Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0219/17
Data do Acordão:01/11/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
JUBILAÇÃO
APOSENTAÇÃO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DIREITO AO TRABALHO
Sumário: I - A Magistrada do Ministério Público [MP] que, no ano de 2016, se aposentou por ter atingido o limite de idade, contando apenas 36 anos, 6 meses e 12 dias de tempo de serviço, não reúne o requisito relativo ao tempo de serviço mínimo exigido no anexo II a que se refere o n.º 1 do art. 148.º do Estatuto do MP [na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12.04], e que, para aquele ano, era de 39 anos.
II - Tal quadro normativo, definidor do regime da jubilação dos magistrados do MP, não infringe os princípios constitucionalmente consagrados da proteção da confiança e da proporcionalidade [cfr. arts. 02.º e 18.º da CRP] e da prossecução do interesse público [cfr. arts. 266.º, n.º 2, da CRP, e 04.º do CPA/2015].
Nº Convencional:JSTA00070477
Nº do Documento:SA1201801110219
Data de Entrada:02/23/2017
Recorrente:A.......
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ACÇÃO ADM
Objecto:DEL CSMP
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - APOSENTAÇÃO
Legislação Nacional:EMP ART148.
EMJ ART67.
CONST ART2.
CONST ART18 N3.
CONST ART29 N1 N3 N4.
CONST ART103 N3.
EA ART43.
CONST ART266 N2.
CPA ART4.
DL 229/2005 DE 2005/12/29 ART1 N2 D.
L 60/2005 DE 2005/12/29.
L 09/2011 DE 2011/04/12.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01692/13 DE 2014/05/22.; AC STA PROC01602/15 DE 2017/05/11.; AC TC N99/99 DE 1999/02/10.; AC TC N580/99 DE 1999/10/20.; AC TC N173/2001 DE 2001/04/18.; AC TC N302/2006 DE 2006/05/09.; AC TC N615/2007 DE 2007/12/19.; AC TC N158/2008 DE 2008/03/04.; AC TC N211/2008 DE 2008/05/02.; AC TC N222/2008 DE 2008/04/17.; AC TC N228/2008 DE 2008/04/21.; AC TC N229/2008 DE 2008/04/21.; AC TC N186/2009 DE 2009/04/21.; AC TC N188/2009 DE 2009/04/22.; AC TC N03/2010 DE 2010/01/06.; AC TC N862/2013 DE 2013/12/19.; AC TC N572/2014 DE 2014/07/30.; AC TC N195/2017 DE 2017/04/26.; AC TC N287/1990 DE 1990/10/30.; AC TC N128/2009 DE 2009/03/12.; AC TC N847/2014 DE 2014/12/03.; AC TC N232/1991 DE 1991/05/23.; AC TC N486/1997 DE 1997/07/02.; AC TC N303/1990.; AC TC N351/2008.
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO
1.1. A………………, devidamente identificada nos autos, intentou no Supremo Tribunal Administrativo ação administrativa contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [doravante «CSMP»], peticionando que, pela motivação aduzida na petição inicial [i) violação de lei, por infração ao disposto no art. 148.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público (doravante «EMP») (inserto na Lei n.º 47/86, de 15.10, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12.04) e seu Anexo II; e, ii) violação de lei, por infração dos princípios da proteção da confiança e da segurança (arts. 02.º e 18.º, ambos da CRP), da proporcionalidade, nas dimensões da justa medida, da razoabilidade e da proibição do excesso (art. 18.º da CRP), e da prossecução do interesse público], fosse “declarados nulos ou, se assim não se entender, … anulados os acórdãos do Conselho Superior do Ministério Público de 6 de outubro de 2016, pela Secção Permanente, e de 6 de dezembro de 2016 do Plenário” e condenado aquele “a praticar os atos necessários, incluindo emissão de nova deliberação que reconheça à autora o direito à jubilação e disso dê a devida nota à CGA para que este departamento diligencie o cálculo da pensão de jubilação com a retroatividade que se impõe”.

1.2. Citado o R. veio o mesmo a apresentar contestação, inserta a fls. 35 a 45 dos autos, no âmbito da qual arguiu a inimpugnabilidade da deliberação da Secção Permanente do «CSMP» de 06.10.2016, devendo, em consequência, ser absolvido da instância e, bem assim, contraditou no mais os fundamentos da presente ação administrativa, concluindo pela sua improcedência.

1.3. Notificada para se pronunciar sobre a questão da inimpugnabilidade invocada pelo R. veio a A. sustentar, na réplica produzida [cfr. fls. 53 e 54], a improcedência da arguida exceção.

