Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01456/16
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:PERITOS
APOSENTADO
REFORMADOS
ACUMULAÇÃO
PENSÃO
REMUNERAÇÃO
Sumário:No desempenho da atividade e funções disciplinadas no quadro do DL n.º 125/2002, de 10 de maio, e do Código das Expropriações, os peritos avaliadores aposentados ou reformados constantes das listas oficiais não estão abrangidos pelos regimes de incompatibilidade e de cumulação de pensão e remuneração previstos, respetivamente, nos arts. 78.º e 79.º do Estatuto de Aposentação na redação que lhes foi introduzida pelo DL n.º 137/2010, de 28 de dezembro.
Nº Convencional:JSTA00070455
Nº do Documento:SA12017121301456
Data de Entrada:12/21/2016
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL APOSENTAÇÃO.
DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL PENSÕES.
Legislação Nacional:CPC13 ART605 N1 D ART608 N2 ART251 ART1082.
EA10 ART78 ART79 ART73 ART74.
CÓD EXPROP ART50 ART10 ART20 ART45 ART46 - ART49 ART58 ART61 ART62 ART89.
RCP ART16 ART25.
DL 137/2010 ART6.
DL 125/2002 ART1 ART2 ART9 ART10 ART11 ART12 ART20 ART5.
L 12-A/2008 ART26 ART27 ART28 ART29.
CIRS ART2 ART2-A ART11 ART3 ART151.
L 59/2008 ART375.
LTFP ART384.
CONST ART209.
Jurisprudência Nacional:AC TC 16/2015 DE 2015/01/14.; AC TC 656/2014 DE 2014/10/14.; AC TC 33/2017 DE 2017/02/01.; AC TC 52/92 DE 1992/02/05.; AC TC 757/95 DE 1995/12/20.; AC TC 259/97 DE 1997/03/18.; AC TC 262/98 DE 1998/03/05.; AC TC 2/2013 DE 2013/01/09.; AC TC 123/15 DE 2015/02/12.
Referência a Doutrina:PEDRO GONÇALVES - ENTIDADES PRIVADAS COM PODERES PÚBLICOS PÁG560-561 PÁG570-573.
AFONSO QUEIRÓ - A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA REVISTA DE DIREITO E DE ESTUDOS SOCIAIS ANO XXIV PÁG24.
Aditamento:
Texto Integral:


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. A…………………… e Outros, devidamente identificados nos autos, instauram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante «TAF/P»] a presente ação administrativa especial contra “MINISTÉRIO DA JUSTIÇA” [doravante «MJ»] - [DIREÇÃO-GERAL DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA” - «DGAJ], “INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP” [doravante «iS»] e “CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP” [doravante «CGA»], igualmente identificados nos autos, na qual, pela motivação inserta na petição inicial [fls. 05/61 dos autos], peticionam que fosse «anulado o ato emitido pela DGAJ corporizado no “Comunicado” de 24.01.2011, por padecer dos vícios supra descritos, e, cumulativamente, declarado que as funções de perito avaliador não constituem funções públicas, não se aplicando aos Autores o disposto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação».

1.2. O «TAF/P», por acórdão de 11.12.2013 [cfr. fls. 338/354 - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os RR. do pedido.

1.3. Os AA., inconformados, recorreram para o TCA Norte [doravante «TCAN»], o qual, por acórdão de 17.06.2016, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida [cfr. fls. 674/699].

