Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:066/15
Data do Acordão:04/28/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
CONVOLAÇÃO
Sumário:I – Do despacho do relator que julgou verificada a excepção de incompetência material e absolveu a entidade demandada da instância não cabe recurso para o TCA mas reclamação para a conferência.
II – Não há lugar a convolação do recurso em reclamação para a conferência se aquele foi apresentado já depois de esgotado o prazo legalmente previsto para a reclamação.
Nº Convencional:JSTA000P20457
Nº do Documento:SA120160428066
Data de Entrada:05/21/2015
Recorrente:ASSOCIAÇÃO A.......
Recorrido 1:FED PORTUGUESA DE FUTEBOL E OUTRAS
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1. Associação A………, devidamente identificada nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 25.09.14, invocando para o efeito o n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

2. No recurso interposto do acórdão do TCAS, a recorrente formulou as seguintes conclusões (cfr. fls 676 e ss):

“1. Considerando as questões enunciadas, a intervenção do Venerando Supremo Tribunal Administrativo assume-se como necessária para assegurar uma melhor aplicação do direito, pelo que estão preenchidos todos os pressupostos do recurso de revista, previstos no n.º 1 do art.º 150º do CPTA.

2. Estando em causa um despacho saneador, que, salienta-se, é da competência própria do Relator, a não aceitação do recurso, nos termos evidenciados no acórdão de que se recorre, viola os artigos 27.º, 87.º, 141.º e 142. do CPTA e 20.º da CRP, na medida em que a matéria está excluída da imposição normativa de reclamação para a conferência.

3. A aceitação do recurso, nos termos dos artigos 140.º e seguintes do CPTA, limita a possibilidade de decidir esta questão, na medida em que se assenta que a mesma estava ultrapassada – assim é, também, considerando que, no presente, estamos perante um despacho saneador sentença, proferido com competência própria.

4. O prazo de interposição de reclamação para a conferência seria sempre o prazo de recurso jurisdicional e não o prazo supletivo de 10 dias, o que permitiria, no presente, convolar o recurso em reclamação para a conferência, desde que respeitado o prazo de 30 dias – o que sucedeu;

5. Pelo que o acórdão recorrido viola o artigo 27.º e 140.º a 144.º do CPTA e o artigo 2.º e 20.º, 267.º e 268.º da CRP e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 47.º da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais e o artigo 10.º Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicáveis no nosso ordenamento jurídico por recepção material, por via do artigo 8.º da CRP, ilegalidades e inconstitucionalidades que, desde já, expressamente se invocam, para todos os efeitos legais.

Termos em que e com o douto suprimento de V. Exas., que se peticiona, o Acórdão recorrido deve ser revogado com todas as consequências legais”.

3. A recorrida contra-alegou, concluindo do seguinte modo (cfr. fls 703 e ss):

“Assim, e em conclusão, deve atender-se a que:

A) o objecto do recurso circunscreve-se à questão suscitada pela decisão recorrida que recusou a admissão do recurso, interposto pela ora Recorrente, da decisão proferida pelo juiz Relator, em primeira instância, por entender que da mesma cabia «reclamação para a conferência, (...) e não recurso jurisdicional», e que, como «o prazo de 10 dias exigido para a apresentação daquela reclamação para a conferência, encontrava-se precludido na data da apresentação do recurso, pelo que não era possível a indicada convolação»;

B) é uniforme a jurisprudência dos tribunais administrativos no sentido do alcance e amplitude do disposto nas normas do art. 27º n. 1 e 2 conjugadas com as do art. 87º, n.1, todas do CPTA, segundo os quais, do saneador-sentença, proferido pelo juiz singular, cabe reclamação para a conferência, no prazo de 10 dias, e não diretamente recurso jurisdicional;

C) tal entendimento foi definitivamente consolidado pelo Acórdão do Pleno do STA nº 420/12, de 5 de junho de 2012;