1.4. Subsequentemente foi proferido despacho saneador [cfr. fls. 63 a 67 v.] sem qualquer impugnação, no qual, para além da dispensa da realização de audiência prévia, foi julgada improcedente a invocada exceção de inimpugnabilidade e determinou-se o prosseguimento dos autos sem que nos mesmos houvesse lugar a audiência final e produção de alegações [cfr. arts. 90.º, 91.º e 91.º-A do CPTA na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências àquele Código sem expressa indicação em contrário].

1.5. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir em Conferência.



2. DAS QUESTÕES A DECIDIR
A A. impugna as decisões do «CSMP» que não lhe reconheceram o seu direito à jubilação por, alegadamente, não reunir os requisitos legalmente exigidos pelo «EMP», assacando-lhe, em suma, ilegalidade, quer por errada interpretação e aplicação da norma ínsita no art. 148.º, n.º 1, do «EMP» e anexo II, como por infração dos princípios da proteção da confiança [arts. 02.º e 18.º, ambos da CRP], da proporcionalidade [nas dimensões da justa medida, da razoabilidade e da proibição do excesso - art. 18.º da CRP], e da prossecução do interesse público.




3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
Resulta como assente da decisão judicial impugnada:
I) A A. é magistrada do Ministério Público com a categoria de Procuradora-Geral Adjunta, tendo, em 19.09.2016, sido iniciado oficiosamente o procedimento com vista ao seu desligamento do serviço por aposentação/jubilação com efeitos a 07.12.2016, data em que atingia 70 anos de idade, tendo, nessa altura, 36 anos, 06 meses e 12 dias de tempo de serviço.
II) À data em que formulou o referido pedido de aposentação/jubilação encontrava-se a exercer funções junto do Tribunal da Relação ………...
III) Através de carta datada de 16.12.2016, a A. foi notificada do ofício da Caixa Geral de Aposentações [«CGA»], com a referência EAC 232CA.87049/00, datado de 07.12.2016, no qual se informava do reconhecimento do seu direito de aposentação e não à aposentação/jubilação, considerando-se a situação da mesma existente em 07.12.2016, sendo-lhe fixada a pensão para o ano de 2016 no valor de 5.200,28 € - cfr. fls. 32 e 33 do «P.A.» apenso cujo teor aqui se tem por reproduzido.
IV) Em 10.10.2016, a A. foi notificada do acórdão da Secção Permanente do «CSMP», de 06.10.2016, que deliberou no sentido de que: “[…] não reúne a Licª A………….. (…), nem reunirá até ao momento do afastamento obrigatório do serviço por motivos de idade a ocorrer em 7 de dezembro de 2016, as condições necessárias à sua jubilação- cfr. fls. 11 a 15 do «P.A.» apenso cujo teor aqui se tem por reproduzido.
V) A A. apresentou reclamação do acórdão da Secção Permanente do «CSMP», em 31.10.2016, para o Plenário do «CSMP», que, por acórdão de 06.12.2016, indeferiu a reclamação apresentada, tendo mantido o acórdão daquela Secção - cfr. fls. 43 a 50 do «P.A.» apenso cujo teor aqui se tem por reproduzido.
VI) Este acórdão foi-lhe notificado por ofício enviado em 15.12.2016 - cfr. fls. 51 e 52 do «P.A.» apenso cujo teor aqui se tem por reproduzido.

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3.2. DE DIREITO
Assente que se mostra o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação dos fundamentos impugnatórios atrás elencados e nos quais se estriba a pretensão da A..
I. Afirma esta que lhe assiste o direito à jubilação pelo que ao lhe ter sido negado tal direito os atos impugnados padecem de ilegalidade já que em infração do que se mostra disposto no art. 148.º do «EMP» em conjugação com o Anexo II ao mesmo Estatuto.
Analisemos.

II. Não se mostra posto em causa que a A. em 07.12.2016, data em que atingiu o limite de idade, contava 36 anos, 6 meses e 12 dias de tempo de serviço ininterrupto como magistrada do MP [desde 25.05.1982 a 07.12.2016], incluindo o tempo como subdelegada [de 24.01.1975 a 22.06.1976] e o tempo de estágio nos tribunais [de 01.10.1980 a 31.03.1981].

