deve incidir o IS: se o valor a considerar é o do prédio urbano existente à data da escritura de justificação ou antes o do terreno onde esse prédio foi implantado.
Assim recortada, verifica-se que a questão tem sido uniforme e reiteradamente apreciada por esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Cfr. os seguintes Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
de 21 de Outubro de 2009, proferido no processo com o n.º 652/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010; de 13 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 1124/09, de 27 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 922/09, de 18 de Fevereiro de 2010, proferido no processo com o n.º 805/09, de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo com o n.º 806/09; de 3 de Março de 2010, proferido no processo com o n.º 1190/09, de 28 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 126/10; de 12 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 53/10; de 9 de Junho de 2010, proferido no processo com o n.º 242/10; de 22 de Setembro de 2010, proferido no processo com o n.º 334/10; de 8 de Fevereiro de 2012, proferido no processo com o n.º 1120/11; de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo com o n.º 1082/11; e de 29 de Fevereiro de 2012, proferido no processo com o n.º 818/11; de 7 de Março de 2012 n.º 833/11.).

Por isso, e porque não vislumbramos motivo para divergir da jurisprudência consolidada, vamos limitar-nos a seguir a fundamentação expendida no Acórdão proferido em 17/10/2012, no processo com o n.º 619/12, em que interviemos como adjunta, permitindo-nos apenas as alterações requeridas pelo caso sub judice.
“Revogado que foi, a partir de 1 de Janeiro de 2004 (cfr. arts. 31.º e 32.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro), o Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, as transmissões gratuitas de móveis e imóveis passaram a ser reguladas pelo CIS, cujo art. 1.º, que tem como epígrafe «Incidência objectiva», na versão aplicável, dispõe, no que aqui interessa, o seguinte:

«1 - O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
2 - (…)
3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto:
a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião; [Redacção introduzida pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho] (…)».

Por sua vez, o art. 2.º, sob a epígrafe «Incidência subjectiva», dispõe:
«1 - (…)
2 - Nas transmissões gratuitas, são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras:
a) (…)
b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários. [Redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro)».

E o art. 3.º, «Encargo do imposto», dispõe:

«1 - O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1º. [Redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro).
2 - (…)
3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:
a) Nas transmissões por morte, a herança e os legatários e, nas restantes transmissões gratuitas, bem como no caso de aquisições onerosas, os adquirentes dos bens;
(…)».
“Já a alínea r) do art. 5.º («Nascimento da obrigação tributária»), na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, dispõe que a obrigação tributária se considera constituída, «Nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial».
“Finalmente, o n.º 1 do art. 13.º dispõe que o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
“E de acordo com a verba 1.2. da Tabela Geral o imposto do selo recai em 10% sobre o valor dos respectivos contratos de «aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião (…)».
“De acordo com a jurisprudência referida, entende-se que o acto de «aquisição por usucapião» do imóvel objecto dessa aquisição é incidente de tributação em imposto de selo, não o sendo já, porém, o acto de aquisição de benfeitorias entretanto realizadas no mesmo imóvel pelo sujeito beneficiário da usucapião.
“É certo que embora sendo uma forma de aquisição originária (cfr. arts. 1287º e segts. do Código Civil (CC)), a usucapião é, para efeitos fiscais, considerada como uma transmissão gratuita de bens imóveis, que ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou transmissão: a data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial – cfr. a citada alínea r) do art. 5.º do CIS).
“Todavia, também é certo que, como se disse, só o acto de aquisição do prédio objecto da aquisição por usucapião (e não o acto de aquisição das benfeitorias neste realizadas) é que está abrangido no âmbito da incidência objectiva do imposto de selo, pois que, vigorando nesta sede (de incidência do imposto), o princípio da tipicidade fiscal, a regra constante quer da norma corporizada na verba 1.2. da Tabela Geral, quer das normas da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3, ambos do art. 1.º do CIS e acima transcritas, é a de que tal imposto só incide sobre o acto de «aquisição por usucapião».
“E na verdade, como ficou dito no acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Janeiro de 2010, proferido no processo com o n.º 1124/09, «o acto tributário tem que ter por base uma situação de facto ou de direito, concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Tal base é, pois, o pressuposto de facto ou o facto gerador da imposição – cf. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 1972, p. 266.
No Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade (…).
O facto tributável, com ser um facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos, que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto, bastando a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação. No Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva. Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue se eles se verificarem – cf., sobre o princípio da tipicidade em Direito Fiscal, Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 263 e ss. Sobre o conceito de "implicação intensiva", cf. Castanheira Neves, Questão-de-facto - Questão-de-direito, p. 264, e ainda J. Baptista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1991, 5.ª reimpressão, p. 187.
A tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto».
“Assim, embora para efeito de tributação em IS seja irrelevante o momento da aquisição do direito de propriedade, pois que a obrigação tributária se constitui com a transmissão gratuita operada por via da escritura de justificação notarial (cfr. alínea r) do art. 5º do CIS), já não o é para efeitos do respectivo valor tributável, pois que só sobre o acto de aquisição por usucapião incide o imposto.
“E como só o prédio rústico foi objecto de tal forma de aquisição, só o valor deste deve ser considerado na aplicação da respectiva taxa.
“Não pode afirmar-se que o estado do imóvel a atender para a aferição do valor terá de ser o verificado na data da escritura de justificação, independentemente das causas das modificações verificadas, sendo que tal estado é uno e não pode cindir-se em rústico e urbano e que a quantificação da obrigação tributária se faz apenas a partir do valor do prédio objecto da escritura.(…)”.
Aplicando a jurisprudência acabada de expor ao caso em apreço, terá de concluir-se que, ao contrário da tese sustentada pela recorrente, o facto gerador do IS não foi a aquisição por usucapião de um prédio urbano, como resulta da escritura de justificação notarial, mas sim de um prédio rústico onde o recorrido construiu um prédio urbano.
Efectivamente, com resulta do ponto 1 do probatório, a casa com logradouro cuja posse foi justificada foi construída pelo impugnante/recorrido em terreno doado verbalmente por sua avó materna, cerca de 1988, o que significa que existe um erro na identificação do prédio na escritura e, consequentemente, no acto de liquidação impugnado.
E, de acordo com a jurisprudência pacífica e reiterada do STA, a casa com logradouro consubstancia uma benfeitoria útil (artigo 216.° do CC) feita pela recorrida no prédio rústico, esse sim adquirido por via do instituto da usucapião.
Por tudo o que vai exposto, como bem decidiu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a liquidação impugnada sofre de ilegalidade decorrente da violação das apontadas normas do CIS e tem que ser anulada na parte em que nela foi incluído o valor das benfeitorias realizadas pelos ora justificantes.
O recurso não merece, pois, provimento.

III- DECISÃO

Face ao exposto, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13 de Março de 2013. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.