D) pelo que às partes e aos tribunais cabe acolher o entendimento consagrado, não sendo especialmente relevante a questão aqui suscitada pela Recorrente;

E) além de que o interesse da Recorrente não tem repercussão social relevante, antes constituindo um mero interesse privado, sem expressão que justifique excepcionar o regime excepcional do recurso de revista para o STA das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo — art. 150º, n.os 1 e 2 do CPTA;

F) por outro lado, a legalidade constitucional deste regime é matéria assente pelo acórdão nº 420/12, de 5/6/2012, que decidiu que este regime «não viola qualquer preceito constitucional, designadamente os invocados pela recorrente (ali semelhantes ao aqui invocados pela ora Recorrente), pois a reclamação para a conferência é uma forma como outra qualquer de reagir contra decisões desfavoráveis que não limita – antes acrescenta – as formas de reação.”;

G) Este entendimento encontra-se expresso na decisão recorrida, a qual, fazendo correta interpretação da lei, não merece qualquer reparo e deverá ser confirmada, quer pela impossibilidade de admissão do presente recurso quer, no limite de raciocínio, a ser admitido e apreciado, sempre haveria o douto acórdão recorrido ser confirmado por bem aplicar a lei, no entendimento uniforme deste superior tribunal.

Por todo o exposto, deve ser negado provimento ao recurso por inadmissível e por infundado e, em consequência, manter-se a douta decisão recorrida, com todas as necessárias consequências, com a condenação da Recorrente no pagamento das custas e demais despesas a que deu causa com o presente recurso.”

4. Por acórdão da formação de apreciação preliminar, proferido em 08.04.2015, o recurso de revista interposto nos termos do artigo 150º do CPTA foi admitido, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

“O acórdão recorrido, ao não reconhecer do recurso, invocou especialmente diversa jurisprudência relacionada com o conhecimento de decisões de mérito. A recorrente intenta a diferença entre decisões de mérito e decisões, em saneador, de absolvição da instância. Recentemente, neste Supremo, foi julgado caso similar – acórdão de 29.1.2015, processo 99/14 – tendo-se seguido a tese geral de que das decisões do relator (e por haver relator, nos TAF, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do respectivo tribunal), há lugar a reclamação, ainda que de despachos em saneador de absolvição da instância. Todavia, esse acórdão foi lavrado com um voto de vencido. Pode, assim, considerar-se que a matéria, ainda neste Supremo, não está plenamente consolidada.
Deste modo, justifica-se a admissão da revista, pelas razões que também a justificaram naquele processo 99/14 (Neste mesmos termos, ac. de 12/03/2015, Proc. 59/15)”.

5. O Digno Magistrado do MP junto deste Supremo Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se pelo provimento parcial deste recurso de revista (fls 719 e ss). Em síntese, considerou improcedente o recurso na parte em que contestava a necessária reclamação para a conferência, e considerou-o procedente na parte em que sustenta o entendimento de que o prazo de reclamação para a conferência deve ser o do prazo do recurso jurisdicional, para assim permitir a convolação em reclamação de recurso tempestivamente interposto. Mais concretamente, considerou o MMMP que “não nos parece exigível que à data da interposição do recurso do despacho saneador (26/04/2011), a recorrente devesse ter usado para sua impugnação de diligência superior à considerada naquelas instâncias como adequada e ajustada à impugnação das decisões de mérito proferidas pelo relator, nos termos do artº 27º, nº 1, i) do CPTA, interpondo dele reclamação para a conferência e não recurso, contrariando a praxe processual e o entendimento jurisprudencial corrente nesta matéria”. Mais ainda, sublinha que “o uso desse meio processual de impugnação, admitido em primeira instância, não mereceu sintomaticamente qualquer oposição da recorrida, tudo de harmonia com a orientação dominante”. E ainda, “Neste contexto, a tutela da confiança e a certeza jurídica fazem certamente relevar atuações processuais das partes conformes à prática judiciária então considerada correta, a qual, perante a constatada ambiguidade do quadro normativo aplicável, se revelou fortemente indutora do erro de escolha do meio impugnatório devido”.

