Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0670/13
Data do Acordão:06/26/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
OPOSIÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - O meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão, com fundamento em erro de facto e de direito dos pressupostos da reversão e demais ilegalidades imputadas ao despacho de reversão, é a oposição à execução, e não o processo de impugnação judicial, dado que se trata de fundamentos que se reconduzem a fundamentos de oposição à execução (art. 204º do CPPT).
II - Sendo intempestiva a utilização do meio processual para o qual se pretende convolar não deve ser ordenada a convolação, sob pena da prática de actos inúteis.
Nº Convencional:JSTA000P16019
Nº do Documento:SA2201306260670
Data de Entrada:04/26/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A………., com os sinais dos autos, deduziu impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, da reversão da execução fiscal contra a devedora originária, “B…………, L.da., que julgou procedente a excepção de erro na forma de processo, com o consequente indeferimento liminar da Impugnação.

2. Não se conformando com tal decisão, A………… interpôs recurso para a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentou as suas Alegações, com as seguintes Conclusões:
“1- O artigo 99.º do CPPT apresenta um amplo campo de aplicação.
2- Por um lado, este normativo legal não limita a “ilegalidade” ao acto tributário stricto sensu.
3- Por outro lado, o uso do vocábulo “designadamente” importa a não taxatividade do elenco legal constante da norma.
4- Nesta medida, o recurso à impugnação judicial não pode ser restringida pelos tribunais, através de uma interpretação restritiva inaceitável da norma do art.99.º do CPPT, vedando aos administrados o acesso ao direito e à justiça.
5- De facto, a Administração incorreu numa ilegalidade ao praticar um acto administrativo que extravasa os limites legalmente impostos; ilegalidade que não pode deixar de considerar-se abrangida pela ratio da norma prevista no art.99.º do CPPT!
6- Acresce ainda que ocorreu a ilegalidade prevista na alínea d) do art.99.º do CPPT (a saber, “preterição de outras formalidades legais”), na medida em que o art.º 23.º, n.º 2 da L.G.T. estabelece a exigência da excussão prévia dos bens do devedor principal (e dos eventuais devedores solidários), formalidade que não foi cumprida.
7- Tendo ainda sido violados os artigos 2 e 266.º da Constituição da República Portuguesa, os quais impõem que seja resposta a justiça!
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente a impugnação judicial apresentada pelo ora recorrente, substituindo-a por outra que a admita, por se apresentar idónea ao pedido formulado pelo mesmo, considerando-se o mesmo enquadrado nos fundamentos previstos no art.º 99.º do CPPT, seguindo-se os ulteriores termos processuais.”

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. O Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, emitiu douto Parecer, onde conclui:
“(…) embora na previsão “aberta” do art. 99.º do C.P.P.T. seja de admitir que o mesmo possa ser utilizado noutros casos não expressamente referidos, não só os mesmos são ainda apenas os indicados no dito parecer, como os utilizados se enquadram nos fundamentos previstos no art. 204.º do C.P.P.T., nomeadamente, quanto à falta de responsabilidade na parte final da sua al. b) e quanto à dita preterição de formalidade do acto de reversão ainda na sua al. l).
E a norma prevista no art. 460.º do C.P.C. é a de o processo especial se aplica aos casos expressamente previstos, a qual é de aplicar subsidiariamente, nos termos do previsto art. 2.º al. e) do C.P.P.T., e com as consequências consideradas no despacho recorrido, não sendo já possível a convolação naquela outra forma de processo.
Aliás, tal o que vem sendo decidido pela jurisprudência reiterada deste S.T.A., de que a título de exemplo se cita o acórdão de 2-5-2012 proferido no proc. 0300/12, de que se reproduz o sumário tal como consta em www.dgsi.pt.
“I - O meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão, com fundamento em falta de fundamentação deste ou outros vícios a tal acto imputados, é a oposição à execução, e não o processo de impugnação judicial, dado que se trata de fundamentos que se reconduzem a fundamentos de oposição à execução (art. 204.º do CPPT).
II - Sendo intempestiva a utilização do meio processual para o qual se pretenda convolar não deve ser ordenada a convolação.
III - A impugnação deduzida pelo responsável subsidiário há-de incidir sobre ilegalidades do próprio acto de liquidação que gerou a dívida que lhe é imputada, e não sobre eventuais e posteriores vícios do procedimento de reversão.”
3. Concluindo, parece que o recurso é de improceder, sendo de confirmar o decidido.”.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1-DE FACTO
A sentença, sob recurso, deu como assente a seguinte matéria de facto:
“• Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças Braga — 2, a execução 3425201201011251, cuja executada originária era “B……….., Lda.”, foi revertida contra o aqui Impugnante, no valor global de €41 433, 66 — cfr. despacho de reversão de fls. 9 e seguintes dos autos;
• Em 6 de Agosto de 2012 foi o Impugnante, A………., citado do despacho de reversão, cfr. fls. 24 e seguintes dos autos;
• Em 5 de Novembro de 2012, foi apresentada a presente Impugnação, cfr. fls. 3.”