III. Temos, ainda, que àquela data a jubilação da A., enquanto magistrada do MP, estava dependente, nos termos do art. 148.º, n.º 1, do «EMP» em conjugação com o anexo II àquele Estatuto, da verificação cumulativa dos requisitos taxativos da idade e do tempo de serviço [àquela data, respetivamente, de 63 anos e de 39 anos], sendo que, quanto a este, a mesma teria de ter perfeito pelo menos 25 anos de serviço como magistrada, dos quais os últimos 5 prestados ininterruptamente no período que antecedeu a jubilação.

IV. Analisada a factualidade apurada [cfr., nomeadamente, n.ºs I), II), III), IV) e V)] e presente o que deriva do citado quadro normativo, dúvidas não se nos colocam quanto à necessária emissão dum juízo de improcedência da pretensa ilegalidade das deliberações impugnadas por violação do art. 148.º, n.º 1, do «EMP» e anexo II ao mesmo, porquanto manifestamente a A. não cumpre ou não preenche os requisitos cumulativos legalmente exigidos para a sua jubilação, no caso, verificado o da idade falha, todavia, o do tempo de serviço, ou seja, o de 39 anos, por apenas ter perfeito 36 anos, 6 meses e 12 dias de serviço, e apesar de reunir o necessário tempo de serviço, com carácter ininterrupto, como magistrada do MP.

V. Este Supremo havia afirmado no seu acórdão de 22.05.2014 [Proc. n.º 01692/13 consultável in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário], em interpretação e aplicação do art. 67.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais [«EMJ»], preceito este similar ou que tem como seu paralelo no «EMP» o citado art. 148.º, de que “a partir da vigência da nova redação trazida pela Lei n.º 9/2011, de 12/4, ao art. 67.º do EMJ (e, «maxime», ao seu n.º 1) - vigência essa iniciada em 17/4/2011 («ex vi» do art. 2.º, n.º 2, da Lei n.º 74/98, de 11/11) - os requisitos de idade e de tempo de serviço indispensáveis à aquisição do estatuto de jubilado passaram a ser taxativos e incontornáveis, constando do anexo II constante da Lei n.º 9/2011 e por ela aditado ao EMJ”, que o “requisito da idade para se obter a jubilação passou a ser, com a emergência da Lei n.º 9/2011, uma matéria expressamente regulada no EMJ”, e que os “requisitos de idade para a jubilação são imperativos, não admitindo quaisquer jubilações antecipadas relativamente à idade legal”.

VI. E, em aplicação do mesmo regime normativo ao ora em questão no presente caso, este entendimento foi mantido no acórdão deste Supremo de 27.10.2016 [Proc. n.º 1602/15] e, mais recentemente, no acórdão de 11.05.2017 [Proc. n.º 0819/16], referindo-se que o art. 148.º, n.º 1, do «EMP» “indica, de um modo taxativo, quem pode jubilar-se”, sendo que os requisitos nele previstos apresentam-se como incontornáveis para a “obtenção do «status» de jubilado” [sublinhado nosso].

VII. Tal entendimento foi, entretanto, sustentado pelo Pleno deste Supremo no seu acórdão de 06.07.2017 [Proc. n.º 01602/15], posicionamento que sufragamos e que não vemos razão para dele divergir, ou dele nos apartar, termos em que, não satisfazendo a A. os requisitos previstos de modo taxativo no art. 148.º do «EMP» e seu Anexo II, inexiste qualquer ilegalidade no desatendimento por parte do R. dum alegado direito da A. à jubilação.

VIII. Alega, por outro lado, a A. a existência de ilegalidade das deliberações do «CSMP» impugnadas visto assentarem numa interpretação e aplicação do art. 148.º do «EMP» em violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança [cfr. arts. 02.º e 18.º da CRP] e da proporcionalidade [nas dimensões da justa medida, da razoabilidade e da proibição do excesso - art. 18.º da CRP].

IX. Argumenta para tanto que a alteração do regime da jubilação, operada pela Lei n.º 9/2011, através da qual os magistrados do MP deixaram de beneficiar do instituto da jubilação ao atingirem a idade máxima para o exercício de funções, configura uma clara violação das expectativas daqueles magistrados, mormente da A., violadora dos princípios da proteção da confiança e da proporcionalidade, já que aquando do ingresso da mesma naquela Magistratura o regime da jubilação então vigente, que confiou como previsível e durável, estatuía que ela era automática para os magistrados do MP que atingissem 70 anos de idade, idade máxima do exercício de funções, independentemente de outros requisitos, como o tempo de serviço, sendo que a alteração ao «EMP» resultante daquela lei não acautelou a situação dos magistrados que, como a A., se viram automaticamente impossibilitados ou impedidos de aceder à jubilação.
Vejamos.