1.4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA os mesmos AA., de novo inconformados agora com o acórdão proferido pelo «TCAN», interpuseram, então, o presente recurso de revista [cfr. fls. 714/755], formulando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
...
QUESTÃO PRÉVIA - DA NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
A. Entendem os Recorrentes, antes de mais, que o douto acórdão recorrido é nulo, porquanto incorre em omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
B. Ora, e como oportunamente se explicitou, não se pronunciou o Tribunal a quo sobre questões que devia ter apreciado, em concreto, sobre o conteúdo do Documento n.º 1 junto aos autos em sede de alegações de recurso, e cujo teor se revela determinante para formular uma decisão totalmente diferente daquela que resultou do acórdão recorrido.
C. Como indicado, em sede de Recurso de apelação para o TCA Norte, os Recorrentes, além de terem exposto as razões de facto e de direito que sustentaram a sua pretensão, serviram-se do Despacho n.º 292/2013, subscrito pelo Exmo. Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, datado de 31.10.2013, que juntaram aos autos como Documento n.º 1.
D. Com efeito, resulta desse despacho que a atividade dos peritos avaliadores não se encontra abrangida pelo disposto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação.
E. Sucede que, perante esta factualidade, o acórdão recorrido nada disse.
F. Pelo que se deverá concluir que, ao não considerar o disposto no despacho n.º 292/2013, bem como a sua junção aos presentes autos, incorreu o Tribunal a quo em omissão de pronúncia, à luz da já citada alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, pois não apreciou uma importantíssima questão que, sendo do seu conhecimento, deveria ter apreciado.
G. Motivo por que arguem os Recorrentes a referida nulidade, para todos os devidos efeitos.
DA FUNDAMENTAÇÃO PARA A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA
(…)
DO MÉRITO DO RECURSO
BB. Como decorre do acima explanado, importa antes de mais fazer referência ao âmbito de aplicação objetivo das normas em apreço, assim como da errada interpretação da lei em que incorreu o Tribunal a quo, ao considerar que a atividade exercida pelos peritos avaliadores consubstancia uma função pública remunerada para efeitos do que dispõem as disposições em questão.
CC. Sem prejuízo do alegado pelos aqui Recorrentes nas duas primeiras instâncias quanto à autêntica natureza da atividade exercida pelos peritos avaliadores - que se trataria não de uma função pública, mas sim de uma forma de exercício de funções privadas de interesse público (de resto, este é também o entendimento da mais reputada doutrina nesta matéria; a este respeito, defende expressamente PEDRO GONÇALVES, em Entidades Privadas com Poderes Públicos, O exercício de Poderes Públicos de Autoridade por Entidades Privadas com Funções Administrativas, reimpressão da edição de Outubro/2005, Almedina, 2008, que a atividade de perito de encontra excluída do conceito de função pública) -, cumpre realçar a ratio legis inerente ao caso concreto.
DD. Como bem reconheceu aliás o Tribunal a quo, o Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, que alterou os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, representou um esforço do executivo governamental de então no sentido da implementação de medidas de controlo da despesa pública, com vista a garantir o equilíbrio das contas públicas.
EE. É, aliás, o que consta do acórdão proferido pelo TAF do Porto, posteriormente reproduzido pela TCA Norte, ao indicar que «[...] o objetivo é o de eliminar a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação, vendo-se, assim, que o fito de tal mudança legal não é o de estabelecer mais uma forma de vinculação de servidores à função pública, mas sim a de regular a cumulação de pensões públicas com remunerações pagas pelos cofres do Estado …».
FF. Ou seja, e conforme explicita o preâmbulo do diploma - que, de resto, foi devidamente citado na decisão recorrida -, «Para o efeito, o Governo decidiu adotar um conjunto de medidas de consolidação orçamental adicionais às previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013 e às que venham a constar da lei do Orçamento de Estado para 2011 cujos efeitos se pretende que se iniciem ainda no decurso de 2010. Estas medidas representam um esforço adicional no sentido de assegurar o equilíbrio das contas públicas de modo a garantir o regular financiamento da economia e a sustentabilidade das políticas sociais. Neste contexto, as medidas adotadas concentram-se principalmente na redução da despesa de modo a reforçar e a acelerar a estratégia de consolidação orçamental prevista no PEC 2010-2013. […] Em quarto lugar, elimina-se a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação».
GG. Desta feita, de uma análise cuidada e teleologicamente enquadrada do espírito subjacente à dita alteração legislativa, resulta evidente que o conceito de funções públicas remuneradas se reporta - apenas se pode reportar - à aceção mais restrita do termo, ou seja, ao conceito de função pública em sentido subjetivo.
HH. Nos termos da melhor doutrina, aqui explanada nas doutas palavras de ANA NEVES («Direito da Função Pública», in Tratado de Direito Administrativo Especial, Coordenação Paulo Otero e Pedro Costa Gonçalves, Volume IV, Almedina, 2010), pode o conceito de função pública revestir dupla vertente.
II. Por um lado, «Função pública, na aceção objetiva, significa uma atividade que é pública, no sentido em que é desenvolvida a favor da coletividade e segundo parâmetros próprios do serviço público, exigências que integram o conteúdo da relação jurídica de emprego dos que se obrigam ao seu exercício».
JJ. Por outro lado, «No sentido subjetivo, designa o conjunto dos indivíduos que exerce uma atividade laboral, mediante remunerações e outros benefícios patrimoniais e sociais, para uma entidade pública, sujeitos a uma disciplina jurídica que compreende um mínimo denominador comum de regime jus-publicista, constitucionalmente delimitado (v.g., artigos 47.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, al. t), 266.º, n.º 2, e 269.º)».
KK. Destarte, e tendo presente a razão de ser dos normativos em apreço, assim como a clareza com que esta nos é exposta pelo preâmbulo supra transcrito, apenas se pode concluir que o seu âmbito de aplicação se restringe à conceção subjetiva do conceito de funções públicas, ou seja, aos funcionários com vínculo de emprego público,
LL. Porquanto é esta a única leitura que torna possível um cumprimento adequado e proporcionado dos propósitos a que se propõem tais disposições legais restritivas de direitos fundamentais dos cidadãos, quais sejam senão a introdução de medidas concretas com vista ao equilíbrio das contas do Estado.
MM. E não se diga, como entendeu o Tribunal a quo, que pode o intérprete servir-se do enunciado normativo do n.º 3 do artigo 78.º do EA para balizar os potenciais destinatários das normas em consideração, isto sob pena de se operar com isso uma inversão lógica do elemento sistemático de interpretação.
NN. É certo que o conceito de funções públicas do n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, sobretudo depois da redação dada ao n.º 3 do mesmo artigo pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, parece apresentar um âmbito mais alargado; mas esse âmbito antecede e circunscreve o vasto leque das formas e tipos fixados no n.º 3.
OO. Funções públicas não são por isso «todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração», pois não é este (não pode ser!) um conceito totalmente em branco que irá ser (todo ele) preenchido pela norma do n.º 3, como parece pressupor a sentença recorrida.
PP. Caso assim não se entendesse, ou seja, considerando-se o conceito de funções públicas na sua aceção objetiva, estar-se-ia a vedar, por exemplo, o docente universitário jubilado de uma Universidade pública a exercer as funções de árbitro ou, bem assim, de emitir um parecer jurídico a uma entidade pública.
QQ. O mesmo sucederia no caso dos juízes jubilados ou aposentados, quando chamados a partilhar os seus conhecimentos e com o Estado, latu sensu, através de pareceres jurídicos, ou de dar o seu contributo pessoal, fazendo uso da sua experiência, para o incremente dos meios alternativos de resolução de litígios, como a atividade de arbitragem.
RR. Em suma, a previsão legal dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação apenas abrange as situações enquadráveis no conceito de funções públicas na sua aceção subjetiva, por forma a dar integral cumprimento às aspirações e espírito de cariz financeiro da lei.
SS. De facto, outro entendimento não se poderá retirar, tendo em conta a natureza restritiva de direitos fundamentais dos normativos que estão em discussão.
TT. Ora, como já se explicitou e melhor se densificará, os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação importam a restrição de certos direitos fundamentais que assistem aos Recorrentes - como o direito ao trabalho e seu acesso em condições de igualdade (direitos esses que, ademais, vêm plasmados nos artigos 47.º/1 e 58.º da Constituição da República), sendo, por isso normas restritivas.
UU. Assim, e como bem indica o n.º 2 do artigo 18.º da CRP, «A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
VV. Desta forma, e atentando novamente ao disposto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, as restrições constantes dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação devem limitar-se a salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos - não se admitindo, por isso, um arbitrário alargamento do seu âmbito de aplicação.
WW. Conclua-se, antes de mais, que a subsunção da situação dos Recorrentes aos normativos em apreço só seria admissível caso o exercício das funções de perito avaliador por um aposentado resultasse num atropelamento do exercício de outros direitos fundamentais em crise - situação que, diga-se desde já, se não verifica.
XX. Por outro lado, importa ainda esclarecer que, sendo certo que um perito avaliador não é um funcionário público, o texto da lei não pode ser interpretado de forma a integrar essa atividade no conceito de «funções públicas remuneradas».
YY. Isto porque, uma vez que estamos perante normas restritivas, não é admissível uma interpretação que extravase as concretas linhas que delimitam o seu conteúdo, devendo, por isso, aplicar-se o princípio de que as normas restritivas de direitos fundamentais devem, também elas, ser interpretadas de forma restritiva.
ZZ. Por esse motivo, e sem prejuízo de tudo quanto aqui se expôs, os Recorrentes entendem ainda que, tendo em conta o caráter restritivo das normas constantes dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, não é admissível uma interpretação que vá além dos conceitos utilizados pelo legislador, sendo por isso errada a sua aplicação a situações que não lhe são diretamente subsumíveis, como é o caso, já que se demonstrou que o exercício da atividade de perito avaliador não corresponde a qualquer função pública remunerada.
AAA. Isto posto, uma vez patenteado o âmbito de aplicação dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, no sentido de nele se incluir o conceito subjetivo de funções públicas, resta esclarecer se a atividade de perito avaliador é reconduzível a este último, ou seja, se o perito avaliador pode ser considerado um funcionário público.
BBB. Em primeiro lugar, novamente nos termos da doutrina mais reputada nesta matéria (consultar, por todos, ANA NEVES - «Relação jurídica de trabalho e relação de função pública», in Revista Brasileira de Estudos da Função Pública, ano 2, n.º 5, maio/agosto 2013, p. 175-195), são pacificamente considerados como elementos estruturantes da relação de emprego público i) um empregador cujos fins institucionais sejam públicos; ii) o trabalho subordinado; iii) a remuneração; iv) e a vocação de continuidade da prestação.
CCC. Comece por se notar que os peritos avaliadores, para além de exercerem as suas funções de forma autónoma e sem qualquer dependência hierárquica, não têm horários de trabalho, nem local definido para exercer essas funções, não existindo qualquer regularidade ou previsibilidade temporal da atividade por si desenvolvida,
DDD. Verificando-se, para o efeito, que o Estado não assegura aos mesmos qualquer remuneração fixa, encontrando-se a mesma dependente da existência de nomeações nos processos, que não estão garantidas, bem como da prestação efetiva do serviço.
EEE. Da leitura das decisões das duas primeiras instâncias parece decorrer que o pagamento dos honorários dos peritos avaliadores advém do erário público, ora porque as entidades expropriantes são públicas (mas podem não o ser), ora porque os expropriados beneficiam de apoio judiciário (mas podem não beneficiar de tal apoio).
FFF. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 50.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, «os honorários dos árbitros são pagos pela entidade expropriante, mediante apresentação de fatura devidamente justificada e de acordo com o Código das Custas Judiciais».
GGG. Num segundo momento, esses montantes são imputados às partes no âmbito das custas de parte (sejam ou não as partes entidades públicas), nos termos do previsto nos artigos 25.º, n.º 2, al. c) e 16.º, n.º 1, al. h) do Regulamento das Custas Processuais e artigo 251.º, n.º 1 do CPC.
HHH. As normas acima mencionadas estabelecem que constituem encargos as retribuições devidas a intervenientes acidentais, estabelecendo o CPC que os peritos assumem essa qualidade.
III. Deve-se, pois, concluir que o pagamento dos honorários dos peritos é efetuado pelas partes do processo, sendo que carece de todo o sentido o argumento de as partes poderem ser (ou não) entidades públicas, tal como poderem (ou não) beneficiar de apoio judiciário.
JJJ. Note-se bem que, caso a entidade expropriante seja uma entidade privada, verificar-se-ia uma situação de enriquecimento sem causa por parte do Estado, na medida em que se o perito - forçado a optar - optasse pelos honorários em detrimento da sua pensão de reforma ou de aposentação, então o Estado nem pagava os honorários, nem pagava a pensão.
KKK. Mas, na hipótese inversa, se a entidade expropriante for pública, verificar-se-ia, ainda assim, uma inadmissível situação de enriquecimento sem causa por parte do Estado, dado que sempre que o perito optasse pela pensão de reforma ou aposentação em detrimento dos honorários que lhe eram devidos, e a entidade expropriante viesse a ser ressarcida em sede de custas de parte, esta arrecadaria, indevidamente, uma verba que não dispensou para o fim a que a mesma se destinava: pagar os honorários do perito avaliador.
LLL. E veja-se, a este propósito, a declaração de voto anexa ao acórdão proferido pelo TAF do Porto ao abrigo dos presentes autos, nos termos da qual se admite, inclusive, que «o Estado até beneficia que as perícias sejam realizadas por pessoas aposentadas, uma vez que só lhes vai pagar uma remuneração, enquanto que desempenhando as funções de perito pessoas somente ligadas à atividade privada, o Estado tem de pagar a estas e ainda a pensão de aposentação».
MMM. Aliás, e como melhor infra se densificará, o entendimento aqui perfilhado é, quanto à matéria dos honorários dos peritos, reforçado pelo Despacho n.º 292/2013, de 31 de outubro de 2013, da autoria do Exmo. Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, que concordou com a Nota subordinada ao assunto «Acumulação de funções por peritos avaliadores: natureza das funções a acumular» e que conclui pela não subsunção da situação dos peritos avaliadores ao disposto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro.
NNN. Acrescente-se ainda, no que respeita aos honorários devidos aos peritos avaliadores, que é possível afirmar que não há, sequer, qualquer duplicação de rendimentos a cargo do Estado - isto caso se considere trata-se de uma remuneração, o que não se concede.
OOO. Isto porque a aposentação paga pela CGA representa uma restituição dos valores que são fruto dos descontos efetuados, ou seja, que foram retirados do vencimento do funcionário e confiados à sua (dela CGA) gestão, durante várias dezenas de anos.
PPP. Quanto à exigência de vocação de continuidade da prestação, sempre se diga que a mesma «Exclui a realização de tarefas ocasionais ou esporádicas, como, por exemplo, a de membro de mesa de voto ou de membro do júri no concurso. A atividade profissional carateriza-se, diferentemente, por ‘uma certa habitualidade ou estabilidade’, institucional ou finalisticamente enquadrada - ponto 4 do Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 20/2005, de 08-06-2006 […]» (ANA NEVES - «Relação jurídica de trabalho e relação de função pública», in Revista Brasileira de Estudos da Função Pública, ano 2, n.º 5, maio/agosto 2013, p. 178).
QQQ. Desde logo, importa não perder de vista que o substrato essencial das atividades desenvolvidas pelos peritos avaliadores não representa mais do que uma função desempenhada a título complementar, a par das suas efetivas ocupações profissionais.
RRR. No que a esta matéria diz respeito, devemos voltar a ratio das normas em apreço e ao seu elemento hermenêutico-teleológico, no sentido da exclusão das funções desempenhadas pelos peritos avaliadores do conceito de funções públicas remuneradas.
SSS. Veja-se, conforme supra se explanou (à exaustão, crê-se), que os mencionados objetivos em matéria de finanças públicas visavam os sujeitos vinculados por uma relação de emprego público, isto é, aqueles que ocupavam lugares fixos e determinados na estrutura organizativa estadual.
TTT. Resta ainda lembrar que as funções desenvolvidas pelos peritos avaliadores inscritos na Lista Oficial assumem um caráter meramente técnico, em nada distinto, desde logo, daquele que é exercido pelos peritos avaliadores indicados pelas partes nos procedimentos expropriativos, por exemplo.
UUU. Sublinhe-se, portanto, que os peritos avaliadores não exercem, sequer, quaisquer poderes públicos, muito menos poderes públicos de autoridade.
VVV. Ora, como se pode constatar, não se encontram preenchidos os requisitos (cumulativos) para se classificar que a atividade dos peritos avaliadores é, de facto, exercida por funcionários públicos, sendo forçoso concluir que estes não desenvolvem qualquer trabalho em funções públicas.
WWW. Em segundo lugar, reveste-se de magna importância referir que, como bem se sabe, o vínculo de emprego público se encontra sujeito ao princípio do numerus clausus quanto às modalidades de constituição (contrato de trabalho em funções públicas, comissão de serviço e nomeação).
XXX. Algo que, no caso sub judice, não se pode dar por verificado, pelo que se deve concluir pela sua não existência (situação que resulta inclusivamente confirmada pelo Tribunal a quo, quando refere que os Recorrentes «não se encontram integrados na função pública»).
YYY. O mesmo se afiance quanto à existência de um contrato de prestação de serviços, a outra forma mediante a qual é possível prestar trabalho em funções públicas.
ZZZ. Enfim, as normas contidas nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação não podem ampliar o conceito de funções públicas ou de relação jurídica de emprego público, assim como as respetivas modalidades de constituição, sob pena de inconstitucionalidade orgânica.
AAAA. Com efeito, nos termos do disposto na al. t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, as bases do regime e âmbito da função pública - em sentido subjetivo, entenda-se - constituem uma competência legislativa de reserva relativa da Assembleia da República, pelo que só Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado por aquela poderia versar sobre estas matérias.
BBBB. Todavia, conforme resulta expresso do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, este diploma foi aprovado ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 198.º da CRP, isto é, enquanto matéria não reservada à Assembleia da República.
CCCC. Ainda que, como referiram as duas primeiras instâncias, se admita que «a alteração legislativa ao EA, [se] enquadr[a] no esforço de redução do défice orçamental», tal não redunda na aceitação que esse esforço ou intuito deva passar pelo alargamento - manifestamente inconstitucional - do conceito de funções públicas ou de relação de emprego público.
Acresce que,
DDDD. Salvo o devido respeito por mais distinta opinião, não faz qualquer sentido o silogismo, apresentado pelas duas primeiras instâncias, segundo o qual «as funções dos peritos avaliadores são de interesse e relevância pública, caso contrário o Estado não teria avançado com legislação específica para tais profissionais».
EEEE. Pese embora as funções desempenhadas pelos peritos avaliadores consubstanciem uma atividade de interesse e relevância pública - os peritos avaliadores são convocados quer na qualidade de técnicos, cujos conhecimentos são essenciais para um melhor esclarecimento do Tribunal, quer para desempenharem o papel de fiel de balança em face das posições adotadas pelos peritos nomeados pelas partes -, não é, de todo, possível concluir que de tal importância advenha a conclusão de que quem as concretiza se encontra abrangido pelo conceito de funcionário público.
FFFF. Com efeito, e ao contrário do que os doutos arestos supra citados pretendem fazer crer, a correlação entre as funções periciais e a administração judicial não representa um indicador de que as funções exercidas pelos peritos avaliadores assumem o cariz de funções públicas, mas antes um indicador do interesse público que lhes subjaz.
GGGG. De facto, a par dos advogados, dos médicos e dos revisores oficiais de contas, os peritos avaliadores integram-se no âmbito de uma profissão privada regulamentada, pelo que «não são, pois, titulares de profissões públicas, no sentido em que, em si mesma e no seu núcleo distintivo, a profissão não corresponde ao exercício de uma função pública, mas antes ao desempenho de uma atividade privada (de interesse público)» (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, «Interesse Público» in DJAP, Vol. V, Lisboa, 1993, p. 145 e seguintes).
HHHH. O entendimento perfilhado pelos aqui Recorrentes, amplamente demonstrado, foi alvo da concordância do Exmo. Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, através do Despacho n.º 292/2013, de 31 de outubro de 2013, onde concordou com a Nota subordinada ao assunto «Acumulação de funções por peritos avaliadores: natureza das funções a acumular» e conclui pela não subsunção da situação dos peritos avaliadores ao disposto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro.
IIII. Note-se, ainda, que o Despacho em apreço foi já acolhido pela Caixa Geral de Aposentações, conforme resulta da notificação remetida a um dos recorrentes dos presentes autos, datada de 05.12.2013, conforme resulta de Documento igualmente junto aos presentes autos em sede de alegações de recurso para o TCA Norte.
JJJJ. Consequentemente, ainda que se entenda que os peritos avaliadores exercem funções públicas, o que não se concede, sempre as referidas funções ficariam a salvo da aplicação dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação.
KKKK. Estranhamente, o Tribunal a quo não teve em consideração o conteúdo do douto Despacho, pese embora a tempestiva referência pelos aqui Recorrentes nas suas alegações de recurso.
Cumulativamente,
LLLL. Além de tudo quanto se já expôs a propósito do âmbito de aplicação dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, não podem os Recorrentes deixar de expressar a sua total discordância com o conteúdo que o tribunal a quo pretende extrair do teor literal da atual redação do artigo 78.º, o qual, a aceitar-se, impediria qualquer aposentado de exercer a atividade de perito avaliador.
MMMM. Com efeito, uma tal interpretação não só não limita gravemente o conteúdo essencial e alcance dos preceitos constitucionais que visa regulamentar (i.e., a liberdade de escolha de profissão, prevista no artigo 47.º da CRP), como dessa norma se extraem ainda efeitos gravemente nocivos para outros direitos fundamentais que assistem aos Recorrentes.
NNNN. Desta feita, e estando assente que a atividade de perito avaliador não corresponde ao exercício de funções públicas remuneradas, estamos no caso dos autos perante uma limitação desproporcionada do livre acesso à profissão, bem como uma manifesta violação do princípio da igualdade nas suas condições de acesso, na medida em que se veda ao aposentado o desenvolvimento da atividade de perito avaliador, possibilitando-se, todavia, o exercício de outras funções remuneradas.
OOOO. Pelo que se conclui que a norma que se extrai do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, no sentido em que «os aposentados estão impedidos de exercer a atividade de perito avaliador» é materialmente inconstitucional, por atropelar o conteúdo essencial do direito fundamental de escolha da profissão, bem como de acesso ao trabalho em condições de igualdade, previstos no n.º 1 do artigo 47.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir,
PPPP. Acresce ainda que esta norma, assumindo a interpretação que lhe foi atribuída, também contraria a Constituição na medida em que restringe abusivamente os direitos fundamentais que assistem aos Recorrentes, enquanto cidadãos de terceira idade.
QQQQ. Com efeito, é certo que o fundamento para a impossibilidade dos Recorrentes em exercerem a atividade de perito avaliador reside exclusivamente na sua situação de aposentadoria.
RRRR. Pelo que, através da aplicação dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação aos Recorrentes, verifica-se um verdadeiro impedimento ao livre desenvolvimento da sua atividade, justificável apenas pelo facto de estarem aposentados.
SSSS. E não se avente que a referida diferenciação tem por base a aptidão física e psicológica dos aqui Recorrentes, posto que se encontram vinculados a uma obrigação periódica de avaliação por uma Junta Médica.
TTTT. Desta feita, e além das já referidas inconstitucionalidades que inquinam os normativos em questão, constatamos ainda que os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação são também materialmente inconstitucionais, na interpretação assumida pela DGAJ e pelo Tribunal a quo, porquanto vedam o acesso ao exercício da atividade de perito avaliador aos cidadãos da terceira idade, situação que contraria o disposto no n.º 2 do artigo 72.º e também o n.º 2 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que nos encontramos perante um tratamento desigual pela lei, emergente da condição social dos Recorrentes …”.