2.1. Das questões apreciar e decidir

O ora recorrente deduziu impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga contra o despacho de reversão do qual foi citado no âmbito do processo de execução fiscal nº 3425201201011251.
A fundamentar a impugnação refere-se, na petição inicial, designadamente que a “reversão em causa é, desde logo, ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito porquanto inexistem fundamentos para sua efectivação, e por preterição de outras formalidades legais” (art. 3º da Petição).
Invoca também a impugnante que a Administração Fiscal incorre em erro ao fundamentar a reversão no art. 24º, nº 1, da LGT, o qual exige a culpa do responsável subsidiário, como pressuposto da reversão, o que não se verifica no caso em apreço.
Finalmente, alega-se também que a reversão da execução contra o responsável subsidiário não precedida da prévia excussão dos bens do responsável principal, consubstancia uma derrogação do benefício expressamente concedido pela LGT, ou seja, consubstancia uma ilegalidade, nos termos do art. 99º do C.P.P.T” (art. 26º da Petição). A ora recorrente termina pedindo a anulação do acto impugnado.
Por despacho proferido pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, foi liminarmente indeferida a impugnação e absolvida a Fazenda Pública da instância.
Para tanto, ponderou-se, na sentença recorrida, entre o mais, que o impugnante põe em causa o despacho de reversão, alegando a ilegitimidade dos Impugnantes, terminando pedindo que seja decretada a anulação do referido despacho, pelo que o meio processual adequado seria a oposição judicial. Julgando-se procedendo o erro na forma do processo, tal como suscitado pelo Ministério Público, na primeira instância, a Mmª Juíza “a quo” conclui pela impossibilidade de convolação, “por manifesta extemporaneidade, dado que se mostra ultrapassado o prazo de 30 dias, contados da citação pessoal, a que alude o art. 203° n°1 a) e n° 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, face às datas das citações realizadas e da instauração da Impugnação”.
Contra este entendimento se insurge o recorrente alegando, em síntese, que a ilegalidade em causa não pode deixar de cair na previsão ou ratio da norma prevista no art.99.º do CPPT, mais propriamente “na alínea d) do art.99.º do CPPT (a saber, “preterição de outras formalidades legais”), na medida em que o art.º 23.º, n.º 2 da L.G.T. estabelece a exigência da excussão prévia dos bens do devedor principal (e dos eventuais devedores solidários), formalidade que não foi cumprida”.
E o recorrente termina considerando que “são ainda violados os artigos 2 e 266.º da Constituição da República Portuguesa, os quais impõem que seja reposta a justiça!”.
Em face das conclusões, que são as relevantes para aferir do objecto e âmbito do recurso [cfr. arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, e o art. 2º, alínea e), do CPPT], o objecto do presente recurso traduz-se em averiguar se a sentença recorrida fez correcto julgamento ao absolver a Fazenda Pública da instância por o impugnante ter utilizado um meio processual impróprio, com impossibilidade de convolação.