X. Resultava do n.º 1 do art. 148.º do «EMP» na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 60/98, de 27.08 [correspondente ao anterior art. 123.º, n.º 1, da Lei n.º 47/86, de 15.10 - cfr. art. 01.º da referida Lei n.º 60/98] que “[o]s magistrados do Ministério Público que se aposentem por limite de idade, incapacidade ou nos termos do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação, excluída a aplicação de pena disciplinar, são considerados jubilados

XI. Por força do disposto no art. 04.º da Lei n.º 9/20011, tal preceito passou-se a prever que “[c]onsideram-se jubilados os magistrados do Ministério Público que se aposentem ou reformem, por motivos não disciplinares, com a idade e o tempo de serviço previstos no anexo II da presente lei e desde que contem, pelo menos, 25 anos de serviço na magistratura, dos quais os últimos 5 tenham sido prestados ininterruptamente no período que antecedeu a jubilação, exceto se o período de interrupção for motivado por razões de saúde ou se decorrer do exercício de funções públicas emergentes de comissão de serviço”, derivando do aludido anexo II [«a que se refere o n.º 1 do artigo 148.º»] que: “[a] partir de 1 de janeiro de 2011 - 60 anos e 6 meses de idade e 36 anos e 6 meses de serviço (36,5). (…) A partir de 1 de janeiro de 2012 - 61 anos de idade e 37 anos de serviço (37). (…) A partir de 1 de janeiro de 2013 - 61 anos e 6 meses de idade e 37 anos e 6 meses de serviço (37,5). (…) A partir de 1 de janeiro de 2014 - 62 anos de idade e 38 anos de serviço (38). (…) A partir de 1 de janeiro de 2015 - 62 anos e 6 meses de idade e 38 anos e 6 meses de serviço (38,5). (…) A partir de 1 de janeiro de 2016 - 63 anos de idade e 39 anos de serviço (39). (…) A partir de 1 de janeiro de 2017 - 63 anos e 6 meses de idade e 39 anos e 6 meses de serviço (39,5). (…) A partir de 1 de janeiro de 2018 - 64 anos de idade e 40 anos de serviço (40). (…) A partir de 1 de janeiro de 2019 - 64 anos e 6 meses de idade e 40 anos de serviço (40). (…) 2020 e seguintes - 65 anos de idade e 40 anos de serviço (40)” [sublinhado/evidenciado nosso].

XII. E, sem qualquer normativo específico em termos de vacatio legis, estipulou-se no art. 07.º da mesma Lei, respeitante ao “regime transitório relativo à jubilação”, que “[o]s magistrados judiciais ou do Ministério Público subscritores da Caixa Geral de Aposentações que até 31 de dezembro de 2010 contem, pelo menos, 36 anos de serviço e 60 de idade podem aposentar-se ou jubilar-se de acordo com o regime legal que lhes seria aplicável naquela data, nomeadamente levando-se em conta no cálculo da pensão a remuneração do cargo vigente em 31 de dezembro de 2010 independentemente do momento em que o requeiram” [n.º 1], sendo que “[o]s magistrados judiciais ou do Ministério Público com a jubilação suspensa devem, no prazo de três meses a contar da data de entrada em vigor da presente lei, optar pela mesma ou pela aposentação” [n.º 2].

XIII. Com o novo regime de jubilação dos magistrados do MP previsto no art. 148.º do «EMP» e decorrente da Lei n.º 9/2011, vigente desde 17.04.2011, foram suprimidas do seu âmbito as situações de incapacidade e de limite de idade que até aí nele estavam abrangidas, introduzindo-se, como vimos, a exigência de verificação ou preenchimento por parte daqueles magistrados de requisitos em termos de idade e de tempo de serviço [naquela magistratura e/ou noutras funções exercidas/desempenhadas (vide o n.º 1 do citado artigo) e num quadro temporal evolutivo com crescendo progressivo em termos de idade e tempo em consonância com o definido no citado anexo II].

XIV. A eliminação do elenco das situações em que, nos termos daquele preceito, os magistrados do MP se podem jubilar da situação do limite de idade configurar-se-á como violadora dos princípios constitucionais da proteção da confiança e da proporcionalidade como pretende a A., já que em alegada infração do previsto nos arts. 02.º e 18.º da CRP?

XV. O Pleno de Supremo Tribunal já deu, em parte, resposta a esta questão através do citado acórdão de 06.07.2017 [Proc. n.º 01602/15], onde se concluiu então pela inexistência de violação do princípio da proteção da confiança [arts. 02.º e 18.º da CRP], entendimento que aqui se reitera e cuja linha fundamentadora [ponto 3.2) - §§ XVI a XXXVI] se passará a acompanhar de perto.