1.5. Os RR., aqui ora recorridos, devidamente notificados, vieram produzir contra-alegações [cfr. fls. 818 e segs.], tendo:
- o R. «CGA» [cfr. fls. 818/820], concluído nos seguintes termos:
“…
1. O douto Acórdão recorrido fez correta interpretação e aplicação da lei, pelo que não merece a censura que lhe é dirigida pelos ora Recorrentes.
2. As funções de peritos avaliadores oficiais consubstanciam funções públicas remuneradas para os efeitos dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, conforme bem decidiu o Acórdão recorrido.
3. O recurso de revista previsto no artigo 150.º do CPTA é excecional, pois não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, só sendo de admitir quando esteja em causa uma questão de grande importância jurídica ou social ou quando o imponha uma evidente melhor aplicação do direito.
4. Na presente situação, não se vislumbra nenhuma questão de relevância social fundamental ou particularmente complexa do ponto de vista jurídico, nem tão pouco existe erro manifesto ou grosseiro na decisão do acórdão recorrido, que justifique a admissão do presente recurso de revista …”.
- e o R. «MJ»/[«DGAJ»] [cfr. fls. 831/873], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:

I - A questão sub judice
A) No presente recurso está em causa a decisão contida no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 17.06.2016 que, negando provimento ao recurso, manteve indemne a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 11.12.2013 e o Acórdão de 20.06.2014, consubstanciada, em síntese, na absolvição do aqui Recorrido do pedido, designadamente:
i) De anulação do ato emitido pela DGAJ corporizado no Comunicado de 24.01.2011, por padecer dos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e de violação dos princípios da legalidade e da boa-fé; e
ii) De reconhecimento de situação jurídica subjetiva, no sentido de que as funções exercidas pelos peritos avaliadores não constituem «funções públicas» e, consequentemente, não lhes é aplicável o estatuído nos artigos 78.º e 79.º do EA.
II - Do recurso de revista previsto no artigo 150.º do CPTA e seus pressupostos de admissibilidade
(…)
Debrucemo-nos então, incisivamente, nas alegações conclusivas dos Recorrentes:
III - Da alegada nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia (A. ao G.)
J) A alegada omissão de pronúncia, invocada pelos ora Recorrentes, foi, e bem, indeferida pelos venerandos juízes desembargadores do Tribunal a quo, que em conferência e através de sólida e sagaz argumentação jurídica expendida no douto Acórdão de 7.10.2016, manteve o acórdão recorrido improcedendo, de todo, as imputadas nulidades;
K) Além do mais, a mais alta instância da jurisdição administrativa, vem doutamente dimanando a propósito do caráter extraordinário do recurso de revista excecional, que «não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido...», porque, efetivamente, não é o meio próprio para o fazer. Neste sentido, vide o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, tirado em 16.12.2015, no âmbito do Proc. 0624/15;
IV - Da alegada necessidade do recurso de revista para melhor aplicação do direito (H ao Q.)
(…)
V - Mérito do recurso (BB. Ao TTTT.)
X) Tal como supramencionado na conclusão L), os Recorrentes alegam que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da Lei ao considerar que a atividade exercida pelos peritos avaliadores consubstancia uma função pública remunerada para efeitos de aplicação das disposições constantes nos artigos 78.º e 79.º do EA.
Y) O douto Acórdão, ora em recurso, a fls. 36, 37, 38 e 39, aduz e bem, que no regime jurídico do Estatuto dos Peritos Avaliadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 125/2002, de 10 de maio, na atual redação dada pelo Decreto-Lei n.º 94/2009, de 27 de abril, existem vários preceitos que demonstram fortes indícios que justificam plenamente que cunhemos de «funções públicas» as tarefas desempenhadas pelos peritos avaliadores.
Z) A título de exemplo enuncia-se no referido aresto, o concurso como forma de recrutamento, o aviso de abertura, o prazo de candidaturas, a lista de candidatos e métodos de seleção, a alusão ao curso de formação, classificação final e homologação, o facto de ser exigido aos candidatos que não estejam inibidos do exercício de funções públicas ou interditos para o exercício das respetivas funções, o facto de se encontrarem «ajuramentados» perante o presidente do Tribunal da Relação do respetivo distrito judicial, de estarem sujeitos aos impedimentos gerais do CPC e aos estipulados no artigo 16.º e ainda às situações de suspeição previstas no artigo 17.º, entre tantos outros exemplos referidos.
AA) Os Recorrentes defendem, em síntese, que o conceito de função pública não pode ser interpretado numa aceção objetiva, mas antes subjetiva, de modo a se concluir que o exercício da atividade pelos peritos avaliadores não corresponde a qualquer função pública remunerada, uma vez que estas estão confinadas aos funcionários com vínculo de emprego público.
BB) Sobre esta questão, o Acórdão recorrido o qual acolhemos e para onde remetemos, ancorado na melhor doutrina de Paulo Veiga e Moura e Diogo Freitas do Amaral, exaustivamente explanou a fls. 43 e 44, que «... o conceito de funções públicas é um conceito abrangente e que vai para além do conceito de função pública […]».
CC) Neste sentido, também apontam os vários Pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, maxime, o Parecer n.º P005982000, de 15.06.2001 (publicado no Jornal Oficial de 7/02/2002), que detalhadamente se pronunciou sobre o conteúdo deste conceito, afirmando, designadamente «em geral, entende-se que a definição constitucional da função pública corresponde ao sentido amplo que é atribuído à expressão em direito administrativo, designando qualquer atividade exercida ao serviço de uma pessoa coletiva pública, qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego (...) e independentemente do seu caráter provisório ou definitivo, permanente ou transitório» (sublinhado nosso).
DD) Pelo que, somos levados a concluir que tal questão encontra-se devidamente consolidada pelas várias instâncias que apreciaram a matéria, tendo inclusivamente a PGR conforme supra referido, firmado jurisprudência no sentido de determinar a definição constitucional de função pública, concluindo, que tal conceito abarca «qualquer atividade exercida ao serviço de uma pessoa coletiva, independentemente do regime jurídico da relação de emprego e seu caráter provisório ou definitivo, permanente ou transitório», pelo que, a aceção subjetiva reclamada pelos ora Recorrentes, a qual faz depender o conceito de função pública do tipo de vínculo jurídico da relação de emprego, teria necessariamente de ser considerada inconstitucional, atenta a Jurisprudência firmada pela PGR.
EE) Ou seja, nada discorre da doutrina ou jurisprudência que possa levar à restrição daquele conceito, mas sim precisamente ao oposto.
FF) Num contexto excecional de contenção de despesa pública, o legislador quis que fosse inequívoco o universo dos destinatários da norma, uma vez que se pretendia estender o seu alcance e não restringi-lo. Ou seja, houve uma clara evolução para uma maior excecionalidade da acumulação da aposentação com o exercício de funções públicas remuneradas conjugado com um alargamento do tipo e natureza de funções públicas.
GG) O conceito foi de tal forma densificado que tal como doutamente se invocou no aresto aqui em crise, «... aquela proibição inclui a) todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração; b) todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços».
HH) Nesta conformidade, bem esteve o Tribunal a quo, ao referir que «Tais funções são efetivamente ‘funções públicas’» e são remuneradas nessa qualidade, nos termos e para os efeitos dos artigos 78.º e 79.º do EA».
II) Esta tese é sustentada pelo próprio regime que estabelece as condições para o exercício de funções de perito avaliador, nomeadamente, do Decreto-Lei n.º 125/2002, de 10 de julho, do qual resulta que as funções públicas de perito avaliador assumem tal importância para o sistema de administração da justiça, sobretudo na área das expropriações, que o poder legislativo entendeu que o melhor seria regular o exercício dessas funções, encontrando-se, aqui, desde logo, um primeiro indício de que tais funções são de interesse e relevância pública.
JJ) Neste contexto, a aqui entidade Recorrida, emitiu o já aqui aludido «Comunicado aos peritos avaliadores», a 24.01.2011, o qual surge na sequência da legislação aprovada, pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, que veio introduzir alterações aos artigos 78.º e 79.º do Estatuto de Aposentação, por força da Lei do Orçamento de Estado para 2011, aprovada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro.
KK. Este comando legislativo veio implementar medidas que representam um esforço adicional no sentido de assegurar o equilíbrio das contas públicas e a redução da despesa, visando o referido diploma legal, neste contexto económico, regular a cumulação de pensões públicas com remunerações pagas pelos cofres do Estado, mais concretamente, proibir a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação.
LL) Nesse sentido, os peritos avaliadores aposentados integrados na Lista Oficial, não poderiam exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, salvo autorização de interesse público excecional, concedida pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Administração Pública;
MM) Este Comunicado da DGAJ assume - aliás como o douto acórdão recorrido e as demais instâncias que se pronunciaram nos presentes autos também assim e bem fizeram - que os peritos avaliadores que constam das listas oficiais, exercem funções públicas remuneradas, estando as mesmas sujeitas ao âmbito de aplicação dos artigos supra citados.
NN) Repete-se. O n.º 3 do artigo 78.º do EA, acolhido no douto acórdão recorrido, refere, expressamente que o exercício de funções públicas inclui «todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração» e, por outro lado «todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços».
OO) Redação esta que, relembramos, surge num contexto económico imposto pela Lei do Orçamento de Estado para 2011, que visa essencialmente combater o défice orçamental e a despesa pública e que tem como único propósito proibir a acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação.
PP) Ao contrário do que os Recorrentes fazem crer, o que acontece é que o próprio Estatuto da Aposentação regula, entre outras matérias, o regime do exercício de funções públicas por aposentados e mantém, mesmo com as alterações legislativas introduzidas, a sua teleologia de não permitir, como regra geral, os aposentados de exercerem «funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas» (n.º 1 do artigo 78.º do EA).
QQ) Aliás, conforme o douto Acórdão recorrido refere, o legislador opta por impedir os aposentados de exercerem «funções públicas remuneradas» em quaisquer serviços da Administração Pública, indo ao ponto de densificar/explicitar as situações que considera abrangidas no conceito de exercício de funções dizendo que aquela proibição inclui «a) todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços».
RR) Ora, foi precisamente em cumprimento da vinculação ao princípio da legalidade a que se encontra adstrita a Administração Pública que se entendeu que estas situações careciam de ser identificadas e corrigidas, uma vez que se entende que os peritos avaliadores devem poder optar por continuar a desempenhar a sua função apesar de estarem adstritos aos artigos 78.º e 79.º do EA, prevendo este último a suspensão do pagamento da pensão quando o aposentado optar por receber a remuneração correspondente ao exercício de funções de perito.
SS) Ao contrário do que os Recorrentes aludem, não se vislumbra qualquer vício de violação de lei por erro dos pressupostos de facto ou de direito, uma vez que a DGAJ não ampliou o conceito de funções públicas remuneradas, quando aplicou o artigo 78.º do EA, ou seja, não inaugurou, por si, e através de uma interpretação alargada desta norma, como sugerem os Recorrentes, um novo conceito de função pública ao qual reconduziu os peritos avaliadores;
TT) Atento o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 78.º do EA, como refere igualmente o TAF do Porto no seu douto Acórdão Recorrido, o conceito de exercício de funções [públicas] inclui «todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração» e, por outro, «todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços».
UU) Parafraseando o douto Acórdão «O que o legislador procura, reiterando a sua intenção no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro é ‘eliminar a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação’, considerando assim, já o Douto Acórdão do TAF do Porto que «a aplicação do artigo 78.º do EA se estende a qualquer situação em que o Estado se vê na contingência de pagar ao mesmo sujeito um valor por estar aposentado e outro por estar no ativo prestando-lhe algum serviço», aliás entendimento também subscrito pelo douto Acórdão aqui recorrido, que perfilhamos e entendemos deva ser mantido.
VV) Por todo o exposto, não poderá ter qualquer acolhimento o alegado pelos Recorrentes, pois tal como as várias instâncias já se pronunciaram é a própria Lei, nomeadamente o n.º 3 do artigo 78.º do EA, que vem dissipar quaisquer dúvidas que eventualmente possam existir, ao densificar o conceito de funções públicas, abrangendo aí todos os tipos de atividade e de serviços independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração e, todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.
WW) Concluindo o douto acórdão que os peritos avaliadores ou árbitros da lista oficial exercem funções públicas, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 78.º e 79.º da atual versão do EA, não se podendo assacar ao ato administrativo impugnado qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito devendo o mesmo manter-se na Ordem Jurídica, por não se mostrar ofendido o princípio da legalidade porquanto, os artigos 78.º e 79.º do EA não consubstanciam, uma ampliação das normas de constituição da relação jurídica de emprego público, uma vez que, a predita alteração legislativa, enquadrada num esforço de redução orçamental, apenas teve em vista legislar concretamente sobre a situação dos aposentados.
XX) Aliás, circunstância que resulta do próprio preâmbulo do D. Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, onde se pode ler que, o seu objetivo é «eliminar a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação», vendo-se assim que, o fito de tal mudança centra-se precisamente nesta questão e não em estabelecer mais uma forma de vinculação de servidores à função pública, conforme os recorrentes fazem crer.
YY) Também não se vislumbra qualquer violação do principio da boa fé conforme os Recorrentes aduzem, já que, a autorização conforme exigida nos termos do artigo 78.º do EA, não foi trazida pelo Decreto lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro (que alterou a redação dos artigos 78.º e 79.º do EA). Esta era já uma exigência do referido estatuto desde a sua versão original, sendo que desde a versão de 2005 a autorização passou a depender de «interesse público excecional», pelo que, nada obsta que não tendo esta sido requerida anteriormente, não venha a ser posteriormente solicitada, encontrando-se o perito avaliador, apenas, a cumprir a lei e a reparar a ilegalidade anterior.
ZZ) Mais refere que o n.º 3 do artigo 78.º EA tem um papel primordial na definição desta dicotomia e ajuda-nos a deslindar este conceito quando alude que os aposentados que exerçam todos os tipos de atividades e que estejam integrados em todas as modalidades de contratos encontram-se abrangidos pelo conceito de exercício de funções em causa, ou seja, no exercício de funções públicas.
AAA) Por todo o exposto, verifica-se que não faz qualquer sentido, nem sequer encontra qualquer suporte legal ou jurisprudência a tese sustentada pelos ora Recorrentes de que as funções exercidas pelos peritos avaliadores são funções privadas ou quanto muito, públicas de cariz privado, pois tal como alude o douto Acórdão recorrido: «o exercício desta tarefa, como vemos, não tem como finalidade qualquer interesse privado, mas, sim de interesse público decorrente do bom andamento dos processos de expropriações. Está em causa a satisfação de necessidades coletivas e não individuais. Não podemos concluir que o exercício de funções de um perito avaliador é um exercício de funções privadas, ainda que de interesse público, como referem os Recorrentes. É que na génese da criação das listas dos peritos avaliadores está em causa o interesse público e não o interesse privado de quem quer que seja».
BBB) Concluindo o douto Acórdão, a fls. 46 «não há dúvidas que estes peritos exercem funções públicas, enquanto ao serviço do interesse público e não funções privadas. Não é por exercerem funções técnicas que estas deixam de ser públicas e passam a privadas. Por seu lado, exercem funções públicas, mas não se encontram integrados na função pública, conceito este, mais restrito. É por esta razão que não ocorre a inconstitucionalidade referida pelos recorrentes, uma vez que não estamos perante a constituição de uma relação de emprego público» …”.