6. O parecer do MMMP, objecto de contraditório, mereceu resposta discordante da R., aqui recorrida (fls 732 e ss), que, em síntese, afirmou ser de desatender o parecer em apreço e, em consonância, “ser negado provimento ao recurso por inadmissível e por infundado”.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

São estes os factos, colhidos dos autos, com pertinência para a apreciação e decisão do presente recurso de revista:

(i) Associação A………. intentou acção administrativa especial contra a ora recorrida, Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e outros, peticionando a anulação do acórdão proferido pelo Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, de 12.08.08, que condenou a Associação B……….., e, ainda, o ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais gerados por aquele acto (cfr. p.i. de fls 3 e ss).

(ii) À acção administrativa especial foi fixado o valor de € 382.684,63 (fl. 24);

(iii) O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa) por meio de saneador-sentença, de 11.03.11 (que aqui se dá por reproduzido), julgou procedente a excepção de incompetência material do tribunal suscitada pela R., absolvendo a mesma da instância (fls. 512 e ss).

(iv) A A. interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), que, por decisão datada de 05.06.14 (que aqui se dá por reproduzida), determinou o seguinte: “Face ao exposto, suscita-se a questão da inadmissibilidade do recurso por falta de prévia reclamação para a conferência” (fl. 650).

(v) Na sequência de exposição apresentada pela ora recorrente (fls 654-654v.), o mesmo TCAS, por acórdão de 25.09.14 (que aqui se dá por reproduzido), decidiu não admitir o recurso interposto, “por ser legalmente inadmissível” (fls. 658 e ss).

2. De direito:

2.1. Decorre das conclusões das alegações de recurso que a recorrente pretende ver resolvida a questão que consiste em saber se podia ter recorrido imediatamente para o TCAS da decisão proferida individualmente por juiz na primeira instância ou se deveria, prévia e obrigatoriamente, dela reclamar para a conferência.
A recorrente impugna o acórdão do TCAS que, como se revela pela sua leitura, decidiu duas coisas: (i) rejeitou o recurso, porque da sentença impugnada não cabe recurso ordinário para o TCA, mas reclamação para a conferência; (ii) considerou impossível a convolação, porque quando foi interposto o recurso já havia decorrido o prazo de 10 dias para a reclamação.

Por acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal veio a ser admitida a revista por se entender que ainda não havia uma orientação jurisprudencial consistente. Efectivamente, aí se afirmou o seguinte: “Recentemente, neste Supremo, foi julgado caso similar – acórdão de 29.1.2015, processo 99/14 – tendo-se seguido a tese geral de que das decisões do relator (e por haver relator, nos TAF, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do respectivo tribunal), há lugar a reclamação, ainda que de despachos em saneador de absolvição da instância. Todavia, esse acórdão foi lavrado com um voto de vencido. Pode, assim, considerar-se que a matéria, ainda neste Supremo, não está plenamente consolidada”.

Entretanto, foram proferidos por este STA uma série de acórdãos que incidiram sobre questão algo semelhante, envolvendo a aplicação do artigo 27.º, nomeadamente do seu n.º 2, do CPTA (vejam-se os acórdãos do STA de 25.11.15, Proc. n.º 733/15, de 03.12.15, Proc. n.º 59/15 e Proc. n.º 204/15, de 07.01.16, Proc. n.º 552/15 e Proc. n.º 1886/13 – proferidos em sede de despacho saneador). De forma sintética, em todos eles – que tiveram por objecto despachos saneadores absolutórios – se decidiu no sentido de que cabe reclamação para a conferência – e não recurso – de decisão proferida por juiz singular em acção administrativa especial de valor superior à alçada.