XVI. Assim, o referido princípio, corolário do princípio do Estado de direito de democrático, constitui o lado subjetivo da garantia de estabilidade e segurança jurídica, e, consequentemente, da confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica.

XVII. Na verdade, não podemos deixar de ter sempre como presente que o homem para além de liberdade carece de segurança para poder conduzir, planificar, estruturar e conformar de forma autónoma e responsável a sua vida, razão pela qual a vida num Estado de direito democrático terá de estar ancorada necessariamente no princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança.

XVIII. É, assim, que o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos atos do poder, valendo em todas as áreas da atuação estadual através das exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, especialmente, ao legislador, por forma a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos atos que pratica, assistindo-lhe o direito de poder confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações/posições jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam e disciplinam.

XIX. A jurisprudência constitucional produzida sobre o princípio ora em referência mostra-se vasta, relevando nesta sede a que foi produzida no domínio dos regimes de aposentação ou realidades congéneres [cfr., entre outros, os Acs. do Tribunal Constitucional (doravante «TC») n.º 99/99, de 10.02.1999, n.º 580/99, de 20.10.1999, n.º 173/2001, de 18.04.2001, n.º 302/2006, de 09.05.2006, n.º 615/2007, de 19.12.2007, n.º 158/2008, de 04.03.2008, n.º 211/2008, de 02.05.2008, n.º 222/2008, de 17.04.2008, n.º 228/2008, de 21.04.2008, n.º 229/2008, de 21.04.2008, n.º 186/2009, de 21.04.2009, n.º 188/2009, de 22.04.2009, n.º 03/2010, de 06.01.2010, n.º 862/2013, de 19.12.2013, n.º 572/2014, de 30.07.2014, n.º 195/2017, de 26.04.2017, todos consultáveis in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário].

XX. Extrai-se da densificação feita pelo TC quanto ao princípio da proteção da confiança, enquanto tutela das expectativas dos destinatários dos atos da autoridade pública, que para que a confiança seja tutelada é necessário que se reúnam cumulativamente três pressupostos: i) que as expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa tenham sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos; ii) que tais expectativas sejam legítimas, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; e, por último, iii) que o cidadão tenha orientado a sua vida e feito opções decisivas, precisamente, com base em expectativas de manutenção de um determinado regime jurídico [cfr., para além da jurisprudência citada, ainda, entre outros, os Acs. do mesmo Tribunal n.º 287/90, de 30.10.1990, n.º 128/2009, de 12.03.2009, n.º 847/2014, de 03.12.2014].

XXI. Reunidos ou verificados tais requisitos ou “testes”, importará, ainda, como outro requisito cumulativo, proceder ao balanceamento ou contraposição dos interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração legislativa operada no quadro normativo com o interesse público prosseguido ou que fundamentou tal alteração, porquanto, como afirmado pelo TC no acórdão n.º 862/2013 atrás citado, a aplicação do princípio da proteção da confiança “implica sempre uma ponderação de interesses contrapostos: de um lado, as expectativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente; do outro, as razões de interesse público que justificam a não continuidade das soluções legislativas”, sendo que se “[o]s particulares têm interesse na estabilidade da ordem jurídica e das situações jurídicas constituídas, a fim de organizarem os seus planos de vida e de evitar o mais possível a frustração das suas expectativas fundadas” a tal “interesse contrapõe-se o interesse público na transformação da ordem jurídica e na sua adaptação às novas ideias de ordenação social”, pelo que “[c]omo os dois grupos de interesses e valores são reconhecidos na Constituição em condições de igualdade, impõe-se em relação a eles o necessário exercício de confronto e ponderação para concluir, com base no peso variável de cada um, qual o que deve prevalecer” e em que “[o] método do juízo de avaliação e ponderação dos interesses relacionados com a proteção da confiança é igual ao que se segue quando se julga sobre a proporcionalidade ou adequação substancial de uma medida restritiva de direitos”, termos em que “[m]esmo que se conclua pela premência do interesse público na mudança e adaptação do quadro legislativo vigente, ainda assim é necessário aferir, à luz de parâmetros materiais e axiológicos, se a medida do sacrifício é «inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa»”.

XXII. De notar, ainda, que, fora dos casos de retroatividade proibida expressamente previstos na CRP [cfr. seus arts. 18.º, n.º 3, 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, e 103.º, n.º 3], não existe uma proibição geral de retroatividade, não estando, em absoluto, o legislador ordinário impedido de conferir eficácia retroativa a um determinado diploma legal, na certeza, porém, que a mesma constitui uma opção legislativa que carece sempre de ser compatibilizada com os valores constitucionais.