1.7. O «TCA/N», em 07.10.2016, proferiu acórdão no qual sustentou o acórdão recorrido nos seus exatos termos, concluindo no sentido de que o mesmo não padecia de qualquer nulidade, mormente, aquela que foi arguida pelos AA., recorrentes [cfr. fls. 802/804 dos autos].

1.8. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA e datado de 09.02.2017 [cfr. fls. 894/898], veio a ser admitido o recurso de revista, consignando-se na sua fundamentação, nomeadamente, que “[a] questão que se suscita nesta revista é, como se vê, a de saber se as funções exercidas pelos peritos avaliadores devem ser consideradas «funções públicas remuneradas» e, sendo assim, e encontrando-se os Autores na situação de aposentados, saber se esta situação é compatível com o exercício remunerado de tais funções, sem que tal fira o disposto nos arts. 78.º e 79.º do Estatuto de Aposentação.
A problemática relacionada com o conceito de «funções públicas remuneradas» tem tido algum tratamento doutrinal, mas o mesmo não tem acontecido com este Supremo Tribunal, que também nunca se pronunciou sobre a natureza da função de perito avaliador e sobre a possibilidade da mesma ser suscetível de ser integrada no conceito de função pública. O que pode ser considerada como uma questão de importância jurídica fundamental.
Por outro lado, trata-se de questão de enorme repercussão social uma vez que, sendo grande número de pessoas na situação de aposentados da função pública, a decisão que se vier a tomar tem, ou pode ter, imediata repercussão na sua vida pessoal na medida em que lhes abre, ou lhes fecha, a possibilidade de exercerem a função de perito avaliador enquanto estiverem na situação de aposentados”.

1.9. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da total improcedência do recurso [cfr. fls. 907/909], sendo que esta pronúncia, uma vez objeto de contraditório, apenas mereceu respostas discordante por parte dos AA., aqui ora recorrentes [cfr. fls. 917/933] e concordante pelo R. «MJ» [cfr. fls. 935/944].

1.10. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


2. DAS QUESTÕES A DECIDIR

Constitui objeto de apreciação nesta sede determinar, por um lado, da verificação de nulidade do acórdão recorrido [omissão de pronúncia dada a ausência de consideração no mesmo e no juízo nele firmado do que constitui o conteúdo do doc. n.º 01 junto pelos AA. em sede de alegações de recurso de apelação (despacho n.º 292/2013, datado de 31.10.2013 e da autoria do Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento) - cfr. arts. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC/2013 (na redação dada Lei n.º 41/2013 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário)] e, por outro lado, da existência de erros de julgamento imputados pelos AA./Recorrentes à mesma decisão, visto entenderem haver uma incorreta interpretação e aplicação do disposto, nomeadamente, nos arts. 78.º e 79.º do Estatuto de Aposentação [«EA»] [aprovado pelo DL n.º 498/72, de 09.12, e na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 137/2010, de 28.12 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Estatuto sem expressa referência em contrário -, presente que tal Estatuto e quanto aos preceitos em referência foi já, depois, alvo de várias e sucessivas alterações, mormente, pela Lei n.º 11/2014, de 06.03 (com início de vigência em 07.03.2014), e pela Lei n.º 75-A/2014, de 30.09 (com início de vigência em 01.10.2014), sendo que o referido DL n.º 137/2010 foi, também, alterado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30.11], em articulação com os arts. 50.º, n.º 1, do Código das Expropriações [«CE»] [aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18.09], 16.º, n.º 1, al. h) e 25.º, n.º 2, al. c), do Regulamento das Custas Processuais [«RCP»] e 251.º, n.º 1, do CPC, e numa interpretação dos referidos arts. 78.º e 79.º do «EA» em desconformidade com os arts. 13.º, 18.º, 47.º, n.ºs 1 e 2, 58.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 72.º, n.º 1, 165.º, n.º 1, al. t), da CRP, e, como tal, padecendo de inconstitucionalidade [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].



3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) Os AA. encontram-se aposentados [facto admitido pelo 1.º R e pelo R. «CGA» no artigo 01.º da sua contestação - cfr. ainda os documentos de fls. 104 a 175 dos autos do processo cautelar apenso].
II) Os AA. são peritos avaliadores integrados na lista oficial publicada no DR, II.ª Série, n.º 238, de 10.12.2010 [facto admitido pelo 1.º R e pelo R. «CGA» no artigo 01.º da sua contestação - cfr. ainda os documentos de fls. 106 e 107 dos autos do processo cautelar apenso].
III) Em 24.01.2011, a Subdiretora-Geral da Administração da Justiça emitiu o seguinte “Comunicado” [cfr. fls. 176 dos autos do processo cautelar apenso]:




*

3.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões que constituem objeto do presente recurso de revista.

*

3.2.1. DA NULIDADE DE DECISÃO

I. Argumentam os recorrentes de que o acórdão sob impugnação se mostra no seu juízo lavrado com omissão de pronúncia [cfr. conclusões A) a G) das suas alegações], omissão essa conducente à sua nulidade [cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC], visto haver sido proferido sem consideração daquilo que constituía o conteúdo de documento pelos mesmos junto aos autos [despacho n.º 292/2013, datado de 31.10.2013 e da autoria do Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento], documento esse apresentado em sede de alegações de recurso de apelação e no qual se sufragava o mesmo entendimento ao por aqueles sustentado nos autos, omissão essa conducente à nulidade daquela decisão.

II. Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, 617.º e 666.º do CPC “ex vi” dos arts. 01.º e 140.º do CPTA [na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - vide art. 15.º, n.ºs 1 e 2, deste DL - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos deste Código sem expressa referência em contrário], os acórdãos são suscetíveis da imputação não apenas de erros materiais, mas também de nulidades.

III. Estipula-se no art. 615.º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade” e na parte que ora releva, que as decisões judiciais são nulas “quando: … d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ...” [n.º 1], derivando ainda do mesmo preceito que as “… nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença/«acórdão» [cfr. n.º 1 do art. 666.º CPC] se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades ...” [n.º 4].

IV. Caraterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC] ou, ainda, cujo conhecimento se mostre, entretanto, abrangido pelo efeito de caso julgado que se haja formado [cfr. arts. 619.º a 621.º, ambos do CPC], ou em que, legalmente, exista uma limitação/preclusão ao conhecimento de questões/exceções que obstem ao conhecimento de mérito da causa após prolação despacho saneador [cfr. art. 87.º, n.º 2, do CPTA].

V. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio.

VI. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que só existe omissão de pronúncia e, consequente, nulidade [art. 615.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte, do CPC], se o tribunal na sua decisão, contrariando o disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os fundamentos invocados, dado que a ação/pretensão ou a exceção só podem ser julgadas improcedentes se nenhum dos fundamentos puder proceder, não incorrendo o julgador na nulidade em referência quando deixe de se pronunciar sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes.

VII. Presentes os considerandos caraterizadores do fundamento de nulidade de decisão invocado temos que não se descortina que, no caso, o acórdão impugnado haja incorrido em omissão de pronúncia já que, vistas e analisadas as alegações e conclusões do recurso de apelação que foram produzidas pelos AA./Recorrentes junto do tribunal a quo, não se vislumbra que o mesmo haja deixado de emitir pronúncia quanto àquilo que, efetivamente, eram as questões que se discutiam e discutem nos autos.

VIII. Na verdade, no mesmo o Tribunal procedeu à apreciação daquilo que constituíam os fundamentos nos quais os AA. sustentaram a sua pretensão impugnatória, mantendo o juízo de improcedência que havia sido firmado pelo «TAF/P» quanto aos mesmos, sem que lhe fosse exigido, nessa sede, uma especial referência ou pronúncia quanto ao dito documento em crise, nomeadamente, para o desconsiderar e/ou para afastar a argumentação no mesmo veiculada, já que este não constitui, nem configura um fundamento de per si e no qual os mesmos hajam fundado a sua pretensão, mas, ao invés, um mero elemento documental, de suporte ou de apoio e com o qual visavam demonstrar, atestar e/ou comprovar a bondade daquilo que era e é a sua tese, ou convencer do acerto da argumentação pelos mesmos expendida quanto à questão jurídica em discussão nos autos.

IX. De harmonia com o exposto, não poderá imputar-se ao acórdão recorrido qualquer omissão de pronúncia, termos em que soçobra a arguida nulidade que lhe foi assacada.

*

3.2.2. DO ERRO DE JULGAMENTO

X. Insurgiram-se os recorrentes, agora quanto ao mérito do julgado, contra o juízo de improcedência da pretensão por si deduzida que se mostra mantido pelo acórdão recorrido, já que firmado, no seu entendimento, em incorreta interpretação e aplicação do disposto, nomeadamente, nos arts. 78.º e 79.º do «EA» em articulação com os arts. 50.º, n.º 1, do «CE», 16.º, n.º 1, al. h), e 25.º, n.º 2, al. c), do «RCP», e 251.º, n.º 1, do CPC, e numa interpretação dos referidos arts. 78.º e 79.º do «EA» em desconformidade com os arts. 13.º, 18.º, 47.º, n.ºs 1 e 2, 58.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 72.º, n.º 1, 165.º, n.º 1, al. t), da CRP, e, como tal, padecendo de inconstitucionalidade.

XI. Para a análise da bondade do julgamento e da motivação aduzida importa que, previamente, se aporte não apenas o quadro normativo aplicável e posto em evidência como tendo sido erradamente interpretado e aplicado, percorrendo mesmo aquilo que foi a sua evolução, mas também o demais quadro normativo que se revele necessário e pertinente para tal julgamento.

XII. Assim, e no que para aqui releva, extrai-se dos arts. 73.º e 74.º, n.º 1, do «EA» que com a passagem do interessado à aposentação o mesmo, enquanto aposentado, passa a ser titular do direito a uma pensão, continuando, todavia, “vinculado à função pública, conservando os títulos e a categoria do cargo que exercia e os direitos e deveres que não dependam da situação de atividade”.