2.2. Como ficou dito, a sentença recorrida decidiu no sentido da verificação do erro na forma do processo, que se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado. Dito por outras palavras, se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo.
No caso dos autos, os pedidos formulados em juízo, tal como sintetizados no ponto 2.1., são a ilegalidade do despacho de reversão por erro nos pressupostos de facto e de direito, porquanto inexistem fundamentos para sua efectivação, designadamente porque não existe culpa do responsável subsidiário, tal como exigido no art. 24º da LGT, e porque a reversão não foi precedida da excussão dos bens do responsável principal. Invoca ainda o recorrente a preterição de outras formalidades legais, bem como “Tendo ainda sido violados os artigos 2 e 266.º da Constituição da República Portuguesa, os quais impõem que seja resposta a justiça!”
Atentos os fundamentos invocados, verifica-se que os mesmos se enquadram na figura da oposição (art. 204º do CPPT) e que este seria, por conseguinte, o meio processual adequado para todos e cada um deles, como bem decidiu a sentença recorrida.
Nos termos do disposto no nº 4 do art. 22º da LGT, «as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais».
Resulta do referido preceito que os responsáveis subsidiários podem deduzir oposição à execução fiscal, segundo o disposto nos arts. 203.º e 204.º do CPPT e podem impugnar judicialmente a liquidação, nos termos gerais, a partir da data da sua citação [art. 102.º, n.º 1, alínea c), do CPPT] no processo de execução.
Acontece que, tal como ficou consignado, designadamente no Acórdão deste Supremo Tribunal de 27/6/2012, proc nº 508/12, “tais meios de defesa têm campos de aplicação distintos e o citado por reversão, na escolha que deles faça, tem que ter em conta qual a pretensão de tutela judicial a deduzir e os fundamentos que a suportam”.
De acordo com jurisprudência reiterada e pacífica deste Supremo Tribunal, a impugnação judicial constitui o meio processual típico que a lei oferece para reacção contra o acto tributário de liquidação dos tributos, com fundamento em qualquer ilegalidade (art. 99.º e segs. do CPPT).
Por sua vez, no que se refere ao despacho de reversão, despacho proferido na própria execução e no qual se decide a reversão no âmbito daquela, como se pode ler no Acórdão atrás referido, “o meio processual para o sindicar terá de ser encontrado entre aqueles que a lei prevê para os interessados defenderem os seus interesses nessa execução: a reclamação prevista no art. 276.º do CPPT ou a oposição à execução fiscal com os fundamentos constantes do n.º 1 do art. 204.º do mesmo Código.
“Aliás, continua-se no referido acórdão, “destinando-se o instituto da reversão a chamar à execução fiscal outro executado, e representando-se aí uma alteração subjectiva daquela instância executiva, faz sentido que, no que respeita aos fundamentos que impliquem a invocação de ilegalidades quanto a esse chamamento, o meio processual adequado a utilizar seja um dos que estão previstos para esse regime e no qual se asseguram ao visado todas as garantias de defesa, e não a impugnação, que tem outro campo de aplicação”.
No caso sub judice, como deixámos dito, não é a legalidade da liquidação que está em causa, mas sim a legalidade do despacho de reversão proferido em sede de execução fiscal, quer por falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, quer por falta de outras formalidades legais invocadas pela da Impugnante ora recorrente.
Ora, estas questões não podem ser discutidas em impugnação judicial e devem, isso sim, ser apreciadas em sede de oposição à execução fiscal, tanto mais que a reversão é um acto praticado no âmbito desse processo.
Em suma, tal como afirmado no Acórdão de 27/6/2012, “(…) destinando-se o instituto da reversão a chamar à execução fiscal outro executado, e representando-se aí uma alteração subjectiva daquela instância executiva, faz sentido que, no que respeita aos fundamentos que impliquem a invocação de ilegalidades quanto a esse chamamento, o meio processual adequado a utilizar seja um dos que estão previstos para esse regime e no qual se asseguram ao visado todas as garantias de defesa, e não a impugnação, que tem outro campo de aplicação”.
Improcedem, desta forma, as alegações e respectivas conclusões do recorrente.
Por outro lado, também não merece qualquer reparo a sentença recorrida quando conclui que “os autos não podem ser aproveitados para prosseguirem como Oposição, por manifesta extemporaneidade, dado que se mostra ultrapassado o prazo de 30 dias, contados da citação pessoal, a que alude o art. 203° n°1 a) e n°2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, face às datas das citações realizadas e da instauração da Impugnação.
Assim, a ordenar-se a convolação, incorrer-se-ia na prática de um acto inútil, a que o tribunal deve obstar: art. 137° do Código de Processo Civil”.
Com efeito, constitui jurisprudência reiterada e pacífica deste Supremo Tribunal que “Sendo intempestiva a utilização do meio processual para o qual se pretende convolar não deve ser ordenada a convolação” (cfr., entre outros, o acórdão de 2/5/2012, proc nº 300/12).
Improcedem, pois, as alegações e respectivas conclusões do recorrente, mantendo-se a sentença recorrida.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 26 de Junho de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.