XXIII. Com efeito, se, por um lado, é reconhecida ao legislador uma ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado momento histórico, temos, por outro lado, que as opções legislativas tomadas estão todas sujeitas, em termos da aferição da sua constitucionalidade, ao crivo da razoabilidade e das exigências em sede de segurança e confiança.

XXIV. Não será consentâneo com o princípio da proteção da confiança a aplicação de uma lei nova a efeitos decorrentes de factos anteriores se “a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada”, porquanto numa tal situação “a confiança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer sobre a medida legislativa que veio agravar a posição do cidadão” já que “tendo tal confiança, nesse caso, maior «peso» ou «relevo» constitucional do que o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o conflito se resolva daquela maneira” [cfr. Ac. do TC n.º 232/91, de 23.05.1991], ocorrendo inconstitucionalidade se “atingir de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar” [cfr. Ac. do TC n.º 486/97, de 02.07.1997].

XXV. Resulta, por seu turno, também duma jurisprudência reiterada e constante do TC que “apenas uma retroatividade intolerável, que afete de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático” [cfr., nomeadamente, os Acs. n.º 287/90, n.º 303/90, n.º 302/2006, e n.º 229/2008], sendo que não existe “um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados” [cfr., nomeadamente, para além dos acabados de citar, ainda os Acs. n.º 188/2009, e n.º 847/2014].

XXVI. No caso vertente dúvidas não se colocam que a alteração normativa operada no «EMP», concretamente, no seu art. 148.º, n.º 1, pela Lei n.º 9/2011, visou, para o futuro [cfr. os próprios termos do art. 07.º daquela lei], a sua aplicação ao vínculo jurídico detido ou titulado por cada magistrado do MP ainda no ativo, visto a nova regulação jurídica, não substituindo ex tunc a disciplina normativa existente, atinge as posições jurídicas ou garantias geradas no passado através da reformulação para o futuro dos requisitos de atribuição e reconhecimento do estatuto de jubilado àqueles magistrados, constituindo, assim, uma situação de “retroatividade inautêntica” ou “retroatividade retrospetiva”.

XXVII. Cientes dos considerandos tecidos importa, então, saber e determinar se as expectativas da A. na manutenção e sujeição ao anterior regime estatutário em matéria de jubilação eram legítimas, ou seja, se eram ou são merecedoras da tutela do Direito no quadro do princípio que convoca.

XXVIII. Ora a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustra expectativas legítimas dos destinatários duma norma se estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança da mesma e, em particular, quando hajam formulado pretensão substantiva junto da Administração nos termos ou fundada num regime normativo que lhe conferia um determinado direito e em que, à época da dedução daquela pretensão, os mesmos já reuniam em si os pressupostos efetivos para a concessão de tal direito.

XXIX. E, no caso, não se afigura sustentável que a A. pudesse, legitimamente, haver formado uma expectativa de imutabilidade ou de imodificabilidade estatutária quanto ao regime do instituto da jubilação, tanto mais que o mesmo, pela natureza congénere que possui com o regime da aposentação, envolve também, tal como este, uma previsão genérica de possibilidade de mudança, já que os requisitos se fixam apenas com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à jubilação [no caso, na data em que a mesma atingiu o limite de idade, e sendo, aliás, então que, pela concessão da jubilação, que o interessado adquire o direito à pensão mensal vitalícia], tal como deriva do previsto em matéria de aposentação no art. 43.º do Estatuto da Aposentação [«EA»], preceito que incorpora uma previsão genérica de possibilidade da mudança de regime [cfr., no domínio das “expectativas legítimas” quanto aos regimes de aposentação, entre outros, os Acs. do TC n.º 99/99, n.º 302/2006, n.º 351/2008, n.º 615/2007, n.º 229/2008, e n.º 862/2013].

XXX. Daí que, podendo o regime da jubilação ao longo dos anos vir a ser sucessivamente alterado [seja em sentido favorável, seja em sentido desfavorável aos interesses dos magistrados], isso implicava e implica, desde logo, que a A., até à constituição da sua posição pretensiva de obter a jubilação, teria de admitir como possíveis e/ou admissíveis mudanças supervenientes naquele regime, ainda que imprevisíveis no seu sentido ou momento da aplicação, não parecendo, assim, que se possa afirmar que a alteração em causa afetou expectativas legítimas dos destinatários da norma, nem que a mesma constituísse uma mutação da ordem jurídica com a qual, razoavelmente, os destinatários da norma não pudessem contar.