XIII. Temos, por sua vez, que o «EA» previu sempre, desde a sua versão primitiva, no seu art. 78.º um regime denominado de “incompatibilidades”, regime esse cujos termos e redação foi sendo, contudo, sucessivamente objeto de várias modificações até 2010 [vide, no caso, as alterações produzidas ao normativo pelo DL n.º 215/87, de 19.05, pelo DL n.º 179/2005, de 02.11, e pelo DL n.º 137/2010, de 28.12 - redação que se mostra em crise nos autos], e, inclusive, depois [cfr. a Lei n.º 11/2014, de 06.03, e a Lei n.º 75-A/2014, de 30.09], para além do próprio regime do art. 78.º do «EA», bem como do artigo seguinte, ter sido estendido aos beneficiários de pensões de reforma pagas pela Segurança Social ou por outras entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões [cfr. a Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, a Lei n.º 11/2014, de 06.03, a Lei n.º 83-C/2013, de 31.12], e de também o referido DL n.º 137/2010 ter sido objeto de alteração [cfr. a Lei n.º 60-A/2011, de 30.11] e de interpretação [cfr. o DL n.º 68/2011, de 14.06].

XIV. Inicialmente, previa-se um impedimento aos aposentados de exercerem funções remuneradas ao serviço, mormente, do Estado, dos institutos públicos [incluindo os “organismos de coordenação económica], das autarquias locais e das empresas públicas, excecionando-se apenas as funções prestadas em regime de prestação de serviços nas condições previstas na al. a) do n.º 2 do art. 01.º do «EA» e as demais permitidas por lei “quer diretamente quer mediante autorização do Conselho de Ministros” [cfr. n.º 1], constituindo uma proibição legal que fazia incorrer o interessado e demais responsáveis na obrigação de reposição dos valores pagos, bem como em responsabilidade disciplinar [cfr. n.º 2].

XV. Através da alteração operada em 1987 pelo DL n.º 215/87 desapareceu o estabelecimento da sanção que se mostrava prevista no n.º 2 do art. 78.º, disciplinando-se igualmente que, nomeadamente, os aposentados não poderiam exercer funções públicas ou prestarem trabalho remunerado nas empresas públicas, ou seja, não poderiam voltar a trabalhar para o Estado e demais entes públicos e deles receberem remuneração segundo o regime igual ou semelhante àquele por que se haviam aposentado, visando-se, assim, evitar que um mesmo beneficiário pudesse auferir do Estado, em duplicado, rendimentos provenientes do exercício de funções públicas exercidas no quadro de vinculação hierárquica e de disciplina.

XVI. Comportava tal regime regra de incompatibilidade, todavia, as exceções que se mostravam elencadas nas als. a) a c) do art. 78.º e que permitiam o exercício por aposentados de funções públicas em acumulação, figurando entre tais exceções as que o legislador haja previsto ou permitido noutros normativos [al. b)] e, bem assim, as que hajam sido autorizadas pelo Primeiro-Ministro, sob proposta do membro do Governo que detenha poder hierárquico ou tutelar sobre a entidade onde o aposentado vai exercer funções [al. c)].

XVII. Mas ainda as que consistam na prestação de serviço por parte do aposentado a qualquer entidade pública, atividade essa [intelectual ou manual] feita num quadro de total autonomia e visando proporcionar aquela entidade o efeito ou resultado pela mesma pretendido com a aquisição ou o fornecimento do serviço mediante a contrapartida da retribuição, e sem que haja um exercício de funções pelo aposentado num quadro de dependência, de controle, de orientação, de direção e de disciplina relativamente à entidade pública [al. a)].

XVIII. Em todas as situações de acumulação do exercício de funções públicas ou prestação de trabalho remunerado por aposentados estes continuavam, nos termos do art. 79.º do «EA», a receber mensalmente e na sua integralidade a pensão de aposentação, sendo-lhes ainda abonado, por tal acumulação, uma terça parte daquilo que era a remuneração que cabia às funções concretamente exercidas pelos mesmos, salvo se o Primeiro-Ministro, sob proposta do membro do Governo que tivesse o poder hierárquico ou de tutela sobre a entidade onde o aposentado prestasse o seu trabalho, autorizasse um montante superior, que, todavia, nunca poderia ultrapassar aquilo que era o limite remuneratório legal previsto para tal função.

XIX. Com o DL n.º 179/2005 veio a proceder-se a uma nova alteração ao regime em matéria de incompatibilidades inserto nos arts. 78.º e 79.º do «EA», extraindo-se do respetivo preâmbulo, nomeadamente, por um lado, que “[o] exercício de funções públicas por aposentados ao abrigo do Estatuto da Aposentação justifica-se exclusivamente por razões de interesse público” e que o regime até aí vigente envolvia “uma significativa discricionariedade quer no que se refere à decisão em si mesma quer na definição do valor do abono devido por tal exercício” e, por outro lado, que a situação das contas públicas implicava “a adoção de critérios mais rigorosos em todas as áreas potencialmente geradoras de despesa pública” e de que a existência condigna dos aposentados era “garantida pela atribuição das respetivas pensões”, pelo que quando lhes era “excecionalmente autorizado o exercício de funções públicas” de tal situação não deveria “decorrer a possibilidade de cumulações remuneratórias suscetíveis de pôr em causa elementares princípios de equidade”.

XX. Na concretização das linhas orientadoras explanadas no preâmbulo passou, por um lado, a disciplinar-se no art. 78.º do Estatuto que os aposentados não podiam “exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, ainda que em regime de contrato de tarefa ou de avença, em quaisquer serviços do Estado, pessoas coletivas públicas ou empresas públicas”, salvo quando houvesse lei que o permitisse ou, então, quando o Primeiro-Ministro expressamente o decidisse “por razões de interesse público excecional” [n.º 1] mediante despacho no qual o “interesse público excecional” carecia de ser “devidamente fundamentado, com suficiente grau de concretização, na justificada conveniência em assegurar por essa via as funções que se encontram em causa” [n.º 2], sendo que tal decisão tinha de ser precedida de proposta do membro do Governo com poder de direção, de superintendência, de tutela ou de outra forma de orientação estratégica sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções deveriam ser exercidas ou o trabalho deveria ser prestado [n.º 3], a mesma produzia “efeitos por um ano” salvo se fosse fixado “um prazo superior, em razão da natureza das funções ou do trabalho autorizados” [n.º 5 - ver ainda quanto às autorizações anteriores e existentes à data da vigência do diploma a disciplina inserta no art. 02.º do mesmo DL em termos de reapreciação/renovação] e não poderia ser tomada em relação a quem se encontrasse “na situação prevista no n.º 1 em razão da utilização de mecanismos legais de antecipação de aposentação” ou tivesse sido “aposentado compulsivamente” [n.º 4].

XXI. E, por outro lado, em sede de cumulação de remunerações passou a disciplinar-se no art. 79.º que “[q]uando aos aposentados e reservistas, ou equiparados, seja permitido, nos termos do artigo anterior, exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, é-lhes mantida a respetiva pensão ou remuneração na reserva, sendo-lhes, nesse caso, abonada uma terça parte da remuneração base que competir àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes seja mais favorável, mantida esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão ou remuneração na reserva que lhes seja devida” [n.º 1], sendo que as "condições de cumulação referidas no número anterior são fixadas pela decisão prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior” [n.º 2].

XXII. Temos, assim, que com o DL n.º 179/2005, e até à data do início de vigência do DL n.º 137/2010, procedeu-se à eliminação do elenco das exceções ao regime regra de incompatibilidade a prestação de serviço por parte do aposentado, já que apenas figuram como situações ressalvadas a existência de lei que o permita ou, então, a existência de despacho autorizativo do Primeiro-Ministro, sendo que tal incompatibilidade quanto ao exercício de funções públicas ou de prestação de trabalho remunerado em quaisquer serviços do Estado, pessoas coletivas públicas ou empresas públicas foi estendido, também, ao exercício em regime de contrato de tarefa ou de avença nos mesmos entes, para além de que nas situações em que aos aposentados era possível o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho/serviço remunerado era-lhes permitido, em matéria de cumulação de remunerações, ou manter a respetiva pensão a que se adicionava o abono de uma terça parte da remuneração base que competisse àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes fosse mais favorável, manter esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão.

XXIII. Com o DL n.º 137/2010 [publicado em 28 de dezembro], veio a introduzir-se uma nova alteração ao regime de incompatibilidades constante dos arts. 78.º e 79.º do «EA», o qual passou a vigorar no dia seguinte ao da publicação do diploma [cfr. n.º 1 do art. 10.º daquele DL], podendo ler-se no respetivo preâmbulo, nomeadamente e no que aqui ora releva, que “[n]o quadro de uma política comum adotada na zona euro com vista a devolver a confiança aos mercados financeiros e aos seus agentes e fazer face ao ataque especulativo à moeda única, o Governo Português reafirma o total empenhamento em atingir os compromissos assumidos em matéria de redução do défice orçamental em 2010 e 2011”, pelo que “[p]ara o efeito, o Governo decidiu adotar um conjunto de medidas de consolidação orçamental adicionais às previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013 e às que venham a constar da lei do Orçamento do Estado para 2011 cujos efeitos se pretende que se iniciem ainda no decurso de 2010”, representando tais medidas “um esforço adicional no sentido de assegurar o equilíbrio das contas públicas de modo a garantir o regular financiamento da economia e a sustentabilidade das políticas sociais”, termos em que “as medidas adotadas concentram-se principalmente na redução da despesa de modo a reforçar e a acelerar a estratégia de consolidação orçamental prevista no PEC 2010-2013” e, assim, através deste diploma “elimina-se a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação”.

XXIV. Daí que, de harmonia com o previsto no n.º 1 do art. 06.º do DL em referência, passou a estipular-se no art. 78.º do «EA» que os aposentados “não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública” [n.º 1], que “[n]ão podem exercer funções públicas nos termos do número anterior: a) Os aposentados que se tenham aposentado com fundamento em incapacidade; b) Os aposentados por força de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva” [n.º 2], sendo que “[c]onsideram-se abrangidos pelo conceito de exercício de funções: a) Todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração; b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços” [n.º 3] e que a “decisão de autorização do exercício de funções é precedida de proposta do membro do Governo que tenha o poder de direção, de superintendência, de tutela ou influência dominante sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções devam ser exercidas, e produz efeitos por um ano, exceto se fixar um prazo superior, em razão da natureza das funções” [n.º 4].

XXV. E no art. 79.º, com a epígrafe de “cumulação de pensão e remuneração”, passou a preceituar-se que “[o]s aposentados (…), autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções” [n.º 1], que “[d]urante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado” [n.º 2], sendo que “[c]aso seja escolhida a suspensão da pensão, o pagamento da mesma é retomado, sendo esta atualizada nos termos gerais, findo o período da suspensão” [n.º 3] e que “[o] início e o termo do exercício de funções públicas são obrigatoriamente comunicados à Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA, I.P.), pelos serviços, entidades ou empresas a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º no prazo máximo de 10 dias a contar dos mesmos, para que a CGA, I.P., possa suspender a pensão ou reiniciar o seu pagamento” [n.º 4], para além de que “[o] incumprimento pontual do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, pessoal e solidariamente responsável, juntamente com o aposentado, pelo reembolso à CGA, I.P., das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência daquela omissão” [n.º 5].

XXVI. De notar que, nos termos do n.º 2 do art. 06.º do mesmo DL, “[o] disposto nos artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 498/72 (…) tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excecionais, em contrário, sem prejuízo do disposto no número seguinte” e que “[é] ressalvado do disposto no número anterior o regime constante do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de julho - [diploma no qual estava contido o regime excecional a que obedecia o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado por médicos aposentados em serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica] -, durante o período da sua vigência, que permite aos sujeitos por ele abrangidos cumular a pensão com uma terça parte da remuneração base que competir às funções exercidas ou, quando lhes seja mais favorável, cumular a remuneração base que competir a tais funções acrescida de uma terça parte da pensão que lhes seja devida” [n.º 3 do mesmo preceito].

XXVII. Importando, ainda, ter em atenção o disciplinado no diploma em matéria de “aplicação da lei no tempo” no seu art. 08.º onde se estipulou que o regime introduzido pelo art. 06.º aplicava-se, por um lado, “aos pedidos de autorização de exercícios de funções públicas por aposentados que sejam apresentados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei” [n.º 1] e, por outro lado, “a partir de 1 de janeiro de 2011 aos aposentados ou beneficiários de pensões em exercício de funções que tenham sido autorizados para o efeito ou que já exerçam funções antes da entrada em vigor do presente decreto-lei” [n.º 2], pelo que “[n]o prazo de 10 dias contados da data referida no número anterior, os aposentados aí referidos comunicam às entidades empregadoras públicas ou à Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA, I.P.), consoante o caso, se optam pela suspensão do pagamento da remuneração ou da pensão” [n.º 3], sendo que “[c]aso a opção de suspensão de pagamento recaía sobre a remuneração, deve a entidade empregadora pública a quem tenha sido comunicada a opção informar a CGA, I.P., dessa suspensão” [n.º 4] e que “[q]uando se verifiquem situações de cumulação e sem que tenha sido manifestada a opção a que se refere o n.º 3, deve a CGA, I.P., suspender o pagamento do correspondente valor da pensão” [n.º 5].