Todos os arestos acabados de mencionar se reportam a situações em que foi proferido despacho saneador absolutório em virtude de se ter concluído pela verificação de uma excepção, com a consequente absolvição da instância.
Interessa-nos sobretudo o acórdão de 25.11.15, Proc. n.º 733/15, tirado por unanimidade, que estabelece orientação pertinente para o caso dos autos, da qual não vemos motivo para divergir. Atentemos no que aí se diz:

“A norma organizativa prevista no artigo 40º, nº 3, do ETAF, tem primazia sobre as regras processuais constantes ou deduzíveis do CPTA e do CPC.
Essa norma rege para as «acções administrativas especiais de valor superior à alçada». E ela não se limita a afirmar que o julgamento dessas acções compete a uma «formação de três juízes»; pois também diz que, nessas acções, o TAC «funciona em formação de três juízes».
Ao estatuir que o TAC «funciona» assim, o artigo 40º, nº 3, do ETAF está evidentemente a dizer que tais acções estão, «ab initio et interim», sujeitas a esse regime de funcionamento – em vez dessa «formação de três juízes» só aparecer na fase de julgamento propriamente dita, se e quando existir.
Aliás, o artigo 40º, nº 3, não distingue entre as fases de saneador e de julgamento. A falta dessa distinção aponta logo para que não devamos distingui-las [«ubi lex non distinguit…»], pelo que o «julgamento» referido na norma não será apenas o realizável «in fine». E isto, que é meramente sugerido pela parte final da norma, recebe plena confirmação da sua parte inicial – onde se diz que, ao longo das acções aí previstas, o tribunal «funciona em formação de três juízes».
E a simples presença desta regra traz uma consequência imediata: funcionando o TAC «em formação de três juízes», algum deles terá de processar os autos, intervindo neles como relator. Portanto, o juiz do TAC a quem o processo for distribuído intervém nele na qualidade de relator.
Sendo assim, o despacho saneador em que o relator decida uma acção administrativa especial de valor superior à alçada está sujeito a reclamação para a conferência, nos termos do artigo 27º, nº 2, do CPTA; pois só este meio impugnatório intercalar permite que as acções do género sejam julgadas nos TAC’s pela «formação de três juízes» encarada – no artigo 40º, nº 3, do ETAF – como o modo próprio de funcionamento desses tribunais de 1ª instância”.

Esta orientação jurisprudencial responde cabalmente ao problema que a recorrente pretende ver resolvido. Não obstante, quer a recorrente, quer o MMMP no seu parecer colocaram questões pertinentes que urge apreciar.

2.2. Assim, e desde já, aquele último sublinha a circunstância de que, no momento em que a recorrente interpôs o seu recurso do despacho saneador de 26.04.11 ainda não havia propriamente consenso sobre a questão que subjaz à presente controvérsia, pelo que exigir que a recorrente optasse pela reclamação para a conferência consubstancia um atentado à tutela da confiança e à certeza jurídica.
Esta questão foi tratada no Acórdão deste STA, de 26.06.14, Proc. n.º 1831/13. Vejamos o que aí se constatou:

“Não é, desde logo, exacto dizer-se que existia uma prática nos Tribunais Administrativos admitindo o recurso em vez da reclamação em casos idênticos, responsável pelos erros dos mandatários das partes, na escolha do meio impugnatório adequado. Havia, sem dúvida, alguma prática nesse sentido, mas não era uniforme, como decorre da existência de um acórdão uniformizador de jurisprudência e do acórdão proferido pelo TCA que aí se apreciou e manteve.
Note-se que o Supremo Tribunal Administrativo, muito antes do acórdão uniformizador, tinha decidido que a forma adequada de reagir contra a decisão do juiz singular, em casos semelhantes, era a reclamação e não o recurso (acórdão de 19-10-2010, proferido no processo n.º 0542/10, publicado desde essa data na base de dados da DGSI com o seguinte sumário: “da decisão do juiz relator sobre o mérito da causa, proferida sob a invocação dos poderes conferidos pelo art. 27º, n.º 1, al. i) do CPTA, cabe reclamação para a conferência, não recurso)”.
Nem se tratava de algumas inusitadas posições da jurisprudência, pois desde 2006, que MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA (no CPTA anotado, Coimbra, 2006, vol I, pág. 94) se referiam a esse regime específico. Regime jurídico que, em termos técnico-jurídicos, era o regime certo, como reconheceu ARMINDO RIBEIRO MENDES, CAJ, 97, pág. 26 e seguintes, e como também sublinhou este Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão, proferido em formação alargada, em 5-12-2013 (processo 01360). Note-se, ainda, que o Tribunal Constitucional decidiu: “não julgar inconstitucional a norma constante do art. 27º, n.º 1, al. i) e n.º 2, do CPTA, interpretado com o sentido de que das sentenças proferidas no âmbito das acções administrativas especiais de valor superior à alçada do Tribunal singular ao abrigo da referida al. i) do n.º 1, do art. 27º, não cabe recurso ordinário para o Tribunal Central Administrativo, mas apenas reclamação para a conferência.” – cfr., Acórdão do TC n.º 846/2013, proferido em 10-12-2013, no processo n.º 576/13.
O entendimento acolhido no acórdão uniformizador de jurisprudência foi, como se demonstrou, (i) o entendimento correcto, (ii) veio ao encontro da jurisprudência do STA, (iii) de alguma jurisprudência do TCA e (iv) de entendimento doutrinal relevante, não podendo dizer-se que existiam razões para se falar em erro induzido por uma “praxe” processual e, com fundamento nesse alegado “erro”, modificar regras legais sobre o prazo da reclamação.
Finalmente, não admitir a convolação fora do prazo legal, corresponde ao entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr. entre outros o acórdão de 28-3-2012, proferido no processo 0618/11 e o acórdão de 22-2-2011, proferido no processo 0449/10: “não pode convolar-se em reclamação para a conferência o recurso da decisão do relator para o Pleno da 1ª Secção, se o recurso tiver sido interposto depois de esgotado o prazo da reclamação”) e nem sequer cria uma situação de injustiça, se tivermos em conta os interesses de ambas as partes. Vigorando, no processo, o princípio da igualdade das partes (art. 6º do CPTA) a posição jurídica da parte que pretende o trânsito da decisão favorável é processualmente tão relevante como a posição da parte que dela pretende recorrer para além do prazo legal. Admitir a reclamação da decisão de mérito, para além do respectivo prazo, equivale a afastar o trânsito em julgado de uma decisão favorável à contra - parte. Vistas as coisas na perspectiva de ambas as partes, não existe qualquer razão material para dar mais protecção ao interesse do reclamante do que ao interesse da outra parte”.

Ainda sobre esta última questão, veja-se o Acórdão do STA de 26.04.14, Proc. n.º 1831/13, que dispõe que “Podemos admitir que o Tribunal a quem for erradamente dirigida uma pretensão pode decidir sobre a admissibilidade da convolação, e, por razões de economia processual, indeferir essa possibilidade quando for evidente que a mesma não pode ser admitida. O que não podia era considerar, desde logo, verificado um pressuposto processual (tempestividade) do meio processual adequado, quando este devia ser apresentado noutro Tribunal.
Deve dizer-se, ainda relativamente ao entendimento acolhido no acórdão recorrido, que se os princípios anti-formalistas e tutela da confiança, justificavam alterar a lei sobre o prazo da reclamação, por maioria de razão justificavam alterar a lei quando ao meio processual idóneo. Se havia consequências jurídicas a extrair da violação da confiança e dos princípios a que apelou, a consequência mais adequada a salvaguardar proteger tais princípios, designadamente o da confiança, era agir de acordo com a expectativa criada, e, portanto, o conhecimento do recurso (como recurso), em vez de levantar oficiosamente a questão prévia da sua inadmissibilidade”.