XXXI. Com efeito, não só o citado art. 43.º do «EA» apontava e aponta no sentido daqueles deverem contar com mutações no regime da jubilação dos magistrados, como isso derivava do afirmado e previsto, nomeadamente, no art. 01.º, n.º 2, al. d), do DL n.º 229/2005, de 29.12, em termos das necessidades de adaptação, nomeadamente, do «EMP», àquilo que estava a ser não só a evolução de todo o quadro normativo geral em matéria de convergência dos regimes de proteção social dos vínculos públicos ao regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões [cfr. também, nomeadamente, a Lei n.º 60/2005, de 29.12], mas, também, como se pode ler na exposição de motivos da proposta de lei n.º 45/XI/2.ª [proposta essa que deu início ao procedimento legislativo que culminou com a publicação da Lei n.º 9/2011 - disponível em: «www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa»], a própria aproximação com o regime geral do «EA», mediante uma revisão da legislação estatutária que clarifique “quais os fundamentos e as condições de reforma, aposentação e jubilação dos magistrados judiciais e do Ministério Público, adaptando-os à evolução do Estatuto da Aposentação para a generalidade dos subscritores da função pública, sem prejuízo das especificidades que justificam um tratamento próprio”, para além do enquadramento geral “numa política de adoção de medidas comuns de consolidação orçamental, com vista a atingir os compromissos assumidos pelo Governo em matéria de redução do défice público” e na “linha de esforço nacional de recuperação financeira introduzida pelo Orçamento de Estado para 2011, que abrange, na mesma medida, toda a Administração Pública e os titulares de órgãos de soberania.

XXXII. Não possuía a A., enquanto magistrada do MP no ativo, qualquer expectativa legítima na imutabilidade ou fixidez do regime estatutário vigente, antes podendo e devendo contar, por força do exposto, com eventuais alterações ao seu estatuto, mormente, em sede de quadro jurídico da aposentação/jubilação, tanto mais que, no quadro normativo em crise, está em causa não um direito adquirido à jubilação por parte da A., mas aquilo que, na jurisprudência constitucional [cfr., entre outros, Acs. do TC n.º 188/2009, n.º 3/2010, e n.º 862/2013], tem sido denominado de “direitos em formação” visto a A., enquanto subscritora e futura beneficiária, poder e ter de contar com a possibilidade de mudança já que o regime da jubilação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se verificam os pressupostos que dão origem à mesma.

XXXIII. A opção tomada em 2011 quanto ao regime normativo do instituto da jubilação assenta, pois, na eliminação da possibilidade de o mesmo ser obtido pelo simples decurso do atingir do limite de idade por parte do magistrado do MP e sem que este disponha do tempo de serviço exigido ou ora tido por necessário, restringindo, assim, o acesso ao mesmo e pressupondo, para tal o legislador, que, ao haver atingido tal limite, o interessado haja desenvolvido ou tido todo um tempo de serviço ou de trabalho [como magistrado do MP e/ou noutras funções públicas e/ou privadas] similar àquele que é exigido para a aposentação, considerando um início de vida ativa numa faixa etária habitual e normal com cumprimento integral das obrigações contributivas.

XXXIV. Para além disso, não se descortina que a exigência como requisito da concessão ou reconhecimento do estatuto da jubilação de determinado tempo de serviço em questão sem estar ligado ou conexionado com o limite de idade, efetuada no quadro dum regime transitório tal como o previsto no art. 07.º da Lei n.º 9/2011, no contexto da adaptação do «EMP» àquilo que estava a ser a evolução de todo o quadro normativo geral em matéria de convergência dos regimes de proteção social dos vínculos públicos ao regime geral da segurança social e de aproximação com o «EA», e, bem assim, através da previsão dum regime legal estatutário contendo uma evolução e desenvolvimento temporal e gradual dos requisitos da idade e do tempo de serviço [cfr., nomeadamente, art. 148.º do «EMP» e anexo II) ao mesmo], se possa configurar como uma normação que, por sua natureza e finalidade prosseguida, atente, de uma forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva, contra os mínimos de certeza, razoabilidade, proporção, segurança e confiança, afrontando o princípio da proteção da confiança [cfr. arts. 02.º e 18.º da CRP], tanto para mais que a situação vivenciada pela A. decorre do facto de, nascida em 07.12.1946, apenas haver iniciado a sua vida laboral ativa e contributiva, como representante do MP, em 24.01.1975, contando já 28 anos de idade.