XXVIII. E, também, no que veio a preceituar-se no art. 173.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12 [diploma que veio aprovar o Orçamento do Estado para o ano de 2011], em que sob a epígrafe de “extensão do regime de cumulação de funções”, se determinou que “[o] regime de cumulação de funções públicas remuneradas previsto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação (…) é aplicável aos beneficiários de pensões de reforma da segurança social e de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de entidades públicas, designadamente de institutos públicos e de entidades pertencentes aos setores empresariais do Estado, regional e local, a quem venha a ser autorizada ou renovada situação de cumulação”, e, bem assim, ao estabelecido pelo n.º 2 do art. 10.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30.11, onde se estipulou que “[a] alteração ao Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, prevista no artigo 8.º, reporta os seus efeitos a 1 de setembro de 2011”.

XXIX. Para além disso através do DL n.º 68/2011, de 14.06, em cujo preâmbulo consta, nomeadamente, que tendo este último diploma fixado uma “nova redação para os seus artigos 78.º e 79.º, relativos, respetivamente, a «incompatibilidades» e a «cumulação de remunerações», com vista a eliminar a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação” e em que a amplitude da “medida ficou, desde logo, consagrada no n.º 2 do seu artigo 6.º, conferindo ao regime natureza imperativa, que prevalece sobre quaisquer outras normas, gerais ou excecionais, em contrário”, veio a afirmar-se no seu artigo único, sob a epígrafe de “norma interpretativa do Decreto-Lei n.º 137/2010 …”, que “[a]s limitações ao exercício de funções públicas e à cumulação de pensão e remuneração impostas pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 137/2010 (…) não se aplicam aos deficientes militares abrangidos pelos regimes especiais constantes dos Decretos-Leis n.ºs 43/76, de 20 de janeiro, 314/90, de 13 de outubro, e 240/98, de 7 de agosto”.

XXX. Temos, assim, que com as alterações produzidas pelo DL n.º 137/2010 no «EA», em concreto, nos normativos em referência, as quais gozam de natureza imperativa e prevalecem sobre quaisquer outras normas em contrário [sejam elas gerais ou excecionais], e da extensão de tal regime operada pela referida Lei n.º 55-A/2010, os aposentados e os reformados, salvo lei especial que o permita [v.g., quanto aos médicos (através do regime inserto no DL n.º 89/2010), e quanto aos deficientes das Forças Armadas abrangidos pelos DL’s n.ºs 43/76, 314/90 e 240/98 (cfr. DL n.º 68/2011), tendo ainda sido introduzidas ou aditadas posteriormente outras exceções (cfr. arts. 04.º e 05.º da Lei n.º 11/2014, de 06.03)] ou decisão autorizativa da autoria de membro do Governo responsável pelas áreas das finanças e da Administração Pública fundada em razões de “interesse público excecional”, não podem exercer “funções públicas remuneradas” para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, considerando-se abrangidos pelo conceito de “exercício funções” remuneradas, aludido no n.º 1 do art. 78.º do «EA», todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração, bem como todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços [cfr. n.º 3 do mesmo artigo].

XXXI. E nas situações em que os aposentados/reformados estejam autorizados a exercer tais funções os mesmos, ao invés do que era o regime até aí vigente, passaram, por força do previsto no art. 79.º do «EA», a não poder cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções, já que durante o exercício destas ficava suspenso, consoante a opção do aposentado/reformado, o pagamento da pensão ou da remuneração, reintroduzindo-se, ainda, a responsabilidade do dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, em termos pessoais e solidários com o aposentado, relativamente ao dever de reembolso à «CGA, IP» das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência da omissão do dever de comunicação estabelecido no n.º 4 do referido preceito.

XXXII. Discute-se nos autos da validade da inclusão e aplicação aos peritos avaliadores aposentados/reformados inscritos numa das listas oficiais previstas no DL n.º 125/2002 do regime constante dos arts. 78.º e 79.º do «EA» que foi feita através do ato impugnado, cabendo aferir e determinar, por um lado, se as funções pelos mesmos desempenhadas naquela atividade/qualidade correspondem ou se mostram abrangidas pelo conceito de exercício de “funções públicas remuneradas” previsto no n.º 1 do referido art. 78.º e se são prestados a serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas e, por outro lado, caso tal tenha sido determinado pelo legislador, se o regime normativo instituído se mostra ou não conforme com a nossa Lei Fundamental, nomeadamente, com o direito ao trabalho e ao acesso/escolha da profissão em articulação também com os princípios da igualdade e da proporcionalidade [arts. 13.º, 18.º, 47.º e 58.º, n.º 1, da CRP], e, bem assim, com a regra de reserva relativa de competência legislativa [art. 165.º, n.º 1, al. t), da CRP].

XXXIII. Impõe-se, assim e antes demais, determinar o alcance ou âmbito do conceito de exercício de “funções públicas remuneradas” ali consagrado, para aferir, de seguida, da inclusão ou não da atividade dos peritos avaliadores constantes duma das referidas listas oficiais naquele conceito.

XXXIV. Refira-se, desde logo, que a alusão naquele preceito a exercício de “funções públicas” não constitui ou se mostra como um sinónimo de função pública, não se reconduzindo o seu âmbito tão-só àquilo que concetualmente se define, comummente, ou como função pública em sentido estrito, enquanto designando o conjunto de trabalhadores da Administração Pública cujas relações de emprego, de natureza estatutária, se mostram regidas por um regime específico de Direito administrativo, ou ainda a um sentido mais amplo de função pública, abarcando todas as relações/vínculos de emprego estabelecidas entre uma pessoa física com uma pessoa coletiva pública e cuja disciplina jurídica, podendo ser “jus-laboralísticas” ou “jus-administrativistas”, tenha, todavia, na base e enquanto denominador comum, um regime “jus-publicista”.

XXXV. O uso no plural da locução “função pública” aponta, desde logo, no sentido de que ali se visou abarcar não apenas o sentido mais amplo de função pública atrás acabado de referir, ou seja, todo o tipo de exercício de funções no quadro de relações/vínculos de emprego estabelecidos com um empregador público, mas um sentido ainda mais amplo, abrangendo também o exercício de cargos públicos, mormente, daqueles que, fora de subordinação jurídica, exercem cargos diretivos ou são titulares de órgãos administrativos.

XXXVI. Mas, por outro lado, por força do previsto no n.º 3 do art. 78.º do «EA» e da enorme amplitude pelo mesmo aportada, mostram-se, ainda, incluídos no conceito de exercício de funções relevantes nesta sede, fazendo operar as incompatibilidades que impendem sobre aposentados e reformados, todos os tipos de atividade e de serviços [independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração], bem como todas as modalidades de contratos [independentemente da respetiva natureza - pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços] com quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas.

XXXVII. Não só os contratos de prestação de serviços, nas modalidades, mormente, de contratos de tarefa e de avença, não figuram entre o tipo de vínculos contratuais considerados excluídos do regime das incompatibilidades, como o legislador alargou, enormemente, o leque dos tipos de vínculos geradores de incompatibilidades para aposentados e reformados em termos de exercício de funções remuneradas para entidades ou pessoas coletivas públicas já que, independentemente da duração, regularidade e forma de remuneração, nelas passam a estar incluídos todos os tipos de atividade e de serviços, assim como todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, seja ela pública ou privada, seja ela laboral ou de aquisição de serviços.

XXXVIII. De notar que, no ativo, os trabalhadores em funções públicas estavam, à data, e estão, ainda hoje, sujeitos uma regra de incompatibilidade com o exercício de outras funções [cfr. art. 26.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27.02 - atualmente art. 20.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas («LTFP»), aprovada e publicada como anexo à Lei n.º 35/2014, de 20.06], já que “[a]s funções públicas são, em regra, exercidas em regime de exclusividade”, sendo que, à data, o exercício de funções em acumulação com outras funções públicas [cfr. art. 27.º da Lei n.º 12-A/2008] só poderia ocorrer se estas não fossem “remuneradas e haja na acumulação manifesto interesse público” ou quando, sendo remuneradas e existisse manifesto interesse público na acumulação, o exercício de funções em acumulação respeitasse a inerências, a atividades de representação de órgãos ou serviços ou de ministérios, ou se reportasse à participação em comissões ou grupos de trabalho, em conselhos consultivos e em comissões de fiscalização ou outros órgãos colegiais [neste caso para fiscalização ou controlo de dinheiros públicos], ou, então, em atividades de carácter ocasional e temporário que possam ser consideradas complemento da função, ou em atividades docentes ou de investigação [de duração não superior à fixada em despacho dos membros do Governo responsáveis pelas finanças, Administração Pública e educação ou ensino superior e que, sem prejuízo do cumprimento da duração semanal do trabalho, não se sobrepusesse em mais de um terço ao horário inerente à função principal], ou, ainda, na realização de conferências, palestras, ações de formação de curta duração e outras atividades de idêntica natureza.

XXXIX. E quanto à acumulação com funções privadas [cfr. art. 28.º da Lei n.º 12-A/2008] a regra era, também, a de que o exercício de funções públicas não poderia ser acumulado com o de funções ou atividades privadas, admitindo-se que a título remunerado ou não, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, poderiam ser acumuladas, pelo trabalhador ou por interposta pessoa, funções ou atividades privadas desde que as mesmas não fossem concorrentes ou similares com as funções públicas desempenhadas e que com estas fossem conflituantes [cfr. n.º 2 do preceito e concretização do n.º 3], e que as mesmas não fossem legalmente consideradas como incompatíveis com as funções públicas, ou desenvolvidas em horário sobreposto, ainda que parcialmente, ao das funções públicas, ou que não comprometessem a isenção e a imparcialidade exigidas pelo desempenho das funções públicas, nem provocassem algum prejuízo para o interesse público ou para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos [cfr. n.º 4 do mesmo preceito].

XL. De notar, ainda, que, nos termos do art. 29.º daquele diploma, a acumulação de funções [públicas ou privadas] estava também ela dependente de autorização conferida pela entidade dotada de competência para o efeito.

XLI. Sendo aquele o quadro das incompatibilidades para aposentados e reformados que neste âmbito se mostrava definido importa, pois, caracterizar a natureza e tipo de atividade que é exercida pelos peritos avaliadores integrantes duma das listas oficiais previstas no DL n.º 125/2002, de 10.05 [cfr., nomeadamente, os arts. 01.º, 02.º, 09.º, 10.º, 11.º, 12.º, todos do referido DL (na redação introduzida pelos DL’s n.ºs 12/2007, de 19.01, e 94/2009, de 27.04) em articulação com previsto nos arts. 10.º, n.º 4, 20.º, n.ºs 8 e 9, 45.º, 46.º a 49.º, 58.º, 61.º, 62.º e 89.º, todos do «CE» e com o disposto nas Portarias n.º 788/2004, de 09.07, n.º 240/2008, de 17.03, e n.º 449/2009, de 29.04], presente que tais listas, enquanto atos de certificação, visam operar o reconhecimento, validação e habilitação/acreditação por parte dos peritos que nelas figuram para o desempenho das competências e funções definidas no aludido diploma, e sendo que tais funções só podem ser exercidas por peritos que integrem aquelas listas oficiais [cfr. n.º 1 do art. 02.º do DL n.º 125/2002], cientes que o facto de serem aposentados ou reformados não conduz à sua necessária e automática exclusão daquelas listas, visto a exclusão apenas decorrerá do facto de o perito avaliador que tenha completado 70 anos de idade não haver feito prova, através de atestado médico, de que possui aptidão física para o exercício de funções [cfr. art. 12.º, n.ºs 1, al. e), 5 e 6, do DL n.º 125/2002].

XLII. Estes peritos avaliadores constantes das referidas listas oficiais exercem nos procedimentos e processos expropriativos por utilidade pública para os quais são nomeados funções ora como peritos, produzindo relatórios, vistorias ad perpetuam rei memoriam ou laudos periciais contendo avaliação de prédios alvo de expropriação [cfr. arts. 01.º, e 02.º, do referido DL n.º 125/2002, em articulação com previsto nos arts. 10.º, n.º 4, 20.º, n.ºs 8 e 9, 61.º e 62.º todos do «CE»], ou ora como árbitros, produzindo decisões/acórdãos arbitrais [cfr. arts. 01.º, e 02.º, do referido DL n.º 125/2002, em articulação com previsto nos arts. 45.º a 49.º, todos do «CE»], ficando, inclusive, inibidos/proibidos de intervirem como peritos avaliadores indicados pelas partes em processos de expropriação que corram termos em tribunal na sequência de remessa feita nos termos do n.º 2 do art. 42.º ou do n.º 1 do art. 50.º ambos do «CE» [cfr. arts. 15.º do DL n.º 125/2002 na redação supra aludida], impedimento este que não valerá quando o processo expropriação ainda não corra em tribunal [cfr. situação prevista no n.º 5 do art. 11.º do «CE»], nem para as intervenções no âmbito de perícias noutros processos judiciais nos tribunais ou para perícias que, no âmbito privado e extrajudicial, lhe sejam solicitadas por quaisquer outras pessoas singulares ou coletivas.