Finalmente, o próprio Tribunal Constitucional teve já a oportunidade de se debruçar sobre esta questão, designadamente no Acórdão n.º 577/15, não considerando inconstitucional a exigência da reclamação prévia para a conferência.

2.3. Outra questão pertinente, desta feita suscitada (embora não de forma muito explícita) pela recorrente, prende-se com a questão de o despacho saneador do TAC de Lisboa ter sido proferido ao abrigo do artigo 87.º e não do artigo 27.º, n.º 1, al. i), ambos do CPTA.
Também sobre esta questão se pronunciou já este STA, agora no Acórdão do STA de 29.01.15, Proc. n.º 99/14. Aí se disse o seguinte:

“Determina o art. 40º, nº 3, do ETAF que “nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”.
Por sua vez, estabelece o art. 27º, nº 1, do CPTA, que, “Compete ao relator sem prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código: (…)”. E, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, “dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência”.
Um dos poderes concedidos ao relator é o de, findos os articulados, proferir despacho saneador, quando deva conhecer obrigatoriamente de todas as questões que obstem ao conhecimento do objecto do recurso (cfr. art. 87º, nº 1, al. a) do CPTA).
Ora, a decisão proferida foi-o precisamente ao abrigo do disposto no art. 87º, nº 1, al. a) do CPTA, tendo a 1ª instância julgado procedente a excepção da inadmissibilidade do pedido subsidiário formulado pelas Autoras.
Mas por se tratar de um despacho do relator, daquela decisão cabia reclamação para a conferência, no prazo de 10 dias, por aplicação do artigo 29º, n.º 1, do CPTA e não directamente recurso jurisdicional.
Tal reclamação é para a conferência do próprio tribunal de 1ª instância.
Conforme escreve o Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Dicionário de Contencioso Administrativo”, a pág. 620 (entrada Relator, 2.):
«Dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, que constitui o único meio de reacção de que dispõe a parte que se considere prejudicada, e que se destina a permitir que o relator leve o processo à conferência de modo a que sobre a matéria do despacho recaía um acórdão. Se a conferência confirmar o despacho do relator, o interessado poderá então lançar mão do recurso jurisdicional quando este seja admissível, impugnando a decisão colegial perante o TCA, quando seja proferida pelo tribunal administrativo de círculo funcionando em formação de três juízes (…)».
Também Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Vol. I, 2004, anotação IV ao art. 27º do CPTA, págs. 221 e 222, referem que:
«Quanto à competência do relator em matéria de actos e efeitos processuais específicos, há que tomar em conta não apenas o disposto nas diversas alíneas deste art. 27.º, mas também os demais poderes que lhe estejam esparsamente atribuídos no Código, de maneira explícita ou implícita, como sucede, por exemplo, no caso, do art. 58.º/4, da alínea a) do art. 87º.º/1 e do art. 90.º/1 e 2».
Ou seja, de acordo com o estabelecido no art. 27º, nº 2 do CPTA, só não há lugar a reclamação para a conferência relativamente a despachos de mero expediente, a despachos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no TCA que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal, havendo lugar a essa reclamação quanto a todos os outros despachos do relator.
É que, como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no CPTA anotado, 2ª ed. revista, 2007, sobre o art. 27º, nº 2), págs. 223 e 224:
«Estes poderes do relator, alguns verdadeiramente decisivos – porque não apenas moldam mas, às vezes, definem o destino do processo ou do pedido, a sua procedência ou decadência – tinham de ter uma «válvula de escape» para assegurar que quem controla ou julga o processo é, em última instância, o tribunal colectivo, não um dos seus juízes.
Daí que a possibilidade prevista neste n.º 2 de as partes reclamarem para a formação de juízes, para a conferência, dos actos e despachos do relator, a fim de os fazer reapreciar (e revogar ou substituir) em acórdão subscrito por todos os juízes, incluindo o reclamado.
É nesta reclamação que reside o contrapeso dos poderes que a lei, por inquestionáveis regras de eficiência, desafogo e celeridade judicial, conferiu ao relator em detrimento da competência «natural» do colectivo»”.