XXXV. Soçobra, por conseguinte, também este fundamento impugnatório, inexistindo uma qualquer infração do princípio da proteção da confiança [arts. 02.º e 18.º da CRP].

XXXVI. E idêntica conclusão importa chegar quanto às alegadas ilegalidades assentes na infração aos princípios da proporcionalidade [art. 18.º da CRP] e da prossecução do interesse público [art. 04.º do CPA (na redação introduzida pelo DL n.º 4/2015 - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências àquele Código sem expressa indicação em contrário)].

XXXVII. O princípio da proporcionalidade ou da «proibição do excesso», com assento constitucional, nomeadamente, nos arts. 18.º e 266.º, n.º 2 da CRP, constitui padrão de aferição da atuação/decisão em termos da sua ponderação, da sua calculabilidade e mensurabilidade, da racionalidade de fins prosseguidos e de meios empregues.

XXXVII. O mesmo, enquanto princípio geral de limitação do poder público, desdobra-se analiticamente, em termos da ideia valorativa central, em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos, ou seja, a adequação, a necessidade e o equilíbrio [proporcionalidade em sentido estrito].

XXXVIII. Ora não se vislumbra em que medida a alteração do art. 148.º, n.º 1, do «EMP», produzida quanto aos requisitos/exigências da jubilação e no contexto do processo legislativo e pelas motivações que ao mesmo presidiram e foram já supra enunciadas, constitua uma violação do princípio da proporcionalidade, dado não se descortinar que uma tal exigência se consubstancie numa ação ou medida desadequada aos fins pretendidos/prosseguidos com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos [princípio da conformidade ou adequação de meios], ou que a mesma, mercê do legislador dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato, se revele como desnecessária ou excessivamente restritiva para alcançar os fins em vista [princípio da exigibilidade ou da necessidade], ou ainda que a exigência feita, mormente à A. e demais magistrados no ativo, se revele como excessiva, injusta, por descalibrada com os fins prosseguidos [princípio da proporcionalidade em sentido estrito], desrazoável ou excessiva a»], sendo que nada nos factos alegados pela A. e apurados nos autos nos permite também chegar uma tal subsunção e conclusão.

XXXIX. Preceitua-se n.º 1 do art. 266.º da CRP que a “[a] Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, sendo que em concretização daquele comando constitucional o legislador ordinário veio dispor no art. 04.º do CPA, sob a epígrafe de “princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos”, que “[c]ompete aos órgãos da Administração Pública prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.

XL. É certo que o interesse público constitui o motivo condutor ou norteador da Administração pública na sua atividade, e que a definição do que o mesmo seja ou corporize envolve conteúdo variável, já que a sua concretização está dependente da evolução dos tempos ou do permanente devir, e comporta quer uma perspetiva mais ampla [entendido como o interesse coletivo, o interesse geral duma determinada comunidade, o bem comum], quer uma perspetiva mais restrita [correspondendo ao núcleo das necessidades a que a iniciativa privada não pode ser chamada a prosseguir ou responder e que se revelam como vitais para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos seus membros], estando vedada àquela, sob pena de ilegalidade e da sujeição dos prevaricadores a outras sanções, a possibilidade de prossecução de interesses particulares ou privados, cientes de que na sua atuação a mesma está limitada pelo princípio do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos.

XLI. Analisada a situação vertente e aquilo que corporiza o quadro normativo que a disciplina e que foi a atuação desenvolvida pelo R., não se descortina em que medida haja qualquer infração do princípio da prossecução do interesse público, porquanto aquele, no quadro das suas atribuições e competências, não desenvolveu atuação tendente à realização ou prossecução de um interesse privado ou de um interesse público diferente do que se mostra definido por lei para o exercício da competência em causa, não enfermando as deliberações impugnadas de ilegalidade por violadoras deste princípio.

XLII. Não se depreende dos termos das deliberações em crise que a autoridade demandada haja desenvolvido conduta que a afaste da prossecução do interesse público de que estava e está legalmente imbuída no exercício das concretas competências neste domínio, ou que a mesma haja desvirtuado a prossecução daquele interesse, pelo que inexiste infração ao princípio ora em crise.

XLIII. Por tudo o que exposto, não assiste qualquer procedência nos fundamentos de ilegalidade aduzidos pela A. nos autos, soçobrando, assim, na totalidade a sua pretensão.



4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em julgar totalmente improcedente a presente ação administrativa, absolvendo o R. do pedido.
Custas a cargo da A..
D.N..

Lisboa, 11 de janeiro de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) - Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.