XLIII. Da análise do regime normativo disciplinador das condições de exercício de funções de perito avaliador e árbitro constantes do referido DL n.º 125/2002 [cfr. nomeadamente, seus arts. 01.º, 02.º, 03.º, 11.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º, 20.º e 21.º] na sua articulação com o «CE» e com aquilo que, à data, eram [cfr., mormente, arts. 01.º, 08.º, 09.º, 10.º, 11.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º, todos da Lei n.º 12-A/2008] e, atualmente, são [cfr., nomeadamente, os arts. 06.º, 07.º, 08.º, 09.º, 10.º, 25.º, 33.º, 40.º, 41.º, 56.º, e 68.º da «LTFP»], as regras definidoras dos regimes de vinculação dos trabalhadores que exercem funções públicas, não resulta que, da inclusão numa das listas oficiais como perito avaliador, após concurso, curso de formação e graduação final, derivasse ou derive para aquele a constituição de um qualquer vínculo de trabalho subordinado de natureza administrativa, de algum vínculo de emprego público, porquanto, presente o próprio princípio da tipicidade dos vínculos jurídicos constitutivos das relações de emprego na Administração Pública, aquele ato de indicação ou nomeação não figura entre o leque dos atos jurídicos que, legalmente, conferiam tal vínculo [nomeação, comissão de serviço, ou contrato de trabalho em funções públicas], nem a relação que por efeito dele se estabelece envolve uma qualquer relação jurídica ou estatuto funcional de emprego público.

XLIV. É que inexiste, in casu, uma atividade de prestação de trabalho subordinado, uma relação de dependência desenvolvida no quadro ou integrada numa estrutura organizacional e sujeita a uma direção e autoridade disciplinar, na certeza de que da celebração de contrato de prestação de serviços, mormente, nas modalidades de avença e de tarefa, não envolvendo uma situação de subordinação ou de dependência jurídica, não deriva também dela a constituição de um vínculo de emprego público [cfr., atualmente, o disposto no art. 10.º, n.ºs 3 e 4, da «LTFP»].

XLV. E de tal inclusão como perito avaliador numa dessas listas oficiais não resulta, de igual modo, a constituição de uma qualquer relação contratual laboral de natureza privatística, sujeita e disciplinada pelo Direito de trabalho [cfr., nomeadamente, para além do quadro normativo atrás convocado relativo ao DL 125/2002, ainda os arts. 11.º e 139.º e segs., do Código de Trabalho/2009], já que inexiste, também aqui, uma prestação de trabalho subordinado no quadro de um contrato individual de trabalho que haja sido celebrado, com sujeição ou conformação, quanto ao modo como tal prestação se deve realizar, à autoridade e direção do empregador, à autotutela laboral disciplinar deste.

XLVI. Presente o quadro normativo posto em referência temos, assim, que o exercício de funções como árbitro ou como perito avaliador integrante duma das listas oficiais no âmbito dos procedimentos e processos expropriativos disciplinados no «CE» corresponderá ao exercício de uma tarefa que reveste de manifesto interesse público, já que corresponde ao exercício de uma função no quadro expropriativo nas suas várias fases [administrativa, para-jurisdicional e jurisdicional] por sujeito privado, por um particular, de um determinado serviço, temporalmente circunscrito e não conferidor de qualquer vínculo de subordinação, para que foi convocado ou em que foi investido, em decorrência do mesmo mostrar-se dotado de especiais conhecimentos e qualidades que o habilitam à realização daquele serviço, por ato procedimental ou processual [de nomeação ou de indicação].

XLVII. Com efeito, não envolvendo a constituição de um qualquer vínculo de subordinação jurídica e hierárquica no quadro de relação de emprego [público ou privado], deverá entender-se como um exercício por conta própria, enquanto sujeito privado/particular, de funções no quadro de uma prestação dum serviço, que se estabelece, em termos ocasionais, através de ato isolado de escolha, de indicação ou de nomeação que venha a ser feito por “pessoa interessada na expropriação” [cfr. n.º 4 do art. 10.º do «CE» - podendo ser inclusive um sujeito privado - vide n.º 1 do art. 42.º do mesmo código], ou proferido de forma aleatória pelo presidente do tribunal da Relação competente [mormente, para a “realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam” e para intervir como árbitro na arbitragem - cfr., respetivamente, n.º 8 do art. 20.º, n.º 2 do art. 91.º e art. 45.º todos do «CE»] ou pelas partes e pelo tribunal [cfr. al. a) do n.º 1 do art. 62.º do «CE»], sem qualquer regularidade.

XLVIII. E de uma prestação dum serviço que, realizada mediante a apresentação do “relatório”, da “vistoria”, do “ato de avaliação” ou ainda dos “laudos” e “acórdão dos árbitros” no respetivo processo, é remunerada com os honorários devidos [cfr. arts. 50.º do «CE», 20.º do DL n.º 125/2002, 16.º, n.º 1, als. h) e i), 17.º, 25.º, n.º 2, al. c), e 26.º, todos do «RCP»], os quais mostram-se sujeitos, mormente, a um regime de tributação de rendimentos que não é configurado como de rendimentos de trabalho dependente [categoria A] ou de pensões [categoria H] [cfr., nomeadamente, os arts. 01.º, 02.º, 02.º-A, e 11.º do «CIRS»], mas como de rendimentos empresariais e profissionais [categoria B] [cfr., mormente, os arts. 01.º, 03.º e 151.º, todos do «CIRS», em articulação com o anexo I àquele art. 151.º publicado com a Portaria n.º 1011/2001, de 21.08 - vide, em concreto, quanto à tabela de atividades o seu ponto 13/1331], como “recibo verde”, e, bem assim, às demais obrigações fiscais devidas [nomeadamente, suscetibilidade de incidência objetiva/subjetiva de tributação em IVA - cfr. o disposto nos arts. 01.º, 02.º e 04.º, todos do «CIVA»].

XLIX. Sustentou o Tribunal Constitucional [«TC»] [cfr. o seu Ac. n.º 16/2015, de 14.01.2015 (Proc. n.º 115/14) in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos daquele Tribunal sem expressa referência em contrário], relativamente à situação dos peritos nomeados no âmbito de processos judiciais e à fixação dos respetivos honorários e limitações legais a tal fixação insertos no RCP, que “[t]odos os peritos, enquanto agentes da prova pericial (…), e independentemente do modo da sua designação, têm de elaborar um relatório pericial, no qual se pronunciam sobre o objeto da perícia e estar disponíveis para sobre o mesmo prestarem os esclarecimentos que eventualmente lhes venham a ser pedidos (cfr. os artigo 484.º, n.º 1, e 486.º do Código de Processo Civil)”, e que “[o] desempenho da função de perito corresponde a um dever de colaboração com o tribunal e, como tal, é obrigatório (cfr. o artigo 469.º, n.º 1, do Código de Processo Civil)”, sendo que tal “obrigatoriedade constitui, aliás, um dos aspetos do dever legal de colaboração dos cidadãos na administração da justiça”.

L. Para de seguida caracterizar a atividade pericial desenvolvida no âmbito de um processo judicial sustentando que a mesma “«(…) não se reconduz […] a uma relação de emprego subordinado, sendo diferente a sua natureza». O perito é um agente de prova que, para um dado processo, e por designação do juiz, desempenha uma atividade de serviço público”, porquanto “o que «faz» de alguém um perito não é a respetiva atividade profissional - que, no limite, até pode não existir -, mas simplesmente quaisquer conhecimentos especiais - científicos, técnicos, artísticos ou, também, profissionais - suscetíveis de servirem de base à perceção e apreciação de factos necessários à decisão de uma dada causa”, e tanto mais que “«os peritos continuam a exercer a sua atividade profissional, no caso dos autos, como engenheiros civis, mas, quando instados a prestar colaboração ao tribunal, a sua remuneração (e só esta, uma vez que exercem livremente o seu múnus profissional sem interferência de ninguém, mesmo enquanto peritos) encontra-se previamente estabelecida em diploma próprio. Até para salvaguardar um tratamento remuneratório idêntico para peritos que se encontrem nas mesmas circunstâncias (v.g. o mesmo grau de intervenção, a mesma complexidade da peritagem, o mesmo tempo nela despendido, etc.)»”.

LI. Ainda a este propósito aquele mesmo Tribunal havia afirmado, no seu acórdão n.º 656/2014, de 14.10.2014 [Proc. n.º 1361/13], que “[d]iferentemente da relação normal de trabalho, a atividade pericial caracteriza-se, assim, pela prestação esporádica no exercício de um serviço público, devendo salientar-se ainda a tendencial obrigatoriedade de aceitação da nomeação, já que só invocando motivos pessoais que permitam concluir pela inexigibilidade da nomeação será possível ver deferido o correspondente pedido de escusa”.

LII. Refira-se, ainda, que toda esta argumentação e fundamentação veio a ser reiterada e reafirmada pelo mesmo Tribunal no seu Ac. n.º 33/2017, de 01.02.2017 [Proc. n.º 682/16].

LIII. Também ao nível doutrinal a atividade pericial desenvolvida no âmbito de um processo judicial foi considerada por Pedro Gonçalves como não representando “o desempenho de uma função jurisdicional por particulares” já que nas situações de auxílio aos tribunais por peritos “a esses particulares não está de facto entregue um poder decisório, mas apenas o encargo de coadjuvar ou auxiliar as autoridades judiciais o exercício da sua função de dizer o direito”, correspondendo a “expressões do dever legal de colaboração dos cidadãos na administração da justiça”, que “[e]mbora conexas com o exercício da função jurisdicional, as tarefas dos auxiliares ou colaboradores não são jurisdicionais” [in: “Entidades privadas com poderes públicos”, págs. 560/561].

LIV. Assim, no contexto de tudo o atrás exposto afigura-se-nos como dado adquirido o de que os peritos avaliadores constantes duma das listas oficiais, intervindo na qualidade de peritos ou de árbitros [em sede de procedimentos e de processos expropriativos de expropriação por utilidade pública nas suas várias fases], não corresponde ao exercício de um qualquer cargo público, nem envolve a constituição de um qualquer vínculo subordinado de emprego [público/privado] que os faça integrar num qualquer conceito de função pública nalgum dos sentidos a que supra se fez referência.

LV. Como já anteriormente referido o conceito de exercício de “funções públicas remuneradas”, ou melhor, daquilo que se entendeu ou considerou como devendo ter-se nele incluído em termos de definição do estatuto de aposentados e de reformados ao nível do regime de incompatibilidades e de cumulação de pensão e remuneração inserto nos arts. 78.º e 79.º do «EA», sofreu um inequívoco alargamento com a alteração operada pelo DL n.º 137/2010, face à amplitude de situações jurídicas e/ou de tipos de atividades, serviços e contratos tidos por abrangidos, amplitude essa que certamente esteve na origem, ou não é alheia, àquilo que é, hoje e após 2014 com a alteração operada nos citados preceitos pela Lei n.º 75-A/2014, de 30.09, a própria terminologia legal empregue com apelo à expressão de “atividade profissional remunerada”.

LVI. Com efeito, para a exclusão do seu âmbito não basta a demonstração de que a atividade concretamente desenvolvida por aposentado ou reformado não corresponda a exercício de funções públicas remuneradas no quadro de vínculo de emprego [público/privado num qualquer serviço da administração central, regional e autárquica, numa qualquer empresa pública, entidade pública empresarial ou que integre o setor empresarial regional e municipal, ou ainda numa qualquer outra pessoas coletiva pública], ou que, fora de uma situação de subordinação jurídica, a mesma atividade não represente o exercício de um cargo público [no caso, não se trata de cargo diretivo ou de titularidade de órgão administrativo].

LVII. É que, face à vasta amplitude de atividades, serviços e vínculos abrangidos no conceito de exercício de funções geradoras de incompatibilidades para aposentados e reformados tal como o mesmo se mostra definido pelo n.º 3 do art. 78.º do «EA», impunha-se que as concretas funções desempenhadas por aposentados e reformados, enquanto peritos avaliadores inscritos numa das listas oficiais, não se integrassem no aludido conceito.

LVIII. E isso ocorre, na verdade, ao invés do que se mostra entendido nas instâncias.

LIX. Temos, desde logo, que, na atividade que tais peritos avaliadores desempenham enquanto árbitros, os mesmos não desenvolvem a sua função no âmbito ou enquanto sujeitos integrados em qualquer dos sujeitos ou entes previstos no n.º 1 do art. 78.º do «EA» ou que os mesmos prestem um qualquer serviço que, concretamente, os beneficie ou se destine aos mesmos na prossecução das suas atribuições e funções, pois, inexiste no caso uma prestação de função para qualquer daqueles sujeitos ou entes.

LX. É que aqueles são nomeados apenas pelo presidente do tribunal da Relação e não por indicação das partes [cfr. n.º 1 do art. 45.º do «CE»] [denominados, doutrinalmente, como árbitros de “designação neutra], dispõe de independência funcional, já que designados de entre uma lista oficial de cidadãos sujeitos a inibição e impedimentos vários, sendo-lhes exigida a emissão de “decisões arbitrais” [nas quais se fixa o valor do montante indemnizatório devido no quadro da expropriação, não constituindo um simples ou mero arbitramento], decisões essas que promanam de um verdadeiro e próprio tribunal, constituído como necessário pelo Estado e denominado pelo legislador como “arbitral” [cfr. arts. 42.º, 45.º, 46.º, 49.º, 51.º e 52.º do «CE» e 1082.º e segs. do CPC] e que nada tem que ver com o exercício de uma função para um concreto serviço dos identificados no n.º 1 do art. 78.º do «EA», presente que a intervenção como árbitro no âmbito de arbitragem necessária foi, aliás, entretanto ressalvada ou excecionada do âmbito deste regime de incompatibilidade para os árbitros presidentes constantes da lista oficial a que se referia o art. 375.º da Lei n.º 59/2008 [«RCTFP»] [cfr. n.º 2 do art. 04.º da Lei n.º 11/2014] e corresponde ao atual art. 384.º da «LTFP».