2.4. Por último, e relativamente à aplicação ao caso dos autos do acórdão de uniformização de jurisprudência deste STA de 05.06.12, Proc. n.º 420/12, e, ainda, do acórdão, proferido em formação alargada, de 05.12.13, Proc. n.º 1360/13, ambos surgidos em momento ulterior ao da interposição do recurso para o TCAS, tanto a recorrente como o MMMP colocam a questão da sua inconstitucional aplicação retroactiva. Uma vez mais, já é possível encontrar na jurisprudência deste Supremo Tribunal uma orientação que responde a esta objecção. Atentemos no que é dito no Acórdão do STA de 15.05.14, Proc. n.º 1695/13:

“Nos termos da alegação, o problema jurídico central a resolver, do qual depende a decisão a proferir, é o de saber se os efeitos da jurisprudência unificada devem abranger todos os recursos ou se, como defende o recorrente, devem restringir-se apenas aos recursos interpostos a partir da publicação do acórdão unificador, deixando imunes os recursos pendentes interpostos antes da publicação do citado Acórdão nº 3/2012.
Passamos a apreciar.
Como vimos, o tribunal a quo entendeu, com os fundamentos supra enunciados, que, no caso concreto, a despeito de o recurso ter sido interposto antes da publicação do acórdão de uniformização de jurisprudência, não havia razão para se apartar da interpretação nele perfilhada em relação ao sentido e alcance do artigo 27º/1/i)/2 CPTA e, por consequência, rejeitou o recurso.
E, a nosso ver, a despeito da mestria da alegação da revista, não há razão para decidir de outro modo.
O recorrente, repete-se, não discorda da jurisprudência veiculada pelo acórdão uniformizador. E, convém com o tribunal a quo em que o acórdão de uniformização de jurisprudência não inovou em termos legais e se limitou a interpretar uma lei que já existia.
Esta ideia comum está, a nosso ver correcta.
Na verdade, apesar da sua força persuasiva e da influência marcada que, de acordo com a sua finalidade, passou, por essa via, a exercer sobre a aplicação e interpretação do direito (Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos do Novo Código de Processo Civil”, p. 381), certo é que os efeitos dispositivos do acórdão uniformizador esgotaram-se no âmbito das decisões que foram objecto de recurso para uniformização de jurisprudência (art. 152º/5/6 CPTA). A sua decisão não se estendeu a outras situações passadas nem passou a valer como prescrição obrigatória para o futuro.
Não é, pois, um acto jurisdicional normativo (Cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, in “Introdução do Estudo do Direito”, pp. 139-142). E esta é a chave. Por não o ser, não é rigoroso falar-se em “aplicação” do acórdão e, contra o que defende o recorrente, não há que seguir qualquer analogia com as regras de aplicação retroactiva das leis (cfr. art. 12º CC) (Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Introdução ao Estudo do Direito”, p. 138), de molde a justificar que aos recursos interpostos anteriormente à sua publicação se aplique a norma do art. 27º/1/i) do CPTA com uma interpretação diferente da que nele se perfilhou”.

Em face de todo o exposto, entende-se que não colhem as objecções – pertinentes, é certo – dirigidas à impossibilidade de convolação do recurso em reclamação uma vez que se tenha esgotado o prazo para a interposição desta última.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 28 de Abril de 2016. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes (voto apenas a decisão tendo em consideração o princípio decorrente do nº 3 do art.º 8.º do Cod. Civil, no que respeita à questão do prazo para a convolação).