LXI. Estamos, assim, no quadro da jurisdictio, do exercício também da função jurisdicional enquanto atividade de natureza e carácter público, presente que a CRP, no seu art. 209.º, n.º 2, inclui, expressamente, os tribunais arbitrais entre as diversas categorias de tribunais tidos como existentes e admitidos.

LXII. isto quer se vejam tais tribunais ainda como “tribunais arbitrais necessários” com “carácter tipicamente publicístico” [cfr. entre outros, os Acs. do TC n.º 52/92, de 05.02.1992 (Proc. n.º 10/89), n.º 757/95, de 20.12.1995 (Proc. n.º 128/94), n.º 259/97, de 18.03.1997 (Proc. n.º 450/95), n.º 262/98, de 05.03.1998 (Proc. n.º 140/95), n.º 2/2013, de 09.01.2013 (Proc. n.º 478/12), n.º 123/2015, de 12.02.2015 (Proc. n.º 763/13)], quer como “tribunais estaduais especiais” instituídos ad hoc e composto por particulares que “são publicamente designados para assumir a titularidade de um órgão público” [cfr. Pedro Gonçalves in: ob. cit., págs. 570/573, em especial, págs. 572/573], ou ainda as “decisões tomadas por árbitros” como de “exercício privado da função jurisdicional” [cfr. Afonso Queiró em “A função administrativa”, in: Revista de Direito e de Estudos Sociais (REDS), Ano XXIV, n.ºs 1-2-3, pág. 24].

LXIII. Por outro lado, as avaliações e exames a que os referidos peritos procedem, exigindo especiais e elevados conhecimentos técnicos, constituem funções de grande responsabilidade, corporizando uma atividade funcionalizada à realização de interesses públicos vários prosseguidos nos procedimentos e processos de expropriação nas suas possíveis várias fases, tanto mais que dos requisitos habilitacionais para a sua seleção e inclusão numa das listas oficiais exige-se que não estarem “inibidos do exercício de funções públicas ou interditos para o exercício das respetivas funções” [cfr. art. 05.º, n.º 1, do DL n.º 125/2002] e do seu exercício e relatórios/laudos produzidos resulta, por um lado, a fixação do montante destinado a garantir o pagamento da justa indemnização aos expropriados, ou dos elementos de facto indispensáveis ao cálculo ou determinação daquela indemnização no procedimento expropriativo e, por outro lado, a realização de diligências instrutórias desenvolvidos enquanto auxiliares e colaboradores na realização da justiça nos processos de expropriação na fase judicial [quanto aos recursos interpostos do acórdão arbitral].

LXIV. É de frisar que enquanto peritos avaliadores os mesmos, quando nomeados pelo presidente do tribunal da Relação competente ou pelo juiz do tribunal judicial competente ou ainda quando indicados pelas entidades expropriantes ou pelos expropriados, devem agir com total imparcialidade, pautando a sua atuação pela estrita observância dos critérios legais e regras científicas da sua arte nas avaliações e relatórios periciais elaborados, bem como, enquanto “intervenientes no procedimento e processo expropriativo”, devem prosseguir o interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e dos beneficiários da expropriação, para o efeito respeitando, nomeadamente, os princípios da legalidade, da justiça, da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade e da boa fé [cfr. arts. 02.º do «CE» e 01.º do DL n.º 125/2002], e ter em conta o interesse geral da comunidade que justificou ou está na base da concreta expropriação, não atuando nunca como representantes dos interesses do sujeito que os indicou, nem no exercício daquela atividade/função estão ao serviço daquele sujeito, e presente que a sua inserção numa das listas oficiais não lhes confere um qualquer direito a exigirem a sua concreta indicação ou nomeação para algum ato avaliativo, pericial ou como árbitro.

LXV. Assim, ainda que a atividade de perito avaliador desenvolvida no âmbito de procedimentos e processos expropriativos se mostre desenvolvida por particulares e seja feita no quadro de tarefa ou incumbência que é pública, já que finalizada ou revertível à prossecução dos aludidos interesses gerais da coletividade, temos, todavia, que tal atividade não resulta integrada na previsão do n.º 1 do art. 78.º do «EA», porquanto não estamos em face do exercício de uma função remunerada para algum dos sujeitos ou entes elencados no preceito e no desenvolvimento, quadro e funções por estes prosseguidas.

LXVI. De facto, entre a concreta atividade desempenhada por perito avaliador e aquilo que com a mesma se visa prosseguir e realizar inexiste uma ligação, uma conexão, que permita relacionar ou qualificar o produto de tal desempenho como a função ou concreta atividade prosseguida por cada um dos entes/sujeitos públicos previstos no citado preceito.

LXVII. É que, se à luz do n.º 3 do art. 78.º do «EA» se mostram irrelevantes a duração, regularidade e forma de remuneração da atividade e serviço ou a natureza pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços do concreto vínculo contratual, temos que aquela atividade ou serviço desenvolvido pelos peritos avaliadores terá de se integrar ou de aproveitar/beneficiar os entes/sujeitos públicos previstos no n.º 1 citado preceito, naquilo que sejam as concretas atribuições e funções pelas mesmas prosseguidas ou desenvolvidas.

LXVIII. Inexistindo uma tal integração ou aproveitamento/benefício não poderemos falar num exercício de funções para qualquer daqueles entes/sujeitos públicos, mas, no fundo, para o assegurar nos processos expropriativos da promoção ou realização da função jurisdicional efetuada através dos tribunais [estaduais e/ou arbitrais] na fixação da justa indemnização, na certeza de que todo o regime de disciplina da exigência e pressupostos da autorização a conferir pelo membro de governo responsável pelas áreas das finanças e da Administração Pública [cfr. arts. 78.º, n.ºs 1, 4, 6 e 7, e 79.º, do «EA»], enquanto exceção à regra da incompatibilidade, revela-se como dificilmente conciliável, até como mesmo oposto, face àquilo que é a função das listas oficiais e, bem assim, àquilo constituem as competências e o regime insertos no «CE» quanto à indicação e à nomeação dos peritos avaliadores para o desempenho das várias atividades no âmbito dos procedimentos e processos de expropriação, mormente, daquilo que são as competências dos presidentes dos tribunais da Relação e já na fase judicial dos juízes dos tribunais judiciais nos processos de expropriação, tal como também ao próprio regime de impedimentos e de suspeição, da sua arguição e declaração constantes do mesmo DL n.º 125/2002 e na sua articulação com o «CE».

LXIX. Nessa medida, em consonância com tudo o atrás exposto, os peritos avaliadores integrantes de uma das listas oficiais previstas no DL n.º 125/2002 para o exercício de funções de perito e árbitro no âmbito dos procedimentos e processos expropriativos disciplinados pelo «CE» não estão abrangidos pelo regime incompatibilidade definido nos arts. 78.º e 79.º do «EA», padecendo, assim, o ato impugnado de ilegalidade, já que prolatado em infração de tal quadro normativo.

LXX. Mas para além disso exigia-se, ainda, para o preenchimento da previsão da incompatibilidade de funções por parte de aposentado/reformado que as mesmas sejam remuneradas, sendo que tal remuneração de funções carece de ser feita com dinheiros públicos para que opere uma tal incompatibilidade no estatuto daquele.

LXXI. No contexto do regime normativo em referência e dos fins pelo mesmo prosseguidos, ou dos interesses que com o mesmo se visam promover ou acautelar, apenas faz sentido o estabelecimento duma tal incompatibilidade quando a remuneração das funções exercidas seja feita com recurso a dinheiros públicos, já que do que falamos, ou o que está em causa, prende-se com realização de despesa pública, com o dispêndio de dinheiros provenientes de orçamentos públicos nos pagamentos de pensões/reformas a aposentados/reformados e das funções/tarefas ou atividades pelos mesmos desenvolvidas em acumulação para sujeitos ou entidades públicas.

LXXII. Foi essa, aliás e como vimos supra, a motivação alegada pelo legislador no preâmbulo do aludido DL n.º 137/2010 justificadora da alteração do regime legal do «EA» nesta matéria, ou seja, a eliminação da possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação norteada pelas necessidades de redução da despesa pública e do reforço/aceleração da estratégia de consolidação orçamental.

LXXIII. Ora as funções dos peritos avaliadores atrás explicitadas constituem atividade/serviço remunerado tal como se extrai do cotejo e da análise do regime inserto nos arts. 50.º do «CE», 20.º do DL n.º 125/2002, 16.º, n.º 1, als. h) e i), 17.º, 25.º, n.º 2, al. c), e 26.º, todos do «RCP».

LXXIV. Da análise deste regime ressalta que os honorários por árbitros ou por peritos avaliadores inscritos numa das listas oficiais no quadro de processo expropriação e ainda as despesas pelos mesmos havidas para a realização da sua atividade não se pode concluir como claro e inequívoco que venham ou tenham de ser suportados em termos finais com recurso a dinheiros públicos.

LXXV. Se na sequência do atrás referido não se poderá, com propriedade, afirmar que estamos perante uma remuneração devida por uma atividade ou um serviço prestado a um ente ou sujeito previsto no art. 78.º, n.º 1, do «EA» já que nos movemos num quadro de atividade ou serviço prestado à e na realização da função jurisdicional, temos também que os custos daquele serviço, presentes as várias fases do processo expropriativo, não terão de ser suportados necessariamente por dinheiros públicos.

LXXVI. Desde logo, se a entidade beneficiária da expropriação ou a entidade expropriante for uma pessoa de direito privado os custos com honorários e despesas havidos com peritos avaliadores e árbitros serão pela mesma suportados inteiramente através do seu património.

LXXVII. Por outro lado, ainda que a entidade expropriante seja uma pessoa coletiva pública os custos havidos com árbitros e peritos avaliadores e suas despesas no âmbito do processo expropriativo, sendo liquidados após prática ou realização do serviço e não aguardando o termo do processo, constituem, todavia, despesas e encargos para as partes no mesmo processo, adiantando/suportando-os a parte requerente sob pena de não realização da diligência instrutória requerida [cfr. arts. 16.º, n.º 1, als. d) e h), 17.º, 20.º, 23.º, 25.º, n.º 2, e 26.º, todos do «RCP», 50.º, e 61.º, n.º 4, do «CE», 20.º do DL n.º 125/2002] e entrando/integrando, depois, em regra de custas como encargos a imputar na conta de custas da parte ou partes que forem responsáveis pelas custas e nelas condenadas, na proporção da condenação [cfr. arts. 527.º, 529.º, 532.º, 533.º, todos do CPC, 24.º, 25.º e 26.º do «RCP»].

LXXVIII. Daí que, nomeadamente, perante as situações mais frequentes de adiantamento por parte do expropriado no âmbito do processo de expropriação de despesas destinadas ao pagamento dos custos havidos com a atividade dos peritos avaliadores não se descortina que estejamos perante uma remuneração de funções com dinheiros públicos, não podendo o Estado, através do IGFEJ, deixar de liquidar os honorários e despesas devidos a tais peritos quando aposentados/reformados, arrecadando a verba recebida de particular e que não lhe é destinada, ao arrepio de todo o regime de custas, regime este que nem contem normas que possam contender com o que se disciplina no «EA».

LXXIX. Mas também aqui o regime previsto nos arts. 78.º e 79.º do «EA» quadra mal com aquilo que constitui o regime próprio disciplinador da atividade dos peritos avaliadores abrangidos pelo DL n.º 125/2002 e «CE», porquanto tal implicaria que a autoridade judiciária pudesse ou tivesse competência para “excluir” das listas oficiais de peritos avaliadores os aposentados/reformados designando para o efeito apenas os peritos avaliadores ainda no ativo, ou que pudesse, de antemão, perspetivar da nomeação de um perito da avaliador inscrito numa daquelas listas em função da parte que, a final, irá responder pelas custas [na totalidade ou na proporção] do processo de expropriação.

LXXX. De harmonia com o exposto, assiste razão à argumentação expendida pelos AA./Recorrentes, procedendo, por conseguinte e sem necessidade de mais desenvolvimentos, o presente recurso, bem como a pretensão deduzida pelos AA. quando reportada à declaração de que às funções de perito avaliador abrangidos pelo DL n.º 125/2002 e «CE» não é aplicável o regime previsto nos arts. 78.º e 79.º do «EA» na redação que lhes foi introduzida pelo DL n.º 137/2010, de 28.12.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie, revogando, pela motivação antecedente, o acórdão recorrido;
B) julgar a ação administrativa procedente, e, em consequência, anular o ato impugnado, declarando que as funções de perito [perito avaliador e árbitro] reguladas pelo DL n.º 125/2002 e Código das Expropriações não estão abrangidas pelo o regime de incompatibilidade previsto nos arts. 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação [na redação que lhes foi introduzida pelo DL n.º 137/2010, de 28.12].
Custas neste Supremo e no «TCA/N» a cargo dos RR. «MJ» e «CGA», no «TAF/P» a cargo dos RR..
D.N..

Lisboa, 13 de dezembro de 2017. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.